As Camas da Estrada Real

Há uns cinco anos, minha amiga Stella Maris Ludwig que é professora de artes e fotógrafa, me falou sobre fotos temáticas. E deu a sugestão de por exemplo eu fotografar todas as camas em que dormisse durante um ano. E no início da viagem de bike pela Estrada Real, me lembrei da sugestão de minha amiga e fotografei todas as camas nas quais dormi durante a viagem.

Teve cama grande, pequena, confortável, dura, funda no meio e barulhenta. Mas em comum é que todas eram limpas! E após quilômetros de pedal debaixo de sol, o importante no final do dia era ter uma cama para deitar e descansar o corpo dolorido. Seguem as fotos das camas em que dormi durante minha viagem pelo Caminho Velho da Estrada Real. Somente em Paraty, no final da viagem é que dormi duas noites na mesma cama. Nas demais camas passei somente uma única noite.

06
Belo Horizonte – MG
bead
Ouro Preto – MG
47
Conselheiro Lafaiete – MG
79
Casa Grande – MG
166
Tiradentes – MG
247
São João del Rei – MG
317
Carrancas – MG
357
Cruzília – MG
403
Caxambu – MG
436
Passa Quatro – MG
481
Aparecida – SP
dsc05805
Paraty – RJ

Estrada Real – 10° Dia

Aparecida/Cunha/Paraty

(Resumo)

Mesmo com metas bem definidas e difíceis, já dei bobeira logo no início. Eu deveria ter acordado mais cedo, tipo umas seis horas e iniciado a viagem antes das sete da manhã. Eu já tinha feito isso antes em dias de trechos difíceis. Acontece que eu estava excessivamente confiante, me sentia bem fisicamente e estava empolgado em terminar logo a viagem. Nisso acabei menosprezando um pouco o trecho que teria para percorrer nesse último dia. Para completar, a soma de atrasos que tive durante o dia, fizeram meu planejamento inicial ruir.

Vi muitos ciclistas vindo em sentido contrário descendo a serra, a maioria de bicicleta speed. Pelo jeito o pessoal costuma acordar cedo para pedalar, ainda mais sendo sábado. Muitos desses ciclistas ao me verem acenavam ou gritavam um olá. Eu acenava de volta e respondia os cumprimentos também. Perto das 11h00min eu já tinha percorrido 22 quilômetros desde minha saída de Aparecida. E os últimos 10 quilômetros tinham sido quase todos em subida. E finalmente cheguei numa das subidas mais difíceis da viagem. Seriam seis quilômetros de uma subida forte, praticamente escalando um morro. Por mais que estivesse preparado fisicamente e psicologicamente para encarar tal subida, a dificuldade me surpreendeu. Foi mais difícil do que eu imaginava e em muitos trechos tive que empurrar a bike, fazendo bastante força. O peso do alforje parecia que tinha dobrado. E o sol estava forte demais, aumentando meu desgaste físico. Acabei ficando sem água e empurrar a bike morro acima com a boca seca não foi nada agradável. E para piorar eu tinha que ficar atravessando de um lado para outro da estrada, toda vez que chegava numa curva. Era mais seguro seguir na contramão nas curvas, pois eu podia ver os carros vindo de frente e me espremia no canto da estrada. Em boa parte desse trecho de subida, praticamente não existia acostamento para eu seguir em segurança.

Vencida uma longa descida que serviu para eu descansar enquanto seguia no embalo, parei em um bar na beira da estrada para lanchar. Comi dois pastéis e bebi um litro de Guaranita. Esse foi o último lugar onde encontrei o saboroso refrigerante. Descansei dez minutos e voltei para a estrada, pois estrava bastante atrasado e não podia perder mais tempo. Estava me sentindo muito cansado e não tinha mais vontade nem de tirar fotos. Esse foi o dia em que tirei menos fotos em toda a viagem. Levei uma hora para percorrer 15 quilômetros alternando subidas e descidas medianas, até que cheguei no trevo de entrada da cidade de Cunha. Tinha um posto de informações turísticas logo na entrada da cidade. Fui até ele na esperança de conseguir o carimbo para o passaporte da Estrada Real. Para ganhar o certificado de conclusão da Estrada Real, são necessários 14 carimbos, incluído o último, que no meu caso seria o de Paraty. Eu estava com 12 carimbos e precisava carimbar meu passaporte em Cunha de qualquer jeito. Falando com a moça do posto de informações, descobri que o carimbo ficava em outro posto de informações, localizado no centro da cidade. Tive que entrar na cidade e após percorrer algumas ruas, precisei empurrar a bike numa ladeira monstruosa até chegar na praça central. Lá perguntei para meio mundo e ninguém sabia onde era a rua em que ficava o posto de informações turísticas. E para piorar existiam poucas placas informando o nome das ruas. Estava acontecendo uma festa na cidade, e tinham turistas por todo canto. Perdi meia hora para cima e para baixo, até encontrar o posto de informações. Para meu azar ele estava fechado para almoço e só abriria dali 15 minutos. E para piorar ainda mais, a funcionária atrasou 20 minutos para chegar e abrir o tal posto de informações turísticas. Ela estava substituindo a funcionária do posto e não sabia onde guardavam o carimbo. Ela teve que ligar para a funcionária que estava de férias para então saber o que fazer. Minha paciência estava no limite e fiquei me segurando para não ser rude ou mal educado. Finalmente consegui o 13° carimbo no passaporte. Só que nessa brincadeira de ter que entrar no centro da cidade, de procurar o local para carimbar o passaporte e mais os atrasos da funcionária do posto, me fizeram perder uma hora do meu precioso tempo. E essa uma hora iria fazer muita falta depois.

Por culpa do esforço físico demasiado e do forte calor, logo fiquei sem água. Felizmente encontrei uma lanchonete numa região muito bela. Parei comprar água e dei azar de ter pela frente uma atendente enrolada, que demorou um século para trazer minha água e depois para trazer meu troco. Na saída da lanchonete um rapaz que estava entrando puxou conversa. Ele disse que era ciclista e que um dia queria ter coragem para fazer uma viagem igual à que eu estava fazendo. Quando soube que eu pretendia dormir em Paraty, ele disse que eu não ia conseguir chegar lá antes de escurecer. Me aconselhou a dar meia voltar e dormir em Cunha, 15 quilômetros de onde estávamos. A mãe dele estava perto e ao ouvir nossa conversa se aproximou e me disse que era muito arriscado passar pela serra no escuro, pois tinha o risco de assaltos. Todo mundo me falava isso e eu teimoso não dava bola e só queria seguir em frente. Não sei se isso é excesso de fé, excesso de coragem, ou excesso de burrice. Não alonguei a conversa, me despedi e voltei para a estrada. O trecho seguinte foi muito difícil, e em alguns momentos tive que descer da bike e empurrar, de tão inclinada que a estrada era. Em uma curva acabei passando por um acidente que tinha acontecido há pouco tempo. Um carro que descia a serra velozmente acabou se perdendo na curva e bateu de frente com um carro que subia. O choque foi feio, mas felizmente ninguém se feriu. Com os dois carros parados no meio da pista, a mesma ficou bloqueada. E tinha risco de incêndio, pois vazou combustível de ambos os carros no asfalto quente. Passei rapidinho pelo canto da pista e tomando cuidado com o combustível que formava uma pequena enxurrada. Depois de me distanciar do acidente, olhei para o céu e agradeci por não estar passando por ali na hora do acidente, pois fatalmente seria atingido pelos carros. Pelos meus cálculos o que me livrou de estar no local do acidente no momento em que os carros bateram, foi ter parado conversar com o rapaz na lanchonete quando parei comprar água.

Passaram cinco rapazes de moto por mim. Eles estavam em três motos e ficaram me olhando de um jeito estranho. Senti muito medo e achei que seria assaltado. Parei num canto da estrada e esperei que o casal de ciclistas passasse por mim e seguissem na frente. Esperei 15 minutos e voltei a pedalar. Como estava em um ritmo mais forte do que o casal de ciclistas, achei que antes de chegar em Paraty passaria por eles novamente. Mas não vi mais o tal casal. E o motivo foi que minha bike quebrou faltando oito quilômetros para chegar na cidade. Dessa vez a corrente se rompeu e nada podia ser feito para resolver o problema. O jeito foi empurrar a bike até Paraty.

Foi um pouco tenso empurrar a bike no escuro, mas felizmente logo cheguei em ruas iluminadas e um pouco movimentadas. No fim das contas não tive nenhum problema com relação a assaltos. Não sei se por sorte, destino ou proteção divina. Dei uma olhada no guia e com o mapa da cidade em mãos não foi difícil encontrar o Hostel Paraty, local onde eu ficaria nos dias que permaneceria na cidade. Tinha feito a reserva pela internet, atraído pelo preço baixo e pela boa localização. O hostel ficava próximo ao Centro Histórico, que é o point local. O bairro era meio estranho e sujo, e depois ouvi dizer que era perigoso. Mas não tive nenhum problema.

Encontrei o hostel e parei em frente ao seu portão. Eu estava sujo e meu fedor naquele momento era extraordinário. Precisava urgentemente de um banho, pois nem eu estava aguentado meu próprio cheiro. Apertei a campainha, me identifiquei e abriram a porta. O hostel funcionavam em um sobrado, com uns puxadinhos ao lado. Deixei a bike encostada num canto nos fundos e subi até a recepção. Fui atendido por um rapaz com sotaque hispano. Ele me explicou rapidamente o funcionamento do lugar e me levou até o meu quarto. Era um quarto coletivo, com três beliches.

Como todos tinham saído, fiquei sozinho no quarto ouvindo o barulho do ar condicionado poucos centímetros acima de minha cabeça. E até o sono chegar fiquei pensando e remoendo os problemas que tinha tido nesse último dia de viagem. Era para ter terminado a viagem durante o dia à beira bar, onde eu tiraria a foto final da cicloviagem. Terminar a viagem no escuro e empurrando a bike, foi bastante frustrante, principalmente por culpa dos erros de estratégia que tinha cometido durante o dia. E somado a isso os atrasos e as quebras fizeram ruir meu planejamento. Mas esse final meio melancólico não tirava o brilho da viagem num todo, pois pedalar 600 e poucos quilômetros pelos lugares em que passei, não é uma tarefa para qualquer um. E as viagens por mais que sejam planejadas, sempre existem imprevistos que fogem ao nosso controle e a nossa vontade. Então eu podia ficar chateado e frustrado por um tempo, mas logo isso ia passar e eu me sentiria um vitorioso por ter conseguido finalizar a viagem tão esperado pelo Caminho Velho da Estrada Real. E foi em meio a tais pensamentos que peguei no sono e dormi profundamente.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

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Estrada Real – 9° Dia

Passa Quatro/Lorena/Guaratinguetá/Aparecida

(Resumo)

Segui cinco quilômetros por dentro da cidade, por uma rua ao lado do trilho do trem. Depois entrei na rodovia e de cara enfrentei uma longa subida. O sol estava forte e o dia bonito. Pedalei por mais algumas subidas, atravessando uma pequena serra. A paisagem era muito bonita e isso ajudava no esforço de pedalar forte para vencer as subidas em sequência. E como na maior parte das estradas mineiras, não tinha acostamento. Eu seguia pelo canto da pista e em algumas curvas tive que seguir por dentro da canaleta existente em alguns trechos, quase sempre nas curvas. O trânsito não era muito intenso, e não corri grandes riscos. Levei pouco mais de uma hora para vencer a serra e suas subidas. Parei em um posto de gasolina na beira da estrada e bebi uma Guaranita estupidamente gelada. Esse refrigerante estava virando o meu novo vício!

Voltei a pedalar e após algumas retas e subidas, cheguei na divisa dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Ao lado da estrada tinha um monumento em homenagem aos mortos em uma batalha da Revolução de 1932, que tinha ocorrido ali perto. Tirei algumas fotos do monumento e depois empurrei a bicicleta alguns metros até a placa que indicava a divisa dos dois Estados. Fiz algumas fotos em frente a placa e em um marco da Estrada Real que ficava perto da placa. Me despedi de Minas Gerais e empurrei a bicicleta até um monumento existente do outro lado da estrada, já no Estado de São Paulo.  Esse monumento também era em homenagem a Revolução de 1932. E nele tinha uma imagem enorme de Nossa Senhora Aparecida. No local existia um mirante de onde era possível ver muitos quilômetros ao longe. A vista era bonita!

Descansei um pouco, bebi água quente de minha garrafa e segui viagem. O pedal ficaria mais fácil, pois seria descida serra abaixo e no lado paulista a estrada tinha acostamento. E bem conservado por sinal! Seriam aproximadamente 14 quilômetros de descidas e muitas curvas. Desci pelo acostamento, tomando cuidado e com a mão no freio, até pegar o jeito da descida e das curvas e me sentir seguro para correr um pouco mais. Por segurança resolvi seguir pelo acostamento, pouco atrás de um caminhão carregado que descia a serra. Depois de alguns quilômetros cansei do barulho do caminhão e resolvi ultrapassa-lo. Foram muitos quilômetros divertidos em alta velocidade serra abaixo. Quando não ouvia o barulho de veículos, eu seguia pela estrada. Seguia com a cabeça um pouco virada, para poder ouvir melhor o ruído de veículos vindo por trás de mim. As mãos começaram a doer de tanto apertar os freios. Mesmo freando eu seguia veloz serra abaixo e nas curvas tinha que frear ainda mais forte. O peso do alforje traseiro tira a estabilidade da bike na descida e todo cuidado era necessário para não cair. Em uma curva muito fechada tomei um susto ao ver um carroceiro seguindo pelo acostamento a minha frente. Quase bati na traseira da carroça, pois o mato ao lado da estrada estava alto e atrapalhava a visão.  Fiquei com receio de algum carro bater na carroça e fiquei parado no acostamento sinalizando para os carros que vinham para que diminuíssem a velocidade. Depois de alguns minutos voltei a pedalar e não demorei para ultrapassar o carroceiro, que parecia ter tomado umas a mais. Cheguei muito rápido ao final da serra e durante a viagem esse foi o trecho onde obtive a maior velocidade média.

Vencida a serra passei a andar por longas retas. O acostamento era lisinho e segui num ritmo forte e constante. Passei por um rio de água cristalina, mas não senti vontade de ir até a água. Continuei pedalando forte e fui parado por duas cariocas em um carro, que queriam informação. Como eu não era dali não pude ajudá-las e cada um seguiu seu caminho. Mais alguns quilômetros e parei para um rápido descanso na beira da estrada. Olhei para trás e ao longe podia ver os morros da serra que tinha descido cerca de uma hora antes. Eram lindos e assustadores. Penso que os ciclistas que fazem o Caminho Velho no sentido contrário ao meu, seguindo de Paraty para Ouro Preto, devem se sentir intimidados quando enxergam ao longe a serra que vão ter que transpor.

Cheguei na cidade de Cachoeira Paulista e atravessei parte da cidade até parar em uma padaria. Ali almocei pão de queijo e Guaranita. Comprei uma garrafa grande de água mineral gelada e segui viagem. Terminei de atravessar a cidade e na saída parei pedir informação sobre o caminho para Lorena, meu próximo destino. Me ensinaram um caminho mais seguro, onde existia um longo trecho com ciclovia ao lado da estrada. Segui pedalando forte, pois o trecho era quase todo de retas e pequenas descidas. Logo cheguei na ciclovia, que era pintada de vermelho e bem sinalizada. Parei tomar água, que ainda estava gelada e segui em frente. Entre Cachoeira Paulista e Lorena foram 14 quilômetros de um pedal meio monótono, mas que rendeu bem. Ao lado da estrada via muitas casas e empresas.

Levei uma hora para percorrer o trecho entre Lorena e Guaratinguetá. A estrada era boa, a ciclovia era segura, bem sinalizada e sem buracos. E quase todo o trecho era de retas e descidas. Só teve uma subida mais puxada. E em muitas partes tinha sombra, o que ajudou a refrescar do sol escaldante. Só passei um perrengue quando um cara mal encarado começou a pedalar colado em mim. Diminuí a velocidade para deixar ele passar e ele diminuiu também. Daí quando eu aumentava a velocidade ele também aumentava. Andamos alguns quilômetros assim, até que reuni minhas últimas forças e pedalei bem forte. Ele não aguentou o ritmo e ficou para trás. Cheguei em Guaratinguetá esbaforido, mas inteiro e ainda disposto. Já tinha pedalado 72 quilômetros e faltavam mais 10 quilômetros para eu encerrar a dia de pedal. Estes 10 quilômetros seriam um desvio fora do Caminho Velho da Estrada Real. Eu seguiria até a cidade de Aparecida e lá passaria a noite em algum hotel.

Muitos romeiros chamam a cidade de “Aparecida” pelo nome de “Aparecida do Norte”. É comum ainda verificarmos em algumas publicações, referências à cidade com a expressão “do Norte”. Segundo a escritora Zilda Ribeiro, em seu livro “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida e de seus escolhidos”, durante muito tempo o povo nomeou a terra da Padroeira como Aparecida, seu verdadeiro nome. Mais tarde passaram a chamá-la de “Capela de Aparecida”.  Com a inauguração da estrada de ferro, os devotos passaram a viajar de trem. E embarcavam na Estação do Norte, em São Paulo. E diziam que seu destino era Aparecida da Estação do Norte. Com o passar dos anos, por um processo linguístico coletivo, chamado braquilogia, eliminaram a palavra “Estação” restando Aparecida do Norte. Ainda hoje, muitos anos depois, passeando pelos corredores do Santuário Nacional ou pelas ruas da cidade de Aparecida, ouvimos romeiros chamarem a cidade por “Aparecida do Norte”, sendo o verdadeiro nome da cidade Aparecida, sem o do Norte.

Não foi difícil encontrar o caminho para Aparecida. Era uma larga avenida, onde em boa parte dela existia uma ciclovia pintada de vermelho. Infelizmente algumas vezes eu tinha que sair da ciclovia, pois tinham carros estacionados nela. Teve até carro de polícia parado em cima da ciclovia, obrigando os ciclistas a pararem e descerem até a avenida para então poderem seguir em frente. Fazer o que? Pessoas mal educadas e que não respeitam a Lei existem em todos os lugares e em todas as profissões. Pouco depois das 16h30min cheguei em Aparecida e ao longe conseguia ver uma parte do Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Aparecida era a primeira e única cidade da viagem pela Estrada Real, onde eu já tinha estado antes. Em 2011 minha viagem de bike pelo Caminho da Fé acabou em Aparecida. E em 2010 eu tinha visitado pela primeira vez a cidade, quando seguia de carro de São Paulo para o Rio de Janeiro, junto com uma namorada paulistana que eu tinha na época. Era bom voltar ali, mesmo não sendo um católico praticante ou devoto de Nossa Senhora Aparecida. E as duas visitas anteriores me fizeram bem. Visitar a Basílica de Nossa Senhora Aparecida e ver a imagem da Santa, foi uma experiência de paz. Nas duas visitas anteriores me emocionei e não consegui segurar as lágrimas.

Em poucos minutos entrei pedalando na enorme área de estacionamento do Santuário. Minha terceira vez ali, e a segunda vez de bike. Parei em frente a Basílica para tirar algumas fotos. Depois segui empurrando a bike até uma rampa que leva para dentro da Basílica e que passa embaixo da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Perguntei a uma senhora em um balcão de informações se eu podia entrar na Basílica com a bike. Ela disse que eu podia deixar a bike encostada no balcão de informações que ela cuidava para mim. Argumentei que era importante para mim entrar com a bike e ela me mandou falar com o segurança da entrada. Falei com o segurança e ele disse que eu podia entrar com a bike, apenas pediu que eu seguisse pela passagem mais larga, que é para cadeirantes.  Subi a rampa empurrando a bike e fui sentindo uma emoção muito forte. Era o Dia Internacional do Ciclista e estar ali nesse dia, após vários dias de viagem foi muito legal e uma enorme coincidência. Parei debaixo da imagem de Nossa Senhora Aparecida e rezei bastante. Acabei não segurando a emoção e chorei um monte. Lembrei de tudo o que aconteceu para mim desde que estivera ali pela primeira vez, numa época muito complicada em minha vida. Lembrei do acidente de bike que sofri uma ano e meio antes e de toda a dor e esforço para me recuperar e voltar a pedalar. E agora estava ali de bike, em perfeita saúde física e mental. Foi um momento inesquecível e difícil de explicar, de contar. Na saída deixei algumas fotos num local destinado a votos e ex-votos e fiz um pedido especial, o qual não posso contar. Mas se meu pedido for atendido, volto lá um dia para agradecer.

Saí do Santuário e subi a longa rampa que leva até a parte alta da cidade, onde fica o centro e a Basílica Velha. O dia estava chegando ao fim, eu estava muito cansado e em vez de voltar para Guaratinguetá e dormir por lá, resolvi pernoitar em Aparecida. Andei um pouco pelo centro a procura de um hotel. Tinham muitos hotéis, mas os preços eram salgados para uma noite somente. Ali funcionava na base do pacote para final de semana, incluindo duas noites e as refeições. Resolvi voltar para a parte baixa da cidade, próximo a Basílica. Atravessei a passarela empurrando a bicicleta e parei numa mureta na lateral da Basílica.

O quarto era simples, mas limpo. De uma pequena janela eu conseguia ver a Basílica, distante uns 300 metros. Tinha um ar condicionado barulhento, mas que foi bem aproveitado, pois fazia muito calor. Tirei minhas coisas do alforje e espalhei pelo chão e pela cama. Em seguida lavei meias e cuecas na pia do banheiro e tomei um banho demorado. Bem próximo ao meu quarto tinha uma pequena piscina, mas não me senti disposto a entrar nela. Optei por ficar no frescor do quarto e dormir um pouco. Acordei uma hora mais tarde e desci jantar no restaurante do hotel. A comida era boa, mas não exagerei. Depois de comer voltei para o quarto e coloquei o diário de viagem em dia. Pelo celular fiz a reserva para as duas próximas noites em um hostel de Paraty. Liguei para casa e depois estudei o roteiro do dia seguinte, que seria o último dia da viagem de bike. Agora faltava pouco para terminar minha aventura pela Estrada Real. Mas o pouco que faltava era uma serra bem difícil…

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 8° Dia

Caxambu/Pouso Alto/Itanhandu/Passa Quatro

(Resumo)

Quando saí do hotel a cidade estava calma, com pouquíssimos carros na rua. Olhei o guia e após pedalar quase um quilômetro, descobri que estava indo para o lado errado. Achei o caminho certo e saí da cidade pedalando devagar por uma subida longa e difícil. O dia prometia! Tinha escolhido seguir pela estrada asfaltada e sabia que teria um longo trecho de serra alternando subidas e descidas. E mesmo sendo asfaltado, aquele trecho de estrada passava pelo Caminho Velho original da Estrada Real. Muitas rotas da Estrada Real foram aproveitadas quando as estradas de Minas Gerais começaram a ser asfaltadas. O início da estrada era por uma região muito bonita, com bastante mata. A estrada era cheia de curvas e com poucas subidas. Em muitos trechos não tinha acostamento e em outros tinha acostamento somente de um lado da estrada. Eu ia alternando os lados, sempre tomando cuidado ao atravessar de um lado para outro. Nas curvas geralmente não tinha acostamento e eu seguia pela contramão, de olho atento nos veículos que vinham de frente.

Quase no final de um novo trecho de subida, teve um momento em que tive que ir rapidamente para o acostamento, pois de frente vinha um caminhão em alta velocidade. Na pressa acabei batendo com o macaquinho numa canaleta da estrada e ele entortou e fez com que a corrente se soltasse e enroscasse nas catracas traseiras. Coloquei a bike de ponta cabeça ao lado da estrada e por quase uma hora tentei consertar o problema. Mas não consegui, e do jeito que travou a corrente eu não conseguia nem mesmo empurrar a bike, pois a roda travava. Com muito custo consegui tirar a roda e coloquei ela invertida, pois dessa forma não travava. Daí tive que empurrar a bicicleta pelo canto da estrada. Empurrei por cerca de um quilômetro de subida e felizmente cheguei em um trecho longo de descida. Subi na bike e embalava ela com o pé no asfalto. Depois era só seguir no embalo e com as mãos no freio. Em alguns trechos de subida e de reta, eu descia e empurrava. Foram dez quilômetros dessa forma, até que cheguei na cidade de Pouso Alto. Dei sorte de a bike ter quebrado perto de um longo trecho de descida. A estrada atravessava a cidade e segui por ela até que parei em um posto de gasolina para pedir informações. Me indicaram um mecânico de bicicletas ali perto. Sem dificuldade encontrei a oficina, que funcionava em uma casa distante 500 metros da estrada. O mecânico falou que levaria uma hora para consertar o estrago. Deixei a bicicleta na oficina e fui procurar a biblioteca da cidade, que era o local onde carimbavam o passaporte da Estrada Real. Como a cidade era pequena, tudo era perto e não precisei andar muito.

Quase no final de um novo trecho de subida, teve um momento em que tive que ir rapidamente para o acostamento, pois de frente vinha um caminhão em alta velocidade. Na pressa acabei batendo com o macaquinho numa canaleta da estrada e ele entortou e fez com que a corrente se soltasse e enroscasse nas catracas traseiras. Coloquei a bike de ponta cabeça ao lado da estrada e por quase uma hora tentei consertar o problema. Mas não consegui, e do jeito que travou a corrente eu não conseguia nem mesmo empurrar a bike, pois a roda travava. Com muito custo consegui tirar a roda e coloquei ela invertida, pois dessa forma não travava. Daí tive que empurrar a bicicleta pelo canto da estrada. Empurrei por cerca de um quilômetro de subida e felizmente cheguei em um trecho longo de descida. Subi na bike e embalava ela com o pé no asfalto. Depois era só seguir no embalo e com as mãos no freio. Em alguns trechos de subida e de reta, eu descia e empurrava. Foram dez quilômetros dessa forma, até que cheguei na cidade de Pouso Alto. Dei sorte de a bike ter quebrado perto de um longo trecho de descida.

Passaram por mim alguns carros com bikes no bagageiro ou no teto. Todos que passaram buzinaram, e em alguns carros eu via mãos e braços acenando freneticamente pelas janelas e até ouvia alguns gritos. Acredito que estes carros estavam indo para algum evento de ciclismo ali perto. No meio da tarde cheguei em um trevo e segui por uma estrada estreita e ruim que levava até a cidade de Itanhandu. Antes de chegar na cidade tinha uma longa descida e tive a infeliz ideia de pegar a câmera e descer filmando. Um carro passou muito perto de mim, me fez desequilibrar e fui parar no capinzal ao lado, quase caindo. Na gravação dá para ver a câmera chacoalhando toda e o capinzal se aproximando. Na entrada da cidade pedi informações para algumas pessoas, até que consegui chegar no centro e encontrei o hotel onde carimbavam o passaporte da Estrada Real. Fui atendido por uma jovem e bela moça, com a qual conversei um pouco sobre a viagem. Procurei ficar distante dela enquanto conversava, pois eu estava todo molhado de suor e o meu cheiro não devia ser dos melhores. Antes de sair aproveitei para encher a pança com água gelada de um bebedouro. Quase não deu vontade de sair do hotel, pois dentro o ar condicionado estava ligado em uma temperatura baixa. Lá fora não tinha ar condicionado e o sol estava a pino. Não tive muita dificuldade em encontrar a saída da cidade. E quase entrando na estrada, parei em uma panificadora e tomei uma garrafa de Guaranita. Esse refrigerante é viciante! E pena que só é vendido naquela região de divisa entre Minas Gerais e São Paulo.

A parte final até a cidade de Passa Quatro foi bem tranquila. Eu achava que estava longe da cidade e quando me dei conta já estava entrando nela. Essa seria a última cidade mineira onde eu iria pernoitar, pois no dia seguinte entraria no Estado de São Paulo. Quando fiz a viagem de bike pelo Caminho da Fé em 2011, dormi em uma cidade chamada Santa Rita do Passa Quatro, que fica em São Paulo. De início achei que estava na cidade onde aconteceram batalhas durante a Revolução de 1932. Mas depois me dei conta de que estava enganado, que o nome era parecido mas que a cidade que foi invadida e teve uma ponte explodida por tropas paulistas durante a Revolução, era a mineira Passa Quatro. Dessa vez eu estava na cidade certa.

Durante a Revolução de 1932, Passa Quatro foi invadida por tropas constitucionalistas paulistas. Uma das maiores atrações da cidade são seus casarios antigos, construções realizadas na cidade desde o final do século XIX até as primeiras décadas do século passado. Formam um conjunto arquitetônico valorizado pela comunidade e recentemente tombados por serem reconhecidos como patrimônio histórico, arquitetônico e cultural a ser preservado. A região de Passa Quatro possui mais de 300 anos de história e 100 anos como município. Apesar de não ser a cidade brasileira situada em altitude mais elevada, o município encontra-se entre as regiões mais altas do país. Fica na região de Passa Quatro o quinto mais alto pico brasileiro, a Pedra da Mina (2.798m), localizada na serra Fina e ponto culminante da Serra da Mantiqueira e do estado de São Paulo, com o qual o município faz divisa. A cidade vem se firmando nos últimos anos como polo de atração para o ecoturismo e o turismo rural. Na Revolução de 1932, atuou no hospital municipal da cidade, um jovem médico que seria futuro Presidente do Brasil. O nome dele, Juscelino Kubitschek.

Saí dar uma volta pela cidade, e como estava no centro pude ver novos casarões. Consegui encontrar o local para carimbar o passaporte da Estrada Real, que funcionava em uma pousada. De curiosidade perguntei o preço da hospedagem, que era quase o dobro do que paguei no hotel onde estava. Dei uma volta pela avenida longa por onde tinha entrado na cidade. Naquele horário tinham muitas pessoas fazendo caminhada na avenida. Me chamou atenção um cachorro preto de rua, que ficava igual louco correndo atrás de carros para cima e para baixo. Queria jantar comida ou pizza, mas não encontrei nenhum lugar para comer.  Fui em um supermercado perto do hotel e lá comprei algumas coisas para lanchar no quarto. Comprei também uma Guaranita de dois litros. Voltei ao hotel e lanchei no quarto. Depois liguei para casa, coloquei o diário de viagem em dia e vi o noticiário na TV. Resolvi dormir cedo, pois o dia seguinte seria longo. Como o caminho teria poucas subidas, eu planejava fazer uma longa quilometragem.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 7° Dia

Cruzília/Baependi/Caxambu

(Resumo)

Levantei 08h45min e desci para tomar café, que era servido somente até as 09h00min. Nesse dia o pedal seria mais curto, e com mais descidas e retas do que de subidas. Terminado o café voltei para a cama e descansei mais um pouco. Pouco antes das 10h00min levantei, recolhi minhas roupas que estavam todas secas, arrumei minhas coisas e saí. Me despedi do dono do hotel e fui pegar a bike na garagem. Dei uma olhada no guia e na lista de endereços para carimbar o passaporte da Estrada Real. Ali em Cruzília era na prefeitura que que carimbavam o passaporte. Saí pedalando pelo centro da cidade e não foi difícil encontrar a prefeitura.

Saindo da cidade comecei a pedalar por uma estrada de terra, mas com várias casas em volta. Ao passar por um dessas casas, um homem que estava no portão gritou para eu tomar cuidado, pois a estrada era perigosa. Só não entendi se era perigosa por causa de assaltos, ou se a estrada era ruim e isso causava perigo. Passei por um longo trecho cheio de pedras grandes espalhadas pela estrada e tive que tomar muito cuidado para não bater numa dessas pedras e cair. O sol foi embora e o dia ficou nublado, mas muito quente. Logo entrei numa região deserta, mas cheia de árvores. A paisagem era bonita e vez ou outra passava algum carro por mim. Logo enfrentei duas subidas fortes e deu para suar um pouco. Numa descida onde a estrada era cercada por árvores, vi uma revoada de papagaios. Eram muitos e ele voavam na minha frente, meio que indicando o caminho que eu deveria seguir. Foi uma experiência inesquecível essa de pedalar com os papagaios.

Saindo do cafezal segui em direção a um pasto, e cheguei numa encruzilhada onde ao lado tinha uma porteira. Fiquei em dúvida sobre para qual lado deveria ir. Resolvi continuar seguindo pela trilha em que estava. Pedalei alguns metros e vi pouco mais à frente na trilha, um pequeno rebanho de gado saindo do meio de algumas árvores. No meio do gado visualizei um grande e assustador touro. Dei meia volta rapidamente e segui para a porteira que tinha visto pouco antes. Atravessei a porteira e me sentindo seguro parei para dar uma olhada no guia. Antes de abrir o guia ouvi vozes e vi alguns homens trabalhando perto do local onde o gado estava, mas do outro lado da cerca. Fui até lá e vi que três homens consertavam a cerca, com a ajuda de um guincho acoplado em um trator. Pedi informação sobre o caminho para Baependi e me disseram para seguir reto pela trilha em que estava, que logo ela iria sair numa estrada. Agradeci a informação e segui pedalando, ainda assustado com o touro. Não andei muito e logo avistei o trevo da rodovia.

Pouco antes de chegar em Caxambu, teve um trecho da estrada que era toda cheio de pedras e de poças d’agua. A água vinha de minas próximas. No meio da tarde e com o sol tendo dado as caras novamente, cheguei na cidade de Caxambu. Passei pela periferia da cidade até chegar no centro. A cidade é simpática e mistura construções antigas, com outras mais modernas. Essas construções antigas não são tão antigas como muitas que vi nas cidades históricas. Na maioria são construções com menos de 100 anos de existência.

Caxambu concentra o maior complexo hidromineral do mundo, com 12 fontes de água. Fontes de água mineral existem em muitos lugares no mundo, mas fontes de onde saem água mineral gaseificada não é todo lugar que tem. Mas Caxambu tem, e tem muitas fontes desse tipo. Em razão dessas águas a região é famosa desde a época do Império, quando a Princesa Izabel esteve em Caxambu para tratar sua infertilidade nas águas milagrosas da cidade. O tratamento parece ter dado resultado, pois a princesa teve três filhos nos anos seguintes. Na primeira metade do século passado, Caxambu recebia turistas endinheirados que vinham relaxar e se curar no famoso balneário hidromineral. Em 1954 a seleção brasileira de futebol esteve em Caxambu, se preparando para a disputa da Copa do Mundo. Hoje em dia a cidade não é tão famosa como no passado, mas mesmo assim recebe muitos turistas.

A principal atração turística de Caxambu é o Parque das Águas. O parque possui uma extensa área e oferece atrações diversas. Ele conta com 12 fontes de águas minerais gasosas e medicinais, com propriedades diferentes umas das outras. O parque tem belos jardins, bosques e alamedas com grande beleza paisagística. No Parque das Águas existe um prédio antigo e conservado, que abriga um grande balneário de hidroterapia. O local oferece banhos de imersão em água mineral, piscina de hidroterapia, saunas a vapor e seca, duchas e banhos de vários tratamentos estéticos. O Parque também oferece piscinas de água mineral, lago e pedalinhos, pista de corrida, quadras esportivas e um teleférico que leva até o topo do Morro Caxambu, de onde se tem uma deslumbrante vista da cidade. Para um ciclista cansado como eu, uma visita ao Parque das Águas era obrigatória. E foi o que fiz, após ter feito um rápido lanche numa padaria.

O Parque das Águas ficava a menos de 500 metros do meu hotel e foi fácil chegar até lá. Para entrar é cobrado uma taxa de R$ 5,00. Na entrada descobri que as termas fecham as 17h00mim, e como eram 16h00mim fui direto até o prédio onde funcionam os vários tratamentos hidrotermais. Escolhi utilizar a piscina de hidroterapia. Paguei R$ 35,00 para ficar quarenta e cinco minutos na piscina, mas como estava para fechar me deixaram ficar uma hora. A piscina era dentro de uma enorme sala e tinha banheira de hidromassagem, cachoeiras, bancos com hidromassagem e outras coisas mais. A água era mineral e quente. Achei o lugar muito legal, e não consigo explicar direito como era o funcionamento. Sei que aproveitei ao máximo o tempo que fiquei na piscina e como minhas pernas estavam doloridas após dias pedalando, foi muito relaxante ficar na hidroterapia. Fiquei sozinho quase o tempo todo. Somente minutos antes de fechar é que apareceram duas moças e entraram na piscina.

Após sair da piscina, fui caminhar pelo parque. Muitas das fontes de água mineral são cobertas e tem nome. Em frente as fontes existem placas que informam suas propriedades e indicações medicinais. Provei a água de todas as fontes. Algumas eram boas, outras nem tanto. Teve uma que me deixou enjoado, pois o gosto era meio salgado e tinha cheiro de ovo podre. A água que mais gostei foi a da Fonte Dom Pedro II. Para pegar a água na fonte, você precisa descer por uma escada e em volta tudo é cheio de azulejos. Numa nas fontes conversei com duas senhoras e descobri que uma delas era paranaense como eu, e tinha vindo de Curitiba. Dentro do parque funciona uma pequena fábrica que envasa água mineral. Eu já tinha ouvido falar da Água Mineral Caxambu, mas nunca tinha bebido tal água. Ela é considerada gourmet, e por isso não se encontra facilmente para venda e o preço é um pouco alto. Gostei muito do Parque das Águas e fiquei andando por ele e tirando várias fotos até escurecer.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

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Estrada Real – 6° Dia

Carrancas/Traituba/Cruzília

(Resumo)

Acordei 08h00min em ponto, com o barulho que vinha do calçadão em frente à janela do meu quarto. Sentia muita dor pelo corpo, principalmente nas pernas. Fui tomar banho para ficar desperto. Voltei ao quarto, arrumei minhas coisas e fui tomar café. Numa mesa no canto meu café da manhã estava separado, pois creio que eu tinha sido o último hospede a acordar.

Poucos carros passaram por mim, e os poucos que passaram levantaram tanta poeira que em alguns momentos eu mal enxergava a estrada a minha frente. Pelo que me contaram não chovia na região há quase dois meses. O sol mais uma vez estava extremamente forte e tive que passar uma dose extra de protetor solar. Mas meu nariz mesmo que passe um quilo de protetor ele fica queimado, vermelho e ardido. E meu consumo de água foi grande, mesmo ela estando morna nas garrafas. Passei por um trecho onde tinha tanta areia na estrada, que os pneus afundavam e eu não conseguia pedalar. Tive que descer e empurrar a bike. Parecia que eu estava na praia, de tanta areia que tinha naquele trecho da estrada. Felizmente o areião ficou para trás e segui pela estrada poeirenta, e depois de ter percorrido cerca de seis quilômetros quase que todo de descidas, comecei a enfrentar muitas subidas chatas. Passei por um rio de água bem limpa e pequenas cachoeiras. Era convidativo tomar um banho nele para aliviar o calor. Mas estava com pressa e passei direto. O calor foi aumentado e minha roupa estava completamente molhada de suor. Com a poeira da estrada grudando no corpo e a roupa molhada, meu aspecto e cheiro não estavam dos melhores.

Pouco depois das 14h00min, cheguei na Fazenda Traituba. O lugar tem muita história e até poucos anos atrás funcionou como pousada. Tinha muita vontade de poder entrar na fazenda e visitar o enorme casarão, mas isso não é tão fácil de se conseguir atualmente. Acabei me contentando em ver da estrada a sede da fazenda. Tinham muitos cachorros latindo ferozmente perto de mim e não achei prudente ir até o portão da fazenda para ver o casarão mais de perto. Olhei em volta para ver se tinha algum local onde eu pudesse pegar água, pois a minha tinha acabado alguns quilômetros antes. Vi algumas casas, mas todas fechadas, com cachorros em frente e nenhum ser humano a vista. O jeito foi ficar com sede e confiar no guia, o qual informava que dali seis quilômetros eu encontraria um local com água potável.

A Fazenda Traituba é conhecida desde o início do século XIX. O Imperador Dom Pedro I, era grande amigo do dono da fazenda e costumava se refugiar no local para repousar e caçar veados. O Imperador costumava ir até a Fazenda Traituba, como um simples plebeu e se hospedava numa casa velha que ficava onde hoje é um galpão da fazenda. Em razão das constantes visitas do Imperador, o proprietário da fazenda naquela época resolveu construir uma enorme casa, para poder recepcionar melhor o Imperador e outros membros da corte. A construção da casa demorou aproximadamente dez anos e ficou pronta em 1831. O portal da casa foi trancado e seria aberto somente quando acontecesse nova visita de Dom Pedro I. Mas o Imperador nunca mais voltou ao local, pois no ano em que a casa ficou pronta ele abdicou do trono no Brasil e foi para Portugal, tendo morrido por lá em 1834. O dono da fazenda então decidiu que só abriria o portal quando a primeira filha nascida na casa viesse a se casar. Só que por duas gerações nenhuma moça nasceu na casa e o portal permaneceu fechado por mais de cem anos. Ele só foi aberto em maio de 1988, quando D. Luiz de Orleans e Bragança, descendente direto do Imperador Dom Pedro I, visitou a fazenda.

Voltei a pedalar e durante alguns quilômetros o caminho era quase todo de reta e pequenas descidas. O sol quente desapareceu e o céu ficou nublado, o que fez a temperatura baixar um pouco. Passei por alguns trechos com árvores na beira da estrada e pastos com gado, além de uma ou outra casa. Poucos veículos passaram por mim nessa tarde e a solidão da estrada e o silêncio algumas vezes assustavam. Num trecho entre árvores vi dois enormes gaviões parados bem no meio da estrada. Cheguei bem perto deles, até que levantaram voo. Mais alguns minutos de pedal e três motos passaram por mim, vindas no sentido contrário. Eram motos grandes e pelo jeito os motoqueiros estavam percorrendo a Estrada Real. Ao passarem por mim buzinaram e acenaram, mas não pararam. O trecho tranquilo chegou ao fim e em seguida veio um trecho de cerca de 13 quilômetros intercalando pequenas descidas e muitas subidas. Não foi nada fácil superar esse trecho e por duas vezes tive que empurrar a bike, pois algumas subidas eram muito inclinadas.

Uma curta reta e cheguei numa estrada asfaltada. A partir dali o pedal ficou fácil, pois foram três quilômetros quase que somente de descidas. Eu embalava e deixava a bike correr, sem precisar pedalar. Apenas tomava cuidado com os carros, e quando ouvia o ruído de algum carro vindo eu seguia pelo acostamento, que ao menos nesse trecho não era esburacado. Cheguei na cidade de Cruzília pouco depois das 18h00min, quando estava começando a escurecer. Parei na entrada da cidade, e dei uma olhada no guia para saber que rumo pegar para ir até o centro da cidade. Voltei a pedalar e pouco depois virei numa esquina correndo, de cabeça baixa. Escutei o ruído de diversas vozes e quando ergui a cabeça para olhar o que era, levei o maior susto. Pela rua vinha um cortejo fúnebre, onde dezenas de pessoas rezando o rosário, seguiam um caixão que era levado em um carrinho daqueles de cemitério. Por muito pouco que eu não bato de frente com o caixão. Quando vi o cortejo, apertei o freio bruscamente e segui para a calçada. Tirei o capacete e baixei a cabeça enquanto o cortejo passava. Parece que todos estavam olhando para mim, e algumas pessoas nitidamente continham o riso ao me ver, imaginando como seria se eu tivesse batido de encontro ao caixão. A última vez que vi um cortejo parecido com aquele, foi quando meu avô materno faleceu, em 1975. Na época os velórios aconteciam em casa e na hora de seguir para a missa de corpo presente, o carro da funerária não apareceu. Então carregaram o caixão do meu avô pelo meio da rua, até a igreja, que não era muito distante. Por ser o primeiro velório de que participei em minha vida, nunca esqueci daquela imagem do caixão seguindo pela rua. E depois de 41 anos voltei a ver algo parecido.

Passado o cortejo e tendo me recuperando do susto, voltei a pedalar. Depois de alguns metros não me contive e caí na gargalhada ao imaginar como teria sido se eu “atropelasse” o cortejo. Atravessei algumas ruas da cidade e logo cheguei no centro, me orientando pelo mapa existente no guia. Eu ficaria hospedado em um hotel que ficava em frente à catedral da cidade. E para terminar o dia com chave de ouro, os últimos 200 metros até chegar na catedral eram de subida duríssima. Segui empurrando a bike, quase sem forças. Parei em frente à catedral e o portão estava fechado. Segurei com ambas as mãos no portão e ali rezei, agradecendo por ter vencido mais um dia de viagem. Todos os dias eu parava para rezar no início e no fim da viagem. Em frente à igreja tinha uma praça e na rua ao lado o hotel, que também era bar e restaurante.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Catedral de Carrancas.

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Sede da Fazenda Traituba.

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Estrada Real – 5° Dia

São João del Rei/Caquende/Capela do Saco/Carrancas

(Resumo)

Acordei 06h00min em ponto, com ajuda do despertador do celular. Tomei um longo banho para despertar, arrumei minhas coisas e saí. Na noite anterior tinha combinado com a Lua, que jogaria por baixo da porta a chave do hostel. Mesmo sendo cedo, o sol estava alto no céu, prometendo um dia de muito calor. Tirei uma foto da frente do hostel, olhei o guia para saber que rumo tomar e parti. No caminho parei em frente uma igreja e fiz uma oração na calçada.

Saí de São João del Rei pedalando por uma longa avenida e então cheguei numa estrada que me levaria até a rodovia.  Logo de cara tinha uma longa subida e fui pedalando devagar, ainda aquecendo as pernas. Após vencer a longa subida, resolvi parar na beira da estrada e tomar meu café da manhã, que consistia de duas bananas. Depois de comer, notei que o pneu da frente estava um pouco murcho. Peguei a bomba de encher e a encaixei no bico do pneu. E ao começar a bombear, em vez de encher o pneu murchou ainda mais. Foi aí que vi que o bico da bomba estava quebrado. O pneu ficou muito vazio e não tinha como pedalar. Eu não queria voltar até a cidade para procurar algum lugar onde encher o pneu. Resolvi arriscar e segui em frente na esperança de encontrar algum posto de gasolina onde pudesse encher o pneu. Empurrei a bike por cerca de um quilômetro, quando vi uma pessoa vindo pelo outro lado da estrada. A imagem era meio surreal, pois se tratava de uma moça vestindo uma justíssima roupa de ginástica toda colorida, caminhando pelo acostamento e ouvindo música com fones de ouvido. Quando ela chegou perto de mim, notei que a roupa era extremamente justa e destacava de forma exagerada as curvas da moça. Dei bom dia e perguntei se ela sabia de algum posto de gasolina próximo dali. Ela respondeu que mais uns 500 metros eu chegaria na rodovia, e que seguindo para o lado direito demoraria muito para eu encontrar um posto. E que para o lado esquerdo da rodovia ela nunca tinha ido e não sabia responder se existia algum posto. E falou que na casa dela tinha uma bomba de encher pneus e que se eu quisesse ela me emprestava. Ela morava na cidade, distante cerca de cinco quilômetros de onde estávamos. Agradeci a oferta e disse que preferia arriscar e seguir em frente. Nos despedimos e segui pensando se não era perigoso a tal moça caminhar sozinha ao lado da estrada deserta. E se eu não devia ter aceitado a oferta da moça e ido até a casa dela encher o pneu.

A rodovia estava muito movimentada e por segurança fui pedalando pelo acostamento. Mas ele era horrível, com muitos buracos e pedras soltas, sem contar o mato que muitas vezes arranhava minha canela e tornozelo direito. E o pior é que pedalando pelo acostamento ruim eu não conseguia andar muito veloz. Esse seria um dia em que precisava pedalar dezenas de quilômetros, e ganhar tempo era necessário para conseguir chegar em Carrancas, cidade onde planejava pernoitar. E no meio do caminho teria que atravessar uma balsa, e caso ocorresse mais algum contratempo eu corria o risco de perder a balsa e ter que dormir na rua. Pensando em tudo isso, segui pedalando sob um sol que ficava cada vez mais quente, até que um caminhão passou por mim buzinando de forma estridente. Era o caminhoneiro que tinha me ajudado com o pneu da bike. Acenei para ele e em pensamento agradeci pela ajuda recebida.

Após superar um longo trecho de curvas e subidas, finalmente cheguei em um trecho com sombra, retas e descidas. E passei por dois outros puteiros ao lado da estrada. Um deles tinha o nome “Capa de Revista” pintado na fachada. “Capa de Revista” foi uma música de sucesso nos anos oitenta, cantada pela dupla Gilberto & Gilmar. Segui pedalando forte pelas retas e descidas da estrada, enquanto cantava… ♫♪Capa de revista, exposta na banca pra todos verem. Um dia a tarde, andando na rua me surpreendi. Quando numa banca vi um corpo nu, queimado do sol. Conhecido meu a tempos atrás me pertenceu. Como eu era feliz… ♫♪ Pedalei muitos quilômetros cantarolando esse trecho da música. Sabe quando você começa a cantar uma música e não consegue parar? Acho horrível quando isso acontece, quando a música vem à mente sem eu querer e eu não consigo deixar de cantar, por mais que me concentre e tente não cantar.

Vi uma placa ao lado da estrada que indicava a entrada para o Circuito das Águas. Por essa estrada seriam 135 quilômetros para chegar na cidade de Caxambu. Fiquei bastante tentado a seguir por essa estrada, pois seria um bom atalho, já que Caxambu estava em meu roteiro. Mas se fizesse isso eu estaria deixando grande parte da Estrada Real de lado e isso faria minha viagem perder o sentido. Me mantive fiel à Estrada Real, apenas deixando muitas vezes de seguir por estradas de terra, e optando por seguir por estradas asfaltadas. E vale lembrar que muitos trechos originais da Estrada Real foram asfaltados e hoje fazem parte de grandes rodovias. O que acontece é que muitas vezes acabam existindo trechos alternativos de terra, que são mais seguros.

Pouco antes do meio dia e sob um sol escaldante, cheguei em São Sebastião da Vitória. Estava com pouca água e ela estava quase fervendo. Vi um posto de gasolina e nele um bebedouro. Fui pedalando todo alegrinho na esperança de encontrar água gelada, mas o bebedouro estava quebrado. Mesmo assim consegui matar a sede com uma água pouco mais fresca que a minha. Voltei a pedalar e segui pela rodovia, que atravessava toda a pequena cidade. Me lembrei de que estava sem dinheiro e fui olhando atentamente a procura de uma Casa Lotérica, onde eu pudesse sacar dinheiro de minha conta da Caixa Econômica Federal. Parei em uma farmácia pedir informação e a atendente contou que tinha uma loja onde era possível fazer saques, mas que a dona não estaria lá naquela hora do dia. Segui em frente olhando para os lados a procura de um local para lanchar e que aceitassem cartão de débito. Vi uma panificadora e quando ia entrar nela, do outro lado da rua vi um pequeno restaurante com uma placa anunciando “comida caseira”. Não resisti e fui até o restaurante. Meu plano desde o início era nunca fazer refeições na hora do almoço, mas apenas lanches leves, pois pedalar com o estômago muito cheio não é nada produtivo. Mas estava cansado de comer lanches nos últimos dias e minha fome era grande.

Cheguei no pequeno povoado de Caquende. Fui até a pequena igreja do povoado, tirei uma foto em frente a ela e me informei sobre o caminho a seguir até o local onde deveria pegar a balsa. Não era longe e em poucos minutos parei na margem do rio, no exato local onde a balsa costuma parar. No mesmo local estava o motoqueiro que tinha passado por mim há pouco. Começamos a conversar, ele era paulista de Ribeirão Preto. Me contou que já foi ciclista e que já tinha viajado de bike. Daí comprou a moto e resolveu percorrer a Estrada Real. Ele tinha sofrido uma queda pouco antes de passar por mim na estrada e além de sofrer alguns esfolados, também ralou a moto e quebrou um pisca traseiro. Próximo de onde estávamos tinham alguns caras pescando e nos informaram que a balsa demoraria cerca de meia hora para voltar, pois ela tinha acabado de atracar em Capela do Saco, no outro lado do rio. Tirei algumas fotos, conversei mais um pouco com o motoqueiro, cujo nome não anotei e não consigo lembrar. O sol estava muito quente, eu estava todo molhado de suor e cheio de poeira. Olhei o rio em volta, sua água era clara, pois o fundo era de areia grossa. Vi que próximo onde a balsa atracava era raso e não resisti, tirei meu tênis, meias e camisa, ficando de bermuda somente e entrei na água.

Comecei a me sentir muito cansado e isso não ajudava muito, pois o cansaço deixa nosso raciocínio lento. E por culpa do cansaço e da preguiça de pegar o guia e olhar mais detalhadamente as indicações do caminho, passei a seguir os marcos da Estrada Real. Até que numa encruzilhada não prestei muita atenção na direção que o marco indicava e acabei seguindo pela estrada errada. O problema é que demorei muito para perceber o erro. Enquanto ainda achava que estava no caminho certo, comecei a pedalar por um trecho com muita areia e mato dos dois lados da estrada. O sol estava se pondo e era um pouco assustador pedalar ali, pois da mata vinham ruídos estranhos. E a areia ficou tão fofa, que tive que descer e empurrar a bike. Até cheguei a pensar que tinha finamente chegado na famosa subida da “cruz das almas”, mas quando cheguei no final da subida vi pelo aplicativo do celular que ela tinha somente um quilômetro de extensão. Então não poderia ser a famosa e assustadora subida de quatro quilômetros.

O dia estava começando a escurecer e passei a seguir por uma estrada longa, com pasto dos dois lados. Eu subia quase o tempo todo, mas não era uma subida íngreme. E cada vez eu ficava mais perto das montanhas que tinha visto antes. Foi aí que tive certeza de que estava no caminho errado. E tinha quase certeza de que tinha errado o caminho quando passei pelo último marco da Estrada Real, já que depois disso não vi mais nenhum marco. Tentei me localizar olhando o guia, mas não consegui chegar a nenhuma conclusão objetiva. Na verdade eu não sabia ao certo onde estava e nem para onde a estrada seguia. Voltar ao local onde tinha errado o caminho era algo fora de cogitação, pois já tinha percorrido mais de dez quilômetros depois disso e tinha passado por muita areia. Resolvi confiar na sorte e seguir em frente. A noite foi chegando e passou um ônibus escolar por mim. Mas ele chegou tão silencioso que me assustei quando percebi ele atrás de mim. E no susto acabei não dando sinal para o motorista parar para eu pedir informação sobre o caminho. Parei e fiquei olhando o ônibus seguir pela estrada, e quando ele já estava bem distante vi ele virar na direção da montanha, que ficava cada vez mais perto. E notei que ele passou a andar mais veloz e comecei a ver luzes de carros. Ou seja, ali tinha uma estrada, possivelmente asfaltada. Ganhei um animo extra e pedalei mais forte até que uns dois quilômetros depois cheguei numa rodovia. Parei e fiquei pensando para qual lado deveria seguir. Não tinha nenhuma placa indicando o caminho e após pensar um pouco cheguei à conclusão de que a cidade de Carrancas ficava na direção das montanhas. Tinha ficado escuro e peguei a lanterna que ficava guardada na bolsa de guidão. A lanterna ainda não tinha sido usada na viagem e estava com a bateria cheia, o que me dava cerca de duas horas de autonomia de luz. Ela era bem forte, tinha sido comprada especialmente para a viagem, para o caso de alguma emergência noturna. E naquele momento eu estava numa emergência, no escuro, seguindo por uma estrada que eu não sabia ao certo para onde ia.

Para piorar minha situação fiquei sem água. E empurrar a bike montanha acima me fazia suar em bicas. Teve um trecho onde eu passei bem próximo a um alto paredão de rocha. E vi que recentemente tinham caído algumas pedras enormes ao lado da estrada. Era o que me faltava, cair uma pedra na minha cabeça! Passei o mais rápido que consegui por aquele trecho e quando me senti mais seguro parei para descansar. Aproveitei para guardar o guia na bolsa de guidão e fechá-la totalmente com o zíper, pois no escuro tinha receio de algo cair da bolsa e eu não ver. E ao mexer na bolsa de guidão, acabei encontrando o bombom que a Lua tinha deixado em meu travesseiro, na noite anterior no hostel em São João del Rei. Comi aquele bombom com um prazer indescritível. E todo aquele açúcar me deu nova energia para seguir empurrando a bike montanha acima. E nisso gritei bem alto um “obrigado Lua!”. E por falar em lua, ela surgiu (não a Lua do hostel) no céu, iluminando meu caminho. Não sei ao certo quanto tempo empurrei a bike morro acima, pois estava tão cansado que nem tinha vontade de pegar o celular no bolso traseiro da camisa para ver o horário ou a distância.

A descida era radical e com uma curva atrás da outra. E minha lanterna foi ficando fraca, até quase não iluminar nada. O que ajudava um pouco era a luz da lua. No começo ia segurando no freio, com medo de cair em algum buraco da estrada Mas notei que tinham algumas marcas mais escuras no asfalto, resultado de um recape recente. Isso me fez sentir mais seguro, e criei confiança e passei a descer rápido pela estrada. Não passavam carros e eu seguia pelo meio da pista. Comecei a sentir frio, mas nem ligava e seguia no embalo, sem precisar pedalar. Aquilo era muito radical, perigoso e gostoso. Com certeza esse foi um dos melhores e mais perigosos pedais que já fiz na vida. Foi um momento, uma aventura inesquecível, mas que espero não precisar mais repetir, pois foi perigoso demais. Descer aquela serra em alta velocidade, com peso traseiro e mal conseguindo enxergar a estrada direito é algo de gente maluca. Mas eu estava seguro do que estava fazendo e o risco era calculado. E também sou um cara de fé e meu anjo da guarda, coitado, sempre está ao meu lado. Costumo brincar que meu anjo da guarda não tem mais penas nas asas, que é manco e tem muitas fraturas e pontos pelo corpo. Vez ou outra ele falha e eu me estrepo, mas quase sempre ele está a postos e me livra dos perrengues.

Não sei dizer quanto tempo durou a descida, mas quando chegou no fim passei a pedalar por uma longa reta e sentia muita dor nas pernas. Eu não estava tendo mais forças para pedalar, mas precisava seguir em frente, pois estava cada vez mais perto de Carrancas. Nesse trecho passaram muitos carros por mim. Parecia que os carros estavam esperando eu descer a montanha, para então passarem. Cheguei num pequeno trevo e achei que era a entrada para Carrancas, mas lendo uma placa descobri que o caminho não era aquele. Pedalei mais uns dois quilômetros e logo comecei a ver luzes e algumas casas. Finalmente eu tinha chegado em Carrancas. Segui por uma longa avenida e após uma pequena descida vi uma praça e uma igreja. Como a cidade não era muito grande, sabia que ali era o centro da cidade. Ao meu lado parou um carro e quando me virei para olhar o que era, vi uma bela e jovem mulher ao volante. Antes que eu dissesse algo, ela perguntou se eu precisava de ajuda. Respondi que estava procurando a Pousada da Mica. Ela disse que a pousada ficava perto, e que eu deveria subir duas quadras e virar à direita, que mais 100 metros eu chegaria na pousada. Agradeci a informação e ela respondeu que ao me ver percebeu que eu era um viajante e que fatalmente precisava de ajuda.

Antes de me ajeitar para dormir, liguei para casa dar noticiais e fiz algumas anotações em meu diário de viagem. Em seguida apaguei as luzes e deixei a janela aberta, pois a noite estava um pouco quente. Me deitei e mal sentia meu corpo, e minhas pernas doíam muito. Resolvi tomar um Dorflex e quando estava quase pegando no sono, ouvi vozes debaixo da janela do meu quarto. Discretamente fui espiar e vi que era um casal, sendo que a garota era muito jovem e bonita. Voltei para a cama e fiquei ouvindo a conversa dos dois, que nem imaginavam que eu estava próximo a eles, escutando tudo o que falavam. O rapaz era bom de papo e estava tentando levar a garota para a casa dele, pois seus pais tinham viajado. A garota estava se valorizando, dizia que era virgem e que ele estava indo rápido demais. Mas o cara era muito bom de papo e após uns 15 minutos de conversa a garota estava quase cedendo.  Atento a conversa dos dois esqueci as dores e o cansaço, mas acabei pegando no sono e jamais saberei se a garota foi ou não para a casa do rapaz.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 4° Dia

Tiradentes/São João del Rei

(Resumo)

Dormi até 08h00min. Levantei com muita dor nas costas e nas pernas. Tomei um demorado banho e coloquei para secar na janela e na sacada, algumas roupas que tinha lavado na noite anterior. Desci tomar café e enquanto comia fiquei conversando com a Eloisa, que além de recepcionista também é quem faz o café na pousada. Ela me contou que o marido dela também é ciclista e que no dia anterior ele tinha feito um bate e volta até Prados, pela Estrada Parque. Tenho quase certeza que foi o marido dela que encontrei pouco antes de entrar na Estrada Parque. Ela também disse que o custo de vida na cidade é alto e que os restaurantes cobram valores absurdos. Segundo ela os moradores sofrem com isso, pois não sendo turistas, pagam preços de uma cidade voltada para o turismo e para turistas.

A Igreja de Santo Antônio fica no alto de um morro e para chegar até nela, subi por uma rua cercada de belas construções antigas. Da igreja de Santo Antônio dá para se ter uma linda vista de parte da cidade de Tiradentes. E ao redor da igreja também existe um cemitério. Isso era muito comum antigamente, de sepultarem os mortos dentro e ao redor das igrejas. Tirei algumas fotos do lado de fora e após pagar R$ 5,00 por um ingresso, entrei na igreja. Dentro não é permitido fotografar. Andei por todos os cantos, observando cada detalhe. O que me chamou atenção além do altar de ouro, foi o chão que é feito quase todo em taboas de madeira numeradas. Deduzi que tais tábuas eram tampas de sepulturas.

Depois de orar, permaneci mais algum tempo sentado observando o altar de ouro, cheio de detalhes. E comecei a ouvir um guia do local, que estava bem próximo contando a história da igreja a um casal de turistas.  A construção da Matriz de Santo Antônio teve início em 1710.  Ela é considerada uma das obras primas da arquitetura barroca em Minas Gerais, especialmente pela decoração em seu interior. A igreja fica em um terreno elevado em relação ao resto da cidade e por essa razão é um marco visual local. Sua posição permite a visualização de sua fachada de diversos ângulos, a partir das ruas vizinhas. A igreja levou cerca de 100 anos para ficar pronta e depois de pronta sofreu algumas modificações e restaurações. A mudança mais importante foi realizada em 1810, quando sua fachada foi modificada a partir de um projeto encomendado a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A nova fachada foi construída no estilo rococó. Em seu interior foram utilizados aproximadamente 482 quilos de ouro. Seu assoalho foi feito em 1774, em óleo bálsamo e se mantém original até hoje, com exceção da parte que fica sob o coro da igreja. O assoalho é formado por campas numeradas de 1 a 116 e nessas sepulturas estão enterradas pessoas de todas as classes sociais, desde nobres até escravos, sendo que a maioria ajudou a financiar a construção da igreja. Existem registros de que durante muitos anos assistir a uma missa no local não era muito agradável, pois além das missas de antigamente serem longas, o cheiro de corpos em decomposição que subia das profundezas da igreja não era nada agradável.

A estrada era de paralelepípedos, o que é ruim para pedalar, pois chacoalha muito. Felizmente logo cheguei em um trecho onde existia uma larga calçada na beira da estrada, que funcionava mais como ciclovia. Segui pedalando por essa calçada e encontrei alguns ciclistas vindo em sentido contrário. O clima estava agradável, o calor diminuiu e o céu começou a ficar nublado. Mais alguns quilômetros e cheguei na cidade de Santa Cruz de Minas. A cidade é pequena e segui por uma longa avenida que atravessa a cidade. Mais alguns minutos e cheguei em São João del Rei, essa sim uma cidade de maior. Entrei na cidade de São João del Rei pela periferia e após alguns minutos cheguei ao centro. Pedi informação a um pedestre, pois precisava encontrar o Hotel Brasil, que tinha visto no guia. O pedestre foi simpático e me indicou o caminho a seguir. Pedalei por algumas ruas pouco movimentadas e cheguei em uma ciclovia que fica entre duas pistas de uma grande avenida. O interessante de tal ciclovia é que ela é antiga e larga, onde pedestres também caminham. Acabei seguindo pelo lado errado da ciclovia, mas logo percebi o engano e dei meia volta. Pedalei poucos minutos e finalmente encontrei a avenida que procurava, que me parece ser a principal da cidade, ou então a mais antiga. De um lado ficavam as construções e ao lado num plano rebaixado e cercado por um grande muro, tinha um pequeno córrego e algumas pequenas pontes que permitiam atravessar para outra rua no lado oposto. O córrego era pequeno, mas os espaços laterais eram grandes, então acredito que em períodos de chuva o córrego deve se transformar em um rio. Aquela era a parte antiga da cidade, sendo que do lado oposto de onde eu estava ficava a antiga estação de trem e muitas construções antigas e históricas.

Passava um pouco das 16h00min e em vez de ir para o hotel, resolvi aproveitar as cerca de duas horas de dia claro que restavam, e fui fazer um tour pelos pontos turísticos da cidade. A maioria dos pontos turísticos ficavam próximos de onde eu estava. Saí pedalando e logo encontrei o Memorial Tancredo Neves, mas infelizmente ele estava fechado. Por ser domingo, imaginei que encontraria tal local aberto. Para quem não sabe, São João del Rei é a cidade onde nasceu e viveu durante muitos anos, Tancredo Neves. Ele foi o presidente do Brasil eleito pelo voto indireto em 1985 e que não chegou a assumir o cargo, pois passou mal um dia antes da posse. Após ficar pouco mais de um mês internado, Tancredo Neves acabou falecendo no dia 21 de abril de 1985, coincidentemente feriado nacional de Tiradentes, mineiro igual a Tancredo. Na época a morte de Tancredo Neves foi um evento que causou comoção nacional, pois ele seria o primeiro Presidente civil após 21 anos de Governo Militar. Mesmo sem ter tomado posse, Tancredo Neves é por força de Lei, elencado entre os ex-presidentes do Brasil.

Atravessei uma pequena ponte e fui para o outro lado da avenida que tinha o córrego no meio. Segui para a região onde existem muitas construções antigas. Logo encontrei o Solar dos Neves, que era a residência de Tancredo Neves. Tirei algumas fotos em frente ao Solar e em frente de uma bonita igreja que fica quase em frente ao Solar. Caminhei um pouco empurrando a bike e admirando e tirando fotos das bem conservadas construções antigas. Começou a escurecer e segui para o Hotel Brasil. Apertei a campainha e uma senhora veio me atender. Antes mesmo de eu começar a falar, ela me olhou de cima embaixo, com cara de que não estava gostando do que via. Eu estava de roupa justa de ciclismo, mas excepcionalmente nesse dia eu não estava sujo e completamente suado como na maioria dos dias em que viajei pela Estrada Real. Eu tinha pedalado poucos quilômetros nesse dia, então minha aparência era bastante apresentável. Falei que tinha ligado e que disseram que tinha vaga e que precisava de um quarto para uma noite apenas. E que teria que guardar a bike no quarto ou em algum outro local do hotel. A tal senhora respondeu que não tinha vaga, virou as costas e entrou no hotel batendo a porta na minha cara. Acho que fui vítima de “bikefobia”! Fiquei sem ação por alguns instantes, não entendendo o motivo de tratamento tão grosseiro, pois até ali eu tinha sido muito bem tratado por todos, em todos os lugares por onde tinha passado.

Saí da frente do Hotel Brasil e parei no calçadão para olhar o guia e ver se o mesmo indicava outro lugar para hospedagem. O guia indicava um hostel. Liguei no hostel, mas ninguém atendeu. Mais tarde acabei descobrindo que tal hostel tinha sido fechado há dois anos. Ficou noite e saí a procura de um lugar para dormir. Parei em um hotel simples perto de onde estava, mas o preço era absurdo para as condições do hotel. Resolvi seguir para as ruas mais afastadas daquela avenida principal, pois hotéis mais afastados de áreas centrais costumam ser mais baratos. Andei cerca de 400 metros e vi um hostel que parecia ser legal. Apertei o interfone e ouvi uma voz muita simpática vinda do outro lado. Nem perguntei o preço e falei que queria me hospedar. Demorou alguns minutos e uma moça jovem e sorridente veio me recepcionar. O nome da moça era Lua, e mais tarde fiquei sabendo que ela é ítalo-brasileira. A educação e atenção que a Lua me dispensou, me fez esquecer o péssimo tratamento que tinha recebido há pouco no velho Hotel Brasil.

O AZ Hostel tinha sido inaugurado há pouco tempo e tudo era limpo, organizado e simples. A casa onde o hostel funciona faz parte de um conjunto de bens tombados no Centro Histórico de São João del Rei, e no passado foi um dos prostíbulos da cidade. Preenchi a ficha na recepção, e a Lua me indicou um local para deixar a bike nos fundos do hostel. Tirei o alforje da bike e a Lua me levou até um quarto, no andar de cima. Era um quarto coletivo, com duas beliches. Mas eu ficaria sozinho no quarto, pois não tinham mais hospedes no hostel e no final da noite chegaria um casal que ficaria no quarto ao lado do meu. Entrei no quarto e escolhi uma cama na parte de baixo de um beliche. Tirei minhas coisas do alforje e espalhei tudo pelo chão. Fui tomar banho e o banheiro mesmo sendo coletivo, talvez tenha sido o mais limpo que utilizei na viagem. Após o banho deitei um pouco, coloquei o diário de viagem em dia e olhei o guia, para planejar o dia seguinte e decidir a que horário levantar. O dia seguinte seria de um longo e difícil pedal, por isso tinha planos de dormir cedo.

Voltei para o hostel e entrei tão silenciosamente, que a Lua não me viu chegar. Ela acabou se assustando quando me viu. Junto com ela estava sua irmã, que de tão parecida pensei que fosse gêmea da Lua. Conversei rapidamente com as duas e fui para meu quarto. Ajeitei minhas coisas e ao deitar encontrei um simpático bombom em meu travesseiro. Guardei o bombom e liguei para casa, para dar notícias e dizer que estava vivo e bem.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 3° Dia

Casa Grande/Lagoa Dourado/Prados/Tiradentes

(Resumo)

Acordei O8H00min em ponto, com ajuda do despertador do celular. Tinha dormindo mal por culpa do barulho do bar em frente, que foi até alta madrugada. E para piorar sentia muita dor nas coxas. O jeito foi tomar banho para despertar e antes do café engolir um Dorflex e um comprimido de vitaminas. Dei uma arrumada rápida em minhas coisas, coloquei a roupa de ciclismo e fui tomar café. Voltei até o quarto, me ajoelhei ao lado da cama e orei como fazia todas as manhãs, agradecendo por tudo e pedindo proteção para o dia que estava iniciando.

Os primeiros quilômetros de estrada foram tranquilos, alternando subidas e descidas, com poucas retas. A paisagem era interessante e tinham muitas árvores e sombra em vários trechos. Mas o calor estava terrível e bebi muita água nesse início de pedal. Tudo corria bem, até que numa descida encontrei algumas vacas de leite paradas no meio da estrada. Na minha viagem de bicicleta pelo Caminho da Fé em 2011, quase levei uma chifrada de uma vaca que estava deitada no meio da estrada e ao lado dela tinha um pequeno bezerro que eu não tinha visto. Depois daquele incidente do qual saí ileso por muito pouco, passei a ter cuidado e medo quando via vacas e bois soltos na estrada. Parei a uma distância segura e fiquei gritando para tentar espantar os bichos da estrada. Tacar pedras eu não faria, pois jamais feriria um animal, a não ser para me defender de um ataque. Os gritos deram resultado e as vacas saíram da estrada e seguiram em direção a um pasto próximo, que não era cercado. Como o trecho era de descida, pedalei rápido para ficar o mais distante possível das vaquinhas.

Cheguei em Lagoa Dourada pouco depois do meio dia. Uma coisa que notei é que sempre a chegada em alguma cidade é por uma grande subida. No caminho tinha visto uma placa informando que a cidade é considerada a capital do rocambole. Pensei em almoçar um rocambole, mas antes queria encontrar a Pousada dos Vertentes, que era o local indicado pelo folheto do Instituto Estrada Real, como sendo o ponto oficial para carimbar o passaporte na cidade. Entrei no centro da cidade e perguntei para um casal parado numa esquina, onde ficava o endereço da pousada. Me informaram que era próximo a catedral. Não foi difícil encontrar a pousada, o difícil foi superar a ladeira que levava até ela. Acabei empurrando a bicicleta nos últimos metros, pois estava muito cansado. A pousada funcionava em um antigo casarão e ficava numa esquina, quase em frente à catedral. O portão estava aberto e segui até a porta da pousada, onde encostei a bike e apertei a campainha. Uma senhora de idade veio me atender. Falei a ela que precisava do carimbo no passaporte da Estrada Real e ela foi pegar uma pasta, onde estava o carimbo e uma folha onde ela anotou o número do meu passaporte. A dona da pousada se chamava Aíde e se mostrou muito simpática. Começamos a conversar e ao saber que eu era do Paraná, Dona Aíde contou que seu marido é paranaense também. Ficamos alguns minutos conversando, e ela contou que o casarão tem 200 anos e sempre pertenceu a família dela. Também contou que o local sofreu algumas reformas, mas que no geral o casarão não sofreu grandes mudanças em sua arquitetura original.

Após pedalar alguns metros cheguei em um portal, onde estava escrito Estrada Parque. Na verdade a estrada passava por dentro de um Parque Estadual e por isso tinha tal nome. A estrada era de terra e logo passei a pedalar no meio da mata. Cheguei em um trecho de subida que era pavimentado por pedras irregulares. Eu estava muito cansado após pedalar o dia todo debaixo de sol quente e preferi empurrar a bike na subida. Tinha empurrado a bike poucos metros, quando surgiu uma moto com um casal. Eles pararam ao meu lado e perguntaram de onde eu era, para onde iria. Daí contaram que iam dar uma volta e logo voltariam pelo mesmo caminho. Nos despedimos e eles seguiram em frente.

Já estava pedalando quase que no escuro absoluto, quando cheguei em um trecho da estrada onde tinha pasto dos dois lados e não tinha cerca. A estrada ficava em um nível mais baixo do que o pasto. E logo dei de cara com algumas vacas e dois bezerros no meio da estrada. Eu é que não ia passar perto deles, pois tendo bezerros pequenos as vacas mães ficam estressadas e podem atacar. Como já contei antes, quase levei uma chifrada numa viagem anterior de bicicleta. Parei a bike e fui empurrando ela devagar e gritando para assustar as vacas. Elas correram pela estrada e num trecho onde o barranco era mais baixo, um bezerro e três vacas subiram pelo barranco e desapareceram no pasto. Ainda ficou a vaca que parecia ser a mais brava e um bezerro. Continuei empurrando a bike e gritando. Mas não adiantou muito, pois a vaca parou no meio da estrada e ficou me encarando. E para piorar surgiu um boi por trás, quase ao meu lado e também ficou parado no meio da estrada. Fiquei sem ação durante uns 15 minutos, esperando alguma ajuda divina. E ela veio! Surgiu uma caminhonete nas minhas costas e ao passar pela estrada ela assustou os animais, que correram pela estrada e após uns 300 metros encontraram uma subida no barranco e desapareceram no pasto. Eu não perdi tempo e segui pedalando feito louco e agradecendo em voz alta pela ajuda divina. Não demorou muito e cheguei numa estrada de paralelepípedos.

Eram 19h35min quando cheguei no centro da cidade. O movimento de carros e pessoas era intenso, talvez por ser sábado à noite. Tiradentes é uma cidade histórica, bem famosa por sua gastronomia, e muita gente vem de outras cidades para conhecer os restaurantes locais. Parei duas vezes pedir informação, até que finalmente encontrei a pousada que o guia indicava. Parei na portaria da pousada e fui atendido por uma moça sorridente, de nome Eloisa. Preenchi a ficha de hospedagem, paguei e perguntei se tinha algum local onde pudesse guardar a bike. A Eloisa disse que tinha a lavanderia, mas que não era um local muito seguro. Perguntei se podia levar a bike para o quarto e ela respondeu que sim. Mas o quarto ficava no primeiro andar e eu teria que carregar a bike por uma escada de madeira de dez degraus. Não custava sofrer mais um pouco depois de um dia muito cansativo e assim empurrei a bike escada acima. Mas o esforço foi maior do que eu esperava e dei mal jeito nas costas, sentindo muita dor.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 2° Dia

Conselheiro Lafaiete/Congonhas/Queluzito/Casa Grande

(resumo)

Comprei a passagem e embarquei no ônibus que seguiria para Congonhas. O ônibus era simples, daqueles de transporte curto, sem conforto algum e com banco duro. A viagem durou cerca de meia hora e no caminho foram feitas muitas paradas para embarque e desembarque de passageiros.

Congonhas possui um expressivo conjunto de riqueza barroca do maior artista do gênero no Brasil: Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido pelo apelido Aleijadinho. No adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Aleijadinho, esculpiu em pedra-sabão as famosas imagens de doze profetas em tamanho real que são visitadas anualmente por milhares de turistas do Brasil e do mundo. Além disto, as seis capelas que compõem o Jardim dos Passos em frente à basílica representam a Via Sacra com belíssimas imagens esculpidas em cedro, também por Aleijadinho. Em 1985, todo este conjunto foi tombado pela UNESCO e transformado em patrimônio cultural da humanidade.

Exatamente às 11h30min, embarquei no ônibus de volta para Conselheiro Lafaiete e dessa vez em vez de dormir fui observando a estrada. Após meia hora desembarquei na rodoviária e segui direto para o hotel. Arrumei minhas coisas no alforje, inclusive as roupas que tinha lavado na noite anterior.

A saída da cidade de Conselheiro Lafaiete indicada no guia, ficava bem próxima ao hotel, então foi fácil de achar o ponto de partida. Seguindo o guia, toda cidade tinha um ponto pré determinado de partida e de chegada. E era nesses pontos de partida que todos os dias eu ligava o aplicativo de quilometragem, e nos pontos de chegada no final do dia eu desligava o aplicativo. Dessa forma eu tinha o controle exato das distâncias percorridas, bem como altitude, velocidade máxima, velocidade média e calorias perdidas no dia.

Segui cerca de dois quilômetros por uma rua longa e calma, até chegar ao trevo da rodovia. Foi aí que a coisa ficou complicada, pois para variar não existia acostamento e o trânsito era intenso, principalmente de caminhões. Pedalei algum tempo pelo canto da pista, em cima da faixa branca. Quando ouvia algum caminhão se aproximando, eu descia para a canaleta lateral e tentava pedalar. Algumas vezes era possível pedalar dentro da canaleta, mas tinham trechos onde ela era mais estreita e os alforjes laterais enroscavam na borda da canaleta e eu tinha que parar e empurrar a bike. Nas curvas eu tinha que empurrar a bike pelo canteiro lateral. Foram uns dez quilômetros pedalando pouco e empurrando muito.

Passei a pedalar por uma estrada estreita e asfaltada, aonde quase não passavam carros. O contraste com a estrada movimentada de onde tinha acabado de sair era grande. Essa nova estrada era tão calma, que eu podia me dar ao luxo de pedalar e admirar a paisagem, bem como ouvir o canto dos pássaros na mata. Alguns trechos eram ladeados por árvores, e em alguns momentos a brisa era tão fria que os pelos de meus braços ficavam todos arrepiados. A sensação quando eu entrava nestes trechos com sombra e ladeados de árvores, era a de estar entrando em uma sala com ar condicionado ligado numa temperatura muito baixa.

Queluzito era uma cidade pequena e simpática. Fui até a igreja matriz e me sentei na entrada da igreja para descansar a sombra. Peguei o guia e fiquei estudando o próximo trecho de estrada que teria pela frente. Passava um pouco das 16h00min e eu tinha duas opções. Ou encerrava o pedal daquele dia e pernoitava em Queluzito, ou seguia por mais onze quilômetros até Casa Grande, a próxima cidade. O guia mostrava que no caminho tinham três subidas, sendo a primeira um pouco longa. Mas o fator mais importante na decisão de parar ou seguir, era que em Queluzito tinha hotel e restaurante, enquanto em Casa Grande tinha somente uma pensão. E ainda existia o risco de um pneu furado, ou uma quebra na bike, o que talvez me obrigasse a percorrer um trecho de estrada a noite. Por segurança, pedalar a noite em estrada não é recomendado, mesmo com a lanterna e a bike bem sinalizada. Sempre é mais perigoso pedalar a noite, principalmente por uma estrada onde você nunca passou antes. E para piorar, tenho trauma com pedal noturno. Em outubro de 2014 sofri uma queda quando pedalava com amigos em uma estrada de terra próxima a cidade onde moro. O tombo foi feio, tive que ser socorrido por uma ambulância. Nesse tombo fraturei o ombro, passei por cirurgia e demorei sete meses para me recuperar e voltar a pedalar. Depois desse acidente noturno, evito ao máximo pedalar a noite.

Logo cheguei na primeira e mais longa subida daquele trecho de viagem. Felizmente a subida ficava num local de paisagem bonita e mesmo com o esforço que estava fazendo, consegui admirar a beleza do lugar, o que parece ter amenizado um pouco o cansaço da longa subida. Cheguei em Casa Grande no final do dia, o sol estava se pondo. A cidade é bem pequena e seguindo o guia logo cheguei na rua principal e encontrei a Pensão da Dona Irene. A Pensão funciona na casa dela, onde existem três quartos na parte da frente, que ela aluga para viajantes.

Bati na porta da casa e logo uma senhora muito simpática veio me atender. Ela mostrou o quarto, que era simples, mas bem arrumado e limpo. O banheiro era coletivo e ficava no corredor. Eu seria o único hospede naquela noite, a não ser que chegassem alguém mais tarde. Ela disse que eu deveria ter ligado antes, pois muitas vezes os quartos estão cheio e na cidade não existe outra opção de hospedagem. Então se eu chegasse ali e a pensão estive cheia, eu teria que dormir no banco da praça ou voltar para Queluzito.

Fui para o quarto, arrumei o que tinha para arrumar, escrevi no diário de viagem e queria ligar para casa, mas nada de sinal no celular. Saí e pedindo informação para uma moça na rua descobri onde ficava um dos poucos telefones públicos da cidade. Fiz duas ligações e voltei para a pensão. Me deitei para dormir pouco depois das 21h00min. Mas então me dei conta de que teria dificuldade para pegar no sono. Primeiro por que a janela não tinha cortina e bem em frente tinha um poste de luz na rua. Segundo por que do outro lado da rua tinha um bar, onde começou a tocar música alta e muita gente estava conversando. Era sexta-feira, semana de pagamento, cidade pequena e provavelmente aquele bar era um dos poucos locais de diversão na cidade. Fui olhar os outros dois quartos pensando em talvez me mudar para um deles, mas desisti. Um dos quartos também era de frente e sem cortina na janela. O outro era de fundo, mas nem roupa de cama tinha. O jeito era ficar onde eu estava e tentar dormir. Para a claridade encontrei uma solução. Sempre que viajo levo uma máscara para tapar os olhos. Tal máscara não escurece cem por cento, mas ajuda muito. Não sei precisar quanto tempo fiquei acordado ouvindo o barulho que vinha do bar. Sei que foi muito tempo! Teve um momento em que o som alto parou e achei que a paz ia reinar. Mas a situação ficou pior, pois começou música ao vivo com dois violeiros cantando na calçada em frente ao bar. E os caras cantavam muito mal! Acabei dormindo, vencido pelo cansaço.

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Estrada Real – 1° Dia

Ouro Preto/Ouro Branco/Conselheiro Lafaiete

(resumo)

O navegador Amyr Klink disse certa vez que “o mais difícil é partir”. Depois que você organizou e se preparou, basta percorrer o primeiro quilômetro que tudo fica mais fácil. No meu caso foram dez anos de espera para finalmente percorrer o primeiro quilômetro da Estrada Real. Foi muito tempo de planejamento, treino, dinheiro e tempo investidos. Então após percorrer o primeiro quilômetro e finalmente iniciar a viagem, tudo mais ia fluir e os demais seiscentos e poucos quilômetros pareceriam mais fáceis de percorrer do que esse primeiro quilômetro percorrido. Parei em frente à estação de trem de Ouro Preto e tirei uma foto, onde ao fundo aparecia o nome da cidade na parede do prédio da estação. Não me demorei muito e segui pedalando ao lado do trilho do trem. Deixei o guia aberto dentro da bolsa de guidão, para ficar mais fácil de pegá-lo quando precisasse consulta-lo para descobrir o caminho a seguir. A guia dizia para virar à direita na primeira rua logo após passar pela estação de trem e foi isso o que fiz.

Mal tinha percorrido o primeiro quilômetro de viagem e já cheguei na primeira subida. Segundo o guia, durante a viagem eu percorreria nada menos do que 319 quilômetros de subida nos próximos dias. E a primeira subida foi uma das mais difíceis, nem tanto pela inclinação, mas sim pelo perigo. A subida era em estrada asfaltada, mas não tinha acostamento e ao lado da estrada existia uma pequena mureta, e após a mureta existia um enorme precipício. Segui pedalando pelo canto da estrada, bem perto da borda do precipício e quando passava um carro subindo e outro descendo, o carro que subia era obrigado a passar muito perto de mim. Esse foi o primeiro grande perrengue da viagem e toda vez que escutava um carro subindo atrás de mim, torcia para que ele estivesse me vendo. A vista da cidade, de onde eu estava era muito bonita, mas não tinha como ficar olhando muito para tal vista. Procurei pedalar o mais rápido possível, o que não era muito fácil devido a inclinação da subida e ao peso da bike. Segundo o guia, essa primeira subida que enfrentei tinha cerca de um quilômetro de extensão, mas confesso que parecia ser bem mais do que um quilômetro.

Com a bicicleta pesada por culpa do alforje, sem trocar marchas leves e com subidas longas e difíceis, a única opção era empurrar a bicicleta em algumas subidas. E seu eu tinha passado frio não muito tempo antes, agora eu estava era derretendo de calor novamente. E para piorar minha situação, a estrada não tinha acostamento e passavam muitos carros por ela. Então empurrar a bike no cantinho da estrada, com carros passando muito próximos de mim, não foi uma tarefa das mais agradáveis. E acostamento viria a descobrir nos dias seguintes, é algo que praticamente não existe naquela região de Minas Gerais. São muitas serras, muitas curvas perigosas, muitos carros e muito pouco acostamento. Talvez a falta de acostamentos, seja uma das razões do Estado de Minas Gerais ser um dos recordistas brasileiros e acidentes e mortes nas estradas.

No alto de uma serra, em um local chamado Itatiaia, parei em um restaurante ao lado da estrada. Passava um pouco das 13h00min e estava começando a sentir fome. Fui ao banheiro e depois comprei um pão de queijo e uma Coca-Cola. Sentei do lado de fora do restaurante e ali fiz meu rápido almoço. O pão de queijo estava divino, talvez aquele tenha sido o pão de queijo mais gostoso que já comi na vida. Descansei alguns minutos e voltei para a estrada, pois tinha muito quilômetros pela frente e queria chegar em Conselheiro Lafaiete antes de anoitecer.

Pouco antes das 15h00min, cheguei na cidade de Ouro Branco. Segundo o guia, na cidade existiam dois pontos turísticos que valiam e pena ser visitados. A entrada na cidade era por uma longa subida, a qual percorri empurrando a bike. Como a cidade não era grande, logo cheguei ao centro e encontrei os dois pontos turísticos que o guia indiciava. Um deles era a Igreja Matriz, que passava por restauração e na frente tinha uma daquelas placas enormes do Governo Federal informando quantos milhões estavam sendo investidos na tal restauração. Nem perdi tempo em descer da bike e ir olhar a igreja mais de perto. Tirei uma foto de longe e me dirigi ao outro lado da rua, onde ficava o segundo ponto turístico. Era um casarão antigo e preservado, construído em 1759. Queria tirar uma foto do casarão, mas tinham alguns homens sentados em frente ao casarão e fiquei com receio de que não gostassem de eu tirar uma foto onde eles apareciam. Já estava desistindo da foto do casarão, quando um barulho vindo da rua de cima fez com que todos os homens olhassem para o lado de onde vinha o ruído, e rapidamente tirei a foto do casarão com eles sentados em frente sem que nenhum me visse tirando a foto. Subi na bike e segui pedalando e cumprimentei e fui cumprimentado por todos que estavam em frente ao casarão.

Logo cheguei na Casa de Tiradentes, que é um ponto turístico da região. Apesar do nome, Tiradentes o herói e mártir da inconfidência, não morou em tal casa. Na verdade a casa em questão era sede da antiga Fazenda Carreiras. Essa fazenda era um ponto de parada no caminho e muitos viajantes pernoitavam nela quando viajam por aqueles lados. E Tiradentes pernoitou muitas vezes nesse lugar.

Já estava começando a escurecer, quando finalmente cheguei em Conselheiro Lafaiete. Fiquei em dúvida sobre qual caminho seguir para entrar na cidade, e parei pedir informação a um senhor que esperava ônibus numa parada ao lado da rua. Caminho indicado e segui pedalando. Eu estava exausto, pois era o primeiro dia de pedal e além de ter enfrentado muitas subidas, tinha tido problema mecânico com a bike, o que me obrigou a empurra-la por alguns quilômetros durante o dia.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Preparativos para a Estrada Real

Nos dias que antecederam a viagem, peguei forte nos treinamentos com bicicleta, principalmente em trechos de subida. Já fazia dois meses que fazia aulas de spinning duas vezes por semana. A professora pegava pesado, então eu estava até que bem fisicamente. E vez ou outra também fazia algum pedal com os amigos do Grupo Sou Bike, de Campo Mourão, cidade onde vivo e que fica no Oeste do Paraná. Estava ciente de que não iniciaria a viagem cem por cento preparado, mas sabia que a cada dia de pedalada iria me condicionar melhor fisicamente. Iniciaria a viagem percorrendo trechos menores e fazendo algumas pausas maiores para descanso. E na metade final da viagem, percorreria trechos mais longos e descansaria menos. A estratégia era essa e durante a viagem se mostrou correta, sendo que cometi somente um erro de estratégia, justamente no último dia de viagem.

Fiquei alguns dias pensando sobre qual bicicleta utilizar na viagem. Não sabia se utilizava minha bicicleta aro 26 ou se comprova uma bicicleta aro 29, para realizar a viagem com ela. Pesquisei sobre o assunto, li alguns relatos de cicloturistas que percorreram a Estrada Real nos últimos anos e somado com a experiência que adquiri na cicloviagem de 2011 pelo Caminho da Fé, optei por viajar com minha velha bike aro 26. Foram dois motivos principais que me fizeram decidir pela aro 26. O primeiro motivo foi que ela é mais resistente para as estradas ruins que eu iria percorrer, principalmente carregando doze quilos de bagagem. E segundo, em razão da manutenção, pois ela é mais fácil na aro 26. A aro 29 com freio hidráulico, tem uma manutenção mais difícil e especifica, que carece de algumas ferramentas especiais que não se encontra em qualquer oficina de bicicletas. Por experiência anterior sabia que na maioria das cidades pequenas do interior não existem mecânicos especializados, peças ou ferramentas próprias para bicicletas com freio a disco/hidráulico. Quando de minha viagem pelo Caminho da Fé, conheci dois ciclistas que desistiram da viagem antes da metade do caminho, por culpa de problemas de freio. Eles não encontraram nenhuma oficina de bicicletas que tivessem ferramentas para consertarem seus freios a disco. Por isso tiveram que cancelar suas viagens e voltar para casa.

Também em razão de leituras e experiência, optei por não levar mochila de hidratação, mais conhecida como Camel Back. Ela vai nas costas e nela cabem em média dois litros de água. O problema é que a mochila acaba esquentado as costas e te faz suar mais do que o normal. E no caso de cicloviagem, onde geralmente você pedala de seis a dez horas por dia, a mochila de hidratação acaba mais atrapalhando do que ajudando. Diante disso, minha escolha foi levar uma garrafa plástica de um litro, que vai no suporte da bike, e no caminho comprava garrafas de água mineral de 1,5 litro e amarrava ela na garupa da bike. Isso se mostrou muito prático durante a viagem, mesmo quando a água ficava morna dentro das garrafas. Mas na mochila de hidratação isso não seria muito diferente.

Eu já tinha quase todo o equipamento necessário para executar a viagem de bike. Tinha a bicicleta, o principal item. Também tinha o alforje, que é aquela mochila que vai numa garupa atrás na bike. Tinha uma bolsa para guidão e uma para o cano, ambas novas, que tinha comprado em minha última viagem aos Estados Unidos, em 2011 e nunca as tinha usado. Tinha roupas de ciclismo, ferramentas e todos os itens pequenos necessários para a viagem. A única coisa que faltava era a garupa para colocar na parte traseira da bike, e nela acondicionar o alforje com as roupas, remédios, material de higiene e outras coisas mais. A questão da garupa resolvi rapidamente, tendo encomendado a um amigo que foi ao Paraguai, que trouxesse uma para mim, com sistema de chaveta, que tornava fácil colocar e tirar a garupa da bike. E além de barata, essa garupa se mostrou prática e resistente. E também tinha a mala bike, uma espécie de bolsa enorme onde você coloca a bike dentro, depois de tirar as rodas e os pedais e daí pode carregar ela no ombro. A vantagem de carregar a bike numa mala bike, é que não reclamam da bike quando você vai pegar um ônibus ou um avião. Já cheguei a andar no Metrô de São Paulo com minha bike dentro da mala bike e não tive problema algum.

Na viagem eu teria autonomia para levar nove quilos no alforje traseiro e mais dois quilos na bolsa de guidão. Foi complicado escolher o que levar e que ficasse dentro dessa autonomia de peso. Primeiro separei os itens mais importantes e que não poderia deixar para traz. Depois separei os de meia importância e por último as miudezas. No final pesei tudo e o peso excedente eliminei tirando algumas roupas. Também separei o guia que utilizaria na viagem e um caderno onde faço anotações e que acaba sendo meu diário de viagem. É esse caderno que me ajuda a escrever, pois através das anotações que faço nele é que escrevo sobre a viagem no meu blog e depois utilizo tais informações para ajudar a escrever meus livros sobre viagens. E as informações do caderno são completadas com as muitas fotos que tiro e também com a memória, que por enquanto é boa.

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Equipamento pronto, seguindo para o aeroporto, rumo Belo Horizonte.
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Em Ouro Preto – MG, fazendo turismo.
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Hostel Imperial em Ouro Preto, ponto de partida para a Estrada Real.
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Primeiros quilômetros de Estrada Real, com muitas subidas e curvas.
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Antiga ponte, no Caminho Velho da Estrada Real.
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Belas paisagens e longas subidas.

História da Estrada Real

A Estrada Real é um conjunto de vias e caminhos criados pela Coroa Portuguesa durante o período do Brasil Colônia, cujo objetivo era o acesso a metais preciosos como ouro e diamantes do interior de Minas Gerais e o transporte para a metrópole portuguesa. A Estrada Real começou a ser construída no século XVII para ligar a região do litoral carioca às regiões produtoras de ouro do interior de Minas Gerais.

A Estrada Real ligava Ouro Preto (na época, Vila Rica), em Minas Gerais ao Porto de Paraty, no Rio de Janeiro. O caminho era usado para transportar o ouro e demais carregamentos da cidade mineira até o porto. Ao longo do caminho, foram sendo fundadas vilas e diversos pontos de parada para os tropeiros, mineradores e outros viajantes que faziam o percurso da Estrada Real. Na época, seu percurso levava sessenta dias para ser feito devido às dificuldades de percurso na estrada de terra que atravessa a Serra da Mantiqueira e da distância. Este caminho estendia-se por localidades como Caeté e Sabará também, recebendo por isso o nome de Caminho do Sabarabuçu.

No século XVIII a necessidade de um caminho mais seguro e rápido até o porto, fez com que a Coroa ordenasse a construção de uma outra rota que ficou conhecida como Caminho Novo. O Caminho Novo passou a ligar Vila Rica ao porto do Rio de Janeiro enquanto que a rota de Paraty passou a ser conhecida como o Caminho Velho, ou Caminho do Ouro.

Com a descoberta das pedras preciosas em Arraial do Tejuco (atual Diamantina), a estrada se estendeu até a região, deixando Vila Rica como o centro de convergência da Estrada Real. Tal via ganhou o nome de Caminho dos Diamantes. Essa rota tinha a intenção de conectar a sede da Capitania, Ouro Preto, à principal cidade de exploração de diamantes, Diamantina.

Com a grande movimentação de pessoas, mercadorias e riquezas, intensificou-se o processo de povoamento da região, dando origem a vilas e cidades criadas à beira do curso oficial. Paralelamente, outras vias clandestinas chamadas de descaminhos, começaram a ser abertas para que os mineradores conseguissem fugir da fiscalização e dos postos de inspeção, chamados Registros, e, desta forma, evitar o pagamento de tributos.

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Início do Caminho Velho da Estrada Real, saindo de Ouro Preto – MG.
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Antiga ponte de pedra, no Caminho Velho.
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Trecho entre Ouro Preto e Ouro Branco.
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Uma das muitas placas que sinalizam a Estrada Real.
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Ciclovia próximo a cidade de Conselheiro Lafaiete – Mg.

Estrada Real, um antigo sonho!

Não me lembro quando foi a primeira vez que ouvi falar na Estrada Real. A única coisa que lembro foi que há uns quinze anos li um livro, cujo nome e autor não lembro, onde um cara contava sobre sua experiência de percorrer a pé alguns trechos do Caminho Velho da Estrada Real. Depois de ler tal livro, sempre que via alguma notícia sobre a Estrada Real eu prestava mais atenção e foi aí que nasceu a vontade de algum dia percorrer tal estrada.

Em 2005 fiquei alguns meses sem trabalhar, pois tinha pedido demissão do meu emprego em Curitiba, onde vivia na época, e esperava abrir uma vaga na mesma empresa, para então voltar a trabalhar. Essa esperava durou cinco meses e nesse meio tempo fiz planos de percorrer um trecho da Estrada Real. Mas por razões pessoais acabei abortando a viagem alguns dias antes de partir.

No final de 2011 eu estava com tudo pronto para finalmente percorrer a Estrada Real. A passagem aérea até Belo Horizonte estava comprada, o equipamento estava pronto, a bike nova que tinha comprado para tal viagem estava desmontada e acondicionada na mala bike. Mas um dia antes de embarcar para Minas Gerais tive que cancelar tudo. Dessa vez o que impediu a viagem foi a chuva intensa que castigava Minas Gerais e até mortes causou na região onde eu ia pedalar. Depois disso acabei fazendo algumas viagens para fora do Brasil e não deu mais certo de ir para a Estrada Real.

Em 2016, após onze anos de espera e adiamentos, finalmente chegou o momento de realizar a sonhada viagem pela Estrada Real. Foi tudo muito rápido, sem muitos planos. Um mês antes de sair de férias pensei em fazer alguma viagem de aventura, que durasse poucos dias e que tivesse baixo custo. Então me veio à mente percorrer o Caminho Velho da Estrada Real, que possui cerca de seiscentos quilômetros de extensão.

Até então eu tinha feito uma única cicloviagem, que foi em março de 2011, quando percorri quinhentos e um quilômetros do Caminho da Fé, entre as cidades de Descalvado e Aparecida (que não se chama Aparecida do Norte, como a maioria pensa), no Estado de São Paulo, mas que tinha boa parte do percurso pelo interior de Minas Gerais. Nessa viagem demorei treze dias, pois peguei sete dias de muita chuva, o que atrasou a viagem, principalmente o longo trecho de serras em Minas Gerais.

Meu plano era percorrer a Estrada Real entre sete e dez dias, se não chovesse. Escolhi o Caminho Velho, que é o mais antigo e tradicional trecho da Estrada Real. Ele vai de Paraty, no Rio de Janeiro, até Ouro Preto, em Minas Gerais, passando por um trecho do Estado de São Paulo. Optei por fazer o caminho inverso, ou seja, saindo de Ouro Preto e terminando em Paraty. O motivo de tal escolha foi que ficava mais fácil minha logística, seguindo de avião até Belo Horizonte e de lá pegando um ônibus até Ouro Preto. Também foi fator decisivo em tal escolha, o fato de fazendo o caminho inverso ter doze por cento menos subidas. E por último, achei mais motivador e chique terminar a viagem no litoral. Estes três fatores foram decisivos na hora de escolher qual caminho e que direção seguir.

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Um dos marcos da Estrada Real.
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Placa da Estrada Real, na entrada de Queluzito – MG.

Estrada Real

HISTÓRIA

A Estrada Real (ER) é a maior rota turística do país. São mais de 1.630 quilômetros de extensão, passando por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Hoje, ela resgata as tradições do percurso valorizando a identidade e as belezas da região.

A sua história surge em meados do século 17, quando a Coroa Portuguesa decidiu oficializar os caminhos para o trânsito de ouro e diamantes de Minas Gerais até os portos do Rio de Janeiro. As trilhas que foram delegadas pela realeza ganharam o nome de Estrada Real.

Histórias e memórias permeiam cada canto da Estrada Real. Os caminhos são ricos não só das histórias que contam nos livros, mas daquelas que são passadas no boca a boca por gerações. As rotas da ER estão intimamente ligadas à própria história do Brasil e quem percorrê-la terá a chance de levar na bagagem séculos de lutas, conquistas e descobertas que foram fundamentais para o desenvolvimento do país.

CAMINHOS

CAMINHO VELHO

Também chamado de Caminho do Ouro, foi o primeiro trajeto determinado pela Coroa Portuguesa e liga Ouro Preto a Paraty.

CAMINHO NOVO

Criado para servir como um caminho mais seguro ao porto do Rio de Janeiro, principalmente porque as cargas estavam sujeitas a ataques piratas na rota marítima entre Paraty e Rio.

CAMINHO DOS DIAMAMANTES

O caminho tinha a intenção de conectar a sede da Capitania, Ouro Preto, à principal cidade de exploração de diamantes, Diamantina.

CAMINHO SABARABUÇU

Distrito de Ouro Preto, o lugar é cercado por esplêndidas paisagens de montanha e lendas que permeiam o imaginário popular.

PASSAPORTE DA ESTRADA REAL

O Passaporte da Estrada Real é um documento voltado para os viajantes que querem percorrer os Caminhos da Estrada Real. Esse documento deve ser carimbado nos pontos oficiais e apresentado no final para a retirada do Certificado.

FONTE: Instituto Estrada Real

http://www.institutoestradareal.com.br

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Um dos muitos marcos da Estrada Real, espalhados pelo caminho.
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Placa existente entre as cidade de Ouro Preto e Ouro Branco, em Minhas Gerais.
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Passaporte da Estrada Real.