Cuzco/Lima

A manhã de minha partida de Cuzco foi sem chuva, o que me deixou mais tranqüilo, pois me preocupava algum problema ou atraso no vôo por culpa da chuva. Fechei a conta no hotel e logo embarquei num taxi rumo ao aeroporto. Os taxis na cidade são baratos e não existe taxímetro, é tudo na base da negociação. Não levou nem dez minutos para chegar ao aeroporto e pude conhecer um pouco mais da periferia da cidade, pela janela do carro. 

Meu vôo seria pela Star Peru, uma companhia aérea de médio porte e com aviões de tamanho médio. Fiz os tramites para despachar bagagem e fui para a sala de embarque. Lá descobri que meu vôo atrasaria em pouco mais de uma hora. Então sentei no chão perto de uma tomada e fiquei usando o computador. Encontrei as duas australianas que faziam parte do outro grupo que fez a Trilha Inca. Conversamos rapidamente e mostrei a elas um pequeno vídeo que fiz delas dançando. Elas ficaram vermelhas de vergonha e pediram para que eu enviasse o vídeo para o email delas. 

E finalmente chegou a hora do embarque e do adeus a Cuzco. Diferente das muitas horas de ônibus que levei de Lima até Cuzco, o retorno seria de apenas uma hora de vôo. O aeroporto de Cuzco é complicado para aterrissagens, pois fica entre muitas montanhas e o piloto tem que fazer uma manobra radical para pousar. Ele executa uma virada lateral de 180 graus, algo mais comum a aviões de guerra. Já para decolar não é necessário executar tal manobra, então embarquei mais tranqüilo. Por mais que eu viaje de avião, não consigo gostar de voar, prefiro sempre ter os pés no chão. 

O vôo foi tranqüilo e comecei a ler o livro do Bingham que tinha comprado no dia anterior. Do meu lado foi uma peruana que começou a puxar conversa. Quando soube que eu era brasileiro, ela me encheu de perguntas. Disse que seu sonho é conhecer o Rio de Janeiro, o carnaval. Falei a ela que o Brasil tem lugares mais interessantes e menos violentos que o Rio de Janeiro, para ela conhecer.  E entre a leitura do livro e a conversa com a peruana, o vôo transcorreu tranqüilo, ou melhor, quase tranqüilo. Um pouco antes de chegar a Lima, teve uma turbulência daquelas inesperadas e que assustam bastante. E para descer em Lima o piloto executou a manobra de 180 graus que ele está habituado a executar para descer em Cuzco. Foi assustador e minha labirintite deu as caras, fiquei tontinho. Com certeza essa foi uma das piores aterrissagens que já fiz.

No desembarque em Lima me despedi da peruana e liguei para o taxista que conheci dias antes. O telefone dele não atendia, acho que era seu dia de folga. Então o jeito foi encontrar outro taxista e seguir rumo ao centro da cidade. Ficaria em Lima até a manhã seguinte, quando então embarcaria para o Brasil.

Despedida do hotel.
Painel de vôos em Cuzco.
Passagem da Star Peru.
Avião da Star Peru, no aeroporto de Cuzco.

De volta a Cuzco

Após retornar da Trilha Inca, passei parte do primeiro dia em Cuzco na cama, dormindo. Levantei depois do meio-dia, fazia frio e chovia sem parar. Tive uma noite maravilhosa de sono, onde recuperei todo o sono atrasado e mandei embora o cansaço acumulado. O quarto do hotel estava convidativo, quentinho e não dava vontade de sair dele. Mas a fome bateu e precisei sair. Andei poucos metros na rua e me senti mal por culpa da altitude. Não tinha tomado chá de coca em nem as pílulas para soroche, como tinha feito todos os dias na Trilha Inca. 

Precisava encontrar um local para comer e que não fosse comida peruana. Pensei no Mac Donald’s, mas lembrei de ter visto na Plaza de Armas um Bembos, que é uma cadeia de lanches peruana, cópia do Mac. Resolvi ir lá experimentar e gostei do lanche que escolhi. E o preço é ainda mais em conta que no Mac. Com a barriga cheia resolvi dar uma volta pelo centro e fazer umas comprinhas, mas chovia muito. Molhei o pé, fiquei com frio e resolvi voltar para o hotel. Fiquei um tempão usando a internet no quarto até a chuva parar. Então no final da tarde caminhei pelo centro, fiz algumas compras, principalmente de lembrancinhas para levar para a família e para os amigos e conheci alguns pontos turísticos importantes do centro. Tinha bem mais coisas interessantes para conhecer e existem muitos passeios nas proximidades da cidade, mas com tanta chuva não deu vontade de ir. 

Um dos lugares que visitei foi uma faculdade e foi meio sem querer. Ela fica ao lado de uma das igrejas da Plaza de Armas e pensei que estava entrando na igreja. Quando me dei conta tinha entrado na faculdade. Bem que achei estranho a cara de espanto que o segurança fez quando na entrada falei para ele que ia entrar para visitar o lugar. Acredito que aquele não seja um ponto turístico da cidade… rs! Depois fui visitar ás igrejas, mas diante de ser preciso pagar ingresso para entrar, acabei desistindo. Não pelo preço, mas sim em razão de meus princípios. Vejo ás igrejas como a casa de Deus e que devem estar sempre abertas para receber aqueles que necessitam de um lugar para entrar e orar. Então achei absurdo ter que pagar para entrar. E umas das igrejas era jesuíta, e como trabalhei muitos anos para os jesuítas, bem sei que a Companhia de Jesus tem muito dinheiro e não precisa ficar cobrando ingresso para entrar em suas igrejas. Tanto a igreja jesuíta, quanto a catedral que fica na Plaza de Armas, tem seus altares cheios de ouro. Esse ouro foi roubado dos incas e a custo de muito sangue. Mas essa é outra história que prefiro não debater aqui. Nessas igrejas com altares de ouro é proibido fotografar. Mas dei um jeitinho e tirei uma foto do lado de fora da igreja, onde bem ao fundo aparece parte do altar todo em ouro. Não fiz nada de errado, não existia nenhuma placa informando que era proibido fotografar da rua em frente a igreja. A única igreja que entrei foi em uma que fica também no centro, mas um pouco mais distante da Plaza de Armas. Entrei na igreja no horário da missa e não precisava pagar ingresso. Seria um grande absurdo se cobrassem ingresso para assistir a missa. Em meus passeios acabei encontrando pela rua alguns argentinos que conheci na Trilha Inca.

Um ponto turístico que fiz questão de visitar foi à “pedra de 12 ângulos”. Ela fica em uma rua lateral à Plaza de Armas, cerca de 50 metros. É um muro inca com uma construção mais recente em cima. Do outro lado da ruela tem um muro espanhol, imitação mal acabada dos muros incas. Esse muro inca aparece no filme “Diários de Motocicleta”, na visita de Che Guevara a Cuzco. Diz a lenda que Che, ao comparar o muro inca com um muro espanhol disse: “Esse é o muro dos Incas. Esse outro é o muro dos incapazes”.

Continuei com meu passeio pelo centro, aproveitando que a chuva tinha dado uma trégua. Encontrei um mercadinho que vendia muitos produtos americanos. Então aproveitei para comprar alguns chocolates americanos e manteiga de amendoim, algo que não encontro no Brasil. Andei mais um pouco visitando as lojinhas e comprei um livro escrito pelo Hiram Bingham, sobre a descoberta de Machu Picchu. Eu tinha procurado esse livro no Brasil e nunca encontrei. Já em Cuzco existiam várias versões desse livro, tanto em espanhol, como em inglês. Alguns com fotos originais da época, outras versões sem foto e até versões com fotos atuais. E os preços também variavam muito. Mais algumas compras e fui jantar no Bembos. Voltei para o hotel, descansei um pouco e saí dar uma volta antes que o comércio fechasse, o que ocorre ás 22h00min. Aproveitei para tomar uma Inca Kola, um refrigerante peruano muito apreciado pelos locais. Tem gosto de chiclete tutti frutti, achei horrível. Dei uma última volta pela Plaza de Armas e fui assediado por um monte de rapazes que distribuíam ingressos gratuitos para algumas danceterias que funcionam no centro. O assédio era intenso, os rapazes quase brigavam entre si e tentavam me convencer a entrar numa das danceterias. Como era de graça resolvi entrar numa delas para ver como era, mas não me demorei muito. Toca somente música técno, o que detesto. O local até que estava cheio, a maioria bebendo e fumando umas “ervas”. Aquilo não era ambiente para mim, achei melhor ir para o hotel arrumar minhas coisas e descansar, pois no dia seguinte seguiria para Lima.

Plaza de Armas sob chuva.
Ao fundo o altar de ouro da igreja jesuíta.
Bembos.
Plaza de Armas no final do dia.
Na balada...

De volta a Aguas Calientes

Sair de Machu Picchu e voltar a Águas Calientes, me deixou com uma sensação de quero mais. Não ter entrado em Machu Picchu caminhando pela Trilha Inca, e não ter subido até Wuayna Picchu, me deixou meio frustrado e com vontade de voltar ao Peru o mais breve possível para fazer o que ficou faltando.

Descer a montanha de ônibus foi mais rápido do que subir. Descemos na rua, na esquina do restaurante onde deixei a mochila. Eram 15h00min e mal entramos no restaurante começou a chover forte. Os guias peruanos estavam todos ali, tomando cerveja. Fui cumprimentá-los e acabei sofrendo o maior acidente de toda a viagem. Escorreguei no piso molhado e bati a mão em uma coluna. Senti uma dor terrível e o local logo ficou inchado. Coloquei gelo, mas não aliviou muito. No final do dia toda a região em volta do lugar da batida estava roxa e muito dolorida. Fiquei com receio de que fosse algo grave, tamanha era a dor e a aparência ruim com que o ferimento ficou. Achei isso irônico, pois tinha passado dias no meio do mato, correndo enormes riscos de me machucar, talvez até morrer (muitos já morreram na Trilha Inca) e fui me machucar justamente ao entrar num restaurante, o que parecia ser um lugar seguro. Meu escorregão acabou chamando a atenção de todos que estavam no restaurante naquela hora, muitos turistas, até um casal de brasileiros. Em seguida chamamos atenção novamente, pois meu irmão e a garçonete meio que se atrapalharam ao arrumar a mesa e ela derrubou um copo no chão. Mais uma vez todos olharam em nossa direção e para piorar os peruanos gritaram em coro: Brasil, Brasil, Brasil, Brasiiiiiillll !!!! Foi um grande mico e tive vontade de me esconder debaixo da mesa.

Eu meu irmão almoçamos uma pizza e tomamos um litro de Coca-Cola gelada. Após alguns dias comendo a horrível comida servida na trilha, foi muito bom comer algo descente. Os peruanos logo foram embora, deram tchau e dificilmente voltarei a ver algum deles novamente em minha vida. Ainda estávamos comendo quando algumas pessoas do meu grupo chegaram para pegar suas mochilas. E aos poucos foi chegando o restante do pessoal. A chuva tinha aumentado muito e ninguém mais quis ficar passeando por Machu Picchu debaixo de tanta água. Logo meu irmão foi para a estação de trem e fui com ele. Despedimos-nos e dei uma volta por uma enorme feira de artesanato que existe ao lado da estação. Tem muita coisa bonita, mas os preços são para turistas endinheirados, o que não é meu caso. Vi muita coisa feita de prata, algo que achei que seria barato ali. Mas não, é tudo mais caro que no Brasil. Acho que os espanhóis roubaram todo o ouro e prata do Peru, que agora qualquer objeto feito com esses metais é muito caro. A cidade é pequena e como chovia muito resolvi voltar logo para o restaurante.

Até o horário de ir pegar o trem, fiquei no restaurante conversando com o pessoal. Acabei ficando numa mesa muito animada, junto com os dois colombianos do grupo, o Juan e sua esposa Cecília, a Carolina, a Roxana e por último chegou o Che. Fizeram alguns brindes com um tipo de caipirinha feita com pisco, uma bebida local. Acabei tendo que participar dos brindes e tive que tomar um pouco de pisco. O chato nesse tipo de viagem onde você acaba fazendo parte de um grupo de desconhecidos, é que a viagem termina justamente quando você finalmente ficou enturmado e fez muitas amizades. Daí todos se separam e nunca mais se encontram novamente.

Já estava escuro quando fomos para a estação e a chuva continuava firme. Fui um dos últimos a embarcar e logo o trem partiu. Gosto de viajar de trem, mas a noite não da para ver nada, ainda mais com chuva. Os locais por onde íamos passar são interessantes, com paisagens bonitas, mas não dava para ver nada. O jeito foi ficar olhando para dentro do trem. O pessoal ficou jogando baralho do meu lado. Conversei um pouco e depois fiquei quieto pensando na vida. Estava cansado e as duas horas de viagem não foram das melhores. Descemos na estação de Ollantaytambo, pois o trecho até Cuzco está interrompido desde ás fortes chuvas de março do ano passado. Fomos caminhando até um enorme estacionamento onde estavam muitas vans e ônibus esperando o pessoal que desembarcava do trem. Logo encontramos nosso ônibus e tivemos que esperar que fizessem uma chamada demorada e confusa, até que pudéssemos embarcar. Acabei indo parar no ônibus onde estava quase todos do outro grupo que sempre andou próximo a nós. Sentei-me na segunda poltrona atrás do motorista e ao meu lado estava o inglês com quem caminhei junto no final do terceiro dia de trilha. Na poltrona a minha direita duas australianas, a Kylah e sua amiga cujo nome não lembro. O ônibus era desconfortável, e teríamos mais duas horas de viagem pela frente, até Cuzco. Tentei dormir mas foi impossível quando vi as manobras imprudentes que o motorista fazia. Ele corria feito louco e fazia somente ultrapassagens perigosas. Era de dar medo e o sono logo foi embora. O radio do ônibus estava ligado, tocando umas músicas peruanas. Teve uma hora que começou a tocar Leonardo, cantando em espanhol. Comecei a rir…

Chegamos a Cuzco com chuva e muito frio. O ônibus parou numa praça perto da Plaza de Armas e ali desembarquei junto com mais cinco conhecidos. Despedi-me do pessoal e fui para o hotel, distante 200 metros. Cheguei à portaria do hotel e logo encontraram a reserva que eu tinha deixado feita antes de partir para a Trilha Inca. Aproveitei para pegar a mochila que tinha deixado guardada no depósito do hotel. Estava tudo em ordem, nada faltando ou sobrando. Era quase meia noite quando entrei no quarto. Tomei um banho não muito quente, pois a água não esquentava direito e caí na cama. Após seis noites mal dormidas, ou dormidas com pouco conforto, finalmente eu poderia dormir muitas horas numa cama confortável e quentinha. Para garantir dormi com o aquecedor do quarto ligado. A sensação era boa, de missão cumprida. Eu vivi quatro dias intensos e inesquecíveis percorrendo a Trilha Inca e conhecendo Machu Picchu. Agora era descansar, pensar na volta ao Brasil e depois na próxima viagem, na próxima aventura…

Eu e meu irmão.
Duas coisas que adoro: Pizza e Coca-Cola.
o ferimento na mão, que piorou muito nas horas seguintes.
Muitos brindes com pisco.
Che, eu, Juan e Cecília.
No trem.
O pessoal jogando baralho no trem.
Desembarcando em Ollantaytambo.

Cuzco

Cuzco é uma cidade muito alta, com 3.310 metros de altitude. Seu nome significa “umbigo”, no idioma quíchua (língua Inca) e por isso é chamada pelos locais de “umbigo do mundo”. Sua população atual é de cerca de 300 mil habitantes. Sua principal característica é ter a cidade colonial espanhola assentada sobre a cidade inca, feita com as maiores pedras do império e as mais arredondadas, preservando seu traçado e sua engenharia e hidráulica. Um dos pontos turísticos mais visitados da cidade é o Templo do Sol dos Incas, ou Coricancha. Esse templo foi um dos mais importantes lugares de culto do Império Inca, edificado em honra ao sol. Muitas de suas paredes eram revestidas em ouro na direção ao sol nascente. Em seu interior haviam muitos tesouros, saqueados na colonização espanhola. Hoje abriga o Convento de Santo Domingo. Outra visita obrigatória na cidade é a pedra dos 12 ângulos e uma torre reconstruída após o terremoto de 1650. A Plaza de Armas ou Plaza Mayor, ladeada por construções que abrigam nos recuos corredores de lojas de artesanato, é o ponto de encontro da cidade. Ajardinada, ampla, festiva, com cenários inesquecíveis vistos de qualquer de seus quatro lados.

Cuzco se expande pelo vale que forma o rio Huatanay e pelos montes vizinhos. Seu clima é geralmente seco e temperado. Tem duas estações definidas: uma de secas entre abril e outubrro, com dias ensolarados, noites frias e temperatura média de 13 °C; e outra chuvosa, de novembro a março, temperatura média de 12 °C. Nos dias ensolarados a temperatura alcança 20 °C. Por sua antiguidade e importância histórica, o centro da cidade conserva muitos edifícios, praças e ruas de épocas pre-hispânicas assim como construções coloniais, o que motivou ser declarada Patrimônio Mundial em 1983, pela UNESCO.

Cuzco era o mais importante centro administrativo e cultural do Império Inca. Depois do fim do império, em 1532, o conquistador espanhol Francisco Pizarro, invadiu e saqueou a cidade. A maioria dos edifícios incas foi arrasada pelos clérigos católicos com o duplo objetivo de destruir a civilização inca e construir com suas pedras e tijolos as novas igrejas cristãs e demais edifícios administrativos dos dominadores, desta forma impondo sua pretensa superioridade européia. A maioria dos edifícios construídos depois da conquista é de influência espanhola com uma mistura de arquitetura inca, inclusive a igreja de Santa Clara e San Blas. Freqüentemente, são justapostos edifícios espanhóis sobre as volumosas paredes de pedra construídas pelos incas. De forma interessante, o grande terremoto que ocorreu na cidade em 1950, destruiu uma construção de padres dominicanos, expôs que esta fora erigida em cima do Templo do Sol, que curiosamente resistiu firmemente ao terremoto. Esta teria sido a segunda vez que aquela construção dos dominicanos fora destruída, sendo que a primeira vez fora no terremoto de 1650 quando a construção espanhola era bem diferente.

Outros exemplos da arquitetura inca são: a fortaleza de Machu Picchu que se situa no final da Estrada Inca (Trilha Inca), a fortaleza Ollantaytambo, e a fortaleza de Sacsayhuaman que fica aproximadamente a dois quilômetros de Cuzco. A área circunvizinha, situada no vale de Huatanay, tem uma agricultura forte, com o cultivo de milho, cevada, quinino, chá e café, além da mineração de ouro. Por dados arqueológicos e antropológicos estudou-se o verdadeiro processo da ocupação de Cuzco. O consenso aponta a que, devido ao colapso do reino de Taypiqala, produziu-se a migração de seu povo. Este grupo de cerca de 500 homens teria se estabelecido paulatinamente no vale do rio Huatanay, processo que culminaria com a fundação de Cuzco. É desconhecida a data aproximada, porém, graças a vestígios, há um consenso que o local onde se localiza a cidade já se encontrava habitado há 3000 anos. Porém, considerando unicamente seu estabelecimento como capital do Império Inca (meados do século XIII), Cuzco aparece como a cidade habitada mais antiga de toda América. Foi a capital e sede de governo do Reino dos incas e seguiu sendo ao iniciar-se a época imperial, tornando-se a cidade mais importante dos Andes. Esta posição lhe deu proeminência e a converteu no principal foco cultural e eixo do culto religioso. Atribui-se ao governante Pachacuti ter feito de Cuzco um centro espiritual e político. Pachacuti chegou ao poder em 1438, e ele e seu filho Túpac Yupanqui dedicaram cinco décadas à organização e conciliação dos diferentes grupos tribais sob seu domínio, entre eles os Lupaca e os Colla. Durante o período de Pachacuti e Túpac Yupanqui, o domínio de Cuzco chegou até Quito, ao norte, e até o rio Maule, ao sul, integrando culturalmente os habitantes de 4.500 quilômetros de cadeias montanhosas.

Os conquistadores espanhóis souberam desde sua chegada ao que é hoje território peruano que sua meta era tomar a cidade de Cuzco, capital do império. Logo ao capturar o inca Atahualpa em Cajamarca, iniciaram sua marcha até Cuzco. No caminho fundaram muitas cidades. A luta pela capital foi encarniçada, porém, da mesma forma que nos demais combates, os conquistadores obtiveram a vitória. Em 15 de novembro de 1535, Franscico Pizarro estabeleceu o domínio espanhol na cidade de Cuzco, estabelecendo como Praça de Armas, o local que ainda mantém a cidade moderna e que era também a praça principal durante o império inca e que se encontrava rodeada dos palácios dos soberanos incas. No lado norte iniciou-se a construção da Catedral. Pizarro outorgou a Cuzco a denominação “Cuzco, Cidade Nobre e Grande” em 23 de março de 1534..

A cidade se converteu em um importante centro comercial e cultural dos Andes centrais, já que se encontrava nas rotas entre Lima e Buenos Aires. Porém, a administração do vice-reinado preferiu a povoação de Lima (fundada dois anos depois da tomada de Cuzco, em 1535) e principalmente a proximidade desta com o porto natural que seria Callao para estabelecer a cabeceira de seus domínios na América do Sul. A cidade já é mencionada no primeiro mapa conhecido sobre o Peru. Cuzco tornou-se o centro da administração do Vice-reino do Peru no sul do país, sendo no início a povoação mais importante, em detrimento das cidades recentemente fundadas de Arequipa e Moquegua. Sua população era principalmente de indígenas pertencentes à aristocracia inca a quem se respeitou alguns de seus privilégios. Também se radicaram alguns espanhóis. Nessa época iniciou-se o processo de mestiçagem cultural que hoje marca a cidade. O desenvolvimento urbano viu-se interrompido por vários terremotos que, em mais de uma ocasião, atingiram a cidade. Em 1650 um terremoto violento destruiu quase todos os edifícios coloniais. Em 1780 a cidade de Cuzco viu-se convulsionada pelo movimento iniciado pelo cacique José Gabriel Condorcanqui, Tupac Amaru II que levantou-se contra a administração espanhola. Seu levantamento foi sufocado depois de vários meses de luta, quando foram postas em xeque as autoridades espanholas estabelecidas em Cuzco. Tupac Amaru II foi vencido, feito prisioneiro e executado cruelmente junto com toda sua família na Praça de Armas de Cuzco. Ainda hoje existe, na lateral da Igreja da Companhia de Jesus, a capela que serviu de prisão ao líder. Este movimento se expandiu rapidamente por todos os Andes e marcou o início de processo de emancipação sulamericano.

O Peru declarou sua independência em  1821 e a cidade de Cuzco manteve sua importância dentro da organização político-administrativa do país. De fato, criou-se o departamento de Cuzco que abrangia inclusive os territórios amazônicos até o limite com o Brasil. A cidade foi a capital deste departamento e a cidade mais importante do sudeste andino. A partir do século XX, a cidade iniciou um desenvolvimento urbano num ritmo maior que o experimentado até esse momento. A cidade estendeu-se aos vizinhos distritos de Santiago e Wanchaq. Em  1911, partiu da cidade a expedição de Hiran Bingham que o levou a descobrir as ruínas incas de Mchu Picchu.

Em 1950 um terremoto sacudiu a cidade causando a destruição de mais de um terço de todos seus edifícios. A cidade começou a constituir-se como um foco importante de turismo e começou a receber um maior número de turistas. Desde os anos 1990, a atividade turística tomou um especial papel na economia da cidade com a consequente ampliação de atividades hoteleiras. Atualmente Cuzco é o principal destino turístico do Peru.

A catedral de San Blas, na Plaza de Armas.
Uma das belas ruas de Cuzco.
Nos becos de Cuzco.
Plaza de Armas.
Ruas de Cuzco.

Em Cuzco

Caminhando sob chuva e a cada minuto mais aliviado por ter recuperado minha mochila, fui seguindo meio sem rumo pelas ruas da cidade. Resolvi entrar numa lan house para fugir da chuva e também pra dar notícias ao pessoal de casa. Perguntei onde ficava a Plaza de Armas, que é o centro da cidade e em cuja região pretendia me hospedar. E junto perguntei sobre a rua onde ficava a agência onde eu devia fazer o pagamento da segunda parcela do pacote para a Trilha Inca. No Brasil eu havia pago 50% do valor para a empresa Brasil de Mochila e agora deveria quitar o restante junto a agencia local e obter informações para a partida rumo a Trilha Inca no dia seguinte. Descobri que estava bem próximo de ambos os endereços que procurava, então resolvi seguir a pé. Primeiro passei na agencia do senhor Rimber, mas o mesmo não estava. Então resolvi seguir para a Plaza de Armas. Após caminhar alguns metros senti uma forte tontura e então me lembrei do mal de altitude, mais conhecido como soroche. Os sintomas do soroche são: dor de cabeça, tontura, dores de estômago e cansaço. A cidade de Cuzco fica a 3.400 metros acima do nível do mar, nessa altitude o ar tem baixa pressão atmosférica e conseqüentemente menos oxigênio. Com baixa pressão de oxigênio, os glóbulos vermelhos (hemácias) não conseguem pegar a quantidade mínima de oxigênio para o correto funcionamento do metabolismo e não “rendem” o que deveriam. Resumindo, fiquei com dor de cabeça e dificuldade para respirar, no popular, me faltava ar. Também fiquei meio tonto, parecia que minha antiga labirintite tinha vindo fazer uma visita. Diante de tal quadro acabei não conseguindo encontrar o hotel que tinha visto na internet e acabei entrando em um que achei simpático e cujo preço era igual ao que pesquisei na net. O hotel estava bem localizado, muito próximo a Plaza de Armas, que é o point da cidade.

Fiz os tramites burocráticos e me hospedei no Hotel Sol Plaza Inn. O hotel era simpático e mais tarde descobri que o local tinha sido o antigo Palácio Qasana, residência do Inca Pachacuteca. Descansei um pouco e logo saí para comprar alguns itens que faltavam para levar para a Trilha Inca. Também aproveitei para passar em uma farmácia e comprar algumas Sorojchi Pills, pílulas que ajudam a combater o mal de altitude. Não precisei comprar uma caixa, me venderam quatro pílulas a granel. Liguei para o dono da agência e ele mandou uma funcionária até o hotel receber o restante do pagamento pela Trilha Inca e também me explicar os detalhes finais do que estava contratando. Voltando para meu quarto, no caminho vi duas moças e notei sobre uma mesa onde uma delas separava alguns papéis, uma identidade brasileira. Puxei conversa e descobri que eram quatro amigas viajando juntas, todas do Rio de Janeiro. Três estava fazendo aniversário meio juntas e me convidaram pra mais tarde comer o bolo. Saí mais algumas vezes do hotel para conhecer as redondezas e também para comprar água e um bastão para caminhada, o que seria muito útil na trilha.

Sentia-me cada vez mais tonto e tomei um pouco de chá de coca e masquei algumas folhas de coca. O gosto era horrível, mas deu uma boa aliviada na tontura. Andei mais um pouco pelas proximidades do hotel, comprei água, chocolate e um casaco. Estava fazendo frio em Cuzco e fiquei com receio de que na Trilha Inca estivesse muito frio e os casacos que trouxera do Brasil não fossem suficientes. Voltei ao hotel e encontrei ás quatro cariocas: Renata, Alessandra, Patrícia e Fabiana. Cantamos parabéns, comemos bolo e conversamos um pouco. Elas iam embora de Cuzco naquela noite, rumo à cidade de Puno. Despedi-me delas, deixei o endereço do blog e fui para o quarto descansar e arrumar minha mochila para no dia seguinte encarar a Trilha Inca. Arrumar a mochila foi complicado, pois não podia levar muito peso pra carregar na trilha, pois além do peso tornar a caminhada mais difícil, venho de duas hérnias de disco e não posso arriscar a exagerar no peso e machucar minha coluna novamente. Sei que fiquei um longo tempo colocando e tirando coisas da mochila, até que cheguei numa definição do que levaria. No final a mochila pesava uns 12 quilos e como nesse peso estavam computados duas garrafas de água e alguns biscoitos e chocolate, a tendência era que o peso da mochila fosse ficando menor a cada dia de caminhada. Levei água suficiente para o primeiro dia e meio e algumas pílulas bactericidas para colocar na água que pegaria nas montanhas após meu estoque de água engarrafada acabar.

Antes de ir dormir resolvi ir fazer um lanche e como não sou fã de comidas locais, me garanti indo no único McDonalds da cidade, que ficava a pouco mais de 100 metros do hotel. Na fila do caixa um cara ficou me olhando e perguntou se eu era brasileiro ao me ouvir falar “obrigado” e não “gracias” para a atendente do caixa. Esse brasileiro estava com mais quatro amigos e fiquei um pouco conversando com eles. Na hora de sair vi minhas quatro amigas cariocas numa mesa e fui me sentar com elas. Elas iam pegar o ônibus para Puno, na praça em frente ao Mac. Fui com elas até o local do embarque, nos despedimos e voltei para o hotel dormir. Os próximos dias seriam difíceis, três noites dormindo em barraca, comida que não seria das melhores, frio, chuva, calor, mosquitos, altitudes acima de três, quatro mil metros. Resumindo, um grande desafio, uma grande aventura, ao mesmo tempo que era excitante pensar nos próximos dias, dava um certo frio na barriga ao pensar em tudo o que poderia acontecer. Mas ia fazer algo que desejava fazer havia vários anos, realizar uns dos sonhos pendentes de minha lista de sonhos e vontades a realizar antes de morrer. E nesse turbilhão de pensamentos adormeci. Acordei algumas vezes com falta de ar e tive uma noite horrível sofrendo com o mal de altitude.

Chegando em Cuzco, com frio e chuva, e eu de chinelo...
A fachada e a rua do hotel onde me hospedei.
Na esquina do hotel fotografei essas estátuas.
Catedral na Plaza de Armas, no final da tarde e a noite com lua cheia.
Uma das praças do centro de Cuzco.
Comendo bolo com ás novas amigas cariocas.
Fabiana, Renata, Alessandra, Patricia e Vander, no MacDonalds.