O ataque de 24 horas ao Pico Paraná – Parte 2

Continuação da postagem anterior…

Ficamos no cume do PP por cerca de uma hora. E o que chamou bastante atenção foi um cachorro que estava no cume. Reconheci ele como sendo da Fazenda Rio das Pedras. Ele ficava pedindo comida para todos que chegavam no cume e começavam a lanchar. Todo mundo ficava perguntando como ele tinha passado pela Carrasqueira. O cachorro era muito esperto e ganhou bastante agrados e comida. Fico imaginando como foi que ele encontrou um caminho para chegar até ali e quantas vezes por semana ele decide subir até o cume.

Após descansar e lanchar, Eliane e eu demos uma volta pelo cume, tiramos fotos e observamos a paisagem de todos os lados. Tinham algumas nuvens que ficavam encobrindo parte da paisagem, mas logo o vento mudava essas nuvens de lugar. Assinamos o caderno de cume, que fica guardado numa caixa metálica presa sobre um pedra. Mais algumas fotos, uma última olhada na paisagem e pouco depois do meio dia resolvemos iniciar o caminho de volta. O cume de uma montanha é somente a metade do caminho, então sempre é bom guardar energia para o retorno. Energia eu tinha, o que estava incomodando era a dor nas costas.

Quando seguimos para a trilha para iniciar a descida, tivemos que parar para dar passagem a algumas pessoas que estavam chegando. Logo iniciamos a descida, onde na primeira parte o mais difícil era transpor uma pedra com alguns grampos. Devido ao vai e vem de pessoas subindo e descendo a montanha, os grampos e parte das rochas estavam com barro e isso demandava cuidado extra para não escorregar e cair. Tive muita dificuldade em alguns trechos onde era necessário esticar a perna para descer, pois sentia uma dor muito forte ao esticar minhas pernas. Mas ficar parado no alto da montanha não era uma opção, então fui suportando as dores e descendo mais lentamente do que deveria. A Eliane estava bem e aparentemente não teve maiores problemas para descer.

Quando chegamos no acampamento A2, fizemos uma parada mais longa para descansar e tirar fotos. Também dividimos o resto de nossa água. Ali perto existe uma bica, mas chegar até ela é um pouco complicado e com as dores que sentia, achei melhor não pegar água no A2. O sol ficou encoberto pelas nuvens e era possível ver que algumas nuvens encobriam o cume do PP. Quem chegou mais tarde ao cume não deve ter visto muita coisa lá do alto. Demos sorte de termos chegado ao cume com o tempo relativamente limpo.

Saímos do A2 e continuamos descendo, tomando cuidado com a trilha que continuava molhada e lisa em muitas partes. Mesmo tendo feito algumas horas de sol durante o dia, o barro era tanto nas trilhas que não secou com o sol. Pelo caminho fomos encontrando bastante gente que subia com mochilas cargueiras nas costas. Esse pessoal planejava acampar no A2 ou no cume do PP. Quando vinha alguém subindo, sempre dávamos passagem e dessa forma aproveitávamos para descansar rapidamente enquanto ficávamos parados ao lado da trilha esperando o pessoal passar.

O sol voltou a aparecer quando chegamos na Carrasqueira. Descer aqueles paredões cheios de grampo e cordas é sempre mais difícil do que subir. E para piorar, os grampos estavam molhados e alguns com barro, pois muita gente passou por ali na última hora com as botas cheias de barro. Estava muito escorregadio e o cuidado teve que ser triplicado. A Eliane seguiu na frente. Depois ela me confidenciou que sentiu um pouco de medo nesse trecho e que não gostaria de passar por ali novamente. Eu só senti medo na metade da descida, quando escorreguei com os dois pés num grampo que tinha barro e fiquei meio pendurado segurando firme com as mãos o grampo que ficava pouco acima de minha cabeça. Foi um susto de sentir frio na barriga. Quase no final da Carrasqueira vi o cachorro que estava no cume, descendo pelo mato ao lado. Ele tinha descoberto um caminho que passava pelo lado das rochas, andando numa inclinação que humanos não conseguiriam. Esse cachorro realmente era muito esperto!

Vencida a Carrasqueira, descemos mais um pouco pela trilha e daí começou a parte de subida. Na subida sentia dores fortes toda vez que precisava erguer as pernas um pouco mais alto para vencer algum obstáculo. Estava muito mais lento do que deveria e comecei a me preocupar com o atraso que nos deixaria no escuro durante a travessia de parte da floresta. Para piorar ainda mais as coisas, a sede começou a apertar e a boca ficou seca. Mesmo com as dificuldades seguimos em frente, pois não tínhamos outra opção. Quando estávamos quase chegando no acampamento A1, o sol se escondeu de vez e nuvens cobriram o céu. Isso fez a temperatura baixar um pouco.

Passámos pelo A1 e entramos na trilha pelo meio do mato, que parecia estar ainda mais molhada e lisa do que pela manhã quando ali passámos. Eu e Eliane usávamos luvas e muitas vezes segurávamos em galhos e matos ao lado da trilha para não cair quando escorregávamos. E como tudo o que está ruim pode ficar ainda pior, começou a chover. Essa chuva durou mais de três horas e nos acompanhou até depois do Getúlio.

A sede foi aumentando e não via a hora de chegar no primeiro riacho da trilha. Saímos na parte limpa cheia de caratuvas, demos a última olhada para o PP que estava parcialmente encoberto e seguimos para a floresta. Depois do A2 não tirei mais nenhuma foto, pois estava tão cansado e com dores, que não tinha nenhum animo para fotos. Quando entramos na parte da floresta a chuva aumentou um pouco. A trilha cada vez mais lisa ia alterando subidas e descidas por entre pedras, galhos e raízes de árvores. Em muitas partes era necessário fazer pequenas escalaminhadas. Toda vez que tinha que erguer a perna para passar por algum galho, sentia fortes dores nas costas. Comecei a ficar preocupado em travar e não conseguir mais andar. A última coisa que eu queria era precisar ser resgatado. O jeito for reunir forças, suportar a dor e seguir em frente.

Finalmente chegamos num riacho e pouco acima da trilha a Eliane encontrou um local para pegar água. Se não estava cem por cento limpa, ao menos a água não tinha sabor ruim e estava geladinha. Nessa parada ao lado do riacho, além de matar a sede fizemos um pequeno lanche com o resto da comida que tínhamos levado. Resolvido o problema da sede seguimos em frente, andando pelo meio da mata na trilha lisa e molhada e vencendo os muitos obstáculos. Pouco depois das 19h00min escureceu e tivemos que ligar as lanternas. A minha estava quase zerada, mas mesmo assim consegui andar algum tempo com ela. Quando escureceu de vez ficamos somente com a lanterna da Eliane. Ela seguia na frente, andava um pouco, parava, se virava e iluminava o caminho para eu poder passar. Isso nos fez atrasar ainda mais a volta. Mas não tínhamos outra opção. Minha maior preocupação era dar pane na lanterna dela, pois aí sim estaríamos enrascados. Sem lanterna não tem como andar naquele lugar, pois andar no escuro ali é quase suicídio.

A chuva continuou nos fazendo companhia, às vezes mais forte e outras vezes menos. Estávamos parcialmente molhados e isso nos deixava com um pouco de frio. E descobri que minha bota impermeável não era assim tão impermeável. Ela não suportou as horas andando no barro sob chuva e fiquei com os pés molhados. Nossa situação não era das mais cômodas, pois tínhamos fome, nossa água era pouca, tínhamos somente uma lanterna, o que nos obrigava a fazer revezamento, chovia, sentíamos frio, eu sentia cada vez maios dores nas costas. E somado a isso tudo comecei a ficar preocupado com relação aos nossos amigos que estavam nos esperando e deviam estar preocupados com nosso atraso e falta de notícias. Diante de todos os problemas, só nos restava seguir em frente e foi o que fizemos. Pelo caminho encontramos algumas poucas pessoas que subiam a montanha. Mas depois de certo horário não vimos mais ninguém subindo.

Chegamos na bica de água que fica na parte final da floresta. Ali me sentei numa pedra e a Eliane foi encher nossas garrafinhas com água. O sabor da água da bica era bem melhor do que da água do riacho. A chuva deu uma aumentada e quando o frio começou a apertar, seguimos em frente. A Eliane foi guerreira, sempre indo na frente escolhendo o melhor caminho e ao mesmo tempo iluminando o meu caminho e me ajudando em alguns trechos mais difíceis, principalmente em descidas onde eu tinha mais dificuldade por culpa das dores. Se não fosse ela, acho que teria que ter sido resgatado.

Finalmente chegamos nas plaquinhas na encruzilhada das trilhas. Ali era o final da floresta, cuja descida por ela foi com certeza a pior e mais demorada parte da aventura. Seguimos pela trilha em direção ao Getúlio e quando saímos da parte de mata, a chuva e o vento começaram a nos castigar. O cansaço e dores me fizeram ficar lento de raciocínio e quando chegamos no Getúlio fiquei em dúvida sobre qual trilha seguir. Até então só tinha passado por ali a noite durante subidas e nunca em descidas. Meu receio era pegar uma trilha errada e nos perdemos. A bateria de nossa única lanterna estava quase no final e não podíamos nos dar ao luxo de pegar uma trilha errada e nos atrasarmos ainda mais. Seguimos devagar e com cuidado, prestando atenção na trilha e quando a chuva deixava, nas montanhas em volta. Esse foi o único momento em que senti a Eliane preocupada durante a descida. Vimos o clarão de duas lanternas vindo da mata atrás de nós e resolvemos esperar. Era um casal que andava rápido e logo se aproximou de onde estávamos. Pararam quando nos viram e contamos que estávamos em duvida sobre a trilha e nos disseram para segui-los. Foi difícil acompanhar o ritmo deles, mas no momento eles eram nossa salvação. Em dois momentos eles erraram a trilha. Passamos por algumas pessoas que estavam acampando no Getúlio. O cara que seguíamos pediu informação sobre qual trilha seguir e o pessoal de uma barraca indicou a direção correta. Mais alguns minutos e finalmente encontramos a trilha certa. Aí eu e Eliane diminuímos o ritmo e deixamos o casal seguir em frente. A lanterna da Eliane ficou de vez sem bateria e ela pegou o celular para iluminar a trilha. A luz do celular era forte, a bateria estava cheia e o celular foi nossa salvação. Sentia cada vez mais dores nas costas e minhas pernas meio que começaram a travar. Era meu nervo ciático avisando que tinha sido machucado.

A parte final não é das mais difíceis, pois é quase toda em descida e somente em algumas partes tem obstáculos. Mas a trilha estava tão molhada e lisa que levamos alguns escorregões feios. Caí sentado duas vezes. A chuva parou e durante alguns minutos a lua cheia deu as caras. Eu cada vez mais lento e travado. Em alguns trechos a Eliane tinha que segurar minha mão e me ajudar a descer pequenos obstáculos. Nunca tinha sofrido tanto numa trilha e dado trabalho. Se não fosse pela ajuda da Eliane eu não teria conseguido chegar ao fim. Não inteiro! Fica aqui meu agradecimento a ela, pela ajuda e por não ter reclamado em nenhum momento. E ela sabe que se fosse ao contrário, eu a teria ajudado da mesmo forma.

Eram quase 23h00min quando chegamos na última encruzilhada e seguimos pela larga trilha que leva até o IAP. Quase não tinha forças, mas cheguei ao final. Foram quase 24 horas para subir e descer o Pico Paraná de ataque, sendo que próximo a 21 horas de efetiva caminhada. Tivemos muitas dificuldades, vários problemas, bem mais do que imaginaríamos ter. Mas não desistimos, seguimos em frente contra todas as dificuldades e obstáculos. Foi uma jornada e tanto! O que nos moveu foi a força de vontade, onde o foco era sempre seguir em frente e desistir jamais. Essa aventura foi um grande treinamento para nossa vida cotidiana. Nosso cérebro é exercitado, condicionado a seguir em frente mesmo diante de dificuldades e obstáculos que parecem ser intransponíveis.

No IAP demos baixa no cadastro que tínhamos feito antes da subida e fomos informados que dois amigos nossos tinham passado ali alguns minutos antes querendo saber informações sobre nós. Eles estavam preocupados com nosso atraso. O atendente do IAP informou que eles estavam nos esperando na Fazenda Pico Paraná e fomos ao encontro deles. Vi o Roberto sentado em uma pedra e quando ele me viu veio todo alegre me dar um abraço. O André logo apareceu e contou que falaram com o casal que nos ajudou no Getúlio, que contou que nos viu e que estávamos descendo lentamente. O André estava de carro e não recusamos a carona até a Fazendo Rio das Pedras, que não ficava longe dali.

Chegando no chalé fui tomar um longo banho quente. Sentia dores fortes nas costas e tive muita dificuldade para me abaixar e vestir roupas limpas. Logo depois foi a vez da Eliane tomar banho e depois jantamos. Na mesa tive rápidos cochilos, pois faziam quase 30 horas que estávamos sem dormir. De barriga cheia tomei um remédio para dor e fui me  deitar. A cama quente e confortável foi um prêmio para nossos corpos cansados e desgastados. Dormimos por várias horas um sono profundo. E o sentimento de ter vencido tantas dificuldades é um sensação difícil de explicar. Mas é um sentimento gostoso. Se voltaremos a subir o PP um dia, somente o tempo vai dizer. Particularmente acho que dou por encerrado minhas aventuras no PP. Foram três cumes lá, então acho que chegou a hora de me aventurar por montanhas mais baixas e mais fáceis, onde meus problemas físicos não atrapalhem tanto. A Eliane disse que do PP não quer mais saber, pois ficou meio traumatizada com a descida pela Carrasqueira com os grampos lisos. Mas não sabemos o dia de amanhã! Quem sabe no futuro não mudemos de ideia e voltamos a nos aventurar pelas encostas do PP? Quem viver verá…

No cume do Pico Paraná, 16/04/2022 – 10h40min.
As nuvens alteram a paisagem a todo instante.
Merecido descanso no cume do PP.
O cão pidão, no cume do PP.
Momento de contemplação e comemoração.
Um dos lados do cume do PP.
Eliane, mulher de muita fibra.
Começando a descer o PP.
Sofrendo com dores nas costas.
Eliane inciando a descida da Carrasqueira.

De volta ao Caratuva

No feriado de 15 de novembro, estive pela segunda vez no cume do Pico Caratuva, que é a segunda montanha mais alto do sul do Brasil, com 1.860 metros de altitude. A outra vez que estive nessa montanha foi em novembro de 2008. Na época eu ainda morava em Curitiba, então era mais fácil ir até a Fazenda Pico Paraná e iniciar a subida da montanha, pois a distância da fazenda até minha casa era de apenas 50 quilômetros. Atualmente moro a 500 quilômetros de distância, então a ida até lá demandou uma certa organização, tempo e gastos.

Saímos de Campo Mourão em dois carros, com quatro ocupantes cada um. Pegamos estrada no início da tarde de sábado, com um calor na casa dos 30 graus. Chegamos na Fazenda Pico Paraná a noite e com uma temperatura de 14 graus. Nós ficaríamos alojados em um chalé na Chácara Rio das Pedras, que fica ao lado da Fazenda Pico Paraná. Lá nos esperavam mais dois caras de Joinville – SC, que subiriam a montanha conosco e um amigo deles que não subiria. A viagem foi cansativa e após ajeitarmos as coisas e comermos, fui dormir.

Acordei às 02h30min, após ter dormido pouco mais de três horas. Fiz uma descoberta nem um pouco agradável. Cometi um erro de iniciante, esquecendo minhas botas. Tinha levado apenas um tênis velho, cujo solado estava completamente liso. Subir com aquele tênis por trilhas molhadas e cheia de barro era algo perigoso. Por alguns momentos cogitei desistir de subir o Caratuva, mas resolvi arriscar, sabendo que sofreria muitos escorregões com aquele par de tênis liso e teria que tomar muito cuidado para não sofrer nenhuma queda.

Fazia ainda mais frio. Rapidamente me arrumei e saí com os outros nove integrantes do grupo, rumo a montanha. O plano era ver o sol nascer lá do alto. O início da caminhada sempre é difícil, pois o corpo está meio frio e travado. Tinha chovido durante a semana naquela região e encontramos muito barro pelo caminho. Após duas horas de caminhada, um dos companheiros desistiu, devido a dores no joelho e deu meia volta. Começou a ventar forte e cair uma fina garoa.

A subida não foi das mais fáceis, mas seguimos em frente e nosso grupo acabou se separando, pois alguns seguiam mais rápidos e outros menos. Eu era um dos que ficou no grupo mais lento, pois desde o início vinha fechando o grupo. Devido a trilha ruim que encontramos, logo que o dia começou a clarear percebemos que não conseguiríamos chegar ao cume antes do nascer do sol. Logo baixou uma neblina densa o que era sinal de que no alto da montanha devia estar com o tempo fechado e não seria possível ver o sol nascer.

Quase que exatamente às 07h00min, atingimos o cume do Caratuva. Lá em cima estava tudo branco pela neblina, ventava e fazia muito frio. Após 13 anos eu voltava ao cume e encontrava o tempo igual da vez anterior. A vista lá do alto quando o dia está limpo é muito bonita, mas com o tempo fechado como estava não dava para ver nada. Estranhamos em não ter encontrado no cume quatro companheiros que tinham seguido na frente. Será que se perderam pelo caminho?

Ficamos uma hora no cume esperando para ver se o tempo limpava e que no mínimo pudéssemos ver o Pico Paraná lá do alto. Mas nada de o tempo limpar e ficar parado causava frio, então resolvemos descer. Na parte de trás da montanha, pelo caminho onde tínhamos subido, o tempo estava limpando e era possível ver a bela paisagem onde se destaca a Represa do Capivari. Ficamos alguns minutos admirando a paisagem e nos aquecendo ao sol.

Começamos a descer, o que teoricamente é mais fácil. Mas devido a trilha molhada e enlameada, não foi tão fácil a descida. Sem contar que ela estava mais perigosa. Era muito fácil escorregar e sofrer uma queda. Após pouco mais de uma hora de iniciarmos a descida, escorreguei e ao tentar me segurar numa árvore um pedaço de pau atravessou um dedo de minha mão esquerda. Saiu muito sangue e senti uma dor terrível. Fui socorrido pelos amigos Welison e Paulo, sendo que esse improvisou um curativo. Se a descida já estava difícil, com uma mão imobilizada e sentindo dor, o resto da descida foi ainda mais complicado. Mas ficar parado não era uma opção e o jeito foi seguir em frente.

Começamos a encontrar muita gente na trilha. Em razão do feriado, muitas pessoas tinham optado em seguir para as montanhas. Após passar frio de madrugada e no início da manhã, agora era vez de sofrer com o sol quente quando chegamos na região do Getúlio, onde a maior parte da trilha não é protegida pela sombra das árvores. Pouco antes do meio dia chegamos na Fazenda Pico Paraná e seguimos para nosso chalé. Me sentia muito cansando, com muita dor nas pernas e no dedo machucado.

Chegando no chalé, descobrimos que o Roberto, Ronaldo, Vitor e André, tinham errado a trilha e foram parar na montanha errada. Eles acabaram indo parar no Taipa. Tal erro foi motivo de muita zoação, principalmente com o Ronaldo e o André, que já tinham o histórico de ter tido problemas no Pico Paraná. Eles foram considerados pé frios de montanha.

Tomei um longo banho quente, limpei o dedo ferido e fiz um curativo mais caprichado. Fiz um lanche rápido e fui dormir. Dormi o resto do dia e a noite levantei para comer e conversar um pouco com o pessoal. O dedo machucado tinha inchado e estava latejando. Cogitei ir até um hospital em Curitiba, para dar uma olhada melhor no ferimento. Meu receio era de que alguma sujeira ou pedaço de madeira tivesse ficado dentro do dedo.

Nessa viagem o Roberto, que está fazendo um curso noturno de cozinha no Senac, foi nosso cozinheiro. Ele caprichou nas refeições e confesso que nunca comi tanto e tão bem durante uma viagem as montanhas. Ele se mostrou bem preocupado com meu dedo machucado e a noite tive tratamento vip por parte dele. A todo momento ele vinha me trazer churrasco e refrigerante, queria saber como estava meu dedo, perguntava se eu queria ir para um hospital e muita coisa mais.

Dormi cedo, tinha esfriado bastante e meu saco de dormir colocado em cima de um colchão no chão, estava bastante acolhedor. No dia seguinte levantamos cedo, arrumamos nossas coisas e pegamos a estrada de volta para casa. Meu dedo estava ainda mais inchado e doendo, o que me fez tomar alguns comprimidos para dor. Não vi necessidade de parar num hospital em Curitiba. Só fui buscar tratamento médico no dia seguinte, quando já estava em minha cidade e acordei com o dedo roxo, muito inchado e ainda mais dolorido. Tive que tomar antibióticos durante uma semana e também tomar vacina para tétano. A vacina (pra variar) me deu reação e fiquei um dia e meio muito mal, com dores pelo corpo, febre e desanimo. Mas no fim tudo deu cedo e o dedo está curado.

Essa foi uma viagem e uma aventura muito legal e nosso grupo se mostrou divertido e a parceria foi total. Agora que venham as próximas montanhas…

 

 

Vitor, Ronaldo e Cris.
Ao fundo a Represa do Capivari.
André, Vander, Roberto e Welison.

 

Reinhold Messner

Reinhold Messner é um alpinista italiano, considerado um dos melhores alpinistas de todos os tempos. Ele foi o primeiro, junto com Peter Habeler, a escalar o Everest (a maior montanha do mundo) sem utilizar garrafas de oxigênio, em 1978. E foi o primeiro a escalar o Everest sozinho, em 1980. Também foi o primeiro a escalar todas as catorze montanhas existentes com mais de oito mil metros. E foi o segundo a escalar as sete montanhas mais altas dos sete continentes (a mais alta de cada continente).

Existem bons livros em inglês e espanhol, que contam as aventuras de Reinhold Messner. Infelizmente não encontrei nada em português! E para quem quer conhecer um pouco mais sobre esse excelente alpinista, existe um filme (documentário) sobre ele. O filme passou algumas vezes no canal a cabo Off, mas creio que seja possível encontrar para compra ou baixar na internet.

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Reinhold Messner.

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Livro sobre Messner no Everest.

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Livro sobre Reinhold Messner.

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Cartaz do filme sobre Messner.

Pico Paraná (Parte I)

Fazia alguns anos que eu queria chegar ao cume do Pico Paraná, mas sempre acontecia algo e eu tinha que adiar. Cheguei a subir o Caratuva em 2008 e o Itapiroca em 2009, que são duas montanhas próximas ao Pico Paraná. Mas quando chegou a vez de subir o PP (apelido carinhoso dado ao Pico Paraná) me machuquei um pouco antes e levei meses para ficar bom e em forma novamente. Daí quando estava novamente planejando subir o PP, tive dois problemas sérios de saúde e em seguida me mudei de Curitiba. Três anos se passaram e o PP continuava em minha lista de locais onde queria colocar os pés.

Atualmente estou morando cerca de 500 quilômetros do Pico Paraná e sem tempo para arrumar um amigo e planejar a ida até o PP, achei melhor procurar uma agência de turismo que fizesse o serviço de guia. De início pensei que não existissem agências que levassem clientes até o PP, mas acabei encontrando a Ana Wanke Turismo e Aventura (http://www.anawanke.com.br/). Entrei em contato, troquei algumas informações com a Ana e logo fechei o pacote, que incluía transporte, alimentação, barracas e guias. Achei essa ser e melhor opção no momento, pois não estava a fim de ir sozinho e também não queria que mais uma vez acontecesse algum problema e eu tivesse que desistir de tentar subir o Pico Paraná.

Tudo pago e acertado, agora era torcer para o tempo ajudar e não chover no final de semana marcado para subida do PP. E uma coisa a fazer era melhorar o condicionamento físico! Eu não estava muito mal fisicamente, mas precisava melhorar, pois o Pico Paraná é a montanha mais alta da região sul do Brasil e para evitar problemas e acidentes era melhor estar bem fisicamente. E também precisava perder dois ou três quilos extras adquiridos nas comilanças de inverno. Tinha exatamente um mês para me preparar e foi justamente o que fiz. Caminhei e corri, fiz reforço muscular para as pernas e duas vezes por semana aula de spinning. Também fechei um pouco a boca e reduzi drasticamente o meu maior vicio, que é refrigerante. Mas na segunda semana de treinamento tive um problema de tornozelo e tive que diminuir um pouco o ritmo dos treinamentos. Mesmo assim cheguei tinindo fisicamente no dia do embarque rumo à Curitiba.

Encontrei o pessoal numa madrugada gelada em Curitiba e fomos de van até a Fazendo Pico Paraná, distante uns 40 quilômetros da cidade, no sentido São Paulo. Na van já tive o primeiro contato com o pessoal que fazia parte do grupo. O grupo seria formado por mim e mais sete pessoas. A Ana seria a guia principal, auxiliada pelo Rodrigo e pelo Gustavo. E de caminhantes tinham as curitibanas Andy e Maristela, o gaúcho Eduardo e o pernambucano Jorge. Se eu vinha de longe, o Eduardo e o Jorge vinham de ainda mais longe!

Chegando na Fazenda Pico Paraná tomamos o café da manhã, onde foi servido um delicioso chocolate quente que serviu para esquentar um pouco. Em seguida fomos nos arrumar e nos preparar para iniciar a caminhada. E logo de cara descobri que tinha esquecido de trazer minha calça de caminhada. Não acreditei que tinha deixado para trás um item tão importante. A opção seria caminhar de calça jeans, mais isso limitaria muito meus movimentos. Já estava ficando desanimado, quando lembrei que tinha levado minha calça de ciclismo, a qual costumo usar para dormir em acampamentos, pois ela é bem confortável e quente para utilizar dentro do saco de dormir. O problema é que ela é bastante justa e achei que pagaria um grande mico ao usá-la. Fiquei uns dois minutos pensando em qual calça utilizar e nisso dei uma olhada para o lado e vi que tanto o Rodrigo, quanto o Gustavo estavam utilizando uma calça de ciclismo. Então vi que não seria mico nenhum colocar minha calça de ciclismo para caminhar no mato e foi assim que fiz.

Todos prontos, mochilas nas costas, uma breve reunião para que fossem dados alguns avisos e iniciamos a caminhada. Eu conhecia boa parte do caminho a ser percorrido, pois parte do caminho que leva até o Pico Paraná é o mesmo caminho que percorri anos antes para ir ao Caratuva e depois ao Itapiroca. Segui quase no final da fila, pois queria sentir o ritmo de caminhada dos demais e saber como seria o meu ritmo comparado a eles. Nos primeiros minutos de caminhada aconteceu um incidente com a Maristela, que ao tentar pular de uma pedra a outra em um trecho de lama, escorregou e caiu no barro. Felizmente ela não se machucou (talvez o orgulho tenha ficado um pouco ferido) e assim seguimos em frente. O primeiro trecho é pelo meio do mato, subindo alguns degraus esculpidos na terra e depois seguimos por uma trilha relativamente tranquila, mas sempre subindo. Fizemos algumas breves paradas no início e logo resolvi ir mais para frente na fila, seguindo pouco atrás da Ana, que ia sempre na frente.

Levamos cerca de uma hora para chegar ao morro do Getúlio, que é um local descampado, cheio de pedras e de onde se tem uma bela visão para todos os lados. A visão mais bonita é da represa Capivari, alguns quilômetros abaixo. Ali fizemos uma longa pausa, ajeitamos as mochilas, tiramos fotos e seguimos em frente. Foi a partir do Getúlio que nosso grupo se dividiu, formando dois. No grupo que estava mais rápido seguiam a Ana, Andy, eu e Eduardo. Me sentia muito bem fisicamente e não tive nenhum problema em acompanhar o ritmo mais forte do pessoal da frente. De tempos em tempos fazíamos alguma parada para descanso e a Ana aproveitava para falar pelo rádio com o Gustavo, que seguia fechando a fila do segundo grupo. Caminhamos um bom tempo assim até que chegamos no cruzamento das trilhas que levam ao Pico Paraná e ao Caratuva. Ali ficamos esperando o restante do grupo. Eu conhecia o caminho até esse local, então a partir dali tudo ficaria mais interessante para mim, pois o caminho a seguir seria inédito.

Após descansar e tirar fotos, voltamos a caminhar e o grupo continuou dividido. A trilha seguia quase sempre pelo meio do mato, em um terreno cheio de raízes. Vez ou outra tinha algum trecho onde era preciso fazer uma pequena escalada segurando nos galhos e raízes de árvores e em alguns casos em cordas estrategicamente amarradas nos locais de mais difícil acesso. Tinham alguns trechos de rocha que eram bastante lisos e era preciso tomar cuidado para não cair. Num trecho de mata fechada e cheia de raízes eu seguia no final do meu grupo e acabei sofrendo um pequeno acidente. Ao pisar ao lado de um galho enorme, meu pé afundou no barro e virou. Para não torcer o pé, fiz um movimento brusco virando o corpo rapidamente e nisso bati muito forte com a canela num galho. A pancada foi forte e senti muita dor. Soltei alguns palavrões e me sentei para olhar o estrago. No local da pancada tinha levantado um caroço e a dor era forte. Por alguns momentos achei que minha caminhada tinha terminado ali, que eu não conseguiria pôr o pé no chão por culpa da dor e teria que desistir de chegar ao PP. Meus olhos se encheram de lagrimas por culpa da dor e da decepção e quando vi o pessoal voltando para ver o que tinha acontecido comigo, segurei as lágrimas e contive a vontade de chorar. O Eduardo é médico e a Andy é dentista e os dois se encarregaram de ver o estrago em minha canela e logo a Andy me deu uma pomada para passar no local da pancada. Fiquei em pé e vi que mesmo sentindo muita dor dava para seguir em frente, o que me deixou bastante aliviado. Voltamos a caminhar, mas a dor ainda era forte e comecei a achar que não conseguiria chegar até o fim do dia caminhando. Logo fizemos uma parada em um pequeno córrego para pegar água e ali a Andy me deu um remédio para dor. Aproveitei para colocar uma mochila com água (que ali era bem fria) na canela e isso aliviou a dor quase por completo.

Na parada que fizemos no córrego aproveitei para comer um dos sanduiches naturais que faziam parte do kit lanche entregue pela Ana. O sanduiche era muito saboroso e ajudou a levantar meu animo que tinha ficado um pouco baixo após a canelada que dei um pouco antes. Voltamos a caminhar e não demorou muito para sairmos do trecho de mata fechada e chegarmos em um trecho mais aberto e termos a primeira visão do Pico Paraná. A visão era maravilhosa, pois mostrava a enorme montanha imponente em meio a algumas nuvens. Olhando dali parecia ser meio que impossível atingir seu cume. Fiquei pensando nos primeiros montanhistas que passaram por ali, abrindo caminho pela mata em busca da melhor rota que os levassem até o cume. Esses caras eram valentes e persistentes, pois se hoje em dia com a rota conhecida e demarcada, bem como a facilidade que alguns equipamentos modernos dão aos montanhistas não é muito fácil chegar ao cume do Pico Paraná, no passado devia ser muitas vezes mais difícil.

Depois de passar pelo trecho de mata aberta, que era quase que completamente formado por uma planta chamada caratuva (o mesmo nome da montanha próxima dali), caminhamos mais um pouco e chegamos ao acampamento número um (A1). Ali encontrei um pessoal de Londrina, que fazem parte do grupo de caminhadas Londrinapé. Nesse grupo estavam o Arnaldo, amigo de outras caminhadas pelo interior, e também o Berti, que é guia de caminhadas na cidade de Faxinal, local famoso por suas cachoeiras. Conversei um pouco com o pessoal, tiramos fotos e logo retomamos a caminhada. Dessa vez a trilha era em descida, o que era menos cansativo, mas que exigia mais cuidado para não cair. Não demorou muito e chegamos a famosa “carrasqueira”, um paredão de rocha com escadinhas, que é considerado o trecho mais difícil para se chegar até o cume do Pico Paraná.

Com bastante cuidado meu grupo subiu a “carrasqueira”. A Ana foi na frente, seguida pela Andy. No meio da subida a alça da mochila da Andy arrebentou e quase provoca um acidente. Por sorte foi somente um susto e conseguimos chegar são e salvos no alto da “carrasqueira”. Dali para frente a trilha era tranquila. Logo chegamos em algumas rochas enormes, próximas ao acampamento dois (A2). A Andy adora tirar fotos sentada em pedras e quando a Ana mostrou a ela uma pedra enorme, ela não se conteve e correu para tirar muitas fotos. Essa pedra acabou sendo batizada como “Pedra da Andy”. Após muitas fotos seguimos mais um pouco morro acima, até o A2, local onde montaríamos nosso acampamento. Lá nos esperava o Silvio, um cara digamos meio exótico, mas muito prestativo e gente finíssima. Ele é gerente da loja Território Mountain Shopping, em Curitiba. Ele costuma dar suporte a algumas expedições promovidas pela Ana e nesse dia não foi diferente. Como ele chegou de manhã no A2, ele reservou o melhor lugar para que montássemos nossas barracas. Era uma pequena clareira, cercada por arbustos altos que protegiam do vento, que ali no alto costuma ser forte.

Foram montadas três barracas, com ajuda do Silvio e depois fizemos um lanche. A Ana falou pelo rádio com o pessoal do grupo que vinha mais atrás e as notícias não eram nada boas. O Gustavo tinha torcido o pé e ficaria acampado sozinho no A1. O restante do grupo seguiria ao nosso encontro no A2. Tínhamos levado seis horas para chegar até o A2. Segundo a Ana chegamos super rápidos, pois ela tinha previsto que levaríamos de dez a doze horas para chegar ali. Então ficou a dúvida se partiríamos dali para o ataque ao cume, o que levaria mais uma hora morro acima, ou se esperaríamos o restante do grupo e faríamos o ataque ao cume todos juntos de madrugada. Acabou ficando decidido que esperaríamos os demais membros do grupo.

Eu, Ana e Andy, descemos até a “Pedra da Andy” e lá ficamos esperando o restante de nosso grupo. A Ana ficou em comunicação via rádio com o Gustavo, que ficou no A1. Enquanto esperávamos ficamos admirando a paisagem e tirando algumas fotos. Abaixo de nós existia um verdadeiro mar de nuvens, que ao mesmo tempo que não nos permitia admirar por completo a paisagem, era um espetáculo à parte. As nuvens se moviam com o vento, hora cobrindo parte de algumas montanhas menores que estavam abaixo de nós, hora escondendo partes do cume do Pico Paraná, que estava acima de nós. O Pico Paraná fica numa região onde existe uma pequena cadeia de montanhas, sendo que ele é a maior montanha dessa cadeia. Então de onde estávamos era possível ver várias montanhas próximas, bem como o Conjunto Marumbi, bem mais distante dali, no meio da Serra do Mar.

Após um tempo de espera, a Ana resolveu descer até a “carrasqueira” para auxiliar o pessoal de nosso grupo quando eles lá chegassem. Eu e Andy ficamos na “Pedra da Andy” com o rádio. Logo a Andy resolveu explorar algumas pedras abaixo de onde estávamos e que ficavam na beira do abismo. Acabei indo atrás dela, em parte com receio de que ela pudesse se meter em encrenca e em parte por que ficar parado olhando a paisagem estava me dando sono. Sei que acabamos encontrando um local muito legal, uma espécie de janela entre as rochas e ali ficamos vendo a paisagem e tirando fotos. Comentei com ela que poucas pessoas deveriam ter estado naquele local antes de nós. E isso me atrai muito, estar em locais onde poucas pessoas colocaram o pé antes! Resolvemos parar com nossa pequena exploração no meio das pedras, com receio de encontrar alguma cobra e voltamos para o alto da “Pedra da Andy”. Tiramos mais algumas fotos e logo vimos a Ana chegando a frente do restante de nosso grupo.

Cumprimentamos o pessoal e eles pararam na “Pedra da Andy” para tirar fotos. Logo todos seguimos para o local onde estava montado nosso acampamento. A segunda parte do grupo, formado pelo Jorge, Maristela e Rodrigo, chegou no A2 duas horas e quinze minutos depois da chegada da primeira parte do grupo. Achei sensata a forma como a Ana conduziu a expedição, quando deixou que os dois grupos, que tinham preparo físico e velocidade diferentes, se separassem. Se ela mantivesse o grupo sempre junto, estaria fazendo o pessoal mais veloz ir lentamente, o que não seria legal, ou então faria que o grupo mais lento andasse num ritmo mais forte, o que poderia desgastar demais o pessoal. Tal divisão só foi possível graças ao grupo ter três guias. Mesmo com a contusão do Gustavo, foi possível manter os dois subgrupos com um guia cada, o que tornou a subida até o A2 bastante segura.

Antes de escurecer fui com a Ana e a Andy até um mina próxima buscar água. No caminho paramos na “Casa de Pedra”, que é a ruína de uma construção feita de pedras. Não sei o motivo da construção em tal local, nem sua datação e muito menos o motivo de estar em estado de abandono. Me ocorre que no momento não tive a curiosidade de perguntar isso a Ana ou alguma outra pessoa que estivesse pelas imediações. De lamentável é a quantidade de lixo deixado pelas imediações da Casa de Pedra. Parece que muita gente que sobe até o Pico Paraná, não tem nenhuma consciência ecológica e na descida resolve aliviar um pouco do peso da mochila, deixando no A2 muito lixo, bem como toalhas, mantas, pedaços de lona plástica e diversas garrafas pet. E como não existe nenhum tipo de controle por parte do IAP (Instituto Ambiental do Paraná) ou dos proprietários da Fazenda Pico Paraná (que cobram para permitir o acesso até o Pico), cada dia que passa vai ficando mais lixo acumulado. Infelizmente existe muita falta de educação por parte das pessoas, que costumam jogar lixo na rua e deixar lixo no alto de um morro. Lá não tem coleta de lixo, não existe caminhão de lixo passando toda semana.

O sol foi embora e a noite chegou com muito vento e frio. Fui para a barraca e lá tomei meu banho de gato, utilizando uma pequena toalha molhada e lenços umedecidos. Em seguida coloquei roupa limpa e me senti um novo homem. Não consigo ficar sem banho, não importa onde eu esteja! A Ana começou a preparar o jantar, cujo cardápio consistia de estrogonofe, arroz e purê de batata. A comida era liofilizada, que resumindo quer dizer que era um tipo de comida que foi desidratada e depois reidratada ao ser adicionada água quente nela. Durante o preparo da comida quase todos ficaram ao redor da Ana, vendo ela preparar o delicioso jantar e também ajudando. A ajuda consistia de ficar chacoalhando os envelopes com comida liofilizada após a Ana colocar água quente neles. O resultado foi muito bom, pois a comida ficou saborosa.

Após jantar fui escovar os dentes e achar um banheiro. Ventava muito e fazer as necessidades no meio do mato, com vento e escuridão não era das tarefas mais agradáveis. Mas em minhas aventuras já passei por situações mais difíceis ao ter que usar banheiros, então não tive grandes problemas. Antes de ir dormir fui dar uma volta e fiquei olhando o céu. O céu estava limpo e com muitas estrelas. Consegui até mesmo ver uma estrela cadente! Fiz um pedido a ela, mas até agora tal pedido não se realizou…

Encontrei a Ana pelo caminho e fomos nos juntar a Andy, Rodrigo e Maristela, que estavam do outro lado de nosso acampamento. Ficamos um tempo deitados no chão, conversando e vendo o céu estrelado. O frio aumentou e como estava muito cansado, achei melhor ir para a barraca. Eu dividiria a barraca com o Rodrigo. Me ajeitei dentro do saco de dormir e logo fiquei quentinho. Olhei no relógio e passava um pouquinho das 21 horas. Estava dormindo cedo para um sábado à noite, mas isso não importava. O que importava é que dali poucas horas eu estaria pisando no cume do Pico Paraná, realizando mais um sonho, mais um item da lista de realizações que formulei há pouco mais de três anos. ZZZZZZZZZZZzzzzzzz…

Com 1.877 metros de altitude, o Pico Paraná é a montanha mais alta da Região Sul do Brasil. Está situada entre o município de Antonina e Campina Grande do Sul, no conjunto de serra chamado Ibitiraquire. Foi descoberto pelo pesquisador alemão Reinhard Maack. Entre 1940 e 1941 Maack efetuou diversas incursões à Serra do Ibitiraquire com o objetivo de obter medições e anotações sobre a fauna e a geomorfologia da região. Maack juntamente com os alpinistas Rudolf Stamm e Alfred Mysing e com auxílio de tropeiros da região, partiu em 28/06/1941 com o objetivo de conquistar o cume da montanha. Stamm e Mysing conseguiram o intento em 13/07/1941.

Rodrigo, Andy, Vander, Ana, Eduardo, Gustavo, Maristela e Jorge.
Rodrigo, Andy, Vander, Ana, Eduardo, Gustavo, Maristela e Jorge.

Descanso no Getúlio.
Descanso no Getúlio.

Cruzamento de trilhas: Pico Paraná e Itapiroca.
Cruzamento de trilhas: Pico Paraná e Caratuva.

Subindo com ajuda da corda.
Subindo com ajuda da corda.

Primeira visão completa do Pico Paraná.
Primeira visão completa do Pico Paraná.

Com o pessoal de Londrina e Faxinal.
Com o pessoal de Londrina e Faxinal.

No meio das caratuvas.
No meio das caratuvas.

Subindo a carrasqueira.
Subindo a carrasqueira.

Na Pedra da Andy.
Na Pedra da Andy.

Acampamento.
Acampamento.

Observando a paisagem.
Observando a paisagem.

Lanche no A2.
Lanche no A2.

O Eduardo admirando a paisagem.
O Eduardo admirando a paisagem.

O jantar...
O jantar…

O chamado da montanha

Desde os primórdios os homens buscam o alto de uma montanha sem um motivo aparente. O que leva as pessoas às alturas de um pico? Superação da condição humana? Transcendência? Ou somente a sensação da conquista? Essas são questões tão antigas como a própria humanidade. A montanha sempre esteve presente no imaginário das pessoas em todas as civilizações, através da mitologia que fundamenta e guia a história dos povos. 

O Monte Olimpo era a residência dos deuses para os antigos gregos, e através da mitologia, influenciou diretamente toda a cultura ocidental.

No folclore japonês, as montanhas são sagradas e todas possuem uma atmosfera sobrenatural. O Monte Fuji, por exemplo, seria a passagem para o outro mundo. Na mitologia Taoista, os imortais iam viver no cume dos grandes montes. O Monte Roraima, sustenta a morada do Deus Macunaíma.

Onde existir um pico imponente, marcando a paisagem, foi, ou é, para alguns um lugar sagrado ou a morada de um deus.

O fato é que as montanhas causam no homem perplexidade diante de sua natureza descomunal. Instigam a percepção de seu tamanho, insignificante, ínfimo diante da grandeza do mundo e da natureza que o cerca. A montanha simboliza a ruptura entre os níveis, do racional para o imaginário que ilustra os sonhos. Faz a ligação entre o céu e a terra.

Para a filósofa Zelita Seabra, O amor à montanha, naqueles que o sentem, tem raízes profundas. O ritual de preparação, o ato da subida, a busca pela imensidão faz parte do íntimo de muitos indivíduos, que não se contentam apenas à contemplação. É um momento de introspecção, a viagem se interioriza. O sentimento de subir é indizível, o silêncio é rompido pela respiração ofegante. O cume se aproxima!

Por que o ser humano é tomado pela inquietude, por essa ânsia de buscar o encanto no desconhecido? O Escritor Jon Krakauer, cita as encenações grosseiras em filmes e metáforas banais ao que o tema se presta, no excelente livro “Sobre homens e Montanhas”. Lembra ainda a interpretação equivocada de alguns psicanalistas que nunca romperam os limites de um consultório.

A palavra “montanhismo”, na concepção do público contemporâneo, causa a mesma repulsa da ideia de estar diante de tubarões ou abelhas assassinas. Porém, o êxtase das alturas está ligada ao ser humano, incontestavelmente, como a experiência de algo sublime, que nos permite enxergar e sentir que fazemos parte de um todo muito maior, que nunca vamos compreender. 

Andre Dib

Vista do alto do Caratuva (Paraná, 2008)
Vista do alto do Caratuva (Paraná, 2008)

Pico Paraná (Paraná, 2009)
Pico Paraná (Paraná, 2009)

Conjunto Marumbi (Paraná, 2009)
Conjunto Marumbi (Paraná, 2009)

Visto do alto de Huayna Potosi (Bolívia, 2011)
Vista do alto do Huayna Potosi (Bolívia, 2012)

Salkantay (Peru, 2011)
Huayna Potosi (Bolívia, 2012)

Montanhas próximas a Machu Picchu (Peru, 2011)
Montanhas próximas à Machu Picchu (Peru, 2012)

Descendo Huayna Picchu (Peru, 2011)
Descendo Huayna Picchu (Peru, 2012)

Viagem ao Peru e Bolívia (7° Dia)

21/05/2012 

Trilha Salkantay – 2° dia

Fui acordado ás 5h00min. Fazia muito frio e não dava a mínima vontade de sair de dentro do saco de dormir. Mesmo sentindo um pouco de frio eu tinha conseguindo dormir por várias horas à noite, tendo acordado brevemente por duas vezes. Durante a noite senti muita falta de meu colchão de ar, o qual deixa a noite dormida numa barraca muito mais confortável. Mas ele é pesado e por isso não o levei na viagem. Reuni coragem e levantei para ir escovar os dentes. Ainda fazia muito frio e fui olhar meu termômetro, que marcava 3 graus naquele instante. Fiz a higiene básica, fiz meu xixizinho matinal e fiquei alguns minutos olhando as montanhas nevadas. Vi que mais ninguém tinha levantado e então voltei para a barraca me deitar e me esquentar um pouco. Logo fui chamado para o café e ao chegar à mesa fui recebido com um Good morning caralho e um Buenos dias cacete. Pelo visto o pessoal está aprendendo cada vez mais palavrões brasileiros e não era eu quem estava ensinando. Sentei-me a mesa, mas não comi e não bebi nada, pois meu estômago não estava nada bom. O guia se ofereceu para fazer um chá para mim e recusei, pois lembrei do chá que me deram no ano anterior para o estômago durante a Trilha Inca e que foi uma das coisas mais ruins que coloquei em minha boca em toda minha vida. Preferi tomar um Eno que eu tinha trazido do Brasil do que encarar novamente o tal chá peruano para estômago.

Pouco depois das 7h00min todos estavam prontos e iniciámos a caminhada do dia. Esse seria o dia mais difícil na trilha, em razão de atingirmos a maior altitude. Comecei a caminhar todo agasalhado, pois o frio estava demais. Logo de cara tinha uma subida e ao caminhar esquentou um pouco. Segui sozinho, pensando na vida, mas logo fui caminhando ao lado de um ou outro companheiro do grupo. O sol surgiu e a temperatura subiu um pouco, o que para mim foi o suficiente para tirar o casaco mais grosso que estava usando e guardá-lo na mochila. Após caminhar um tempo por uma trilha estreita, passámos a caminhar por uma trilha mais larga e entramos num vale que aos poucos ia afunilando e ficando mais alto. Vez ou outra eu parava e olhava para trás, pois a vista era muito bonita. Bem ao fundo em um vale, era visível o local onde tínhamos dormido. Aos poucos conforme fomos caminhando o local do pernoite desapareceu atrás de uma montanha.

Quase no meio da manhã chegamos à parte mais difícil do caminho, que era uma trilha que seguia em caracol montanha acima. Ali a altitude já ficava acima dos quatro mil metros e o ar faltava. Fazer qualquer esforço físico nessa altitude nos deixava com falta de ar e ofegantes. Eu não senti nenhum outro tipo de problema causado pela altitude. Creio que ter vindo pela Bolívia e ter passado pela alta altitude de La Paz, tenha ajudado bastante em minha aclimatação. No ano anterior eu tinha passado muito mal no meu primeiro dia em Cusco, onde a altitude é um pouco mais de três mil metros. Continuei subindo a trilha em caracol e fui fazendo pequenas paradas, onde ao mesmo tempo aproveitava para descansar, observar a vista e tirar fotos. Teve um momento em que senti tontura e minha vista escureceu por alguns segundos. Na hora parei e procurei me sentar numa pedra, pois estava caminhando ao lado de um precipício. Respirei fundo e me senti melhor. Creio que o problema não tenha sido a altitude, mas sim o esforço físico com o estômago vazio, pois eu não tinha jantado direito e não comi nada pela manhã, em razão de não estar bem do estômago. No dia a dia eu não como nada pela manhã, apenas bebo um copo d’agua. Mas ali eu estava numa situação muito diferente do meu dia a dia, pois ali estava em alta altitude e fazendo um grande esforço físico. E ainda por cima tenho labirintite, que fica “atacada” na altitude. Logo me senti melhor, voltei a caminhar e não tive mais nenhum mal estar. De qualquer forma procurei ficar distante da beira do abismo.

Conforme fomos subindo em direção às montanhas nevadas, a paisagem foi ficando mais bonita. Logo estávamos caminhando ao lado das montanhas nevadas. trilha. Passámos por um pequeno lago, que deixava a paisagem muito mais bonita. O sol começou a castigar e o dia que tinha começado muito frio passou a ficar quente. Mesmo com calor mantive um casaco no corpo, pois o vento que vinha das montanhas nevadas era bastante gelado. Passei a caminhar um pouco com o Max, o argentino do grupo. Paramos tirar fotos em um local muito bonito, com grama e pedras e daí passou por nós o pessoal do grupo que não tinha aguentado caminhar e que pagou $ 100,00 bolivianos para percorrer de cavalo aquele trecho difícil da trilha. Que eu me lembre foram três ou quatro pessoas que seguiram de cavalo. Ao mesmo tempo em que fiquei contente por esse pessoal ter tido uma opção para atravessar a parte difícil da trilha, fiquei triste pelos cavalos, que devem ter sofrido bastante para subir a trilha com gente em cima.

Pouco antes das 11h00min chegamos finalmente ao ponto mais alto da trilha, os 4.600 metros de altitude. Eu tinha batido meu novo recorde de altitude, mas que não ia durar muito, pois logo eu chegaria à altitudes maiores na Bolívia dali uns dias. Esse ponto máximo de altitude ficava bem em frente a montanha Salkantay. Ali fizemos uma parada mais demorada e eu procurei me isolar um pouco e me sentei ao lado de uma grande pedra. Ali fiquei um tempo descansando e meditando. Também contei meus problemas e dilemas para uma pedrinha que peguei no chão e depois coloquei ela em cima de um dos muitos montes de pedras que estavam próximos. Isso de contar os problemas a pedrinhas e fazer pequenos montes de pedras é uma antiga tradição de que percorre trilhas pelo Peru. Logo o guia me chamou e fez uma reunião com todos, explicando a história do local. A montanha Salkantay é considerada uma montanha virgem, pois nunca atingiram o seu cume. A última vez que tentaram escalar a montanha já faz alguns anos, e foi uma expedição japonesa que acabou desaparecendo na montanha, atingida por uma avalanche. E por falar em avalanche, teve um momento em que escutei um ruído que pareciam fogos de artificio sendo estourados. Daí o guia falou que aquilo era barulho de avalanche do outro lado da montanha. Um tempo depois escutei o mesmo barulho, mas dessa vez mais forte. Olhei para a montanha e dessa vez o barulho era do lado em que estávamos. Era uma pequena avalanche, que ia levantando uma nuvem branca por onde passava e fazendo o tal ruído de fogos estourados. Achei tal imagem da avalanche linda e assustadora ao mesmo tempo.

Tiramos uma foto do grupo todo em frente a uma placa que indica a altitude do local e nos preparamos para continuar a trilha, dessa vez descendo. Segundo o guia o tempo naquele local muda muito e de uma hora para outra tanto pode começar a chover, quanto a nevar. Andamos ainda muito tempo tendo a nossas costas a montanha nevada de Salkantay. Vez ou outra eu parava e dava uma olhada para trás observando a beleza do lugar. Fiquei pensando se um dia voltarei ali novamente? Acho que não!! Cerca de uma hora após termos partido do ponto de altitude mais elevada, o tempo fechou e esfriou um pouco. Mais um tempo e chegamos ao local onde seria servido o almoço. Eu me sentia muito cansado e mal do estômago, então quando cheguei no local do almoço a primeira coisa que fiz foi tirar minha mochila e me deitar na grama. Mas não devo ter ficado nem um minuto deitado e começou a chover, uma chuva fina e gelada. Corremos para debaixo de um abrigo, que era uma cabaninha sem paredes laterais. Outra parte do pessoal e os cozinheiros correram para a lateral de uma pequena casa. O almoço foi servido e eu fiquei só olhando o pessoal, pois não conseguia comer. Só de pensar em comer eu me sentia ainda mais enjoado.

Após o almoço tivemos meia hora de descanso e logo tivemos que voltar à trilha. A chuva aumentou e alguns membros do grupo resolveram esperar um pouco para ver se a chuva diminuía. Eu coloquei minha nada discreta capa de chuva amarela e fiquei um tempo junto com o pessoal que esperava a chuva passar. Depois de meia hora de espera e vendo que a chuva não ia passar, eu, Alex e Florencia resolvemos seguir debaixo de chuva. No início foi meio complicado caminhar, pois tinha muito barro no caminho. Fizemos uma rápida parada em um local onde existe uma enorme pedra e em frente uma placa dizendo que aquele local era uma gruta. Ao lado tinha uma pequena casa de pedra, abandonada e que pelos vestígios deixados dentro dela, ultimamente tinha a função de banheiro. Voltamos a trilha e mais uma meia hora de caminhada a chuva cessou. Logo passámos a caminhar por uma estrada, no meio de uma floresta. De um lado muitas árvores e do outro um precipício, onde vez ou outra era possível ver um rio correndo lá embaixo.

Eu, Alex e Florencia seguimos caminhando juntos, sendo que algumas vezes eu me afastava um pouco dos dois, pois parava para tirar fotos. Logo a estrada virou uma trilha, que passou a ficar bastante empoeirada. Nem parecia que até pouco tempo atrás tínhamos caminhado sob chuva. Realmente o clima no local muda muito rápido. Quase no final da tarde passámos por um local onde uma placa dizia que ao lado existiam algumas ruínas antigas. Olhei por cima de uma cerca e vi somente uma porção de pedras semi soterradas. Eu já tinha conhecido muitas ruínas interessantes no ano anterior na Trilha Inca, então não senti vontade de parar no local para ver melhor aquelas poucas ruínas. Seguimos em frente e quase no final da tarde chegamos ao local do acampamento da noite. Ao lado de onde nossas barracas estavam montadas existiam algumas casas. Ao chegar ficamos sabendo que o italiano estava caminhando a frente do grupo sozinho e que passou direto pelo local do acampamento. Daí era possível vê-lo na estrada retornando ao local onde estávamos. Quando ele chegou ao acampamento todos que ali estavam ficaram rindo e pegando no pé dele.

Encontrei minha barraca e o suíço já estava lá alojado. Ele já tinha tomado seu banho de gato e estava descansando. Fiquei sabendo que no local tinha banheiro e chuveiro, mas que o banho era frio. Ou melhor, era gelado! Fui conversar com a Florencia e falei com ela sobre minha dúvida em tomar banho ou não. Ela então me respondeu que ela não precisava tomar banho, pois ela era francesa e as francesas são perfumadas por natureza. Caí na risada!!! Sei que enquanto estava na dúvida sobre tomar banho ou não, vi que a Florencia tinha decidido tomar banho. Então fui na porta do banheiro dar um apoio moral e emprestei meu chinelo do Corinthians para ela (chinelo que minha irmã me deu de aniversário). Sei que foi divertido ficar ouvindo os gritos dela que vinham do banheiro. Se a francesinha tinha tomado banho, eu é que não ia fugir da raia. Logo que a Florencia saiu do banheiro me enchi de coragem e fui tomar banho. O problema foi que ela demorou para devolver meu chinelo e tive que tomar banho descalço num banheiro sujo e gelado. Creio que num frio daqueles não corri o risco de pegar nenhuma frieira. A água era muito gelada e começar a molhar o corpo era algo que exigia muita coragem. Também dei uns gritos e logo estava de corpo inteiro debaixo da água. E como certas coisas na vida, o difícil é entrar, pois depois que entrou vai que é uma maravilha. Sei que ao sair do banho nem sentia frio do lado de fora, parecia que o dia estava quente. Nesse dia somente eu é a Florencia fomos os únicos corajosos que encaramos o banho frio. Mais ninguém tomou banho e apenas alguns poucos foram até um tanque de roupa e se limparam um pouco. Mas eu iria me arrepender amargamente desse banho nos próximos dias, pois foi aí que começou uma dor de garganta que me causou sérios problemas.

Após o banho fui negociar com a dona de uma das casas uma tomada para eu carregar uma das baterias da câmera. A mulher me emprestava uma tomada por uma hora, desde que eu comprasse algum dos produtos que ela vendia. Acabei comprando uma garrafa de água por $ 8,00 bolivianos. Na cidade uma garrafa igual custava $ 3,00. Os preços ali são mais altos, pois os produtos chegam quase sempre até o lugar em lombo de mula. Ao colocar o carregador na tomada a mulher foi me ajudar e sem querer passei meu nariz próximo ao cangote da dona. Cara, que fedor!!! Devia fazer muito tempo que ela não tomava banho, seja quente ou frio. Depois dessa experiência nada agradável, fui para a barraca descansar e quando já estava quase dormindo, alguém foi me chamar para jantar (não lembro quem foi). Eu continuava mal do estômago e achei melhor não jantar mais uma vez. Comi uns biscoitos do meu estoque e já estava pensando em me ajeitar para dormir, quando alguém foi me avisar que era aniversário do Peter, o suíço que era meu parceiro de barraca. Ele tinha trazido um litro de licor e um pacote de biscoitos suíços para comemorar a data. Fui até o refeitório para não fazer desfeita ao meu novo amigo. O mais difícil foi subir uma escada molhada de madeira que levava até o refeitório. E fui no escuro, pois descobri que minha lanterna tinha ligado sozinha dentro da mochila e que ficou sem bateria. Todo o pessoal estava na comemoração do Peter, que após um breve discurso fez um brinde. Eu não bebi o licor e dei o meu para o argentino. Mas fiquei de olho gordo nos biscoitos suíços, que pareciam apetitosos. E sou louco por biscoitos! Quando uma forma com os biscoitos passou pela minha frente, com a boca cheia de água peguei aquele que parecia ser o mais apetitoso. E com a boca ainda mais cheia de água dei uma bela mordida no biscoito. Quase quebrei o dente da frente! Que biscoito duro e ruim!!! Sei que escondi o que sobrou do biscoito no bolso e saí de fininho. No caminho até a barraca encontrei um cachorro faminto e dei a ele o que sobrou do biscoito. Só espero que o infeliz não tenha quebrado nenhum dente.

Fui escovar meus dentinhos no tanque e ao voltar vi uma cena que me fez rir muito. Pela primeira vez pude presenciar uma súdita da Rainha da Inglaterra escovando os dentes. E confesso que nunca na vida vi uma escovação dentária tão engraçada. A inglesinha (a loira) escovava um pouco os dentes estando em pé e então se abaixava até quase o chão para cuspir. E ao cuspir ela fazia um ruído com a boca que não tenho como descrever aqui, mas que era muito engraçado. E ao mesmo tempo em que ela cuspira e fazia tal ruído, ela dava um pulinho e jogava a cabeça para trás, além de fazer cara de nojo. Era uma cena ao mesmo tempo incomum, patética e muito engraçada. Nunca tinha visto algo igual! Não me aguentei e comecei a rir, ela percebeu, fez cara de brava, foi terminar de escovar os dentes em outro lugar e nunca mais olhou nos meus olhos ou me dirigiu a palavra (em inglês britânico) novamente. Tudo bem! Sou daqueles que perde o amigo, mas não perde a piada ou a chance de rir. Entrei na barraca, me deitei, comecei a ouvir música no MP4 e então começou a chover. Choveu a noite toda. Quem já dormiu em barraca com chuva sabe como é chato o barulhinho da chuva na barraca a poucos centímetros de seu rosto. Gosto de dormir com barulho de chuva batendo na janela! Já dormir com barulho de chuva batendo na barraca é muito chato!!!

No início da caminhada, frio de 3 graus.

Com o suíço Peter.

O sol deixou a paisagem ainda mais bonita.

Momento de descanso.

Caminhando perto das montanhas nevadas.

Alex e Max.

Tropa de mulas.

Lago nas alturas.

Trilha acima de quatro mil metros de altitude.

O grupo reunido no ponto mais alto da trilha, a 4.600 metros.

Florencia, a francesinha do grupo.

Deixando a montanha Salkantay para trás.

Quase chegando no local do almoço.

Almoço com chuva.

Florencia e Vander caminhando na chuva.

Alex, Vander e Florencia.

Acampamento da segunda noite.

Viagem ao Peru e Bolívia (3° Dia)

17/05/2012

Acordei às 5h42min quando o ônibus fez uma parada na estrada, para o pessoal fazer um xixizinho. Desci do ônibus também e o local da parada era ao lado de um precipício. Homens de um lado, mulheres do outro, tudo muito organizado, um não olhava para o outro. Também que graça tem ver alguém fazendo xixi? Fazia muito frio, quando voltei para minha poltrona olhei no meu termômetro e fazia 7 graus. Me ajeitei dentro do saco de dormir e logo fiquei aquecido novamente. Fiquei um tempo vendo o sol nascer por trás de umas montanhas, uma imagem muito bonita. Logo peguei no sono.

Às 8h20min nova parada, dessa vez numa pequena cidadezinha a beira da estrada. Ao lado tinham alguns banheiros, onde se pagava $ 1,00 boliviano para usar. A descarga nos banheiros era despejar um balde com água após fazer o “serviço”. Tal método acabei vendo muitas outras vezes na Bolívia. Alguns passageiros ou por falta de dinheiro, ou por não se importarem em utilizar algum banheiro, foram fazer suas necessidades num terreno baldio ao lado. Algumas cholas (indígenas bolivianas que usam roupas típicas) tinham um método interessante, pois como usam grandes saias, elas se abaixavam em qualquer lugar para fazer suas necessidades e seguravam a saia de uma forma que ninguém visse o que estavam fazendo agachadas. Dei uma olhada no local onde o pessoal tomava café, mas não deu coragem de entrar, era muito sujo. Se bem que não costumo tomar café da manhã, então aproveitei o tempo de parada para me aquecer ao sol.

Quando comprei a passagem o vendedor disse que chegaríamos a La Paz às 8h00min em ponto. Falei com o motorista e ele me disse que o horário de chegada seria ao meio dia. Bem que eu tinha desconfiado que o vendedor estivesse mentindo em alguma coisa. Nas horas seguintes o ônibus se transformou numa espécie de pinga-pinga, parando em muitos lugares e gente embarcando. Quem embarcava ia sentando nas escadas, no chão dos corredores. Fui observando a paisagem pela janela do ônibus. Tudo era meio deserto, com muitas pedras e poeira. Algumas pequenas casas, bem simples feitas de barro era o que diferenciava um pouco a paisagem. Conforme fomos nos aproximando de La Paz, foram surgindo casas simples, lojas, algumas fábricas. A periferia de La Paz era suja, feia.

La Paz era a sexta capital de país que fico conhecendo. O detalhe é que não conheço Brasília, a capital do meu país. E não faço questão de conhecer, acho Brasília uma cidade feia e não curto arquitetura moderna. Se for a Brasília um dia será meramente por questões profissionais ou outras, mas a turismo para conhecer a capita brasileira, jamais. La Paz é a capital em altitude mais alta no mundo. Na verdade a cidade foi construída num canyon, um verdadeiro buraco. A parte alta da cidade, El Alto fica pouco acima dos 4.000 mil metros e a parte baixa fica a 3.700 metros. Chegamos pela parte alta e logo começamos a descer e descer. É impressionante essa diferença de altura dentro da mesma cidade. Em volta da cidade, numa distância não muito grande é possível ver o Illimani, uma montanha nevada com mais de 6.000 metros. La Paz foi fundada em 1548 e sua população atual é de pouco mais de um milhão de habitantes, sendo quase metade de origem indígena.

Desembarcamos em frente à rodoviária, o que confirmou minha suspeita de que a empresa pela qual viajei era pirata e não tinha autorização para entrar na rodoviária fazer o desembarque dos passageiros. Peguei minhas coisas e logo entrei na rodoviária. Estava começando a sentir os sintomas do soroche, o mal de altitude. Quanto maior a altitude, menos oxigênio temos para respirar e em conseqüência sentimos dor de cabeça, tontura, enjôo, ficamos ofegantes por qualquer esforço que fazemos, por menor que seja.  Eu já conhecia esse mal da viagem no ano anterior ao Peru. Comecei a sentir muita dor de cabeça e resolvi tomar uma das soroche pills que tinha levado e também algumas aspirinas. Isso aliviou um pouco a dor.

Dei uma volta pela rodoviária pesquisando preço de passagens até Cusco. Achei um local para trocar dólares por bolivianos. O câmbio ali também estava bom, U$ 1,00 valia $ 6,95 bolivianos. Acabei encontrando meus amigos japoneses. Eles precisavam ir até um determinado endereço no centro da cidade para alterar algumas passagens aéreas. Negociei com um taxista para levá-los até o tal endereço por $ 10,00 bolivianos. Nos despedimos, tiramos uma foto juntos e voltei para dentro da rodoviária. Fui dar mais uma pesquisada nos preço das passagens e acabei encontrando um brasileiro, Tiago, carioca de Niterói. Conversamos um pouco, ele também ia para Cusco e acabamos comprando passagem na mesma empresa. Pagamos $ 150,00 bolivianos na passagem. O Tiago saiu dar uma volta e eu fui procurar algo para comer. Dei uma volta fora da rodoviária, mas não encontrei nada que desse coragem de comer. Voltei para a rodoviária e depois de olhar todos os pequenos botecos e lanchonetes, resolvi comer um sanduíche de queijo e presunto. Até que estava gostoso acompanhado de uma Coca Cola sem gelo. Tanto na Bolívia quanto no Peru é raro encontrar refrigerante gelado, eles costumam servir o refrigerante a temperatura ambiente.

Comprei dois sanduíches onde tinha lanchado, eles seriam minha janta na viagem. Reencontrei o Tiago e logo fomos para o embarque. Antes tive que ir comprar um tíquete que é a taxa de embarque da rodoviária. Essa prática de descobrir na hora de embarcar que você tem que comprar tal tíquete se tornaria comum tanto na Bolívia quanto no Peru. O embarque foi rápido, o ônibus não era dos melhores, mas as poltronas era confortáveis. Não estava cheio e os passageiros eram todos estrangeiros, aquilo parecia uma Babel. Teve serviço de bordo, mas não encarei o sanduíche que serviram, fiquei apenas com um saquinho de suco de maçã.

Como o ônibus estava vazio arrumei uma poltrona para ir sozinho, pois seria mais confortável. Conversei um bom tempo com o Tiago, ele contando como tinha sido sua visita à região do salar. Logo começou a escurecer e pela janela do ônibus foi possível ver um belo pôr do sol. Um tempo depois paramos num posto de fiscalização e um policial subiu no ônibus e perguntou de quem era a mala com número tal (que estava no tíquete de embarque) e o dono da mala teve que descer e acompanhar a revista da mala. Tal procedimento se repetiu mais duas vezes e felizmente não fui um dos sorteados para ter a bagagem revistada. A viagem seguiu e depois de duas horas nova parada, dessa vez na fronteira com o Peru. Desembarcamos do ônibus e seguimos a pé, passamos pela fiscalização boliviana e atravessamos a fronteira caminhando. O local era numa pequena cidade, muito feia e suja. Na fiscalização peruana um cara veio com a guia obrigatória para preenchimento e pediu meus dados para preencher. Eu mesmo podia preencher tal guia, mas resolvi deixar o tal cara preencher, pois vi que aquele era o ganha pão dele. Pelo serviço lhe dei $ 5,00 bolivianos. Passaporte carimbado e saí com o Tiago à procura de nosso ônibus. Tinha orientação de amigos para tomar cuidado com os guardas peruanos, pois se der bobeira do lado de fora eles chamam você para entrar na salinha deles e tentam te extorquir, principalmente se você tiver dólares. E se for brasileiro pior ainda, pois são as vitimas preferências dos guardas. Encontramos nosso ônibus e ficamos perto da porta esperando a ordem de embarque. Daí vimos que um cara entrou no bagageiro e meio que se trancou lá dentro. Ficamos assustados, achando que era algum guarda ou outra pessoa mexendo nas bagagens para furtar alguma coisa. Depois ficamos aliviados quando descobrimos que era um outro motorista e que tinha entrado no bagageiro para trocar de roupa.

Seguimos viagem e optei por ir sentado na última poltrona. Peguei uma das mantas que estavam disponíveis para os passageiros, meu MP4 e fiquei ouvindo música e olhando o céu. A noite estava bonita, cheia de estrelas. Fiquei um bom tempo assim, olhando o céu, ouvindo música e pensando na vida. Passamos por algumas pequenas cidades e fiquei observando as casas, lojas, as pessoas na rua… E logo adormeci, em terras peruanas, em minha segunda vez no país.

Parada para o café da manhã.

Paisagem vista pela janela do ônibus.

Em La Paz com meus amigos japoneses.

Rodoviária de La Paz.

Almoço na rodoviária.

Pronto para o embarque.

Belo pôr do sol visto pela janela do ônibus.