Nos últimos dias, tenho pensado muito sobre a morte. E não se preocupe, pois não estou querendo morrer. Acredito que a razão de tais pensamentos seja que, daqui a poucos dias, fará um ano que meu pai morreu. E hoje faz exatamente um ano que ele sofreu o AVC que, após alguns dias hospitalizado, o levou à morte. Tudo isso fez a saudade dele apertar nos últimos dias e, consequentemente, me levou a pensar, a meditar, a tentar entender a morte. Particularmente, não tenho medo de morrer. O que tenho mais medo do que morrer é ficar inválido numa cama, vegetando. Acredito que isso seja pior do que morrer, pois você está vivo e não está, ao mesmo tempo.
Eu era bem pequeno quando fui apresentado à morte pela primeira vez. Devia ter uns quatro anos e viajava de caminhão com meu pai. Teve um acidente, e havia um cara morto no acostamento. Eu dormia e acordei com o barulho e as luzes de sirenes. Me levantei e olhei pela janela, tentando entender o que acontecia. Meu pai ainda tentou me impedir de ver, mas não deu tempo. A imagem que vi me assombrou durante alguns dias. Ver uma pessoa morta, toda quebrada e ensanguentada, me fez descobrir que nossa vida tem fim um dia. Lógico que, nos dias seguintes, enchi meus pais de perguntas sobre morrer.
Um ano depois, a morte surgiu novamente em minha vida. Dessa vez veio com mais força e foi bem dolorida sua visita. Meu avô paterno faleceu — foi de repente, um infarto aos 55 anos (a idade que tenho hoje). E no dia anterior, ele tinha ido em casa e brincado comigo durante um tempão. Parecíamos duas crianças brincando. Relutei durante horas em ir vê-lo dentro do caixão. Eu não queria, mas fui forçado a vê-lo. Era a primeira vez que participava de um velório. O caixão no meio da sala da casa dos meus avós foi uma visão assustadora e traumatizante para mim, então um garotinho de cinco anos. No dia seguinte, vi pela primeira vez um sepultamento. Naquela época, o caixão era enterrado direto na terra, e o barulho e a imagem da terra cobrindo o caixão do meu avô nunca saíram da minha memória. Durante anos, evitei entrar na sala da casa da minha avó, pois sempre lembrava do meu avô no caixão, naquela sala.
Os anos foram passando, e a morte foi se tornando uma visita corriqueira em minha vida. Vez ou outra, morria algum parente que morava longe, ou então algum amigo da família ou vizinho. Mas logo começaram a morrer amigos meus, e isso foi devastador para mim. Ver crianças e depois adolescentes da minha idade morrendo era muito assustador. Com o passar dos anos, vi muita gente morta, sendo algumas em acidentes, e cujas imagens de corpos destroçados me fizeram perder noites de sono.
Conforme fui crescendo, fui entendendo e aceitando a morte. Mas evitava ir a velórios ou enterros. Se eu for a um velório e ver a pessoa no caixão, vou levar aquela imagem para sempre, e quando lembrar da pessoa, será a imagem dela morta no caixão que vou lembrar. Durante muitos anos, só ia a velórios e enterros quando era extremamente necessário. E um detalhe curioso: mesmo tendo o sobrenome DISSENHA, o primeiro DISSENHA cujo velório e enterro participei foi justamente o do meu pai, quando eu já tinha 54 anos de idade. Ou seja, passei mais de meio século “escapando” dos velórios e sepultamentos de familiares que têm o mesmo sobrenome que eu. Não foi somente por escolha isso — ocorreram muitas situações distintas que me impediram de ir aos velórios e sepultamentos.
Costumo brincar que sou igual a gato, pois tenho sete vidas. E já perdi as sete. Quando criança, um amigo do meu pai, sempre que me via, contava da vez que ele foi procurar um padre para me dar a extrema unção, pois achavam que eu não viveria até o dia seguinte. Fui um bebê doente, e somente por conta da fé e dos cuidados da minha mãe é que sobrevivi.
Aos 27 anos, vi a morte de muito perto, durante um assalto na empresa em que trabalhava. Um dos ladrões, em determinado momento, mandou eu encostar na parede, engatilhou a arma e a encostou na minha cabeça, dizendo que ia me matar. Achei mesmo que ia morrer e não senti medo — apenas fiquei inconformado em morrer jovem, tendo uma lista de planos e sonhos para realizar. Cheguei a olhar para o lado, vendo o chão onde cairia morto. E teve um momento em que quase perguntei para o ladrão se ele ia demorar muito para atirar, pois tal espera pelo tiro fatal era angustiante. No fim das contas, ele desistiu de me matar, e saí dessa apenas com algumas coronhadas no pé do ouvido e nas costas.
Há pouco mais de 15 anos, durante uma viagem, estava correndo demais e rodei numa curva. Vinham duas carretas em sentido contrário e, até hoje, não entendo como saí ileso de tal situação. Sempre ouvia dizer que, pouco antes de morrer, passa um pequeno filme em nossa mente. Não vi tal filme, mas tudo aconteceu como se estivesse em câmera lenta. E, dessa vez, cheguei a sentir o bafo gelado da morte no cangote. Teve um momento em que parecia que eu estava do lado de fora do carro, no alto, vendo tudo acontecer. Eu não bebo, nunca me droguei, e estava bem naquele dia, então o que aconteceu não foi alucinação. E não sei explicar direito tudo o que senti e o que aconteceu. Se outra pessoa me contasse tal história, eu não ia acreditar. Mas aconteceu comigo, então não tem como eu não acreditar. Sei que, no último segundo, consegui controlar o carro e escapar por meio metro de bater de frente com a primeira carreta. Até hoje, lembro da cara de desespero do motorista, vendo o acidente inevitável — ou quase! Da segunda carreta também consegui desviar e saí rindo… Olhei para o céu e agradeci a Deus pelo milagre de ter saído vivo de tal situação. Me safar de morrer ali foi realmente um milagre, não tem outra explicação. O detalhe é que, no momento do quase acidente, no som do carro tocava I Have a Dream, música da banda Abba. A tradução da música é “Eu tenho um sonho”, e naquela altura da minha vida eu tinha muitos sonhos ainda por realizar. E depois de quase ter morrido, corri para realizar a maioria dos sonhos que tinha então. Esses últimos 15 anos foram muito intensos, e isso graças ao quase acidente onde era para eu ter morrido. Sempre que passo naquela curva da estrada, tenho uma visão de uma cruz na beira da estrada, com meu nome. Parece loucura, mas isso sempre acontece quando passo lá. E sempre que possível, evito passar por tal trecho da estrada, pois sempre que passo por lá sou assombrado por tal visão. Talvez seja a morte me dando um recado de que uma força maior não a deixou me levar daquela vez. Mas sei que nosso encontro final um dia vai acontecer — mais cedo ou mais tarde. Espero que mais tarde!
Fora esses casos que contei acima, tem outras situações em que quase morri. Não vou contar todas aqui, pois senão esse texto vai ficar enorme. Por isso que digo que sou igual a gato, que tenho sete vidas. Mas pelas minhas contas, já perdi oito vidas, então estou ganhando dos gatos.
Apesar de não gostar de ir a velórios e enterros, gosto de visitar cemitérios, pois é um lugar bom para meditar e pensar na vida. Sempre que possível, visito algum cemitério novo durante viagens, tanto no Brasil quanto no exterior. Já estive em cemitérios muito legais, onde personagens históricos foram sepultados. E como gosto de história, ter visitado tais lugares foi uma experiência incrível.
Como mencionei mais acima, mais medo do que morrer, tenho medo de ficar vegetando. Ou então estar num estado de morte terminal que dure meses. Sou a favor da eutanásia. Tem um filme canadense que assisti em 2003, que se chama As Invasões Bárbaras (o nome não tem nada a ver com o conteúdo do filme), que fala sobre eutanásia e que me marcou muito quando o assisti. Eu gostaria de fazer igual foi feito no filme, caso venha a ter uma doença incurável no futuro. Não vou dar detalhes, mas se tiver curiosidade sobre tal filme, não deve ser difícil encontrá-lo na internet ou em algum streaming.
Outra coisa que acho estranho sobre a morte, é a questão do suicídio. Caso você tenha algum parente ou amigo que se matou, recomendo que pare de ler esse texto, pois o que vou escrever com certeza não vai te agradar. Enquanto milhares de pessoas lutam contra doenças ou outras questões para continuar a viver, vem um imbecil e tira a própria vida. Acho os suicidas egoístas, fracos e covardes. Pronto falei! Somente uma única vez pensei em tirar minha vida, e isso durou apenas poucos segundos. Foi quando sofria de uma difícil depressão e certa vez na estrada ao ver um caminhão vindo na pista contrária pensei que seria rápido e indolor jogar meu carro em frente ao caminhão e assim acabar com minha dor e sofrimento. Mas daí lembrei que tem muitas pessoas que gostam de mim e que iam ficar tristes com a minha morte. E também lembrei, que possivelmente não ia acabar com meu sofrimento pois, me matando só ia mudar meu sofrimento de dimensão. Ia levar minhas dores para o outro lado e lá ia pagar muito caro por ter tirado minha vida. E também lembrei que apesar de algumas vezes ter momentos de fraqueza, não sou fraco e nem covarde. Então desisti de tal pensamento idiota e fui enfrentar a vida e suas dificuldades. Me tratei, superei a tal depressão e depois disso vivi muitas coisas boas, vivi alguns dos meus melhores anos e conheci o grande amor da minha vida, que apesar de não estar mais comigo, ainda me faz ver que a vida é maravilhosa, que o amor nos transforma e nos faz querer ser pessoas melhores. Se eu tivesse jogado meu carro contra o caminhão naquela cinzenta tarde de abril de 2010, oito anos e alguns meses depois, eu não teria conhecido a mulher que me fez realmente descobrir o que é o amor. A mulher que me fez ter os momentos mais felizes e tristes que já vivi com relação ao amor. Só por isso, tenho certeza que fiz a escolha certa naquele sábado, que é viver, contra tudo e contra todos os problemas, viver é o que importa.
E tem um tipo de suicida ainda mais bosta e covarde. Já vi um caso desses, onde uma pessoa que diz algo como “se você não reatar o namoro, eu me mato”. Tal pessoa está usando uma forma de chantagem emocional extremamente grave e perigosa. E mais bosta do que a pessoa que faz tal chantagem, é a pessoa que aceita a chantagem. Anos atrás uma amiga do trabalho passou por uma situação dessas, aceitou a chantagem e se casou com o cara. A vida dela se tornou uma merda, pois qualquer coisa o cara falava para ela “eu me mato”. Acabei saindo do emprego e mudando de cidade e não tive mais contato com essa amiga. Então não sei como terminou essa história, se é que ela terminou, pois pode ser que minha ex-amiga esteja até hoje cedendo as chantagens suicidas do marido.
Usar a própria vida como moeda de troca para forçar alguém a ficar em um relacionamento é uma forma clara de manipulação. É emocionalmente abusivo e coloca a outra pessoa em uma posição de culpa injusta. Numa situação dessas, pode haver transtornos emocionais que precisam de ajuda profissional urgente. Você não é responsável pela vida de outra pessoa. Se alguém usa esse tipo de ameaça, é importante lembrar que ninguém é responsável pelas ações de outra pessoa. Forçar um relacionamento com base no medo não é amor, é coerção. E para ser sincero, acho difícil que o manipulador chegue as vias de fato. Ele é tão covarde em fazer tal ameaça, que duvido que tenha coragem de se matar. E se tiver coragem de se matar, a culpa é exclusiva dele e não de quem não cedeu a sua ameaça manipulativa.
Vou finalizando, e tenho plena consciência de que, mais dia, menos dia, vou morrer. Da morte, ninguém escapa! Essa é a maior certeza da vida — que, ao menos nisso, é justa, pois todos morrem. Seja feio, bonito, pobre, rico, famoso, desconhecido, burro ou inteligente — todos morrem. E o mais curioso é que muitos ainda se apegam a bens materiais, roubam e matam por um dinheiro que, no fim das contas, não vão levar consigo. Outra coisa interessante é que ninguém sabe, de fato, o que acontece depois da morte. Existem muitas teorias sobre o pós-morte, algumas com raízes religiosas. Mas nenhuma delas pode ser comprovada. Só depois que morrermos é que saberemos — ou não — o que acontece. Para ser sincero, gostaria que aquela história de “dormir para sempre” fosse verdadeira. Adoro dormir, e não me importaria nem um pouco se morrer fosse simplesmente isso: dormir por toda a eternidade…
