Caminho da Fé (12º dia)

“Quanto mais simples a casa, mais sincero é o bom dia.”

 (Pato Fu)

Levantei bem cedo, pois nesse dia pretendia dormir em Campos do Jordão, distante 60 km. E nesse dia também passaria pela pior subida do Caminho da Fé. Arrumei minhas coisas, tomei um café da manhã reforçado e parti, pouco depois das 7h30min. Na periferia da cidade quase fui atropelado. Estava subindo uma rua tranqüila, quando um carro saiu da garagem de uma casa dando ré e atravessou a rua de uma vez. Por muito pouco a motorista do carro não me acertou em cheio. Total barbeiragem dela.

Saindo da cidade segui durante três quilômetros por uma estrada asfaltada, com ótimas descidas. Daí entrei numa estrada de terra e segui por grandes retas e muitas descidas. Com uma hora de pedal eu já tinha percorrido oito quilômetros, o que era uma boa quilometragem. Mas logo as descidas terminaram e cheguei à parte das subidas. Na primeira subida encontrei um boiadeiro tocando algumas cabeças de gado e tive que me espremer no canto da estrada para não ser atropelado. Vencida a primeira subida do dia, que não foi das maiores, passei a seguir por uma longa reta e cheguei a uma pequena comunidade, chamada Cantagalo. Vi uma faixa informando que no Bar do Alfredo, tinha carimbo para a credencial. Parei no bar, ganhei o carimbo, tomei uma Tubaína para matar a sede e conversei um pouco com o Alfredo, pessoa bastante simpática. Despedi-me e segui em frente.

Entrei numa região de mata fechada, um lugar bonito. Então passei por uma placa informando que estava na divisa de Minas Gerais com São Paulo. Após alguns dias eu voltava ao estado de São Paulo. Ao sair da área de mata, vi no fundo de um vale a cidade de Luminosa. Até a cidade seria uma grande descida, com várias curvas e onde eu sairia de São Paulo e voltaria para Minas Gerais. Luminosa é uma cidade mineira. A descida foi meio complicada, pois passei por um trecho com muitas pedras na estrada e tive que tomar bastante cuidado. Ao entrar na pequena cidade de Luminosa, parei para tirar algumas fotos e ao tirar a foto de uma égua parada em frente a uma casa, o dono dela fez questão que eu tirasse uma foto montado na égua. Seu Juca, o dono da égua, era um típico mineiro do interior, simpático e conversador. Montei na égua e tirei a foto. Depois sentei ao lado do Seu Juca e fiquei conversando com ele e com seu sobrinho, Elias, que estava na cidade a passeio. Seu Juca me convidou para almoçar em sua casa. Agradeci o convite e expliquei que precisava pedalar muito naquele dia e era melhor não almoçar, apenas faria um lanche leve. Despedi-me e segui em frente. Antes de sair da cidade, parei em uma pousada para pegar o carimbo na credencial.

Após sair de Luminosa segui por um reta longa e depois comecei a subir. Em algum lugar dessa subida devo ter voltado ao estado de São Paulo, mas não tinha nada sinalizando. Era o começo da maior subia do Caminho da Fé. Eu subiria cerca de novecentos metros de altitude e para isso percorreria uns sete quilômetros, sempre subindo. O jeito era empurrar a bike e sob o sol do meio dia a tarefa não era das mais fáceis. Minha água ficou quente e logo comecei a sentir fome. Arrependi-me de não ter aceitado o convite do Seu Juca, e também de não ter feito um lanche na cidade. Passei por uma pousada meio que perdida no alto da estrada. Como não vi ninguém, não parei para ver se vendiam comida. Entrei no meio de uma plantação de bananas e algumas bananeiras estavam com cachos de bananas maduras. Teve um momento em que senti vontade de pular a cerca e roubar algumas bananas. Mas roubar não é comigo, então desisti da idéia. Não andei cinqüenta metros e vi dois homens com enormes facões, no meio do bananal, colhendo bananas. Fiquei imaginando o que teria acontecido se eu tivesse invadido a plantação para roubar bananas e eles me vissem. Em meio a esses pensamentos segui em frente e numa curva, onde as bananeiras ficavam no alto, ao lado da estrada, vi algumas bananas boas caídas na estrada. Recolhi as bananas, verifiquei se estavam boas e as comi. Foram as melhores bananas que comi na vida e dessa forma matei minha fome sem precisar roubar. A subida foi ficando cada vez mais inclinada e não demorou para eu passar por uma porteira e entrar num pasto. Cheguei em uma pequena curva, muito inclinada e sofri para passar por ela. Depois cheguei a uma pequena reta e me sentei numa pedra ao lado da estrada para descansar um pouco. Dali a vista era muito bonita e alcançava muitos quilômetros de distância. Era possível ver a cidade de Luminosa ao longe e também parte da estrada que tinha percorrido durante a manhã. Após descansar alguns minutos segui em frente e logo encontrei um monte de vacas deitadas na estrada, impedindo minha passagem. Havia alguns bezerros e tomei bastante cuidado ao passar por eles. Felizmente não tive problemas e segui em frente.

A subida parecia não ter fim e quando cheguei ao final dela foi um grande alivio. Segui por uma pequena descida e algumas curtas retas, logo chegando a uma nova subida. Minha água acabou e sob o sol forte isso foi um enorme problema. Segui empurrando a bike e cheguei numa região com bastante araucárias. Em uma curva dei de frente com um monte de bois e vacas que estavam mais uma vez parados no meio da estrada. Ao tentar passar pela lateral, um boi partiu para cima de mim. Quase me joguei por cima de uma cerca de arame farpado. Tentei tocar o gado, mas eles nem se mexiam. Fui andando centímetro por centímetro, bem devagar ao lado da estrada e assim consegui passar por eles. Mais um susto sem conseqüências, felizmente. Algumas curtas retas e cheguei a uma região de mata fechada. Andar pela sombra era um alivio, pois o sol estava muito quente. Tive que enfrentar uma grande subida, com pedras soltas que me faziam escorregar. Não foi nada fácil passar por esse trecho, mas a recompensa veio quase no final da subida, quando encontrei uma fonte de água. Pude matar minha sede com uma água maravilhosamente gelada. Enchi minhas garrafinhas de água e segui em frente.

No meio da tarde finalmente cheguei ao final das grandes subidas e passei a percorrer uma região mais plana, onde em volta existiam muitas araucárias. Entrei em um trecho de mata fechada e segui por ele durante algum tempo. Depois cheguei a um trecho de descida e curvas, ainda no meio da mata. Passei por uma placa do Caminho da Fé que indicava que faltavam cem quilômetros até Aparecida. Continuei descendo pela estrada de terra no meio da mata e alguns minutos depois cheguei num cruzamento e a partir dali comecei a subir por uma estrada asfaltada. A estrada não tinha acostamento e possuía muitas curvas. Tive que tomar cuidado nas curvas, para não ser atropelado. O sol que tinha me castigado durante todo o dia, foi embora. Surgiu uma névoa e depois uma garoa fina. Empurrei a bike por cerca de meia hora, até chegar ao final do trecho de subida. Finalmente atingi a altitude máxima naquele dia e passei a percorrer uma longa descida, num trecho com muitas curvas. O tempo fechou de vez e começou a fazer frio. Para quem tinha passado calor a maior parte do dia, agora passava a sentir frio. Desci em alta velocidade, em alguns trechos cheguei a atingir 60 km/h. Fui tomando bastante cuidado nas curvas fechadas, e por sorte poucos carros passaram por mim. Passei pela entrada que leva ao complexo da Pedra da Baú, ponto turístico de Campo do Jordão e onde estive em setembro do ano passado. Por culpa da névoa não foi possível ver a Pedra do Baú. Desci tão embalado que acabei não parando na pousada que fica pouco antes da localidade de Campista. Essa pousada era ponto para carimbar a credencial. Parei somente no final da grande descida.

Eram pouco mais de 16h00min quando parei em um bar ao lado da estrada. Fiz um rápido lanche e conversei com o dono do bar. Estava sentindo muito frio e fiquei analisando minhas opções. Podia voltar três quilômetros e passar a noite na pousada que vi ao lado da estrada. Ou então seguir mais alguns quilômetros por estrada de terra, até Campos do Jordão. Escolhi a segunda opção, que era meu plano original. Ao lado do bar o Caminho da Fé seguia por uma estrada de terra, passando pelo meio de uma floresta. Tinha percorrido pouco mais de dois quilômetros pelo meio do mato, quando começou a chover forte. A estrada virou um lamaçal e nos trechos de subida, quando tinha que empurrar a bike, a situação piorava, pois o chão ficava escorregadio. Não tinha outra opção, era seguir em frente a qualquer custo. Eu estava muito cansado e sentindo cada vez mais frio. Teve um trecho no meio da mata, onde dava medo passar. Segui por mais de uma hora nessa estrada até que cheguei a um local sem mata, onde existiam retas e descidas e pude voltar a pedalar.

Cheguei às imediações da cidade e passei a pedalar no asfalto. Não demorou muito e voltei a percorrer uma estrada de chão, com muito barro. Depois de alguns minutos voltei a um trecho de asfalto, mais uma vez no meio do mato e foi aí que passei por um grande susto. Uma moto passou por mim, e na curva seguinte vi a moto parada ao lado da estrada, e o motoqueiro em pé no meio da estrada. Ao passar por ele, fui encarado de uma forma estranha e ao olhar para trás vi que o motoqueiro tinha subido na moto. Fiquei com a sensação de que seria assaltado e passei a pedalar rápido, com todas as minhas forças. Para minha sorte era uma longa descida e quando a moto me alcançou eu estava numa região com casas em volta e pessoas próximas, num ponto de ônibus. O motoqueiro passou por mim bem devagar, me encarando. Reduzi a velocidade e parei perto das pessoas no ponto de ônibus. Esperei alguns minutos e voltei a pedalar, ainda ressabiado. Finalmente cheguei efetivamente á cidade de Campos do Jordão e logo estava na avenida principal. Campos do Jordão era a primeira cidade na rota do Caminho da Fé, onde eu já estivera antes. A cidade é muito bonita e famoso ponto turístico do estado de São Paulo. No inverno a cidade é invadida por paulistanos de média e alta classe. É uma cidade cara, e por essa razão que em minha visita anterior fiquei hospedado em uma cidade próxima, onde as pousadas eram mais baratas.

Andei alguns quarteirões por uma avenida movimentada, sob chuva. Virei duas vezes à esquerda e cheguei à pousada que constava no guia. Por ser ponto de parada de peregrinos que percorrem o Caminho da Fé, essa pousada não é cara como as demais pousadas da cidade. Já estava escuro quando toquei a campainha da pousada. Eu estava cansado, molhado, cheio de barro e tremendo de frio. Quem me atendeu foi a Bianca, uma moça bastante simpática. Guardei a bike num depósito e levei minhas coisas até um quarto coletivo, cheio de beliches. Em seguida fui tomar um banho quente. Debaixo do chuveiro foi que me dei conta de que havia percorrido sessenta quilômetros, passando por trechos muito difíceis. Estava exausto, todo dolorido, mas feliz. No dia seguinte chegaria à Aparecida, finalizando minha viagem pelo Caminho da Fé.

Fui para o quarto, onde escolhi uma beliche inferior, num canto e me deitei. Descansei um pouco e fiquei pensando no que fazer. Precisava achar um local para comer e também queria comprar alguns chocolates, que são uma das especialidades da cidade. Mas estava frio, chovia e eu teria que sair de chinelos. Pensando no que fazer fui até uma sala, onde três peregrinos conversavam. Apresentei-me a eles e conversamos um pouco. Marcos e Marcelo, dois primos e outro senhor, de nome Serafim, estavam percorrendo o Caminho da Fé a pé. Eles tinham se conhecido pelo caminho, e estavam caminhando juntos. Um dos primos tinha machucado o joelho e daí pegaram carona no trecho final até Campos do Jordão. Serafim foi o único que atravessou o trecho final no meio do mato, e disse que também teve medo de passar por ali. Chegou o dono da pousada, Edson, e entrou na conversa. Daí a Bianca falou que faria janta, o que agradou a todos, pois não precisaríamos sair à rua para comer. Enquanto a janta era feita, engatamos um gostoso papo. Uma hora depois a janta foi servida, e comi bastante. Depois ficamos batendo papo por mais um tempo e o Edson chegou a cantar algumas músicas ao violão. Conversei um pouco com a Bianca e ela contou parte de sua vida, sobre ter morado no México e de como começou a trabalhar na pousada. Ela estava fazendo um trecho do Caminho da Fé, quando se hospedou na pousada e depois recebeu o convite para morar e trabalhar ali. Conversei com o Edson e ele me aconselhou a fazer o trecho entre Campos do Jordão e Pindamonhangaba, pelo asfalto e não pelo Caminho da Fé. Dei uma olhada no guia e ali também dizia que em dias de chuva não era para fazer esse trecho de bike, pois seria intransitável. Mais um pouco de papo com o pessoal, algumas fotos e todos foram dormir. Eu estava exausto e uma cama confortável era tudo o que queria. Somando-se a isso, o frio e o barulho da chuva, o sono veio logo, de forma intensa.

Saindo da Pousada da Praça, em Paraisópolis.
Boiadeiro que encontrei na estrada.
Com Seu Alfredo, em frente ao seu bar.
Últimas retas da manhã.
Divisa Minas Gerais – São Paulo.
Chegando à Luminosa.
Em Luminosa – MG.
Montado na égua do Seu Juca.
Com Seu Juca e Elias.
Passando pelo bananal.
Pausa para descanso.
Bela vista, de onde tinha passado.
Vacas na estrada.
Numa região cheia de araucárias.
Faltando 100 km.
Descida sem fim…
Marcelo, Marcos, Serafim, Edson e Vander.
Nessa foto a Bianca se juntou ao grupo.

Caminho da Fé (11º dia)

“Peregrinar é respeitar o seu corpo, acariciar os seus pés todos os dias, deitar debaixo de uma árvore e se entregar. É tomar uma forte decisão: desistir, nunca.”

(Kátia Esteves) 

Levantei pouco depois das 8h00mim e não acreditei que tinha dormido por doze horas a fio. Minhas pernas doíam muito, em compensação a dor e o amortecido do pulso tinham desaparecidos. Arrumei minhas coisas, busquei as roupas no varal e desci tomar café na padaria que fica embaixo da pousada. Eram 9h45min quando parti. Atravessei a cidade e cheguei a uma passarela que passa por cima da rodovia Fernão Dias. Logo entrei numa estrada de terra e segui por várias descidas, em meio a muitas árvores. Depois cheguei a uma subida bastante íngreme e que foi difícil transpor. Quando cheguei ao alto dessa subida, olhei para trás e vi a cidade de Estiva, ao longe. Dali dava para ver muitos dos morros que tinha atravessado nos últimos dias. Era difícil acreditar que eu tinha superado toda aquela distância e aqueles morros. Do alto também dava para ver a chuva se aproximando. Logo começaram as descidas e corri bastante para fugir da chuva. Cheguei à pequena cidade de Consolação e parei numa pousada ao lado da igreja da cidade, onde carimbei minha credencial e aproveitei para almoçar. Durante o almoço era possível ouvir o som dos trovões e ver o tempo fechado. Fiquei parado na porta da pousada e um carro parou em frente. O motorista disse que estava vindo de Paraisópolis, meu próximo destino, e que estava chovendo muito por lá. Que era melhor eu esperar um pouco para pegar a estrada. Agradeci a informação e resolvi esperar. No fim das contas a chuva acabou não caindo em Consolação.

Quando o sol voltou, decidi que era hora de voltar a pedalar. Saí da pequena cidade e percorri três quilômetros por uma estrada asfaltada. Esse trecho asfaltado deve ser novo, pois não constava no guia. Logo entrei numa região muito bonita, com muitas retas e descidas discretas, passando por muitos pastos. Tive que passar por dentro de uma grande fazenda e próximo a uma casa um cachorro veio correndo em minha direção. Era uma pequena subida e não tinha como fugir do cachorro. Esperei pelo pior, imaginando uma forma de me defender. Ao chegar perto o cachorro saltou sobre a bike e para minha sorte ele só queria brincar. Foi um grande susto! Continuei seguindo por entre várias fazendas de gado, numa região bonita, onde aproveitei para tirar muitas fotos. No final do dia cheguei a uma subida íngreme e depois de passar por ela, teve um longa descida, bastante radical e cheia de buracos, onde precisei tomar bastante cuidado.

Cheguei à Paraisópolis bem no final da tarde e me hospedei na Pousada da Praça, ao lado da catedral da cidade. A dona da pousada, Jurema, foi muito simpática e me deixou a vontade. Até liberou uma mangueira para que eu lavasse a bike, que para variar estava toda embarreada. A pousada tinha um estilo todo especial, muito aconchegante e também foi um dos melhores lugares em que me hospedei durante a viagem pelo Caminho da Fé. Após limpar e arrumar minhas coisas, tomei banho e fui dar uma volta pela cidade. Lanchei e aproveitei para cortar o cabelo, que quanto mais curto, melhor fica para usar o capacete. Depois voltei para a pousada, onde coloquei o diário de viagem em dia, vi um pouco de tv e dormi cedo. Estava quase no fim da viagem. Se tudo corresse bem, faltavam apenas dois dias para chegar à Aparecida. Nos próximos dois dias pretendia fazer boas quilometragens, então era melhor descansar o maximo possível.

Primeiro trecho do dia.
Chegando ao alto de um morro.
A chuva surgindo ao longe.
Ao lado da igreja de Consolação.
Mais uma capelinha ao lado da estrada.
A chuva foi embora e o sol castigou.
O cachorro que só queria brincar.
Atravessando ponte dentro de uma fazenda.
Lugar tranquilo.
Note o passarinho sobre o cavalo.
Novas subidas a vista.
Pedalando sem parar…
Momento de descanso.
Vencendo mais uma subida.
Mais uma vaca pelo caminho.
Estrada que nunca acaba…
Outra capelinha.
Catedral de Paraisópolis.