Viagem ao Peru e Bolívia (22° Dia)

05/06/2012 

Acordei com o barulho de música vindo do corredor. Olhei no relógio e vi que passava um pouco das 9h00min. Eu tinha dormido bem e me recuperado do esforço dos últimos dias. Ao sair no corredor vi que a música alta vinha de um rádio na recepção, onde uma boliviana passava pano no chão. Fui para o banho e ao ligar o chuveiro começou a tocar Gusttavo Lima no rádio. Daí dancei o tche tcherere tche tchê debaixo do chuveiro. Eu estava com muito bom humor, me sentido feliz.

Eu pretendia ir para o interior da Bolívia, para a região do Salar de Yuni, mas desisti. Já estava fora fazia muitos dias e precisava voltar ao Brasil, bem como estava ficando sem dinheiro. Então resolvi deixar para conhecer o Salar de Yuni e em outra oportunidade. Arrumei minhas mochilas e decidi ir embora, voltar ao Brasil. Pouco antes do meio-dia fui até a recepção, paguei minha conta e deixei duas mochilas guardadas no depósito do hostal. Votaria para buscá-las à noite. Saí á rua e de cara ouvi Ai se eu te pego, que estava tocando na TV em uma loja. O Gusttavo Lima e o Michel Telo definitivamente são um grande sucesso na Bolívia. Fui até a rodoviária, onde troquei meus últimos dólares por bolivianos e em seguida fui visitar algumas empresas de ônibus. Eu queria passagem para Santa Cruz de La Sierra, pois de lá pretendia seguir no Trem da Morte até a fronteira com o Brasil. O preço não mudava muito entre às muitas empresas de ônibus, então me foquei no horário. Buscava um ônibus que partisse a noite, pois dessa forma eu poderia ficar passeando por La Paz durante a tarde. Acabei escolhendo uma empresa chamada Bolívia, mas após dez minutos parado em frente ao guichê olhando o vendedor conversar com a moça do guichê ao lado, desisti de comprar a passagem ali. O vendedor pelo jeito não estava a fim de vender nada. E de sacanagem fui ao guiché da agencia em frente e comprei a passagem lá. O nome da empresa onde comprei a passagem era El Dorado. Paguei $ 60,00 bolivianos e seria um ônibus semi leito. Ao passar em frente ao guichê da empresa Bolívia, dei um sorriso para o cara que não me atendeu e ainda levantei a mão mostrei a passagem da outra empresa. Acho que o otário do vendedor entendeu o meu “recado”!

Meu ônibus ia sair às 19h30min, então eu teria algumas horas para passear e fazer algumas compras. Fui em direção ao centro e parei numa lan house usar a internet. Depois passei na vendedora de abacaxis e comi três fatias. Só não comi mais por que saíram algumas afitas em minha boca, por culpa do abacaxi. Desci pela avenida principal e depois fui em direção ao centro. Cheguei à Praça Murillo, que fica em frente ao Palácio do Governo. Ao lado ficava a Catedral, que estava fechada. Tirei algumas fotos e fui andar mais um pouco pelo centro. Eu estava com pouco dinheiro, então teria que economizar o máximo possível até chegar ao Brasil. No centro vi muitos bancos e resolvi entrar em alguns deles para tentar sacar dinheiro com meu cartão de crédito. No segundo banco consegui sacar bolivianos utilizando o cartão de crédito e isso me deixou aliviado, pois não precisaria mais ficar contando os trocados. Para comemorar resolvi ir almoçar em um restaurante chique que tinha visto no centro. No restaurante olhei o cardápio e só tinham comidas típicas. Não queria ter surpresas desagradáveis, então não pedi nenhum dos pratos. Resolvi almoçar uma banana split gigante e uma fatia de torta de morango. Esse almoço alternativo foi uma delícia e paguei por ele $ 40,00 bolivianos, que foi o maior gasto que tive com comida durante todo o tempo em que fiquei na Bolívia.

Fiquei o resto da tarde passeando pelo centro da cidade e tirando fotos. Também comprei alguns presentinhos para o pessoal de casa. Não podia comprar muita coisa, por que minhas mochilas estavam cheias e pesadas e não queria deixá-las ainda mais pesadas. Algo que me chamou a atenção foram os engraxates que trabalhavam no centro, todos mascarados. Todos os engraxates usavam um capuz cobrindo o rosto. Sinceramente não entendi o motivo disso e fiquei com vergonha de ir perguntar a um deles o porquê dos rostos escondidos. Passei pela Calle de las Brujas, um local onde existem muitas coisas para vender, muitas barraquinhas e algumas delas são de produtos para magia. E a coisa mais curiosa que vi a venda foram fetos de lhama ressecados. Parece-me que estes fetos são utilizados em oferendas para a deusa Pachamama.

Quando anoiteceu jantei frango com arroz e batata frita, no restaurante onde tinha ido muitos vezes antes. Após jantar fui até o hostal pegar minhas mochilas. Resolvi ir a pé até a rodoviária e não sei como errei o caminho. Tive que andar um monte a mais até encontrar o caminho correto e cheguei na rodoviária quase em cima do horário de partida do meu ônibus. Fui embarcar e dessa vez lembrei de comprar o tal tíquete da taxa de embarque. Quando fui entrar no portão de embarque não tinha ninguém controlando o portão. Algumas pessoas estavam esperando, mas eu entrei direto, pois estava atrasado. Achei meu ônibus e ao lado dele estava estacionado o ônibus da outra empresa, cujo vendedor de passagens não quis me atender. Fiquei grato a ele, pois o ônibus era muito velho e ruim. O ônibus da El Dorado, empresa pela qual eu viajaria era bem melhor. Fiquei esperando para guardar a mochila grande no bagageiro, mas ninguém da empresa apareceu. Aí descobri que tinha que entrar no guiché da empresa, para primeiro pesar a bagagem e em seguida um funcionário colocava uma etiqueta nela e levava até o bagageiro do ônibus. O sistema era improdutivo, principalmente em razão de o guiché ser pequeno. Estava um caos, pessoas querendo entrar para pesar suas malas, outras querendo sair com suas malas já pesadas. Após uma longa espera consegui entrar e minha mochila foi pesada e etiquetada. Quando fui sair do guiché entraram dois bolivianos e um deles ao passar por mim cutucou com o dedo a bandeira dos Estados Unidos pregada na manga de minha camisa e falou algo para outro o cara que estava com ele. Não entendi o que ele falou, mas deve ter sido algo ruim, pois todos que estavam no guichê silenciaram e ficaram me olhando. Como não gostei da atitude do tal cara parei, me virei em direção a ele e perguntei com cara de bravo falando em espanhol “qual era o problema?” (¿cuál fue el problema). O cara fez cara de espanto e não falou nada. Ele deve ter achado que eu tinha entendido o que ele falou e viu que eu não era norte americano. Saí do guiché e fiquei olhando o funcionário da empresa de ônibus, que ia levar minha mochila até o ônibus. Quando ele passou por mim fui atrás dele e fiquei olhando onde ele ia guardar a mochila. Ele viu que eu estava olhando e balançou a mochila três vezes e a jogou dentro do bagageiro. Quando ele passou por mim dei um sorriso e disse a ele “bom trabalho” em espanhol, e o xinguei um monte em pensamento.

Partimos com meia hora de atraso e antes de sairmos da rodoviária o ônibus parou e um dos caras que controla os portões de embarque entrou no ônibus. Ele veio direto ao meu banco e pediu o tíquete da taxa de embarque, com um sorriso irônico no rosto. Acho que alguém tinha me dedurado, contando que entrei direto pelo portão. Fiz um charminho e lentamente procurei minha mochila pequena que estava debaixo do banco, abri-a lentamente, procurei minha carteira, abri a carteira, peguei o tíquete da taxa de embarque e entreguei a ele, devolvendo o sorriso irônico. Ele fechou a cara, me devolveu o tíquete e desceu do ônibus. O ônibus voltou a andar e para minha sorte não tinha ninguém sentado ao meu lado. Eu era o único estrangeiro no ônibus. Na minha frente ia um casal, com uma criança de colo e na poltrona do outro lado do corredor um boliviano, muito bem vestido.

Após meia hora paramos ao lado na estrada, num local cheio de barraquinhas que vendiam dezenas de produtos. Ali embarcaram mais pessoas, mas ninguém sentou ao meu lado. Alguns passageiros desceram, compraram comida e voltaram para o ônibus. Ficamos meia hora parados e voltamos para a estrada. O ônibus passou a andar mais rápido e começou a entrar um vento muito frio por frestas das janelas. Eu estava com meu saco de dormir ao lado e logo entrei nele e fiquei quentinho. A criança do banco da frente começou a chorar e achei melhor ouvir música. O cara bem vestido da poltrona ao lado tinha comprado um monte de comida e após comer jogou todo o lixo no chão, até ossos de frango. Fiquei olhando pela janela enquanto ouvia música e logo peguei no sono.

Acordei com um cara me cutucando. Tinham embarcado mais passageiros e um deles iria sentado ao meu lado. Tirei a mochila que estava na poltrona ao lado e o cara sentou. Dei uma rápida olhada e vi que ele estava sujo, muito sujo. Voltei a dormir e acordei novamente quando o ônibus parou num restaurante ao lado da estrada. Para sair de minha poltrona tive que fazer malabarismo e pular por cima do cara sentado ao meu lado. Desci do ônibus e descobri que fazia muito frio. Vi um banheiro e fui em direção a ele. Quando fui entrar tomei o maior susto quando uma moça saiu debaixo de uma lona que estava na porta do banheiro e disse que era $ 1,00 sole. Paguei e fui usar o banheiro. Nunca vi um banheiro tão sujo e tão detonado. Eu devia ter ido usar o matinho ao lado do banheiro, igual muitos passageiros fizeram, pois o matinho era mais limpo e de graça. Estiquei um pouco as pernas e voltei para o ônibus. Dessa vez o cara que ia sentado ao meu lado estava acordado e se levantou para eu me sentar. Olhei que o cara bem vestido e porquinho da outra poltrona, ele estava jantando novamente. E depois ele jogou o lixo no chão, igual tinha feito antes. Ajeitei-me no meu canto, voltei ouvir música e logo dormi.

Acordei com a claridade que vinha do lado de fora. Vi que tínhamos parado em um posto policial. Olhei no relógio e eram 3h20min. Dois policiais entraram no ônibus e foram passando por todas as poltronas olhando os passageiros que dormiam. Eu tinha certeza de que eles iam implicar comigo. Então fiz de conta que dormia. Logo senti alguém me cutucando no ombro e abri os olhos lentamente e virei para o lado em que me cutucavam. O cara que estava sentado ao meu lado acho que tinha desembarcado e um dos policias estava sentado na poltrona ao meu lado e outro policial com uma metralhadora nas mãos estava em pé ao lado dele. Tirei o saco de dormir que me cobria e ele viu a bandeira norte americana no ombro de minha camisa. Em inglês ele pediu meu passaporte. Lentamente procurei minha mochila debaixo do banco e de dentro dela tirei meu passaporte. Então ele folheou o passaporte e perguntou em espanhol se eu era brasileiro. Respondi em português que era brasileiro e ele perguntou sobre minha bagagem. Falei que tinha a pequena mochila no chão sob o banco, uma mochila no bagageiro acima de minha cabeça e outra no bagageiro do ônibus. Ele olhou e apalpou a mochila que estava no bagageiro acima de minha cabeça. Em seguida disse para eu descer junto com ele. Fora do ônibus fazia muito frio e me arrependi por não ter colocado um casaco antes de descer. O policial me pediu para mostrar qual era minha mochila e depois de olhar em dois bagageiros, vi a mochila e mostrei a ele. Ele chamou o motorista do ônibus e disse para ele pegar a mochila. O motorista entregou a mochila nas mãos do policial, que ao pegá-la disse que estava muito leve. Respondi a ele que nela só tinham roupas sujas. A mochila estava com uma capa de proteção em volta e eu tinha enrolado ela com fita adesiva. Ele colocou a mochila sobre um banco e eu comecei a tirar as fitas. Ele disse que não precisava tirar e então começou a apalpar os lados da mochila. Em seguida pegou a mochila e entregou-a ao motorista e disse para ele guardá-la. Então se virou para mim e disse para eu subir no ônibus para me aquecer e voltar a dormir. Por último tirou meu passaporte que estava em seu bolso e me devolveu. Chegaram mais alguns policiais armados e um deles parou na minha frente e me perguntou se estava tudo bem. Respondi que sim e ele me mandou subir no ônibus para me aquecer. Quando entrei no ônibus todos os passageiros estavam acordados e conforme eu ia passando entre as poltronas todos me acompanhavam com os olhos. Fiz cara de mau e segui até meu lugar, me segurando para não rir. Achei estranha a forma de revista que o policial fez. Creio que trabalham mais no psicológico das pessoas e como me mostrei calmo todo o tempo e pela forma que eu agi, eles viram que eu não levava nada proibido. É a velha história do quem não deve não teve e não demonstra que deve. Logo peguei no sono e não vi mais nada

Entrada do Hostal El Solário.
Plaza Murillo.
Catedral de La Paz.
Em frente ao Palácio de Governo.
Avenida no centro de La Paz.
Uma das milhares de vans que circulam por La Paz.
Parte do centro de La Paz.
Os engraxates “mascarados” de La Paz.
Fetos ressecados de lhamas, à venda na Calle de Las Brujas.
Arroz, frango e batata frita.
No ônibus, saindo de La Paz.
O velho ônibus da empresa El Dorado.
Parada para lanche.

Viagem ao Peru e Bolívia (21° Dia)

04/06/2012 

Huayana Potosi – 3° dia

Era meia noite quando o suíço me chamou, estava na hora de partirmos para o ataque ao cume do Huayna Potosi. Fiquei um minuto criando coragem para levantar, para sair do saco de dormir quentinho e ir enfrentar a noite fria, caminhando na neve. Peguei minha mochila que estava pronta ao lado com algumas coisas que levaria no ataque ao cume. Antes de sair olhei do lado e vi que a Bruna dormia. Peguei meu saco de dormir, o abri igual um cobertor e a cobri. Como ela era friorenta uma coberta a mais lhe faria bem. Desci para a sala de refeições e comecei a colocar a roupa para andar na neve.

Levei meia hora para colocar as roupas e equipamentos de segurança. O que deu mais trabalho foi colocar as botas. Minha maior preocupação era com meus pés, pois não queria ter bolhas e também não queria sentir frio neles. Quando meus pés ficam gelados costumo sentir muito frio, então coloquei três meias. Primeiro uma meia de algodão, especial para caminhadas e depois uma de lã, que comprei em Laz Paz. Por último outra meia de caminhada, igual à primeira. E coloquei no nariz um dilatador nasal, que é um adesivo que ajuda a respirar melhor. Foi servido o café, mas não comi nada, preferi tomar somente um chá de coca bem quente. Foi feita mais uma reunião, onde nosso guia Cecilio explicou como seria o ataque ao cume. Tinha chegado outro guia no meio da tarde e ele seguiria junto comigo. O Cecilio seguiria com o casal de suíços e o guia da Bruna ficaria dormindo, já que ela não faria o ataque ao cume.

Era uma hora em ponto quando saímos do refúgio. No momento em que pisei do lado de fora tive duas surpresas. A primeira foi o frio e o vento que eram intensos. Já a segunda supresa foi agradável, era a lua cheia que estava bem alta no céu e clareava a noite. A luz da lua era refletida na neve e deixava tudo muito claro. Nunca tinha visto uma noite igual aquela, estava muito linda. Caminhamos cerca de cem metros até chegar num local onde começava a neve mais alta. Ali colocamos os grampões nas botas e o guia deu os últimos avisos. Jhony, o meu guia seguiu na frente e eu alguns metros atrás atado a ele por uma corda amarrada em um equipamento preso em minha cintura, parecido com um cinto. O Cecilio vinha logo atrás, seguindo a frente do casal de suíços e também atado a eles por uma corda. Nos primeiros metros eu e meu guia caminhamos com nossas lanternas de cabeça ligadas, mas logo percebemos que não era necessário gastar pilhas, pois a noite estava tão clara que não precisava de lanterna. Caminhar na neve sendo iluminados pela lua cheia foi uma experiência inédita e inesquecível para mim. Era possível ver dezenas de metros para os lados, e para cima era possível enxergar o perfil da montanha. Teve um trecho de subida onde dava para ver alguns metros abaixo nossas sombras, seguindo em linha indiana. Aquela imagem parecia coisa de filme e só não parei para fotografar ou gravar, por que eu usava duas luvas, sendo que uma delas era muito grossa e seria impossível manusear a câmera utilizando tal luva. E tirá-la e recolocá-la nas mãos era muito trabalhoso.

O primeiro quilômetro de caminhada foi tranquilo, pois a subida não era tão ingrime. Seguimos por uma trilha na neve, que atravessava um vale. O frio era abaixo de zero e o vento era cortante. Antes de sair o Cecilio nos deu bataclavas, que é um tipo de capuz onde só os olhos ficam de fora. Meu guia seguiu num passo rápido e eu conseguia acompanhá-lo numa boa, sinal de que estava em boa forma e também aclimatado a altitude. Após meia hora de caminhada fizemos a primeira parada para descanso. O casal de suíços logo parou ao nosso lado. A guria estava mal do estômago desde o início do dia e estava tendo dificuldades para caminhar. Ali vi que eles dificilmente chegariam até o cume e entendi por que o Cecilio tinha ficado com eles, mesmo após ter me dito no meio da tarde que subiria junto comigo. Ele sendo o guia principal podia escolher quem acompanhar e sendo experiente na profissão ele tinha notado que a suíça não ia aguentar subir, que não ia demorar em desistir. Então acompanhando o casal de suíços ele tinha boas chances de logo poder voltar para a cama. Para os guias tanto faz levar o pessoal até o cume ou não, pois eles recebem a mesma coisa. E sempre é mais confortável ficar dormindo no refúgio do que passar a noite caminhando na montanha. E no caso de Cecilio, que trabalha há doze anos como guia, chegar uma vez mais ao cume do Huyama Potosi, não faria diferença alguma.

Eu estava suportando bem a caminhada, onde a cada metro percorrido aumentava a altitude e diminuía a quantidade de oxigênio para respirar. A segunda parada foi quando completamos uma hora de caminhada. Nessa parada já não vimos mais o casal de suíços ou o Cecilio. Ou eles estavam caminhando muito lentamente e tinham ficado bem para trás, ou tinham desistido e retornado ao refúgio. Já fazia alguns minutos que estávamos vendo cinco pessoas caminhando próximo a nós, vindo por uma trilha que levava a outro refúgio, pouco acima do nosso. Nessa segunda parada eles nos alcançaram, eram três alemães e dois guias bolivianos. Voltamos a caminhar e seguimos atrás do grupo de alemães no mesmo ritmo que eles. A trilha passou a ficar mais difícil e tivemos que passar por alguns trechos ingrimes, onde a subida exigia bastante esforço. Mesmo assim eu estava curtindo o “passeio” e olhando o céu estrelado, a lua, a montanha branca iluminada pela lua.

A terceira parada foi após uma hora e meia de caminhada e foi um pouco mais longa que as paradas anteriores. Se o guia não tivesse parado, acho que eu teria pedido para ele parar, pois estava começando a me cansar. Sentei-me na neve ao lado dos guias e procurei respirar profundamente, pois estava sentindo falta de ar. Ajeitei a bataclava de uma forma que meu nariz e boca ficassem livres, pois não estava conseguindo respirar direito com a boca tapada. Após o descanso voltamos a caminhar e de cara enfrentamos uma subida bastante ingrime e que exigiu muito esforço nosso. Quando chegamos ao alto dessa subida eu estava exausto e comecei a pensar que não conseguiria chegar até o cume. Mais um trecho plano e nova subida, onde gastei o restante do meu preparo físico. No Exército aprendi que quando nosso preparo físico chega ao fim, ainda temos cinquenta por cento de forças para utilizar. Éssa força extra é a famosa força de vontade. Em minha vida muitas vezes utilizei esses cinquenta por cento de força extra, geralmente quando minhas pernas não tinham mais forças. E para a força de vontade funcionar, você precisa ficar falando para você mesmo que vai conseguir, que vai chegar onde quer, que vai ser fácil. E foi o que fiz, fiquei o tempo todo tentando me convencer de que eu conseguiria, de que eu tinha forças para chegar ao cume. Minha preocupação principal passou a ser conseguir seguir em frente, dar o próximo passo, então parei de olhar a paisagem, a lua e as estrelas. Eu precisava me concentrar e arrumar forças para o passo seguinte e foi o que fiz.

Eu segurava o piolet com a mão esquerda, pois até ali as únicas vezes que precisei usá-lo, foi com a mão esquerda. O guia avisava quando chegavámos num trecho perigoso e que era preciso utilizar o piolet como apoio, qual era a mão para usá-lo de uma forma que fosse mais seguro. E de tanto ficar com o piolet que era de ferro, numa mesma mão, meus dedos começaram a congelar mesmo utilizando duas luvas grossas. Na parada que fizemos às 3h00min, eu sentia muita dor na mão esquerda, principalmente nos dedos. Isso era sinal de que estavam ficando congelados. Durante a parada para descanso, eu me sentei e coloquei a mão semi congelada no meio de minhas coxas e fiquei apertando-as contra a mão. Após dez minutos as dores cessaram e consegui mover a mão normalmente. Eu trazia água, biscoitos e chocolates na mochila, mas em nenhuma das paradas senti vontade de beber água ou de comer algo.

Voltamos a caminhar e dessa vez a trilha era mais estreita e passámos por algumas subidas. Eu já estava quase esgotado e vi que o guia começou a apertar o passo, inclusive ultrapassámos o grupo de alemães. Eu já não estava aguentando mais e cheguei a pensar em desistir. Daí entendi qual era a do guia, que de bobo não tinha nada. Ele viu que eu estava cansado e resolveu apertar o passo para me fazer cansar de vez e desistir, pois dessa forma voltaríamos ao refúgio mais cedo. Não caí na dele e comecei a parar toda vez que me sentia muito cansado. Quando eu via que não aguentava mais, eu dizia a ele que precisava parar e sentava no chão. Ele não estava gostando muito disso, mas não pôde fazer nada quanto a isso. E se bem lembrava (e creio que ele também) era eu que estava pagando, era eu o cliente, então acho que tinha o direito de parar quando achasse melhor. Teve um momento em que eu parei e ele puxou a corda, quase me arrastando. Falei para ele ir com calma, que não precisava fazer aquilo. Depois disso ele ficou calminho e toda vez que eu parava ele parava junto e não falava nada. E assim segui caminhando um pouquinho, descansando um pouquinho. E sou guerreiro, não me entrego facilmente, principalmente depois de todos os problemas que tive em 2010 e 2011. Acabei me tornando mais forte em todos os sentidos e é difícil eu me entregar ou desistir do que eu quero. Continuei arrumando forças não sei onde para seguir em frente. Teve um momento em que até olhei para o céu e falei – “Deus, dá uma ajudinha aí! Estou tão perto!” -. O mais difícil foi ter chegado até ali, a centenas de quilômetros de casa, tinha gastado muita grana, tinha treinado e me preparado muito para estar ali. Então não desistiria tão próximo de alcançar meu objetivo.

O que atrapalhou bastante meu preparo físico foi que essa viagem era para ter acontecido  15 dias antes do que aconteceu. Tive que cancelar a passagem e mudar a data de embarque em razão de ter machucado minha coluna durante os treinamentos que estava fazendo para subir Huayna Potosi. Eu treinava pesado durante duas, três horas por noite e acabei me machucando. Com isso perdi boa parte do condicionamento adquirido, após ter ficado 12 dias em repouso total, tomando remédios para me curar do problema na coluna. Ali naquele trecho da montanha esse condicionamento fisíco que perdi acabou fazendo falta.

Eu estava decidido a não desistir, ia tentar chegar até o cume. Mas não faria igual fiz com relação a algumas coisas meses antes, quando eu seguia na base do “consigo o que quero ou morro tentando”. Já tinha passado dessa fase de fazer loucuras e desafiar a morte de forma idiota. Dessa vez, em Huayana Potossi eu não ia morrer tentando, eu queria era viver tentando e principalmente conseguir o que queria. Minha maior preocupação era ficar esgotado em razão do pouco ar, pois fazer atividade física em alta montanha é muito desgastante. Se eu passasse a sentir tontura ou muita dor de cabeça, aí sim eu teria que analisar minhas condições e decidir se desistia ou não. Mas em nenhum momento tive dor de cabeça ou tontura. O que faltava era um pouco de perna por culpa de meu preparo físico estar se deteriorando.

Chegamos num trecho onde a trilha seguia pela lateral da montanha, numa parte com aclive e com a neve muita fofa. Algumas vezes eu pisava e minha perna afundava na neve até quase o joelho. Esse trecho de neve fofa tinha uns 500 metros de extensão. Foi terrível passar por esse trecho e quando chegamos ao final dele e fizemos uma parada para descansar, pensei em desistir. Perguntei ao guia quanto tempo faltava e ele disse que mais duas horas de caminhada. Aquilo me desanimou e vi que não aguentaria caminhar mais duas horas. Comecei a sentir cada vez mais frio, em parte porque estava ficando mais frio. E também por que o vento em alguns trechos em que ficavámos afastados da montanha era muito forte. Sentado na neve fiquei pensando no que fazer, se seguia em frente até cair ou se voltava dali. Então me lembrei de algo que o Rodrigo Raniere, que é alpinista e que já chegou ao cume do Everest (montanha com 8.848 metros, que é o ponto culminante do planeta terra) disse. Segundo o Rodrigo chegar ao cume de uma montanha é somente a metade do caminho. E ele tem toda razão, pois você após chegar ao cume de uma montanha, precisa descer e para isso tem que percorrer todo o caminho de volta. Em altas montanhas, e principalmente no Everest, a maioria das mortes que ocorrem são justamente na descida. O cara gasta toda sua energia para subir e depois não tem forças para descer e acaba morrendo, pois com o cansaço e o desgaste, o raciocínio fica lento e o cara fica mais sujeito a sofrer acidentes.

O guia puxou a corda e eu me desliguei de meus pensamentos. Nos minutos em que fiquei pensando tinha decidido apenas que seguiria em frente até onde aguentasse, ou então que sentisse que estava tão desgastado que ficaria perigoso seguir em frente. Eu já nem sabia mais que horas eram e olhar o relógio dava muito trabalho, pois estava cheio de casacos e luvas que cobriam o relógio. O passo seguinte era passar ao lado de uma enorme rocha e em seguida subir por um caminho estreito e com neve fofa. Quando cheguei ao início desse caminho estreito, vi que dos dois lados existiam um precípicio enorme, que em razão da escuridão (mesmo tendo a luz da lua) eu não conseguia enxergar direito. Eu estava tão cansado que achei melhor não me preocupar com isso e principalmente não olhar para os lados. Segui com todo o cuidado olhando no máximo um metro à frente e para o chão. Após atravessar o trecho estreito, subi alguns metros e encontrei os alemães parados e se cumprimentando uns aos outros. Antes que eu entendesse o que estava acontecendo o guia falou CHEGAMOS! Foi então que me dei conta de que tínhamos chegado ao cume do Huyana Potosi e que o guia tinha sido sacana quando um pouco antes me disse que ainda faltavam duas horas para chegar ao cume. E eu quase que desisto de chegar ao cume justamente quando estava muito próximo dele.

O cansaço era tanto que me sentei na neve e fiquei olhando em volta. De um lado dava para ver as luzes de La Paz e do outro lado o sol nascendo. Olhei no relógio e eram 05h32min. Olhei no meu termômetro que estava no fundo da mochila e a temperatura era de exatos 15 graus negativos. E com o vento que soprava lá em cima, a sensação térmica devia ser de uns 20 graus negativos ou mais (ou seria menos?). O sol foi surgindo, tudo foi clareando e a vista lá do alto foi ficando cada vez mais bonita. Comecei a sentir muito frio e estava tão cansado que nem cheguei a sentir algum tipo de emoção diferente. Pôxa! Eu estava realizando um antigo sonho, que era subir uma montanha nevada. Desde muito jovem que eu leio e coleciono livros sobre narrativas de viagens e escaladas. Li muitos livros que falavam sobre as dificuldades de subir montanhas nevadas e essas leituras fizeram nascer em mim à vontade de um dia chegar ao cume de uma alta montanha. E quem sonhou com o Everest, chegou ao Huayana Potosi! E chegar ao Huyana Potosi com seus 6.088 metros era bem mais do que eu tinha imaginado. Uma coisa é sonhar, pois muitas vezes sonhamos coisas impossíveis. E outra coisa é realizar tais sonhos. E como sempre digo: SONHOS NÃO TEM PREÇO!

Fiquei alguns minutos sentado olhando a paisagem em volta da montanha. Eu estava à 6.088 metros e tinha quebrado mais uma vez o meu recorde de altitude. Agora quebrar esse novo recorde será muito difícil. Quando comecei a tremer de frio, resolvi me levantar e movimentar um pouco os braços e pernas. Foi então que o meu guia veio me dar parabéns e tirámos uma foto juntos. Eu tinha levado uma garrafa de Coca-Cola para tomar no topo da montanha, mas de tão cansado que estava nem me lembrei da tal Coca. Tirei algumas fotos, curti um pouco a vista e o guia falou para pegar minhas coisas, pois tinhámos que descer a montanha o quanto antes. Com o sol a neve fica mole, o que dificulta caminhar sobre ela. E outro problema são os buracos e gretas (fissuras) que ficam sob a neve. No frio a neve fica compacta e tais buracos e gretas não são muito perigosos. Já com o sol alto, a neve amolece e o risco de você cair num desses buracos é bem maior. Então o plano era descer a montanha o mais rápido possível.

Me aprontei e o guia falou que para descer era diferente, que eu seguiria na frente e ele atrás segurando a corda. Desde o início da subida eu tinha dúvidas sobre o guia conseguir fazer a ancoragem com a corda no caso de eu cair em um precípicio. Ele era menor que eu, então achei que em caso de eu cair, das duas uma, ou ele caía junto ou soltava a corda e me deixava cair sozinho.  Alteramos a posição da corda e ele disse para eu seguir em frente. Os Alemães ainda estavam tirando fotos no cume e iam demorar um pouco para descer. Comecei a caminhar e quando cheguei ao trecho estreito de neve, levei um susto e parei. Na ida ao passar por ali no escuro e sem ver direito onde estava passando, achei aquele trecho perigoso e agora ver o mesmo trecho com dia claro me causou pânico. Não sou medroso, mas quando vi por onde teria que passar eu senti muito medo e falei para mim mesmo que por ali não passaria. Fiquei parado olhando para a trilha e o guia disse para eu não ter medo, que não tinha perigo. Pedi para ele esperar um pouco e então vi que eu teria que passar por ali de qualquer jeito, pois não existia outra opção. Ou passava por aquele trecho estreito, ou ficava no cume congelando. Na hora lembrei que tinha visto na internet algumas fotos daquele trecho e que nas fotos ele não era tão estreito. Daí me ocorreu que as fotos podiam ser da época de nevascas, onde aquele trecho em razão de cair mais neve ficava mais largo. Meus pensamentos foram interrompidos pelo guia, mais uma vez dizendo para eu não ter medo e seguir em frente. Respirei fundo e dei o primeiro passo. Achei que a trilha estava mais estreita do que na ida e foi então que me dei conta de que na ida, no escuro, eu tinha caminhado por cima de uma espécie de mureta na neve, com uns 40 centímetros de altura. E que essa espécie de mureta ficava justamente na borda da montanha. Ao lado dela era um precípicio que descia pela montanha e parecia um tobogã de neve, o qual não conseguia enxergar o fim. Fiquei me perguntando se no escuro da subida somente eu tinha passado por aquela parte mais perigosa, ou todos passaram por ali? Com dia claro era impossível passar por essa espécie de mureta. Seu eu passase ali com certeza minha labirintite ficaria atacada, eu teria tontura, as pernas tremeriam e eu correria o risco de cair no abismo. O jeito foi seguir caminhando pela faixa estreita de neve ao lado da tal mureta de neve, dando um passo por vez e colocando um pé na frente do outro. E a todo custo evitei olhar para os lados, me concentrava no próximo passo e nada mais. Dei uma rápida olhada para o lado direito e vi que ali o precípicio era menor do que do outro lado. Mas cair ali também significaria morrer. E ali eu tinha certeza que em caso de queda o guia não conseguiria fazer a ancoragem, que ele soltaria a corda e me deixaria cair montanha abaixo. Atravessar a trilha estreita durou poucos minutos, mas para mim pareceu que demorou bem mais. Quando cheguei ao final da trilha, desci até uma rocha que ficava um pouco abaixo e que foi ao lado dela onde fizemos a última parada para descanso durante a subida. Comecei a sentir o suor escorrer pelas axilas e costas. Num frio de muitos graus negativos eu estava sentindo calor.

Fizemos uma curta parada para descansar e começamos a descer a montanha. Atravessámos a parte inclinada ao lado da montanha e que tinha neve fofa. Sofri para atravessar esse trecho e afundei na neve mais vezes do que tinha afundando na subida. E passamos ao lado de alguns buracos enormes que eu não tinha visto durante a subida. Após atravessar esse trecho de neve fofa, fizemos nova parada para descanso. Ali tirei o casaco grosso que usava por cima e coloquei óculos de sol, pois o reflexo do sol na neve estava me incomodando. Tenho problema com claridade em excesso e quando era criança usei durante dois anos óculos com lentes escuras, por culpa de uma insolação que peguei na praia. Estava com sede e ao pegar minha garrafa de água na mochila, descobri que ela estava congelada. Minha água tinha virado um cubo de gelo. Lembrei-me da garrafa de Coca-Cola e ao pegá-la vi que também estava congelada. A água do guia também tinha congelado, então o jeito foi ficar com sede.

Descer a montanha era bem mais fácil do que subir, mas era bastante cansativo também, principalmente em razão do desgaste que foi subir. Dei algumas olhadas para os lados e vi que a paisagem era muito bonita, mas não deu para curtir muito. Eu me concentrava em olhar para frente e buscar forças não sei onde. Comecei a ficar cada vez mais com sede, a boca ficou seca e senti meus lábios e bochechas ardendo. Foi aí que descobri que eles estavam queimados pelo frio. Como não conseguia respirar direito durante a subida, eu afastei a bataclava do rosto e nariz e o vento gelado causou algumas queimaduras leves. Não me importei muito com isso naquele momento, pois tinha problemas maiores para me preocupar e o maior deles no momento era a forte dor que eu sentia na parte da frente dos meus dedos dos pés. Por estar descendo os dedos eram forçados contra a parte interna do bico das botas e isso estava me causando muita dor.

Descemos numa boa velocidade, mas logo fui perdendo forças e comecei a caminhar mais devagar. O guia ficava o tempo todo me mandando ir mais rápido, até que chegou um momento em que me estressei e respondi que não dava para ir mais rápido que aquilo. E depois disso passei a fazer muitas paradas, onde eu me sentava ou deitava na neve e tentava respirar. O guia não gostou muito disso, mas não falou nada. Numa dessas paradas, no meio de uma vale, vi que por todo o vale próximo a nós existiam dezenas de pedras de gelo espalhadas. Algumas pedras eram pequenas, outras tinham o tamanho de uma moto. Perguntei ao guia de onde vinham aquelas pedras e ele me mostrou numa parte da montanha atrás de nós uma pequena geleira. Segundo ele quando esquentava, algumas pedras se soltavam e desciam pelo vale numa espécie de avalanche. Na mesma hora levantei e disse a ele para seguirmos em frente, pois aquele local não era bom para descanso. Depois de todo o esforço para subir a motanha, o que menos queria era ser atropelado por um cubo de gelo gigante.

A sede foi apertando, comecei a ficar tonto e as pernas não obedeciam direito. Vi que estava ficando desidratado e minha água continuava congelada. Passamos a descer por uma trilha estreita e eu tropecei com a ponta do pé direito no calcanhar do pé esquerdo, caindo literalmente de boca na neve. O guia fez rapidamente a ancoragem esticando a corda e não deixando que eu saísse rolando trilha abaixo. Ali o guia conseguiu fazer a ancoragem, mas continuei achando que se fosse num local mais inclinado e perigoso, ele não conseguiria. Seguimos montanha abaixo, fazendo algumas poucas paradas para descanso e para tirar fotos. Eu que sou de bater muitas fotos, nesse dia não estava com ânimo para ficar a todo instante tirando as luvas e batendo fotos. Os lugares pelos quais estávamos passando dariam boas fotos, mas preferi guardar tais imagens na memória, pois isso dava menos trabalho.

Os alemães passaram por nós e desceram rapidamente pela montanha. Depois pegaram uma trilha a direita e sumiram de vista atrás de umas pedras. Mais abaixo já era possível ver o nosso refúgio que parecia estar perto, mas que levou meia hora para chegarmos até ele. Essa meia hora foi uma das mais longas de minha vida, pois eu não me aguentava mais e meus dedos dos pés estavam cada vez mais doloridos. Ao todo levamos quase três horas de descida até chegarmos ao refúgio. Paramos tirar os grampões e para isso sentamos numa pedra. Eu não estava conseguindo tirar os meus e o guia veio me ajudar. Em seguida atravessamos os poucos metros até a entrada do refúgio, onde encontrei o Cecilio, o guia da Bruna e o casal de suíços, todos sentados tomando sol. Perguntaram se eu tinha chegado ao cume e diante de minha resposta vieram me cumprimentar. Os suíços contaram que desistiram da subida após a primeira hora, e colocaram a culpa no problema de estômago da guria. Eu mal conseguia estender a mão para eles e só agradeci rapidamente e entrei no refúgio em busca de água. Depois de beber um litro de água, sentei-me e tirei as roupas para neve e as botas que estavam esmagando meus dedos. Então encontrei a Bruna, que me deu parabéns por ter chegado ao cume.

Subi até o dormitório e entrei no saco de dormir, pois estava começando a sentir muito frio. O Cecilio subiu para falar comigo e disse que era para arrumar minhas coisas, pois precisávamos descer até o primeiro refúgio aonde o taxi iria nos buscar. Pedi a ele que me desse meia hora para descansar, pois eu estava exausto e desidratado. A Bruna subiu e se sentou no colchão ao lado do meu. Ficamos conversando, eu contando um pouco de como tinha sido a subida. Logo o guia dela veio chamá-la, pois eles iam embora primeiro. Eu e Bruna nos despedimos e voltei a deitar. Após 15 minutos o guia veio me chamar e não sei onde encontrei forças para levantar e arrumar minhas coisas. Coloquei minhas botas de caminhada e elas que sempre achei serem pesadas agora pareciam leves. A sensação era de estar com um chinelo nos pés. Após tantas horas com as pesadas botas para gelo nos pés, minhas botas de caminhada pareciam plumas.

Com dificuldade comecei a descida por entre o gelo e as pedras na trilha abaixo do refúgio. O Cecilio pegou minha mochila menor e colocou nas costas, o que foi uma grande ajuda. Os dois guias e o casal suíço desceram na frente, caminhando num bom ritmo. Eu fui atrás, me arrastando. Fiz algumas paradas para descansar e ao longe vi que os guias paravam de vez em quando e ficavam me olhando. Eles tentavam nunca me perder de vista. Quase no final do trecho cheio de pedras, escorreguei e caí de bunda no chão. Por sorte caí num trecho onde não tinha pedras na trilha, então somente o orgulho ficou machucado. Felizmente ninguém me viu caindo.

Antes de chegar ao segundo trecho da trilha, encontrei os dois guias sentados, me esperando. Sentei ao lado deles e ficamos conversando por alguns minutos. Depois voltamos a caminhar, eles na frente e eu cada vez mais atrás. Segui me arrastando e torcendo para chegar logo o final da trilha, pois não tinha mais forças. E numa curva da trilha dei de cara com a Bruna, sentada em uma pedra. Foi bom encontrá-la ali, principalmente por que imaginava que não fosse revê-la tão cedo. Mesmo saindo na frente, ela seguia devagar e fazia paradas para descansar, então acabei a alcançando. Passámos a caminhar juntos e foi à vez dela retribuir o favor do dia anterior e me dar apoio moral para eu seguir em frente. Encontramos os três guias parados num canto da trilha e quando viram que estávamos caminhando juntos, os três se mandaram na frente e só fomos encontrá-los novamente quando chegamos ao refúgio.

Nosso taxi, o mesmo da ida, já estava lá nos esperando. Arrumei minhas coisas e guardei tudo no taxi. Me despedi novamente da Bruna, que seguiria com o seu guia em outro carro. Também me despedi do pessoal do refúgio e do Jhony, o guia que subiu junto comigo. Ele disse que eu era forte. Agradeci a ele pela ajuda e entrei no taxi, no banco de trás junto com os suíços. Eu estava muito cansado e só pensava em chegar ao hostal e dormir. Tentei dormir no carro, mas era apertado, desconfortável e na estrada esburacada chacoalhava muito. Ao passarmos em frente ao velho cemitério que fica ao lado da estrada, me virei para trás e dei uma última olhada na montanha de Huayna Potosi. Ela aparecia majestosa iluminada pelo sol, com o céu azul por trás e com seu manto branco de neve. Olhando para a montanha eu não acreditei que tinha chegado até seu cume. A ficha ainda não tinha caído! E jurei que nunca mais subiria uma montanha nevada novamente.

Foi torturante a quase uma hora que levamos para chegar até a casa do Cecilio. Como era descida o taxista parou em frente a casa, na beirada do abismo. O Cecilio descarregou suas coisas, despediu-se de todos e embarcamos no taxi. Dessa vez me sentei no banco do carona e quando olhei para frente e vi o tão próximo que estávamos da beira do abismo, achei melhor não colocar o cinto de segurança e fiquei segurando na fechadura da porta. Vai que o motorista erra a ré, ou acontece algum outro problema? Achei melhor me garantir e ter uma chance de me atirar para fora do carro caso fosse necessário. Felizmente nada de ruim aconteceu e após mais uma hora andando por ruas sem asfaltdo e parte do centro de La Paz, finalmente chegámos ao Hostal.

La Paz

Fui até a recepção do Hostal El Solário e pedi um quarto e também minha mochila grande que tinha ficado guardada no depósito. Dessa vez me deram um quarto próximo a recepção e com um banheiro ao lado da porta. Fui primeiro ao banheiro e na hora de sair bati a porta com força e escutei um click. Só então li um aviso pregado na porta, escrito em espanhol e inglês e que dizia para não trancar a porta, pois tinham perdido a chave. Olhei para os lados e não vi ninguém que testemunhasse a cagada (não literal) que eu tinha acabado de fazer. Entrei no meu quarto, dei uma olhada rápida nele e vi que era melhor do que o quarto onde tinha ficado anteriormente. Tirei minhas botas, sentei na cama e a testei para ver se era confortável e vi que a exemplo do quarto, a cama era bem melhor do que a anterior. Depois disso não me lembro de mais anda, pois dormi.

Acordei às 15h30min com barulho de vozes no corredor ao lado. Olhei para os lados e demorei um pouco para entender o que estava acontecendo e onde eu estava. Foi aí que me lembrei de que eu estava sujo, sem comer nada a umas 15 horas e que tinha chegado ao cume do Hyaina Potosi, realizando o antigo sonho de escalar uma montanha nevada. Finalmente a ficha caiu e senti aquela sensação gostosa de missão cumprida. Sei que parece insano você se arriscar, sofrer e levar horas para chegar ao alto de uma montanha, onde fica poucos minutos e depois desce. Mas isso não é insano, isso para quem gosta não tem preço e para saber como é tal sensação o único jeito é você fazer algo igual. Não é possível explicar como é tal sensação, só é possível sentir e sentimentos não são explicavéis, eles são sentidos, são vividos, são exercitados…

Fui tomar banho e fiquei longos minutos debaixo do chuveiro, com a água quente caindo sobre meu corpo. Após ter enfrentado as menores temperaturas de minha vida, um banho quente era uma espécie de prêmio que eu dava a mim mesmo. Fui para o quarto e tirei minhas coisas das mochilas, separei o que era sujo do que era limpo, dei uma organizada em tudo e senti o estômago roncando. Saí a rua e mais uma vez ao passar pelos muitos salões que existem na vizinhança o pessoal ficou me chamando para entrar e fazer a barba. Eu já estava cansado disso, que acontecia toda vez que saía do hostal e passei a fazer de conta que não os ouvia. Deixei de ser educado e responder a todos dizendo não e passei a olhar para frente e não dar bola para ninguém. Fui ao restaurante da esquina de baixo, onde já tinha comido algumas vezes. Pedi o maior prato de arroz, frango frito e batata fritas que eles tinham e uma Coca-Cola gelada. Almocei lentamente e ao sair do restaurante parei na vendedora de abacaxis que ficava na rua em frente e comi duas enormes fatias de abacaxi. Depois fui caminhar e desci por uma longa avenida que passava ao lado e que atravessava o centro da cidade. Estava com dor nas pernas, mas continuei caminhando lentamente. Minha calça jeans (a única que levei na viagem) ficava caindo, sinal de que eu tinha perdido ainda mais peso do que já tinha perdido desde que saí do Brasil.

Fiquei duas horas andando pelas ruas, olhando vitrines, construções e pessoas. Parei tomar um delicioso sorvete de pêssego, com muitos pedaços de pêssego. Antes de voltar ao hostal entrei em uma lan house, onde telefonei para casa e depois fiquei usando a internet. Quando anoiteceu fui para o hostal e descansei um pouco. Mais tarde saí e fui jantar em outro restaurante cujo prato principal também era arroz, frango frito e batata frita. Fiquei olhando o cardápio e para comemorar minha recente façanha pedi o prato mais caro, que era frango parmegiana. O prato mais caro custava $ 26,00 bolivianos (R$ 8,20). O frango parmegiana deles é diferente do frango parmegiana brasileiro. Não tinnha molho de tomate e nem queijo por cima. Na verdade era uma mistura de frango, massa de trigo e ovo, tudo misturado, prensado e assado na chapa. Mas o que me surpreendeu foi o tamanho, era enorme e achei que não conseguiria comer tudo. Mas comi, pois precisava recuperar minhas forças que tinham sido perdidas em Huayna Potosi. Voltei para o hostal de pança cheia e caí na cama pensando qual seria a próxima montanha nevada que eu subiria. A promessa de nunca mais subir novamente uma montanha nevada não tinha durado muitas horas. Apesar do sacríficio tinha gostado da experiência e queria repeti-la um dia. Logo dormi curtindo a cama confortável e quente.

Pronto para o ataque ao cume do Huayna Potosi.
Momento de descanso.
Cume (la cumbre) do Huayna Potosi.
Descansando numa temperatura de -15 graus.
O sol nascendo.
Com Jhony, o meu guia na montanha.
Descendo Huayna Potosi após chegar ao seu cume.
Trecho de neve fofa.
Descendo o Huayna Potosi.
Huayna Potosi.
Em Huayna Potosi.
Huayna Potosi.
Huayna Potosi.
Admirando a paisagem.
Huayna Potosi.
Quase chegando ao refúgio Alta Rocha.
Refúgio Alta Rocha.
Me despedindo de Bruna, no primeiro refúgio.
A última imagem que tive do Huayna Potosi.
Vista de La Paz a partir da casa do Cecilio, o guia.

Viagem ao Peru e Bolívia (19° Dia)

02/06/2012 

Huayana Potosi

O Huayna Potosi é uma montanha de 6.088 metros, que faz parte da Cordilheira dos Andes e une a Cordilheira Real ao maciço de Mamacora Taquesi e do Condoriri, através de uma cadeia de montanhas menores. O Huayna Potosi é o destino de muitas pessoas com pouca ou nenhuma experiência em alpinismo. São amadores do montanhismo que sonham escalar uma montanha com mais de seis mil metros, e o Huayna Potosi oferece a rara oportunidade para que estes alpinistas realizem o sonho de escalar uma alta montanha. Acompanhados por guias eles chegam até o cume do Huayna Potosi utilizando a rota normal, que é relativamente fácil se comparada com a rota oeste ou noroeste da montanha, que possuem dificuldades técnicas que somente montanhistas experientes conseguem transpor. Huayna Potosi fica distante cerca de 25 quilômetros de La Paz. É possível chegar de carro até o primeiro refugio de Huayna Potosi, localizado acima de quatro mil metros. A estrada que leva até o refugio não é asfaltada, mas está sempre em boas condições, o que permite que até mesmo carros de passeio transitem por ela sem problemas.

Huayana Potosi – 1° dia

Pulei cedo da cama e corri para o banheiro. Acordei muito mal do estômago e o culpado era o Salchipapas que comi na noite anterior. Eu estava mal, com muita dor na barriga, diarreia e enjoo. Justamente quando ia partir para o maior desafio de toda a viagem, quando ia fazer o que mais desejava nessa viagem, fui ficar mal. Por outro lado a garganta estava totalmente curada e em boa parte graças aos antibióticos salvadores que o Enrico tinha me dado. Entre dores e enjoos acabei de arrumar minhas coisas. Depois levei a mochila grande para guardar no depósito do hostal e paguei a conta referente aos dias que tinha ficado hospedado ali.

Na agencia de turismo que fica na entrada do hostal, encontrei o guia e o casal de suíços com os quais eu iria para Huayana Potosi. O guia nos disse que teríamos que ir a pé até o local onde um táxi nos aguardava. Era aniversário da Bolívia e as ruas próximas ao hostal estavam todas fechadas, pois aconteceria um grande desfile comemorativo pelo centro da cidade. Saímos à rua seguindo o guia e eu me sentindo cada vez mais enjoado. Não conseguia deixar de lembrar do gosto do tal Salchipapas. Sempre que algo me faz mal isso acontece, meu estômago fica me lembrando do gosto do que me fez mal, para que eu nunca mais volte a comer tal coisa. As ruas estavam sem carros, mas cheias de gente. E ao atravessar uma grande avenida tivemos que dar uma corridinha, pois estava se aproximando o desfile, com muitas pessoas usando roupas típicas. Mais alguns quarteirões e chegamos até um velho táxi que nos esperava. Fomos guardar nossas coisas no porta malas e foi então que o guia percebeu que tinha esquecido minhas roupas para frio. Ele voltou até a agencia enquanto eu e os suíços ficamos esperando no táxi. Resolvi tomar uma Coca-Cola numa barraquinha próxima, para ver se aliviava minhas dores de estômago. Não tinha Coca gelada, então foi uma quente mesmo! O dono da barraquinha viu que eu era brasileiro e contou que já morou em São Paulo e que trabalhou com costura no Braz. A quantidade de bolivianos que conheci e que moraram e trabalharam em São Paulo, era impressionante! Voltei para o táxi e comecei a conversar com o taxista. Falamos muito sobre futebol e política. Após 40 minutos o guia voltou com as coisas que tinha esquecido.

Antes de seguir rumo à Huayana Potosi fizemos uma parada numa feira, em um bairro afastado. O guia ia comprar algumas coisas que faltavam para as refeições e eu aproveitei para ir numa farmácia. Contei a atendente sobre meu problema e ela me indicou uns comprimidos. Tomei um comprimido ali mesmo na farmácia. Antes de voltar ao táxi fui comprar água e uma garrafa de Coca-Cola, que pretendia levar para beber no cume do Huayana Potosi. Voltei ao táxi, me sentei e fiquei curtindo meu mal estar. O guia demorou em voltar e quando voltou estava cheio de sacolas com comida. Partimos e após atravessar alguns bairros distantes do centro de La Paz, chegamos até um bairro que fica na parte alta da cidade, com ruas esburacadas e empoeiradas. Paramos numa rua e o guia perguntou se eu podia ir com ele até sua casa, para pegar algumas coisas, inclusive minha bota para gelo. Fui com ele e fiquei impressionado com a vista que se tinha a partir da casa do guia, que ficava bem perto da beira do barranco. Da casa dava para ver boa parte de La Paz, e o Illimani, que é uma enorme montanha nevada próxima a La Paz. O guia demorou um pouco e logo começou a sair com mochilas, sacos e cordas. Peguei metade das coisas, joguei nas costas e subi rumo ao taxi. Eram uns 300 metros rua acima e sofri com o peso e a falta de ar.

Era quase meio-dia quando finalmente pegamos a estrada poeirenta que leva até o Huayana Potosi. Até certo ponto a estrada era a mesma pela qual eu tinha passado no dia anterior rumo ao Chacaltaya. Dobramos a esquerda e seguimos por uma longa estrada de onde dava para ver uma represa morro abaixo. Passamos por um velho cemitério abandonado, que fica ao lado da estrada e de onde se tem uma vista muito bonita do Huayana Potosi. Chegamos a um posto de controle e entramos numa mineradora abandonada. Mais um pouco e chegamos ao refugio Casa Blanca, situado a 4.740 metros de altitude. A possibilidade de chegar de carro até tal altitude é o que faz o Huayana Potosi ser uma das poucas montanhas no mundo com mais de 6.000 metros, onde pessoas sem experiência e com um pouco de preparo físico conseguem chegar ao cume.

Fazia sol, mas fazia frio no refugio e achei interessante algumas poças d’agua no chão, que estavam congeladas. Entramos no refugio e logo na entrada tinha um local para guardar a roupa e equipamento de escalada. Depois entramos numa sala com uma grande mesa e nas paredes diversos quadros e fotos de montanhas enfeitando o local. Uma senhora veio nos receber e falou que era para deixarmos nossas mochilas no andar de cima, onde ficava o dormitório. Para subir ao dormitório era preciso tirar o calçado e o deixar no pé da escada. O dormitório estava muito organizado e limpo, com colchões espalhados pelo chão. Escolhi um colchão no canto e ali estendi meu saco de dormir. Aliás, o saco de dormir tinha sido emprestado pelo guia, pois o meu é para zero graus e o guia achou melhor que eu levasse um saco de dormir para temperaturas negativas, então me emprestou um para até 15 graus negativos. O casal de suíços (não anotei e não consigo lembrar o nome deles) se ajeitou nos colchões ao meu lado. Na hora de descer a escada de madeira, que era estreita e íngreme, escorreguei e quase caí de cabeça escada abaixo. Era o que me faltava, chegar tão perto do Huayana Potosi e me machucar ao cair da escada do abrigo, antes mesmo de começar a subir a montanha. 

Era 13h50min quando o almoço foi servido. O cardápio era arroz e peito de frango assado. A comida estava fria, quase gelada, mas saborosa. Eu que gosto de comida fria não me importei, mas os suíços fizeram cara feia e reclamaram um pouco. Após comermos, o guia fez uma rápida reunião ali mesmo na mesa. Depois fomos deitar para descansar um pouco e vi os suíços tomando chimarrão. Isso mesmo!! Perguntei onde eles tinham conhecido tal bebida e me contaram que foi durante um mês que passaram na Argentina. O remédio fez efeito, pois as dores na barriga e o enjoo desapareceram.

Às 15h00min descemos para a entrada do abrigo e ali aprendemos como vestir as roupas de frio e o equipamento de segurança. Colocar a bota de neve deu um trabalhão, pois ela é muito pesada e tem uma parte interna com cordão e depois a parte da bota propriamente dita, com outro cordão. Sofri para amarrar os cordões, que não ficavam firmes o suficiente e se desamarrariam muitas vezes. Saímos equipados e fomos subir rumo a uma geleira que fica montanha acima. A trilha era estreita, no meio das pedras e logo comecei a sentir muito calor em razão de estar usando a roupa para gelo. Senti-me bem adaptado com relação à altitude e consegui caminhar no mesmo ritmo que o guia. O casal suíço subiu lentamente,  fizeram várias paradas e estavam com dificuldade para respirar. E o que piorava a situação deles é que ambos eram fumantes. Então para eles era ainda mais difícil respirar ali, com pouco ar em razão da altitude. Após 45 minutos de caminhada chegamos ao Glaciar Velho, uma geleira que é utilizada para treinamento dos novatos em prática de escalada em gelo. Quase no final da trilha passamos por uma garota que tinha cara de norte americana, e seu guia boliviano. Ao chegar à geleira o guia olhou para mim, mostrou a garota pela qual tínhamos acabado de passar e disse que ela era brasileira. Logo a guria e seu guia pararam ao nosso lado e fiquei olhando para ela, vendo suas roupas e acessórios em busca de algum sinal que mostrasse que ela era mesmo brasileira. Como não encontrei nada, falei algo a ela em português. Ela se virou e me respondeu em espanhol. Achei que ela não era brasileira e que o guia estava equivocado, mas logo ela pediu desculpas por ter me respondido em espanhol (questão de hábito) e desandou a falar em português, com sotaque gaúcho. O nome da gauchinha era Bruna, e logo ela se transformaria numa das pessoas mais especiais que conheci nessa viagem.

Na geleira o guia nos ensinou a colocar os grampões (garras para andar no gelo) nas botas e também explicou como utilizar o piolet (espécie de machadinha) para caminhar no gelo e subir paredões gelados. Em seguida ele nos mostrou as várias técnicas para caminhar sobre o gelo, tanto para subir, como descer e andar lateralmente. No começo tomei cuidado, pois não me sentia seguro e parecia que ia cair a todo o momento. Logo peguei prática e comecei a andar de cima para baixo sem medo. A lição seguinte foi subir em paredão de gelo utilizando os grampões. Você tinha que literalmente chutar o paredão, para cravas as garras do grampão no gelo. E ao mesmo tempo que chutava o gelo tinha que utilizar o piolet cravando ele no gelo para ir subindo paredão acima. No começo deu um pouco de medo, mas logo peguei o jeito e ficou divertido. E a última lição foi escalar um paredão de gelo utilizando os grampões, dois piolets e com uma corda amarrada em você, tendo outra pessoa fazendo a ancoragem. Achei que o guia por ser pequeno não ia conseguir fazer a ancoragem e me segurar caso eu caísse. Ele disse que eu podia confiar e foi o que fiz, já que não tinha outra opção. Essa subida foi divertida, pois ao fixar os grampões no paredão voava gelo para todo lado. Eu subi de uma vez e quando cheguei ao alto do paredão fiquei sem fôlego e pedi para o guia esperar eu me recuperar, para então eu poder descer. O paredão que subi tinha uns doze metros e somente quando cheguei ao alto é que olhei para baixo e senti um pouco de medo. Cair lá de cima seria perigoso, ainda mais que existia uma fenda no gelo em baixo, logo no final do paredão. Após descansar uns minutos o guia puxou a corda e mandou-me descer. Resolvi confiar nele e soltei meu corpo, deslizando em segurança paredão abaixo. Foi tão divertido que deu vontade de repetir a experiência. Após eu descer foi a vez dos suíços subirem, sendo primeiro o marido e depois a esposa, que mostrou muita prática em subir. Enquanto eles subiam fiquei vendo a Bruna subir outro paredão próximo de onde estávamos. A gauchinha era corajosa!

Treinamento feito, tiramos os grampões e seguimos trilha abaixo de volta para o abrigo. Chegamos ao abrigo pouco depois das 17h00min e fomos tomar café. Logo chegaram a Bruna e seu guia. Eles tinham tido um desentendimento e a Bruna não quis ficar sozinha com ele em outro abrigo ali perto, onde eles estavam instalados. Então ficou decidido que a Bruna faria parte de meu grupo e ficaria no nosso alojamento. Para mim foi uma boa notícia a vinda da Bruna para o meu grupo, pois eu teria com quem conversar, já que os suíços e o guia se isolavam e não eram de conversa. E foi isso que aconteceu entre a hora do café e a janta. Eu e Bruna ficamos conversando sem parar, sentados a mesa. Nossas conversas foram sobre vários assuntos e nasceu ali uma boa amizade. A Bruna tem 24 anos e está no interior da Bolívia fazendo trabalho voluntário em um orfanato. Ela é recém-formada em enfermagem e antes já tinha feito um trabalho semelhante na Venezuela. A Bruna ganhou muitos pontos comigo, ao dizer que eu tinha uns 26 anos. Um quarentão como eu ser taxado como um jovem de vinte e poucos anos é uma excelente massagem ao ego. Ou então a Bruna não enxergava muito bem!! Vai saber? Kkk….

A janta foi servida às 18h10min e estava um pouco melhor do que o almoço. De entrada foi servida sopa quente e depois macarrão com carne moída. Depois da janta subimos todos para o alojamento, onde arrumei minhas coisas e me preparei para tomar banho. Ao me virar para sair do alojamento dei de cara com a suíça, que estava abaixada, de calcinha preta, trocando de calça e com o traseiro virado para meu lado. Na hora fiquei sem jeito, pois não sabia se seguia para fora e passava por trás dela, se virava o rosto e não olhava, ou então se olhava para ela se trocando. O marido dela estava do meu lado e isso me deixou ainda mais sem graça. Olhei para a Bruna, que estava sentada em seu colchão e a cara dela era de espanto. Mais uma vez tive a prova de que as mulheres europeias não são cheias de pudores iguais a sul americanas e asiáticas. Para elas trocar de roupa ou andar com pouca roupa em frente de estranhos não é nenhum problema. (Teve o caso da holandesa no hostal na Isla del Sol).

Fui tomar meu costumeiro banho de gato. O banheiro ficava cerca de cem metros distante do abrigo, numa área descampada. Não tinha luz, o vaso sanitário era velho e quebrado e a descarga era alguns galões com água que ficavam num canto do banheiro e que cuja água você despejava no vaso após usá-lo. A janela do banheiro não tinha vidro e a porta era cheia de buracos e não fechava direito. Resumindo, utilizar banheiro ali era um problema sério. E nesse banheiro tomei meu banho de gato, passando uma toalha molhada pelo corpo e depois lenços umedecidos. Em seguida coloquei camiseta, meias e cueca limpas. Quase congelei ao realizar tal procedimento. Acabei emprestando meus lenços umedecidos para a Bruna tomar o banho de gato (no caso dela banho de gata!). Os suíços não sei se tomaram banho ou algo parecido. Pouco depois das 19h30min todos se recolheram para seus sacos de dormir. Eu não sei e não gosto de dormir cedo, então para mim foi um problema ir deitar tão cedo. E para piorar meu MP3 tinha passado o dia todo ligado dentro da mochila e ficou sem bateria. O jeito foi ficar quieto dentro do saco de dormir, pensando na vida. E de hora em hora eu ouvia o bip de meu relógio dentro da mochila jogada num canto e ficava sabendo que horas eram. Acabei dormindo depois das 23h00min e pouco antes tinha olhado meu termômetro, que marcava sete graus.

 

História – Huayna Potosi

A história do Huayna Potosi é confusa e parece que o grande especialista inglês dos Andes Meridionais, Sir Martín Conway haveria tido dúvidas quanto a geografia deste “senhor” dos Andes Bolivianos. Em 1877, quando o francês Charles Wiener e seus companheiros de Illimani fazem uma tentativa de escalada que, como temos visto, se viu coroada com êxito, um grupo de alpinistas alemães tenta a ascensão do Huayna Potosi. Sem equipamento, desprovidos de víveres e praticamente sem nenhuma informação, se lançam para o alto desconhecido apesar de sua proximidade da cidade. Quatro deles teriam de encontrar um destino trágico, acima dos 5.600 metros de altitude; os outros dois, desesperados tentaram uma descida arriscada pelo glaciar. Porém a neblina estava ali fazia uma semana e com dois metros de neve profunda recém-caída, o que impede uma progressão rápida. Depois de 11 dias passados e em condições climáticas espantosas, os dois alpinistas chegam ao colo de Zongo a 4.890 metros, onde morrem de esgotamento. Em 9 de setembro de 1898, outra expedição provavelmente austríaca tenta sua vez na aventura; desceram também depois de 5 dias passados a 5.900 metros.

Em 1919, os alemães R. Dienst e O. Lhose, chegam enfim ao cume da ponta sul, ligeiramente mais baixa que a norte, neste mesmo momento, os italianos e os suíços fazem várias incursões no cume vizinho e fracassam em seu intento, o que os leva ao Condoriri sem lograr maior êxito. Este último se encontra muito próximo do Huayna Potosi.  A partir de 1940 que os italianos junto com Pietro Chiglione, chefe da expedição chegaram a pisar pela primeira vez alguns cumes vizinhos do Huayna Potosi, como o Taquesi, Cumacutincora e Michuloma, dos quais nenhum chega aos 6.000 metros. Sem embargo, levando em conta as possibilidades técnicas da época, estas escaladas representam dimensões de verdadeiras explorações que bem podem ser consideradas como façanhas. Em 1950, o Huayna Potosi é objeto de uma ascensão internacional; sua proximidade da capital unida a sua beleza fazem dele, junto com o Condoriri, o Illimani e o Illampu, um dos cumes mais cobiçadas da Cordilheira Real.  Depois das vias normais, sudeste e noroeste, que se unem a outro cume, as faces oeste, as arestas norte se impõem como linha direta para alcançar o ponto culminante. Várias tentativas franco bolivianas, alemãs e americanas, fracassaram. Somente em 1969 que o americano, Roman Labat abre uma via lógica até o cume pela aresta Noroeste cortando uma parte da face oeste. Pouco depois, uma equipe alemã faz a aresta integralmente (Rudolf Knott, Peter Schleyer e Otto Ekkehart).  

Em 1970, a verdadeira rota desta face, partindo da base do cume norte, estava por abrir. Ernesto Sánchez e Alain Mesili trataram de escalar sem êxito, depois de passados 4 dias em péssimas condições climáticas e quase sem material; uma queda de Mesili sob as estrias entre os blocos de gelo deteriora a situação moral e física dos dois escaladores.  Acima dos 5.600 metros, um bloco de pedra corta a corda em várias partes e eles decidem pela descida. Seriam necessárias 15 horas de cramponagem de descida metro a metro, entre nevascas e trovoadas, pelas pendentes de 55º a 60º graus para chegar à rota principal. Em 1977 os franceses Cristian Jacquier, Dominique Chapuis e Christian Charriere, abrem exitosamente a primeira via, pelo extremo lado direito da parede, saindo assim pela parte baixa do pico sul.  Em julho de 1978, Michel e Jean Affansief traçaram uma via quase idêntica a anterior. Em setembro do mesmo ano, Frederic Faure, Guy Challeat, Yves Levy e Alain Mesili, abrem uma via pela borda do cume principal. O Huayna Potosi apresenta um atrativo especial, uma atração estética para o alpinista.

Nestes últimos anos, a via normal tem sido escalada centenas de vezes por temporada, o que é comparável ao Huascarán na Cordilheira Blanca do Peru, o que denota por outro lado uma mudança de atitude no que se refere ao interesse que despertam as montanhas situadas nos confins dos Andes para o europeu acostumado aos Andes peruanos. 

Fonte: http://www.rumos.net.br

Huayna Potosi e suas rotas de subida.
Refugio Casa Blanca.
Trilha que leva até o Glaciar Velho.
Glaciar Velho.
Treinando práticas de escalada em gelo.
Piolet cravado no gelo.
Minhas botas de gelo com os grampões.
Aprendendo a subir paredões de gelo.
Bruna, a gauchinha corajosa.
Aprendendo escalada com ancoragem.
Escalando um paredão de gelo.
Escalar o paredão era divertido, mas muito cansativo.
Retornando ao refugio após o treinamento em gelo.
No dormitório do refugio, prontos para dormir cedo.

Viagem ao Peru e Bolívia (18° Dia)

01/06/2012 

Chacaltaya

Nesse dia levantei um pouco mais tarde, pois a saída para o Chacaltaya e Valle de La Luna estava marcada para as 8h00min. Minha garganta estava quase curada, tinha desinchado totalmente, não doía e sumiu a tosse e as secreções. Creio que o responsável pela rápida melhora foi o antibiótico que tomei. Me arrumei, coloquei algumas coisas na mochila e fui para a frente do hostal. Lá encontrei o Enrico e Olivia. Eles não estavam mais hospedados no El Solário, tinham ido para outro hostal ali perto. Logo a van e o guia que nos acompanharia no passeio chegaram. Embarcamos e o guia avisou que passaria em outros hostals para pegar mais pessoas. Na primeira parada embarcaram três gurias que pouco depois descobri serem brasileiras, cariocas de Niterói. Em outro hostal embarcaram dois caras que pareciam ser israelenses. Mais outra parada e embarcou um casal brasileiro. E na última parada embarcou um oriental, que não sei de que país era. Com a van cheia, pegamos o caminho em direção à periferia de La Paz. Comecei a conversar com o Enrico e a Olivia e logo o outro casal brasileiro também entrou na conversa. Álvaro e Ellen eram paranaenses, mas viviam no interior de São Paulo. A família da Ellen era de Campo Mourão. Mundo realmente pequeno esse nosso!!!

Nos afastamos do centro e atravessámos alguns bairros pobres e isolados, com ruas poeirentas. Depois pegamos uma estrada de terra que seguia em direção as montanhas. Passamos em um local onde um rebanho de lhamas cruzava a estrada a nossa frente. Descemos da van e nos aproximamos para tirar fotos. Logo reembarcamos e seguimos pela estrada. A nossa frente surgiu o Chacaltaya e a sua esquerda o Huayna Potosi. Contei para o Enrico e a Olivia que a montanha de Huayna Potosi seria meu próximo destino. E daí eles perguntaram como tinha sido o downhill de bicicleta no dia anterior. Uma das cariocas, Natalia, ao ouvir sobre o downhill se virou e começou a fazer perguntas, pois tinha vontade de fazer tal passeio. Seguimos conversando na van e nos aproximando cada vez mais das montanhas. Começamos a subir por uma estrada estreita e cheia de curvas, onde o motorista passava bem próximo a beira do abismo e a visão do precipício lá embaixo era um pouco assustadora. Ao meu lado estava sentada uma das cariocas, Meire, que ficou bastante assustada e um pouco nervosa em passar por aquela estrada. Vimos algumas espécies de pequenas cabanas cheias de fios, espalhadas ao lado da estrada quando estávamos quase chegando ao Chacaltaya. Perguntamos ao guia o que era aquilo e ele respondeu que eram equipamentos utilizados em estudos climáticos. Ali funciona o Observatório Astrofísico de Chacaltaya, que durante muitos anos foi um dos principais colaboradores do esforço internacional para estudos de raios cósmicos.

O Chacaltaya é uma montanha que faz parte da Cordilheira dos Andes. Ela tem 5.421 metros de altitude e fica cerca de 30 quilômetros de distância do centro de La Paz. É uma montanha bastante visitada por turistas, em razão de se conseguir chegar de carro até cerca de 200 metros abaixo de seu cume. E se tratando de uma montanha com mais de cinco mil metros, não é em qualquer lugar do mundo que se consegue chegar de carro tão próximo do cume assim tão alta. Ali funciona uma estação de esqui, que está semi desativada em razão de ter pouca neve por culpa das mudanças climáticas que ocorreram no planeta nos últimos anos. E o curioso é que o maior volume de neve no Chacaltaya ocorre no verão. É que no verão chove na região e isso faz com que caía neve. Já o outono e inverno é época de seca e a neve existente no alto da montanha vai derretendo com o sol constante. A estação de esqui do Chacaltaya é a estação de esqui de maior altitude no mundo, ficando a 5.395 metros acima do nível do mar.

Desembarcamos da van ao lado de um prédio onde funciona a administração do lugar, e também uma pequena lanchonete e algumas lojinhas que estavam fechadas. Fui usar o banheiro e me assustei com suas condições. Nem tem como descrever o estado deplorável e de abandono em que ele estava. Realmente o lugar está decadente e meio abandonado. Olhei no meu termômetro e estava fazendo 4 graus, no sol. Dei uma volta pelo local, tirei algumas fotos e gostei de uma construção antiga feita em madeira, que fica numa das extremidades do morro. Ela estava fechada, então não pude entrar e ver como era por dentro.

Começamos a subir em direção ao cume. Existia um caminho que levava para o alto da montanha e que não era muito extenso. Mas subir ali não era tão fácil, pois devido à alta altitude o ar era rarefeito e por menor que fosse o esforço feito, você sentia falta de ar e ficava cansado. Logo no início da subida uma das cariocas começou a se sentir mal e desistiu de subir. O Enrico não gosta de altura e resolveu ficar sentado numa pedra e curtir a vista que se tinha dali. O Álvaro estava com dificuldades para respirar, mas logo percebeu que se não falasse e desse passadas curtas, ele conseguia subir. Os estrangeiros do grupo seguiram na frente, junto com o guia boliviano. Eu fiquei junto com a Olivia, Meire, Álvaro, Ellen e Natalia. Subimos juntos até o cume, conversando. Em alguns momentos eu apertava um pouco o passo, pois queria sentir como estava minha aclimatação com relação à altitude. Descobri que eu estava bem, pois não me cansava muito e não tive dor de cabeça ou tonturas. Não tinha neve nesse trecho final e só fomos encontrá-la no cume, sendo que em pouca quantidade e muito dura, mais parecendo gelo compacto. No cume estava fazendo 10 graus. Eu imaginei que estaria mais frio lá em cima, mas me enganei. Mas embaixo na montanha estava ventando um pouco e talvez por essa razão que estava mais frio. Eu bati novamente meu recorde de altitude ao chegar ao cume do Chacaltaya.

A vista lá do alto do cume era muito bonita. Víamos a estrada cheia de curvas por onde tínhamos passado para chegar ali e também algumas pequenas lagoas. Dava para ver La Paz ao longe e bem próximo o Huayana Potosi, que é uns setecentos metros mais alto que o Chacaltaya. Fiquei um longo tempo olhando para o Huayna Potosi e pensando se eu conseguiria chegar até o seu cume dali uns dias. O guia nos mostrou algumas pedras que tinha encontrado no chão e no meio delas dava para ver fósseis de conchinhas. Aquela montanha com mais de cinco mil metros já tinha sido fundo de oceano milhares de anos antes.

Nosso grupo de brasileiros ficou o tempo todo junto no cume do Chacaltaya. Eu conversei bastante com a Natalia, com quem descobri muitas afinidades. Peguei bastante no pé dela, pois ela ficou o tempo todo segurando uma garrafa de água de 2 litros. Mesmo nas fotos ela ficava com a garrafa de água nas mãos. Tiramos fotos, admiramos mais um pouco a vista e chegou a hora de voltar. Dias antes eu tinha visto algumas fotos do Chacaltaya que minha amiga Renata Melo tinha postado no Facebook. As fotos dela tinham sido tiradas alguns meses antes, com neve cobrindo toda a montanha. Inclusive ela pegou uma nevasca quando estava no alto do Chacaltaya. A visão que eu estava tendo da montanha era totalmente diferente do que eu tinha visto nas fotos da Renata. Sem neve a montanha fica muito diferente, parece ser outra.

Na hora de embarcar na van, eu e o Álvaro conversámos sobre a fragilidade daquela van. Ela era antiga, com pneus pequenos e possivelmente sua manutenção devia ser precária. Uma van daquela, cheia de gente, andando pela estrada estreita e sinuosa que leva até o Chacaltaya, era o convite para um acidente grave. Mas como não adiantava reclamar ou ficar com medo, o jeito for entrar na van e procurar curtir a paisagem. E achei estranho os vidros da van estarem lacrados, não dava para abrir. A descida foi mais tranquila do que a subida e até mesmo a Meire estava relaxada e disse não estar com medo. Os brasileiros do grupo já tinham ficado amigos e a conversa rolou solta. Os três estrangeiros acabaram ficando de lado.

Valle de La Luna

Atravessámos La Paz de um lado ao outro, levamos pouco mais de uma hora rodando pela cidade. Passamos pela parte sul e rica da cidade. Nessa região existiam casas, prédios e carros bonitos, não tinham vendedores nas ruas. De tão perfeito e bonito, essa parte da cidade me pareceu sem graça. Finalmente chegamos ao Valle de La Luna, que é uma formação rochosa que lembra um pouco a paisagem lunar. Na verdade são arenitos, que com o passar do tempo foram sendo esculpidos pela ação da chuva e do vento. Eu não tinha nenhuma expectativa com relação a esse passeio, mas acabei gostando. O lugar era interessante e acabou sendo um passeio agradável. Fiquei o tempo todo caminhando e conversando com os demais brasileiros do grupo. Após uma hora caminhando pelo Valle de La Luna, embarcamos na van e seguimos em direção ao centro da cidade. As três cariocas logo desembarcaram, pois pretendiam passear pela região sul da cidade. Fui um dos últimos a desembarcar, numa rua próxima ao hostal e junto com os dois casais de brasileiros. Despedi-me do Álvaro e da Ellen e saí caminhar com Olivia e Enrico. Diferente de mim que sou enjoado e evito as comidas locais, eles gostavam de provar tudo o que era novo. Contei a eles sobre o abacaxi enorme que vi sendo vendido na rua e eles disseram que já tinham provado e que era muito bom. Eu que adoro abacaxi, tinha ficado com vontade de provar, mas achei as condições higiênicas bastante precárias. Acabamos indo até a rua paralela ao hostal, onde duas mulheres vendiam os tais abacaxis. Elas vendiam copos de suco por $ 1,00 boliviano e fatias de abacaxi por $ 3,00. Acabei provando uma fatia e gostei, foi o melhor abacaxi que já provei. Ao lado de onde era vendido o abacaxi, funciona uma espécie de padaria na calçada. Algumas mulheres tinham bancas onde vendiam pão, e a todo momento pessoas paravam para comprar variados tipos de pão. Voltamos aos nossos hostals e combinamos de sair mais tarde para jantarmos juntos.

Ao entrar no hostal a moça da agencia de viagens me chamou dizendo que tinha novidades. Ela disse que surgiu um casal de suíços que queriam ir para Huayna Potosi, partindo no dia seguinte. Acabei fechando o pacote para ir junto com eles. Os três dias na montanha, com refeição, guia, equipamento, roupas e transporte, custava $ 930,00 bolivianos. Eu não tinha todo esse valor em bolivianos e pensei em pagar em dólares, mas o cambio ali era baixo demais. Então saí cambiar dólares numa agencia ali perto. No Brasil as agencias de cambio funcionam cheias de cuidados, com seguranças, portas com detector de metal, vidros blindados. Na Bolívia não tinha nada disso, as agencias funcionavam sem nenhum tipo de segurança ou cuidado. Nessa agencia que troquei os dólares, o balcão ficava quase na rua e em frente todos que passavam viam que eu estava trocando dinheiro e onde eu guardei o dinheiro. E voltei tranquilamente até o hostal sem ter qualquer tipo de problema. Fazer algo parecido no Brasil é pedir para ser assaltado. Mais uma vez cheguei à conclusão que o culpa pela violência no Brasil não é a pobreza.

Fechei a compra do pacote para Huayna Potosi, fui apresentado ao guia e ele me levou para provar roupas e equipamento. As botas não me serviram, elas apertavam meus dedos. O guia falou que tinha em sua casa uma bota tamanho 43, que certamente me serviria. Eu calço 41 e precisava de uma bota maior, pois teria que usar três pares de meia para aquecer os pés. Tudo resolvido e saí à rua para usar a internet numa lan house e também telefonar para casa. Eu sabia que subir Huayna Potosi teria certo risco, que gente já morreu por lá. Então achei melhor ligar para casa e depois deixei um recado no Facebook, que no caso de eu morrer serviria como uma espécie de despedida. E no meio dessas coisas todas que fiz, acabei perdendo o horário de encontrar o Enrico e a Olivia. Voltei para o hostal e fiquei lá na frente uns quinze minutos, até que eles apareceram. Já tinham jantado, pois cansaram de me esperar no horário marcado. Saímos juntos, eu precisava comprar pilhas para minha lanterna e uma meia de lã. Em La Paz o comércio informal domina a cidade, o que mais existe são bancas e vendedores pelas ruas, onde você encontra de tudo. Demos uma volta pela vizinhança e logo encontrei as pilhas e um meia de lã bem quentinha (e zebrada). Eu não tinha jantado e fui num outro restaurante que servia a refeição comum da cidade; frango, arroz e batata frita. Meus amigos me acompanharam e enquanto eu comia ficamos conversando descontraidamente. Eu tinha visto um prato de nome Salchipapas (batata frita e salsicha) e mesmo já tendo comido, pedi o tal prato. E Enrico também pediu um, o qual dividiu com a Olivia. O Salchipapas era saboroso, mas no dia seguinte eu me arrependeria amargamente por tê-lo comido. Saímos do restaurante, demos mais uma volta pela rua olhando as bancas de produtos a venda e entramos no hostal do meu casal de amigos. Conversamos, trocamos endereços e nos despedimos. Na madrugada seguinte eles seguiriam para Buenos Aires e eu me aventuraria na nevada e gelada montanha de Huayna Potosi.

Fui para o hostal e logo que entrei vi que numa sala na parte de baixo estava rolando uma festa. Quando comecei a subir a escada para meu quarto, uma guria me parou e perguntou em espanhol de onde eu era. Respondi que era do Brasil e então ela se apresentou e disse ser francesa. Ela me convidou para a festa e eu não tive como dizer não. Fui com ela até o local onde o pessoal estava reunido e vi que tinha muita bebida, três caras tocando violão e muita fumaça, pois quase todos estavam fumando. Fiquei uns cinco minutos ali e falei para a francesinha ao meu lado que ia até o meu quarto e logo voltaria. E saí sabendo que não ia voltar, principalmente em razão da fumaça, pois detesto cigarro, cheiro de cigarro, fumaça de cigarro. No quarto arrumei minhas coisas, separarei na mochila grande tudo o que ia deixar guardado no depósito do hostal, e na mochila média e na pequena, separei o que levaria para a montanha. Era quase meia noite quando me deitei para dormir e levei algum tempo para pegar no sono. Fiquei pensando como seriam os próximos três dias na montanha, o frio intenso, a falta de banho, a comida ruim e principalmente os perigos de subir uma montanha nevada e com alta altitude. E no meio de tais pensamentos dormi, aproveitando a cama confortável e quente, da qual eu sentiria saudade na duas noites seguintes.

A esquerda Huayna Potosi e em frente o Chacaltaya.
Rebanho de lhamas cruzando a estrada.
A sinuosa e perigosa estrada que leva ao Chacaltaya.
Construção de madeira que estava fechada.
Ao fundo Huyana Potosi.
Subindo o Chacaltaya.
Cume do Chacaltaya.
Vista do alto do Chacaltaya.
Gelando a bunda.
Olivia, Álvaro, Ellen, Vander, Natalia e Meire.
Descendo do cume do Chacaltaya.
Nossa frágil van.
Com Olivia e Enrico.
Eu e Natalia.
Valle de La Luna.
No Valle de La Luna.
Valle de La Luna.
Com Natalia no Valle de La Luna.
O saboroso abacaxi boliviano.
Enrico e Olivia, com o enorme abacaxi.
A padaria que funcionava na calçada.

Viagem ao Peru e Bolívia (17° Dia)

31/05/2012 

Downhill na Estrada da Morte

Levantei às 6h00min me sentindo melhor do problema da garganta, que tinha desinchado. Pelo visto os remédios bolivianos e o antibiótico que o Enrico me deu estavam dando resultado. Para garantir coloquei na mochila uma cartela de pastilhas para garganta. Fui ao banheiro, voltei ao quarto me arrumar e logo desci. No hostal seria servido um café da manhã gratuito para o grupo que faria o downhill pela Estrada da Morte. No local do café fiquei conhecendo o guia e os outros três caras que fariam o downhill (um espanhol, um israelense e um suíço) e também um casal de chilenos, que iria conosco de carona até CoRoico, cidade próxima ao final do downhill. No café da manhã comi pão com doce de leite e bebi um copo de Tampico de manga. Argh, que coisa ruim!! Gosto de Tampico de laranja, mas não gosto de manga e o tal Tampico sabor manga que eu nunca tinha visto antes, era horrível demais. Após o café o guia entregou nossas roupas, que todos vestiram ali mesmo e fez uma reunião, sempre falando em inglês. Mesmo com meu inglês sofrível eu conseguia entender bem as explicações, então não pedi que ele traduzisse tudo para o espanhol. E durante todo o dia as explicações e avisos foram em inglês.

Embarcamos numa van, que levava em cima algumas bicicletas e partimos. Seguimos pelo centro de La Paz e depois pela periferia até uma região de serra. O motorista colocou umas músicas locais para tocar e num volume altíssimo. Foi a maior tortura e numa situação daquelas dava vontade de ser surdo. Após uma hora de viagem chegamos ao La Cumbre (o cume) local onde teria início o downhill. Fazia muito frio mesmo com sol. Eu vestia uma calça de ciclismo e por cima dela uma calça de agasalho que fazia parte do uniforme da agencia. E também uma camiseta, uma blusa e por cima o casaco da agencia. E para completar dois pares de meias e luvas. O guia nos entregou o equipamento de segurança, que consistia de capacete, perneiras e joelheiras de plástico. Usar toda aquela proteção era desconfortável, mas um mal necessário. O começo do downhill seria na parte asfaltada da Estrada da Morte. Na estrada passavam carros, então teríamos que tomar muito cuidado e não exagerar na velocidade. Depois de alguns quilômetros embarcaríamos na van e seguiríamos até a parte antiga da Estrada da Morte, que não é asfaltada e está quase que totalmente desativada. A partir de 1996 quando a estrada asfaltada foi inaugurada, esse trecho de terra passou a ser somente utilizado na época da colheita e para turismo, principalmente os passeios de bicicleta. Antes de ser asfaltada, a média de mortes anuais na Estrada da Morte era de duzentas. E desde que os passeios de bicicleta começaram a ser feitos na Estrada da Morte, vários ciclistas morreram ali, principalmente ao cair nos precipícios que existem de um dos lados da estrada. O nome Estrada da Morte é merecido, pois ela é estreita, toda em terra e cascalho, cheia de curvas, tendo de um lado um precipício que termina na mata e do outro lado um paredão de pedra.

Mais uma reunião foi feita, onde o guia explicou os cuidados com segurança que deveríamos ter. Tiramos fotos e o guia mostrou no fundo do abismo os restos de um ônibus que tinha caído ali três anos antes e que matou muitas pessoas. Não foi nada animador ver os pedaços do ônibus pouco antes de iniciar a descida pela estrada. Partiríamos de La Cumbre numa altitude de 4.700 metros (meu novo recorde de altitude) e no final do downhill em Yolosa, a altitude seria de 1.185 metros. Ou seja, seria o tempo todo descendo e como downhill significa “descida”, aquele era o lugar ideal para descer e descer… O início do downhill foi com muito frio, em razão da alta altitude e seu final seria numa região de mata e quente. Então no meio da descida faríamos uma parada para tirar a roupa de frio e colocar uma roupa para temperaturas altas. Do jeito que tinha me vestido, isso seria fácil. Bastava tirar as luvas, a calça de agasalho e os dois casacos.

Quando seguimos rumo a estrada para iniciar a descida, chegou outro grupo de ciclistas. Esse grupo era formado por umas vinte pessoas. O que me chamou a atenção foi que o único tipo de proteção que eles usavam era o capacete. E também usavam um colete amarelo, com o logo da agencia de turismo pela qual estavam fazendo o downhill. Achei que seria bem mais interessante fazer a descida com um grupo pequeno igual eu estava fazendo, do que num grupo tão grande igual o da outra agencia.

Já no primeiro quilômetro de estrada começou a descida e era uma curva atrás da outra. Não era preciso pedalar, bastava deixar a bicicleta pegar embalo. Para ganhar mais velocidade era só baixar o corpo e encostar o queixo no guidão. Fazia muito frio e descendo em alta velocidade o vento deixava a sensação térmica muito baixa. Mesmo com luvas, comecei a sentir os dedos congelarem e doerem de frio. No início utilizei bastante o freio, até me acostumar com a bicicleta e com a estrada. Minha bicicleta era boa, bastante leve e fácil de controlar. O freio era forte e logo peguei o jeito de frear em segurança. Só não gostei do selim, que era duro. O que amenizava um pouco o desconforto era a calça de ciclismo que eu usava por baixo da calça de agasalho e que tinha espuma no traseiro e nas partes mais sensíveis próximas a ele (entendeu?). Logo peguei gosto pela coisa, perdi o medo e comecei a andar em alta velocidade. Aquilo era muito louco, adrenalina pura. Em razão do horário poucos carros passavam pela estrada, e os que passavam na maioria eram caminhões e ônibus que subiam a estrada. Segundo o guia, nossa velocidade ficava entre sessenta e setenta quilômetros por hora. Cair a uma velocidade dessas significava sérios ferimentos, mesmo utilizando equipamento de proteção. Meu maior receio era cair de boca na estrada.

A descida foi ficando divertida e fazer curvas era ainda mais divertido. O guia ficava próximo a nós, tirando fotos e dando algumas instruções. Jorge, o espanhol logo começou a andar na frente e fazia as curvas em alta velocidade. Eu e o suíço andávamos sempre próximos um do outro, nos alternado um na frente do outro. E o israelense seguia sempre no final do grupo. Logo atrás dele vinha nossa van, cujo motorista também era enfermeiro para o caso de algum acidente. E o casal de chilenos vinha na van curtindo a paisagem e tirando fotos. Eu tinha perdido totalmente o medo e me adaptado à bicicleta, então passei a tentar andar na mesma velocidade que o espanhol. Em alguns momentos consegui ultrapassá-lo. Mas cheguei numa curva que tinha pedriscos e perdi o controle da bicicleta. O pneu da frente derrapou nos pedriscos e para conseguir controlar a bicicleta não usei o freio, pois senão teria derrapado de vez e caído. Meu sangue frio e experiência em andar de bicicleta foi o que me livrou de um tombo, pois ao mesmo tempo em que olhei rapidamente para os dois lados para ver se não vinham carros, fui tocando de leve no freio traseiro e equilibrando a bicicleta, cujo pneu dianteiro seguia dançando de um lado para outro. Segui controlando a bicicleta com o pneu dianteiro dançando, até chegar à grama em frente um guard rail do outro lado da estrada. Ali apertei mais forte o freio traseiro, fiz uma curva brusca já em menor velocidade e toquei levemente o pé esquerdo no guard rail, para me equilibrar. Dessa forma consegui controlar a bicicleta e voltar para a estrada em segurança. Nossa van vinha logo atrás e pude ver a cara de assustados do pessoal que estava nela. Depois de o perigo ter passado foi que senti o coração disparado e um frio no estômago. Foi aí que caiu a ficha e vi do que tinha me livrado. Se tivesse vindo algum carro no momento em que perdi o controle da bike, eu teria que ter freado bruscamente e fatalmente teria caído e me machucado feio. E outra coisa que poderia ter acontecido, seria eu ter batido no guard rail e caído no precipício atrás dele. Como não queria correr mais riscos e nem levar novos sustos, passei a ir mais devagar e até o israelense me ultrapassou.

Dez minutos após meu quase acidente, chegamos num local onde tinham algumas lanchonetes, banheiro e um posto de fiscalização da polícia boliviana. Ali fizemos uma parada para lanche e banheiro. E também compramos um tíquete que dava direito a passar pela parte antiga da Estrada da Morte, que fica dentro de um parque ecológico. A chilena veio falar comigo e disse que na van todos acharam que eu ia cair quando perdi o controle da bicicleta na curva. Respondi a ela que eu também achei que ia cair. Após meia hora de descanso voltamos a pedalar e ao passar pelo posto policial me distrai, perdi o equilíbrio e bati de lado numa cerca de ferro. Por sorte eu estava numa velocidade muito baixa e não me machuquei mais seriamente, apenas fiquei o resto do dia com dor no cotovelo e joelho direito. E o equipamento de proteção aliviou a pancada. Só faltava isso, depois de escapar milagrosamente de cair numa curva estando em alta velocidade, eu me machucar de bobeira estando com a bicicleta quase parada. Descemos por mais algumas curvas e chegamos num túnel. O guia nos mandou parar e disse que era proibido passar por dentro do túnel e que ele não tinha iluminação. Existia um desvio não asfaltado que passava ao lado do túnel e passamos por ele. Logo em seguida paramos, colocamos as bicicletas em cima da van e entramos nela para seguir até o início do trecho antigo e não asfaltado da Estrada da Morte.

Desembarcamos da van logo no início da parte original da Estrada da Morte. A paisagem era de tirar o folego. O guia fez nova reunião e explicou que ali era utilizada mão inglesa, ou seja, teríamos que descer pelo lado esquerdo da estrada, bem próximo ao precipício. Ele explicou que funciona dessa forma ali por que em razão da estrada ser estreita, quando dois carros se encontram fica mais fácil para o motorista que está subindo ver até onde ele pode se aproximar em segurança do morro e o motorista que está descendo pode ver até onde ele pode se aproximar da beira do precipício. Outro aviso que o guia deu foi que ao encontramos algum veículo pelo caminho, a preferencia seria dele. Que por segurança deveríamos parar e descer da bicicleta e só voltar a pedalar após o veículo ter passado. Avisos dados e começamos a descer pela estrada cheia de pedras. O guia acostumado que estava em passar por ali quase todos os dias, desceu em alta velocidade e desapareceu de nossa vista. Eu fui com calma, pois queria pegar o jeito da coisa, já que descer pela estrada de terra e cheia de pedras era bem diferente de descer pela estrada de asfalto. A velocidade que alcançávamos era menor, mas em compensação o risco de sofrer algum tipo de acidente era bem maior. Andávamos muito próximo da beira do precipício e cair ali era morte quase certa. Nas curvas o cuidado tinha que ser redobrado, principalmente em curvas muito fechadas e sem área de escape, onde a estrada passava rente ao precipício. Senti um pouco de medo no início, mas logo peguei gosto e jeito pela coisa. E não achei necessário andar sempre pelo lado esquerdo da estrada, pois quase não passavam carros e em muitas partes era possível ver um bom pedaço de estrada à frente. Então eu olhava para ver se não vinham carros e seguia pelo lado direito da estrada. Em curvas fechadas onde eu não tinha muita visão da estrada, eu reduzia a velocidade e seguia com cuidado pelo lado esquerdo. E os poucos carros que passaram por nós vinham buzinando para alertar eventuais motoristas e ciclistas que estivessem seguindo pela estrada.

Fizemos algumas paradas durante a descida, que serviram para tirar fotos e também admirar a beleza do lugar. Paramos em uma curva e o guia nos mostrou lá no fundo do precipício um carro todo retorcido. Esse carro tinha caído ali cinco dias antes, quando o motorista se perdeu na curva. Morreram quatro pessoas nesse acidente. Seguimos em frente, sempre descendo e o frio foi ficando para trás e a temperatura começou a subir. Fizemos uma nova parada, dessa vez numa curva onde ano passado (ou retrasado, não lembro mais!) aconteceu o último acidente com morte de ciclista na Estrada da Morte. Foi um israelense que se perdeu numa curva e caiu no precipício morrendo na hora. Um pouco mais a frente e chegamos numa curva que é o local mais conhecido da Estrada da Morte e onde todo ciclista que passa por ali, tem que obrigatoriamente parar para tirar fotos. A curva é bem fechada, não tem área de escape ou outro tipo de proteção lateral e a estrada passa bem na beira do abismo. Você olha para baixo e demora para ver o fundo. Cair ali é morte certa!

Mais alguns quilômetros descendo velozmente estrada abaixo e levando alguns pequenos sustos, e chegamos num local onde existe um monumento. Esse monumento foi construído pela família de uma ciclista israelense, que morreu ali em 2001. A guria na época tinha 23 anos, se perdeu numa curva e caiu no abismo. O Barack, o israelense do grupo não tinha prestado atenção ao monumento, então mostrei a ele a placa que está escrita em hebraico. Daí o guia contou que dos ciclistas mortos na Estrada da Morte desde que ela foi aberta aos ciclistas, o recorde de mortos por país é de israelenses, com doze mortes. O Barack fez cara de espanto e brinquei com ele perguntando se os israelenses são ruins de visão, ou não aprendem a andar de bicicleta quando crianças. E também falei que a estrada é nazista, pois mata principalmente judeus. Sei que foram piadas idiotas e sem graça, mas ao menos serviram para quebrar o clima ruim que tinha sido criado e para deixar o Barack mais relaxado. Depois disso, ele que já vinha o tempo todo mais devagar e no final do grupo, passou a pedalar ainda mais lentamente e com cuidado redobrado. Nessa parada em frente ao monumento da garota israelense, aproveitamos para tirar as roupas de frio e guardá-las na van.

Voltamos a pedalar e logo passamos por um trecho da estrada onde caía água da montanha por sobre a estrada. Tentei desviar da água, mas não consegui. Ter água gelada caindo sobre mim não foi nada agradável. Dali para baixo passamos a pedalar mais distante da beira do precipício, então comecei a correr mais. E por duas vezes fui parar no mato baixo ao lado da estrada, mas não cheguei a cair. Também atravessamos alguns trechos onde rios atravessavam a estrada. Eu passava com cuidado para não cair na água gelada e levantava os pés para não molhar o tênis. Chegamos num trecho onde tinha muitas pedras soltas na estrada. Na velocidade que estávamos algumas pedras voavam para os lados, outras batiam no pedal ou no quadro da bicicleta, fazendo barulho. Teve uma pedra que bateu no pedal e depois no meu queixo. Não chegou a machucar, mas que levei um susto enorme, isso levei! Comecei a sentir muita dor no pulso direito e parei para ver o que estava acontecendo. Meu pulso estava inchando, creio que em razão do esforço de horas pedalando e apertando o freio. Com o pulso inchado a pulseira do relógio ficou apertada (uso relógio no pulso direito, sempre usei desse lado!) e acabou cortando meu pulso, o que provocou a dor. Tirei o relógio, o coloquei no bolso e voltei a pedalar.

Na parte final da estrada as pedras desapareceram e passamos a percorrer uma região com muita poeira. A descida deixou de ser tão inclinada como fora desde o início e tivemos que pedalar o tempo todo e não mais andar no embalo. Ali fazia muito calor, nem parecia que tínhamos iniciado a descida com frio quase abaixo de zero. Chegamos num posto de controle, onde tivemos que mostrar os ingressos que tínhamos comprado horas antes. Aproveitamos para descansar e tirar fotos. No local uma equipe de reportagem da BBC de Londres, estava gravando parte de um documentário com uma equipe de resgate boliviana que trabalha na Estrada da Morte. Tirámos fotos com o pessoal e quando um dos caras da equipe de resgate soube que eu era brasileiro, veio falar comigo. Ele contou que é casado com uma brasileira e que sua esposa mora no interior da Bahia. Ele fica três meses na Bolívia trabalhando e três meses no Brasil com a esposa. O cara era muito gente boa e engatamos uma conversa animada. Ele contou que atualmente mesmo existindo a estrada nova, ainda ocorrem muitas mortes na parte da Estrada da Morte pela qual tínhamos descido. E que somando as mortes atuais na parte antiga da estrada e na parte nova, ocorrem em média cem mortes por ano. Encerramos a conversa quando o chamaram para almoçar.

Voltamos a pedalar e seguimos por um trecho sem graça, onde não existia curvas perigosas ou descida inclinadas. E exatamente às 13h30min chegamos ao final da estrada, num local com alguns bares e casas, próximo ao trevo que levava a cidade de CoRoico, que ficava ali perto. O guia disse que tínhamos percorrido de bicicleta algo em torno de 60 quilômetros. Entramos num bar e o pessoal foi tomar cerveja e bater papo. Tinha uma TV ligada onde passavam clips internacionais. E logo começou a passar um clip do Michel Teló, com a música “Ai se eu te pego”. Michel Teló e Gustavo Lima também fazem sucesso na Bolívia e não somente no Peru, igual eu tinha visto (e escutado) em muitos lugares. Pedi para usar o banheiro e o dono do bar foi me mostrar onde era. Na verdade não existia um banheiro propriamente dito, mas sim um local atrás do bar, que o pessoal utilizava como banheiro. Papel higiênico, absorventes e outras coisas mais espalhadas pelo chão, deixavam claro que aquele local era utilizado frequentemente como banheiro. Voltei para dentro do bar e conversei um bom tempo com o suíço do grupo. Ele falava bem o espanhol, pois tem uma namorada peruana.

Embarcamos na van e seguimos para o local do almoço, que seria num hotel fazenda no meio da mata. O lugar era exótico e bonito. Quando chegamos tinha um pessoal de saída e vi que tinham brasileiros no meio, mas não falei com nenhum deles. Estava com muita fome e queria comer o quanto antes. O sistema era self servisse e tinha muita salada e macarrão. Como de costume peguei pouca comida, pois onde quer que eu vá costumo provar um pouco da comida e se gostar pego mais. A comida estava muita boa, foi a melhor comida que provei em toda a viagem por Peru e Bolívia. Acabei repetindo três vezes e achei que ia passar mal mais tarde. Depois de almoçar ficamos conversando à mesa e o casal de caronistas chilenos contou sobre sua viagem. Eles tinham saído do Chile e pretendiam chegar até o México, gastando pouco, dormindo em barraca e pegando carona sempre que possível. O dono do hotel fazenda veio conversar conosco e contou brevemente sua história. Ele é húngaro e resolveu há seis anos vir tentar a vida na América do Sul. Passou pelo Brasil, mas não conseguiu se estabelecer no país e então seguiu para a Bolívia, onde tudo deu certo e ele vive feliz com a família, sem vontade de um dia voltar para a Hungria. Na mesa começou a encher de mosquitinhos, daqueles cuja picada coça e saí sangue. O interessante é que eles atacaram principalmente o suíço. Brinquei com ele dizendo que ele tinha sangue doce em razão de comer muito chocolate suíço. Fui o único que não foi picado pelos mosquitos, que não se aproximavam de mim. Acredito que isso em razão dos remédios que eu estava tomando, que devia causar algum cheiro imperceptível para os humanos, mas que funcionava como repelente para mosquitos.

Embarcamos na van e seguimos para o trevo de CoRoico. Ali os chilenos desembarcaram e nós subimos a serra. O guia foi no banco da frente com o motorista e na parte de trás existiam quatro bancos e quatro passageiros. Cada um ficou num banco e meus colegas logo deitaram e pegaram no sono. Eu preferi ficar olhando a estrada e a bela paisagem. A trilha sonora da volta foi bem melhor do que a da ida. Tocou o tempo todo músicas de uma banda mexicana chamada Coquetel Molotov. Teve uma das músicas que inclusive foi gravada em português pelo Capital Inicial.  Subimos o tempo todo e após uma hora chegámos na parte da estrada onde tínhamos descido de bicicleta pela manhã. De dentro da van, vendo a estrada, suas curvas, precipícios, veículos passando, cheguei à conclusão de que descer de bicicleta por ali igual nós tínhamos feito era muita loucura. O final da tarde foi chegando e na parte final da subida da serra o tempo fechou e ficou com neblina. Passámos por alguns lugares onde existiam pequenas cachoeiras descendo da montanha ao lado da estrada e em muitas partes a água estava congelada. Pena que o motorista não parou nesses locais, pois daria belas fotos. Saímos da serra e o sol reapareceu. Mais uma hora e estávamos circulando pelo centro de La Paz. Pela janela da van pude conhecer um pouco mais da cidade. E passámos em frente ao belo estádio Hernando Siles, local onde em 1993 a Seleção Brasileira perdeu sua primeira partida de eliminatórias de Copa do Mundo.

Chegamos ao hostal e passei na agencia de viagens para ver se tinha algum grupo formado para ir à Huayna Potosi nos próximos dias. A moça da agencia disse que não, mas que no dia seguinte poderia ter novidades. Acabei fechando com ela um passeio para o Chacaltaya, no dia seguinte. O Chalcaltaya é uma montanha, onde funciona uma estação de esqui semi desativada. A altitude dessa montanha é de 5.421 metros e ir até lá fazia parte do meu plano de aclimatação para subir Huayna Potosi. O pacote de dia inteiro, com van e guia para o Chalcaltaya e Vale de La Luna custava $ 50,00 bolivianos. Antes de sair da agencia ganhei de brinde um CD com as fotos do downhill e uma camiseta alusiva ao passeio, com uma bandeirinha da Bolívia pregada na manga direita.

Subi para meu quarto, tomei banho, deitei um pouco para descansar e quando já era noite saí à rua. Novamente ao passar pelas várias barbearias da vizinhança o pessoal me convidava para entrar e fazer a barba. Fui jantar na lanchonete da esquina e novamente comi um prato com arroz, frango frito e batata frita. Paguei $ 4,50 bolivianos, o que dá R$ 1,42. Era muito barato comer ali. Dei uma volta pelas redondezas e parei numa lan house para usar a internet. Voltei ao hostal pouco depois das 21h00min. Na porta encontrei Elisa, minha amiga italiana. Ela estava indo embora, seguiria para o interior da Bolívia. Conversámos um pouco, nos despedimos e subi para meu quarto. Arrumei a mochila para o passeio do dia seguinte, baixei as fotos do dia no net book e fui dormir, com os braços e mãos doendo em razão das horas em cima da bicicleta. E agora posso dizer que sobrevivi à Estrada da Morte!!!

Barack (Israel), Vander (Brasil), Jorge (Espanha), Stefan (Suiça).
Fazendo graça!!
Início do downhill.
Pegando velocidade.
Sempre descendo.
Pouco antes de quase cair numa curva.
Parada para descanso.
Trecho antigo da Estrada da Morte.
Um dos trechos mais perigosos da estrada.
Trecho da Estrada da Morte onde a parada para fotos é obrigatória.
Essa paisagem é clássica.
Cadê o final do abismo?
Estrada da Morte.
Trecho onde ocorreu a última morte de ciclista na Estrada da Morte.
Monumento a uma ciclista israelense que morreu ao cair no precipício.
Parada para trocar de roupa.
Pela estrada afora eu vou bem contente…
Parada no posto de controle.
Vamos pular, vamos pular, vamos pulaaaaarrrr!!!!
Com os repórteres da BBC de Londres e a equipe boliviana de salvamento.
Pedalando na poeira.
Atravessando o rio.
O banheiro no fundo do bar.
O delicioso almoço hungaro.
Com meus companheiros de downhill e o casal de chilenos.
A direita recado que deixei no livro de visitantes.
Na van, retornando à La Paz.
A bela paisagem na estrada que leva à La Paz.

Viagem ao Peru e Bolívia (16° Dia)

30/05/2012 

Copacabana

Acordei com a camareira batendo na porta do quarto e quando olhei no relógio me assustei, tinha dormido por doze horas a fio. Arrumei minhas coisas e desci fazer o chekout. Perguntei sobre minhas amigas e o recepcionista disse que elas já tinham saído do hotel. Achei que elas tinham ido embora no ônibus que segue às 9h00min para La Paz. Deixei minhas mochilas guardadas no depósito do hotel e saí, fui visitar algumas empresas de ônibus e comprar minha passagem para La Paz. Todas as empresas só tinham ônibus às 13h30min e o preço mudava pouca coisa de uma empresa para outra. Vi na rua alguns ônibus menores e algumas pessoas anunciando que eles saíram em 15 minutos. Fui pedir informações e descobri que estes ônibus não iam até a rodoviária, mas somente até um cemitério na entrada de La Paz. Voltei ao hotel e comprei a passagem do recepcionista, paguei $ 20,00 bolivianos.

Fui dar uma volta pela cidade e após caminhar por algumas ruas próximas ao centro, fui novamente até a Basílica Nossa Senhora de Copacabana. Depois fui numa praça em frente e um cara vestido com a camisa do Grêmio pediu para eu bater uma foto dele. Quando ele descobriu que eu era brasileiro, começou a falar sem parar e me deu algumas dicas sobre o que fazer em La Paz. Caminhei mais um pouco pelo centro, fui até o lago e voltei ao hotel. Fiquei lendo na recepção até próximo ao horário de meu ônibus partir. Fui pegar minhas mochilas no depósito e quem me levou até o depósito e abriu a porta foi uma garotinha de uns quatro anos. Entrei no depósito e peguei minhas mochilas, dei uma olhada em volta e tinham dezenas de mochilas. Algumas de marcas europeias que custam cerca de U$ 300,00. Se eu fosse um cara desonesto podia escolher qualquer mochila ali e sair tranquilamente, pois não existia nenhum tipo de controle e a garotinha nem sabia o que estava fazendo.

Fui para o local do embarque, que era na esquina do hotel. Passou por mim um casal e vi que a moça tinha uma capa da Náutica em sua mochila, igualzinha a minha. E o cara tinha uma mochila da Trilhas & Rumos, que é uma marca brasileira. A dedução foi de que eram brasileiros. Embarquei no ônibus e ao sentar em minha poltrona quase que não consigo me encaixar nela, de tão pequena que era. E não existia encosto no meio dos bancos. Ao meu lado foi uma norte americana e ficamos quase sentados um sobre o outro de tão apertada que era a poltrona. No banco da frente ia duas outras norte americanas, amigas da guria que ia ao meu lado. Fui reclinar minha poltrona e a moça de trás pediu para eu não fazer isso, pois senão as pernas dela não caberiam onde estavam. Primeiro achei que era frescura dela, daí olhei para ela de cima a baixo e vi que além de alta ela era gordinha e realmente não ia caber na poltrona se eu reclinasse a minha. Então o jeito foi ficar meio espremido e para minha sorte a guria da frente não reclinou a poltrona dela.

O ônibus partiu e após passarmos pela periferia da cidade, passamos a percorrer uma estrada que seguia ao lado do Lago Titicaca. A paisagem era bonita, o contraste de cores entre a terra árida e marrom e o azul das águas do lago. Em alguns trechos da estrada o lago surgia dos dois lados. Em algumas partes era possível ver montanhas nevadas que ficavam a quilômetros de distância. Passaram uma relação para todos os passageiros assinarem e também preencher sua nacionalidade e idade. Vi que no ônibus tinha gente de todas as partes do mundo. E também vi que a americana que estava do meu lado tinha apenas 18 anos, bem como as duas amigas dela.

Chegamos a um pequeno pueblo as margem do lago e a estrada acabava ali. Teríamos que desembarcar e atravessar o lago de lancha, enquanto o ônibus atravessaria numa pequena balsa. A passagem para atravessar de lancha custava $ 1,50 bolivianos. A lancha não era das maiores e vi que era bem velha. Começou a entrar gente e não parava mais, alguns sentando na parte da frente bem no fundo. E muita gente ficou em pé. Achei aquele excesso de lotação perigoso e fiquei nos fundos da lancha, pois em caso de naufrágio teria mais chances de me salvar. Logo que a lancha partiu duas americanas abriram espaço entre elas e disseram para eu sentar ali. Uma era a guria que estava ao meu lado no ônibus e a outra era amiga dela. Sentei-me e fiquei olhando nosso ônibus atravessar numa balsa. Fiquei pensando no que aconteceria com minhas mochilas que estavam no bagageiro do ônibus, caso ele caísse da balsa e afundasse no lago. A travessia durou cinco minutos e ao desembarcar do outro lado aproveitei para caminhar e esticar as pernas.

Enquanto esperava o ônibus aparecer, vi o casal de brasileiros que tinha embarcado em Copacabana e fui falar com eles. Olivia e Enrico eram do interior de São Paulo. Já tinham passado pelo Peru e agora iam passar uns dias em La Paz e de lá seguir para Buenos Aires de avião. Conversámos um pouco e quando o ônibus apareceu embarcamos e seguimos viagem. A paisagem não mudava muito e após nos afastarmos do Lago Titicaca ela ficou menos bonita, se resumindo a pequenas casas e algumas plantações e criações de ovelhas. Acabei dormindo e só fui acordar quando chegamos à La Paz, quase no final da tarde.

La Paz

A periferia de La Paz era muito feia, pobre e suja. Entramos pela parte alta da cidade e chamou atenção uma estátua de Che Guevara feita de sucatas. Essa estátua ficava numa pequena praça onde em frente dezenas de vans esperavam passageiros. A maior parte dos veículos de La Paz é formada por vans, pois em razão das muitas ladeiras e ruas estreitas existem poucos ônibus e muitas vans circulando pela cidade. Passamos por um pedágio e começamos a descer para a parte baixa da cidade, onde fica o centro. Eu já tinha passado por ali dias antes, quando fui ao Peru. Ao longe dava para ver o Illimani, que é uma montanha nevada com quase 6.500 metros. Logo chegamos á rodoviária e desembarcamos. Ao descer do ônibus vi um Iphone debaixo do banco e lembrei que o tinha visto nas mãos de umas das norte americanas. Fui atrás dela e a encontrei na saída do portão de embarque e devolvi o Iphone a ela, que ficou muito agradecida. Fui pegar minhas mochilas no bagageiro e ao sair pelo portão de embarque um cara veio atrás de mim e me entregou minha garrafinha de água, que segundo ele eu tinha derrubado na hora que peguei a mochila. Essa garrafinha é de alumínio e comprei no Canadá, então ela tem um valor sentimental para mim. Ainda dentro da rodoviária troquei dólares por bolivianos, numa casa de cambio. Antes de sair do Peru eu saquei todos os dólares que tinha na conta do meu cartão da Confidence, pois na Bolívia não tinha terminais ATM para fazer saques. Andar com todos os meus dólares era perigoso, mas não tinha outra solução. Parei num centro de informações turísticas na saída da rodoviária e peguei gratuitamente um mapa do centro da cidade.

Na frente da rodoviária fiquei pensando no que fazer, se pegava um taxi até o hostal El Solário, onde eu pretendia me hospedar, ou se ia a pé até lá. Eu sabia que ele ficava a cerca de um quilômetro da rodoviária. Como boa parte do caminho era descida, resolvi ir a pé. Passei em frente ao Hostal Pirwa, que era da mesma rede do hostals que eu tinha ficado em Cusco. Entrei e fui perguntar o preço. Achei caro $ 100,00 bolivianos por um quarto individual e resolvi ir para o El Solário, pois sabia que lá o quarto individual custava $ 35,00 bolivianos. Tinha que atravessar uma enorme avenida, que em razão do horário estava com trânsito intenso. Fiquei um tempão esperando e não conseguia uma brecha para atravessar. Por estar cheio de mochilas eu não podia correr igual os outros pedestres faziam para atravessar a avenida. Fiz uma tentativa de atravessá-la e antes de chegar na metade me vi cercado de carros, quase sendo atropelado. Consegui voltar para a calçada e fiquei pensando no que fazer para atravessar em segurança. Daí surgiu um guarda de trânsito não sei de onde e perguntou se eu queria atravessar a avenida. Respondi que sim e o guarda assoprou seu apito, levantou a mão direita, entrou no meio da avenida e todos os carros pararam. Atravessei a avenida me sentindo importante, com todos os motoristas me olhando. Nunca tinha passado por experiência igual, nem mesmo no Brasil. Ao passar pelo guarda agradeci e logo estava são e salvo do outro lado da avenida. Pedi informação a algumas pessoas sobre como chegar na rua do hostal e todos foram simpáticos ao dar informação. E logo encontrei o hostal, que fica num prédio antigo, quase nos fundos de uma igreja. Junto ao hostal funciona uma agencia de turismo, na qual eu pretendia contratar alguns serviços turísticos.

Subi até a recepção e pedi um quarto individual. O preço era mesmo de $ 35,00 bolivianos. Existiam quartos coletivos com quatro, seis e até oito camas. Estes quartos custavam de $ 20,00 a $ 30,00 bolivianos e eram mistos, com homens e mulheres misturados. Não achei vantagem ficar num quarto destes, pois a diferença de preço para o quarto individual não era muita. Eu preferia ficar sozinho, pois podia deixar minhas coisas espalhadas pelo quarto e também ficar a vontade para entrar, sair e dormir a hora que eu quisesse. No quarto ajeitei minhas coisas e fui tomar banho, num banheiro de uso coletivo que ficava no corredor. Ao voltar para meu quarto descobri que a Olivia e o Enrico estavam no quarto ao lado. Eles tinham vindo de taxi da rodoviária até o hostal. Então lembrei que eu tinha dado o endereço do hostal a eles. Conversamos um pouco e fui me ajeitar para sair jantar. Minha garganta tinha voltado a doer e a formar secreção. E uma tosse chata estava começando a incomodar. Isso me deixou preocupado, pois eu pretendia subir uma montanha nevada e com a garganta ruim isso seria um enorme problema.

Saí do hostal e caminhei pelas ruas próximas. Em volta existiam muitas barbearias e por onde eu passava pessoas na porta insistiam para eu entrar e fazer a barba. Foi então que notei que os bolivianos não usam barba. A todos que me abordavam eu agradecia educadamente e dizia que não queria fazer a barba. Encontrei uma farmácia e entrei para comprar alguns remédios para a garganta. A farmácia parecia aquelas farmácias antigas que vemos em novelas ou filmes de época, com balcões e prateleiras de madeira e potes com medicamentos por todos os lados.  Ali se vende remédios a granel, ou seja, você diz quantos comprimidos quer e a atendente vende a quantidade que você pediu. Esse sistema é bem melhor do que o sistema brasileiro, onde você compra a caixa toda e muitas vezes não utiliza tudo e acaba jogando fora o que sobrou. Também comprei algumas soroche phills, comprimidos que servem para combater o mal de altitude. Pretendia utilizar tais comprimidos quando fosse subir a montanha nevada dali uns dias. Antes de voltar ao hostal, entrei em uma lanchonete para jantar. Além de lanches eles também tinham refeição. Escolhi um prato com arroz, batata frita e frango frito. Na Bolívia não existe feijão e a carne vermelha é cara, então frango e arroz é à base da alimentação local.

Voltei ao hostal e encontrei a Elisa, a italiana que conheci na Isla del Sol. Ela veio para La Paz no mesmo horário que eu, mas por outra empresa de ônibus. A Audrey tinha ido para outra cidade no interior da Bolívia. Nosso desencontro ocorreu por que levantei tarde e elas saíram muito cedo para passear por Copacabana. Fui até a agencia de turismo que funciona no hostal e acabei fechando para o dia seguinte um passeio de dia inteiro pela estrada da morte. O passeio era um downhill de bike. Escolhi uma bicicleta intermediaria, com freio a disco e suspensão somente na dianteira. Provei roupas, capacete e acertei o horário de saída e outros detalhes para o dia seguinte. Pelo pacote que incluía bicicleta, roupas, equipamentos, guia, transporte, lanche e almoço, paguei $ 360,00 bolivianos. Subi para meu quarto e ao passar pelo corredor uma guria que estava sentada ficou me olhando de cima a baixo. Ela parecia a Angelina Jolie, mas numa versão loira e dez anos mais nova. Ao entrar no meu quarto vi que o quarto ao lado estava com a porta aberta e fui conversar com o Enrico e a Olivia. Acabei contando sobre meu problema de garganta e que se não melhorasse isso seria um problema para meus planos futuros. O Enrico falou que tinham alguns antibióticos, que ganhou de um tio que é médico. Ele disse que se eu não melhorasse, no dia seguinte era para falar com ele, que me daria alguns desses antibióticos. Voltei para meu quarto e fiquei descansando e lendo.

Depois de uma hora descansando fui usar o banheiro e resolvi dar uma volta pelo hostal, para conhecê-lo melhor. O hostal é antigo e enorme, com dois andares, cozinhas coletivas e muitos quartos. Vi que tinha muita gente hospedada ali, principalmente europeus. Quando estava subindo de volta para meu quarto que ficava no segundo andar, encontrei novamente a sósia da Angelina Jolie. Ela perguntou em inglês de onde eu era e quando disse que era brasileiro ela começou a falar em espanhol. Ela era francesa e disse que adorava homens com barba. A guria era muito bonita e enquanto conversava com ela comecei a sentir um cheiro estranho. Em um momento em que a francesa se virou para falar com outra guria, cheguei mais perto dela e disfarçadamente cheirei o seu pescoço. Quase caí de costas, o mau cheiro que estava sentido vinha dela. O que ela tinha de bonita tinha de porquinha e pelo cheiro fazia dias que não tomava banho. Com um fedor daqueles, nem que fosse a Angelina Jolie original eu encarava. Falei a ela que precisava ir dormir, pois tinha que acordar cedo no dia seguinte e subi para meu quarto. Que decepção! Ao menos fez bem ao meu ego ter uma guria bonita e jovem me olhando, vindo conversar comigo. Mas com aquele mau cheiro, sem chance!!! Eu já estava deitado quando bateram na porta do quarto. Fiquei com receio de que fosse a Angelina Jolie fedida e abri a porta com cuidado. Era o Enrico, que veio me dar alguns antibióticos, pois não sabia se ia me ver no dia seguinte. Agradeci pelos remédios, que eram amostras grátis e tomei um comprimido antes de voltar para a cama. Não sei se foi o remédio, mas logo peguei no sono e dormi feito um anjinho…

Meu quarto em Copacabana.
Lago Titicaca, em Copacabana.
Lojas em Copacabana.
Copacabana.
Basílica Nossa Senhora de Copacabana
Paisagem vista pela janela do ônibus.
A lancha lotada na travessia do lago.
Esperando o ônibus após atravessar o lago.
O ônibus na balsa.
Paisagem na estrada que leva à La Paz.
Estátua de Che Guevara feita com sucatas.
La Paz.

Viagem ao Peru e Bolívia (3° Dia)

17/05/2012

Acordei às 5h42min quando o ônibus fez uma parada na estrada, para o pessoal fazer um xixizinho. Desci do ônibus também e o local da parada era ao lado de um precipício. Homens de um lado, mulheres do outro, tudo muito organizado, um não olhava para o outro. Também que graça tem ver alguém fazendo xixi? Fazia muito frio, quando voltei para minha poltrona olhei no meu termômetro e fazia 7 graus. Me ajeitei dentro do saco de dormir e logo fiquei aquecido novamente. Fiquei um tempo vendo o sol nascer por trás de umas montanhas, uma imagem muito bonita. Logo peguei no sono.

Às 8h20min nova parada, dessa vez numa pequena cidadezinha a beira da estrada. Ao lado tinham alguns banheiros, onde se pagava $ 1,00 boliviano para usar. A descarga nos banheiros era despejar um balde com água após fazer o “serviço”. Tal método acabei vendo muitas outras vezes na Bolívia. Alguns passageiros ou por falta de dinheiro, ou por não se importarem em utilizar algum banheiro, foram fazer suas necessidades num terreno baldio ao lado. Algumas cholas (indígenas bolivianas que usam roupas típicas) tinham um método interessante, pois como usam grandes saias, elas se abaixavam em qualquer lugar para fazer suas necessidades e seguravam a saia de uma forma que ninguém visse o que estavam fazendo agachadas. Dei uma olhada no local onde o pessoal tomava café, mas não deu coragem de entrar, era muito sujo. Se bem que não costumo tomar café da manhã, então aproveitei o tempo de parada para me aquecer ao sol.

Quando comprei a passagem o vendedor disse que chegaríamos a La Paz às 8h00min em ponto. Falei com o motorista e ele me disse que o horário de chegada seria ao meio dia. Bem que eu tinha desconfiado que o vendedor estivesse mentindo em alguma coisa. Nas horas seguintes o ônibus se transformou numa espécie de pinga-pinga, parando em muitos lugares e gente embarcando. Quem embarcava ia sentando nas escadas, no chão dos corredores. Fui observando a paisagem pela janela do ônibus. Tudo era meio deserto, com muitas pedras e poeira. Algumas pequenas casas, bem simples feitas de barro era o que diferenciava um pouco a paisagem. Conforme fomos nos aproximando de La Paz, foram surgindo casas simples, lojas, algumas fábricas. A periferia de La Paz era suja, feia.

La Paz era a sexta capital de país que fico conhecendo. O detalhe é que não conheço Brasília, a capital do meu país. E não faço questão de conhecer, acho Brasília uma cidade feia e não curto arquitetura moderna. Se for a Brasília um dia será meramente por questões profissionais ou outras, mas a turismo para conhecer a capita brasileira, jamais. La Paz é a capital em altitude mais alta no mundo. Na verdade a cidade foi construída num canyon, um verdadeiro buraco. A parte alta da cidade, El Alto fica pouco acima dos 4.000 mil metros e a parte baixa fica a 3.700 metros. Chegamos pela parte alta e logo começamos a descer e descer. É impressionante essa diferença de altura dentro da mesma cidade. Em volta da cidade, numa distância não muito grande é possível ver o Illimani, uma montanha nevada com mais de 6.000 metros. La Paz foi fundada em 1548 e sua população atual é de pouco mais de um milhão de habitantes, sendo quase metade de origem indígena.

Desembarcamos em frente à rodoviária, o que confirmou minha suspeita de que a empresa pela qual viajei era pirata e não tinha autorização para entrar na rodoviária fazer o desembarque dos passageiros. Peguei minhas coisas e logo entrei na rodoviária. Estava começando a sentir os sintomas do soroche, o mal de altitude. Quanto maior a altitude, menos oxigênio temos para respirar e em conseqüência sentimos dor de cabeça, tontura, enjôo, ficamos ofegantes por qualquer esforço que fazemos, por menor que seja.  Eu já conhecia esse mal da viagem no ano anterior ao Peru. Comecei a sentir muita dor de cabeça e resolvi tomar uma das soroche pills que tinha levado e também algumas aspirinas. Isso aliviou um pouco a dor.

Dei uma volta pela rodoviária pesquisando preço de passagens até Cusco. Achei um local para trocar dólares por bolivianos. O câmbio ali também estava bom, U$ 1,00 valia $ 6,95 bolivianos. Acabei encontrando meus amigos japoneses. Eles precisavam ir até um determinado endereço no centro da cidade para alterar algumas passagens aéreas. Negociei com um taxista para levá-los até o tal endereço por $ 10,00 bolivianos. Nos despedimos, tiramos uma foto juntos e voltei para dentro da rodoviária. Fui dar mais uma pesquisada nos preço das passagens e acabei encontrando um brasileiro, Tiago, carioca de Niterói. Conversamos um pouco, ele também ia para Cusco e acabamos comprando passagem na mesma empresa. Pagamos $ 150,00 bolivianos na passagem. O Tiago saiu dar uma volta e eu fui procurar algo para comer. Dei uma volta fora da rodoviária, mas não encontrei nada que desse coragem de comer. Voltei para a rodoviária e depois de olhar todos os pequenos botecos e lanchonetes, resolvi comer um sanduíche de queijo e presunto. Até que estava gostoso acompanhado de uma Coca Cola sem gelo. Tanto na Bolívia quanto no Peru é raro encontrar refrigerante gelado, eles costumam servir o refrigerante a temperatura ambiente.

Comprei dois sanduíches onde tinha lanchado, eles seriam minha janta na viagem. Reencontrei o Tiago e logo fomos para o embarque. Antes tive que ir comprar um tíquete que é a taxa de embarque da rodoviária. Essa prática de descobrir na hora de embarcar que você tem que comprar tal tíquete se tornaria comum tanto na Bolívia quanto no Peru. O embarque foi rápido, o ônibus não era dos melhores, mas as poltronas era confortáveis. Não estava cheio e os passageiros eram todos estrangeiros, aquilo parecia uma Babel. Teve serviço de bordo, mas não encarei o sanduíche que serviram, fiquei apenas com um saquinho de suco de maçã.

Como o ônibus estava vazio arrumei uma poltrona para ir sozinho, pois seria mais confortável. Conversei um bom tempo com o Tiago, ele contando como tinha sido sua visita à região do salar. Logo começou a escurecer e pela janela do ônibus foi possível ver um belo pôr do sol. Um tempo depois paramos num posto de fiscalização e um policial subiu no ônibus e perguntou de quem era a mala com número tal (que estava no tíquete de embarque) e o dono da mala teve que descer e acompanhar a revista da mala. Tal procedimento se repetiu mais duas vezes e felizmente não fui um dos sorteados para ter a bagagem revistada. A viagem seguiu e depois de duas horas nova parada, dessa vez na fronteira com o Peru. Desembarcamos do ônibus e seguimos a pé, passamos pela fiscalização boliviana e atravessamos a fronteira caminhando. O local era numa pequena cidade, muito feia e suja. Na fiscalização peruana um cara veio com a guia obrigatória para preenchimento e pediu meus dados para preencher. Eu mesmo podia preencher tal guia, mas resolvi deixar o tal cara preencher, pois vi que aquele era o ganha pão dele. Pelo serviço lhe dei $ 5,00 bolivianos. Passaporte carimbado e saí com o Tiago à procura de nosso ônibus. Tinha orientação de amigos para tomar cuidado com os guardas peruanos, pois se der bobeira do lado de fora eles chamam você para entrar na salinha deles e tentam te extorquir, principalmente se você tiver dólares. E se for brasileiro pior ainda, pois são as vitimas preferências dos guardas. Encontramos nosso ônibus e ficamos perto da porta esperando a ordem de embarque. Daí vimos que um cara entrou no bagageiro e meio que se trancou lá dentro. Ficamos assustados, achando que era algum guarda ou outra pessoa mexendo nas bagagens para furtar alguma coisa. Depois ficamos aliviados quando descobrimos que era um outro motorista e que tinha entrado no bagageiro para trocar de roupa.

Seguimos viagem e optei por ir sentado na última poltrona. Peguei uma das mantas que estavam disponíveis para os passageiros, meu MP4 e fiquei ouvindo música e olhando o céu. A noite estava bonita, cheia de estrelas. Fiquei um bom tempo assim, olhando o céu, ouvindo música e pensando na vida. Passamos por algumas pequenas cidades e fiquei observando as casas, lojas, as pessoas na rua… E logo adormeci, em terras peruanas, em minha segunda vez no país.

Parada para o café da manhã.
Paisagem vista pela janela do ônibus.
Em La Paz com meus amigos japoneses.
Rodoviária de La Paz.
Almoço na rodoviária.
Pronto para o embarque.
Belo pôr do sol visto pela janela do ônibus.