De bike pelo Caminho de Santiago – dia 6

Palas del Rei / Melide / Boente / Arzúa / Monte do Gozo / Santiago de Compostela

De bike pelo Caminho de Santiago – dia 3

Santo Domingo de la Calzada/Villamayor del Rio/Belorado/Burgos  //  Ponferrada

Vander e Pedro (um curitibano que conheci pelo Caminho).
Pequeno museu em Belorado.
Convento de Santa Clara de Bretonera (Belorado)
Rodoviária de Burgos.

Livro: Estrada Real

Acabo de publicar mais um livro, dessa vez contando sobre minha viagem pela Estrada Real, no último mês de abril. O livro tem 202 páginas e sua versão online (e-book) está à venda no site da livraria Amazon. Já a versão impressa pode ser comprada no site do Clube de Autores.

O livro contém o relato de uma viagem de bicicleta pelo Caminho Velho da Estrada Real. A viagem durou dez dias e o autor conta detalhadamente o dia a dia da viagem, com as emoções, perrengues e perigos. Também conta curiosidades sobre os lugares por onde passou e fala sobre a história de muitos desses lugares. Foram pouco mais de 600 quilômetros de pedal entre as cidades de Ouro Preto, em Minas Gerais e Paraty, no Rio de Janeiro.

www.clubedeautores.com.br

Número de páginas: 202

Edição: 1(2016)

Formato: A5 148×210

Coloração: Preto e branco

Acabamento: Brochura c/ orelha

Tipo de papel: Offset 90g

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Estrada Real – 10° Dia

Aparecida/Cunha/Paraty

(Resumo)

Mesmo com metas bem definidas e difíceis, já dei bobeira logo no início. Eu deveria ter acordado mais cedo, tipo umas seis horas e iniciado a viagem antes das sete da manhã. Eu já tinha feito isso antes em dias de trechos difíceis. Acontece que eu estava excessivamente confiante, me sentia bem fisicamente e estava empolgado em terminar logo a viagem. Nisso acabei menosprezando um pouco o trecho que teria para percorrer nesse último dia. Para completar, a soma de atrasos que tive durante o dia, fizeram meu planejamento inicial ruir.

Vi muitos ciclistas vindo em sentido contrário descendo a serra, a maioria de bicicleta speed. Pelo jeito o pessoal costuma acordar cedo para pedalar, ainda mais sendo sábado. Muitos desses ciclistas ao me verem acenavam ou gritavam um olá. Eu acenava de volta e respondia os cumprimentos também. Perto das 11h00min eu já tinha percorrido 22 quilômetros desde minha saída de Aparecida. E os últimos 10 quilômetros tinham sido quase todos em subida. E finalmente cheguei numa das subidas mais difíceis da viagem. Seriam seis quilômetros de uma subida forte, praticamente escalando um morro. Por mais que estivesse preparado fisicamente e psicologicamente para encarar tal subida, a dificuldade me surpreendeu. Foi mais difícil do que eu imaginava e em muitos trechos tive que empurrar a bike, fazendo bastante força. O peso do alforje parecia que tinha dobrado. E o sol estava forte demais, aumentando meu desgaste físico. Acabei ficando sem água e empurrar a bike morro acima com a boca seca não foi nada agradável. E para piorar eu tinha que ficar atravessando de um lado para outro da estrada, toda vez que chegava numa curva. Era mais seguro seguir na contramão nas curvas, pois eu podia ver os carros vindo de frente e me espremia no canto da estrada. Em boa parte desse trecho de subida, praticamente não existia acostamento para eu seguir em segurança.

Vencida uma longa descida que serviu para eu descansar enquanto seguia no embalo, parei em um bar na beira da estrada para lanchar. Comi dois pastéis e bebi um litro de Guaranita. Esse foi o último lugar onde encontrei o saboroso refrigerante. Descansei dez minutos e voltei para a estrada, pois estrava bastante atrasado e não podia perder mais tempo. Estava me sentindo muito cansado e não tinha mais vontade nem de tirar fotos. Esse foi o dia em que tirei menos fotos em toda a viagem. Levei uma hora para percorrer 15 quilômetros alternando subidas e descidas medianas, até que cheguei no trevo de entrada da cidade de Cunha. Tinha um posto de informações turísticas logo na entrada da cidade. Fui até ele na esperança de conseguir o carimbo para o passaporte da Estrada Real. Para ganhar o certificado de conclusão da Estrada Real, são necessários 14 carimbos, incluído o último, que no meu caso seria o de Paraty. Eu estava com 12 carimbos e precisava carimbar meu passaporte em Cunha de qualquer jeito. Falando com a moça do posto de informações, descobri que o carimbo ficava em outro posto de informações, localizado no centro da cidade. Tive que entrar na cidade e após percorrer algumas ruas, precisei empurrar a bike numa ladeira monstruosa até chegar na praça central. Lá perguntei para meio mundo e ninguém sabia onde era a rua em que ficava o posto de informações turísticas. E para piorar existiam poucas placas informando o nome das ruas. Estava acontecendo uma festa na cidade, e tinham turistas por todo canto. Perdi meia hora para cima e para baixo, até encontrar o posto de informações. Para meu azar ele estava fechado para almoço e só abriria dali 15 minutos. E para piorar ainda mais, a funcionária atrasou 20 minutos para chegar e abrir o tal posto de informações turísticas. Ela estava substituindo a funcionária do posto e não sabia onde guardavam o carimbo. Ela teve que ligar para a funcionária que estava de férias para então saber o que fazer. Minha paciência estava no limite e fiquei me segurando para não ser rude ou mal educado. Finalmente consegui o 13° carimbo no passaporte. Só que nessa brincadeira de ter que entrar no centro da cidade, de procurar o local para carimbar o passaporte e mais os atrasos da funcionária do posto, me fizeram perder uma hora do meu precioso tempo. E essa uma hora iria fazer muita falta depois.

Por culpa do esforço físico demasiado e do forte calor, logo fiquei sem água. Felizmente encontrei uma lanchonete numa região muito bela. Parei comprar água e dei azar de ter pela frente uma atendente enrolada, que demorou um século para trazer minha água e depois para trazer meu troco. Na saída da lanchonete um rapaz que estava entrando puxou conversa. Ele disse que era ciclista e que um dia queria ter coragem para fazer uma viagem igual à que eu estava fazendo. Quando soube que eu pretendia dormir em Paraty, ele disse que eu não ia conseguir chegar lá antes de escurecer. Me aconselhou a dar meia voltar e dormir em Cunha, 15 quilômetros de onde estávamos. A mãe dele estava perto e ao ouvir nossa conversa se aproximou e me disse que era muito arriscado passar pela serra no escuro, pois tinha o risco de assaltos. Todo mundo me falava isso e eu teimoso não dava bola e só queria seguir em frente. Não sei se isso é excesso de fé, excesso de coragem, ou excesso de burrice. Não alonguei a conversa, me despedi e voltei para a estrada. O trecho seguinte foi muito difícil, e em alguns momentos tive que descer da bike e empurrar, de tão inclinada que a estrada era. Em uma curva acabei passando por um acidente que tinha acontecido há pouco tempo. Um carro que descia a serra velozmente acabou se perdendo na curva e bateu de frente com um carro que subia. O choque foi feio, mas felizmente ninguém se feriu. Com os dois carros parados no meio da pista, a mesma ficou bloqueada. E tinha risco de incêndio, pois vazou combustível de ambos os carros no asfalto quente. Passei rapidinho pelo canto da pista e tomando cuidado com o combustível que formava uma pequena enxurrada. Depois de me distanciar do acidente, olhei para o céu e agradeci por não estar passando por ali na hora do acidente, pois fatalmente seria atingido pelos carros. Pelos meus cálculos o que me livrou de estar no local do acidente no momento em que os carros bateram, foi ter parado conversar com o rapaz na lanchonete quando parei comprar água.

Passaram cinco rapazes de moto por mim. Eles estavam em três motos e ficaram me olhando de um jeito estranho. Senti muito medo e achei que seria assaltado. Parei num canto da estrada e esperei que o casal de ciclistas passasse por mim e seguissem na frente. Esperei 15 minutos e voltei a pedalar. Como estava em um ritmo mais forte do que o casal de ciclistas, achei que antes de chegar em Paraty passaria por eles novamente. Mas não vi mais o tal casal. E o motivo foi que minha bike quebrou faltando oito quilômetros para chegar na cidade. Dessa vez a corrente se rompeu e nada podia ser feito para resolver o problema. O jeito foi empurrar a bike até Paraty.

Foi um pouco tenso empurrar a bike no escuro, mas felizmente logo cheguei em ruas iluminadas e um pouco movimentadas. No fim das contas não tive nenhum problema com relação a assaltos. Não sei se por sorte, destino ou proteção divina. Dei uma olhada no guia e com o mapa da cidade em mãos não foi difícil encontrar o Hostel Paraty, local onde eu ficaria nos dias que permaneceria na cidade. Tinha feito a reserva pela internet, atraído pelo preço baixo e pela boa localização. O hostel ficava próximo ao Centro Histórico, que é o point local. O bairro era meio estranho e sujo, e depois ouvi dizer que era perigoso. Mas não tive nenhum problema.

Encontrei o hostel e parei em frente ao seu portão. Eu estava sujo e meu fedor naquele momento era extraordinário. Precisava urgentemente de um banho, pois nem eu estava aguentado meu próprio cheiro. Apertei a campainha, me identifiquei e abriram a porta. O hostel funcionavam em um sobrado, com uns puxadinhos ao lado. Deixei a bike encostada num canto nos fundos e subi até a recepção. Fui atendido por um rapaz com sotaque hispano. Ele me explicou rapidamente o funcionamento do lugar e me levou até o meu quarto. Era um quarto coletivo, com três beliches.

Como todos tinham saído, fiquei sozinho no quarto ouvindo o barulho do ar condicionado poucos centímetros acima de minha cabeça. E até o sono chegar fiquei pensando e remoendo os problemas que tinha tido nesse último dia de viagem. Era para ter terminado a viagem durante o dia à beira bar, onde eu tiraria a foto final da cicloviagem. Terminar a viagem no escuro e empurrando a bike, foi bastante frustrante, principalmente por culpa dos erros de estratégia que tinha cometido durante o dia. E somado a isso os atrasos e as quebras fizeram ruir meu planejamento. Mas esse final meio melancólico não tirava o brilho da viagem num todo, pois pedalar 600 e poucos quilômetros pelos lugares em que passei, não é uma tarefa para qualquer um. E as viagens por mais que sejam planejadas, sempre existem imprevistos que fogem ao nosso controle e a nossa vontade. Então eu podia ficar chateado e frustrado por um tempo, mas logo isso ia passar e eu me sentiria um vitorioso por ter conseguido finalizar a viagem tão esperado pelo Caminho Velho da Estrada Real. E foi em meio a tais pensamentos que peguei no sono e dormi profundamente.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

Versão em e-book: Amazon 

Versão impressa: Clube de Autores

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Estrada Real – 9° Dia

Passa Quatro/Lorena/Guaratinguetá/Aparecida

(Resumo)

Segui cinco quilômetros por dentro da cidade, por uma rua ao lado do trilho do trem. Depois entrei na rodovia e de cara enfrentei uma longa subida. O sol estava forte e o dia bonito. Pedalei por mais algumas subidas, atravessando uma pequena serra. A paisagem era muito bonita e isso ajudava no esforço de pedalar forte para vencer as subidas em sequência. E como na maior parte das estradas mineiras, não tinha acostamento. Eu seguia pelo canto da pista e em algumas curvas tive que seguir por dentro da canaleta existente em alguns trechos, quase sempre nas curvas. O trânsito não era muito intenso, e não corri grandes riscos. Levei pouco mais de uma hora para vencer a serra e suas subidas. Parei em um posto de gasolina na beira da estrada e bebi uma Guaranita estupidamente gelada. Esse refrigerante estava virando o meu novo vício!

Voltei a pedalar e após algumas retas e subidas, cheguei na divisa dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Ao lado da estrada tinha um monumento em homenagem aos mortos em uma batalha da Revolução de 1932, que tinha ocorrido ali perto. Tirei algumas fotos do monumento e depois empurrei a bicicleta alguns metros até a placa que indicava a divisa dos dois Estados. Fiz algumas fotos em frente a placa e em um marco da Estrada Real que ficava perto da placa. Me despedi de Minas Gerais e empurrei a bicicleta até um monumento existente do outro lado da estrada, já no Estado de São Paulo.  Esse monumento também era em homenagem a Revolução de 1932. E nele tinha uma imagem enorme de Nossa Senhora Aparecida. No local existia um mirante de onde era possível ver muitos quilômetros ao longe. A vista era bonita!

Descansei um pouco, bebi água quente de minha garrafa e segui viagem. O pedal ficaria mais fácil, pois seria descida serra abaixo e no lado paulista a estrada tinha acostamento. E bem conservado por sinal! Seriam aproximadamente 14 quilômetros de descidas e muitas curvas. Desci pelo acostamento, tomando cuidado e com a mão no freio, até pegar o jeito da descida e das curvas e me sentir seguro para correr um pouco mais. Por segurança resolvi seguir pelo acostamento, pouco atrás de um caminhão carregado que descia a serra. Depois de alguns quilômetros cansei do barulho do caminhão e resolvi ultrapassa-lo. Foram muitos quilômetros divertidos em alta velocidade serra abaixo. Quando não ouvia o barulho de veículos, eu seguia pela estrada. Seguia com a cabeça um pouco virada, para poder ouvir melhor o ruído de veículos vindo por trás de mim. As mãos começaram a doer de tanto apertar os freios. Mesmo freando eu seguia veloz serra abaixo e nas curvas tinha que frear ainda mais forte. O peso do alforje traseiro tira a estabilidade da bike na descida e todo cuidado era necessário para não cair. Em uma curva muito fechada tomei um susto ao ver um carroceiro seguindo pelo acostamento a minha frente. Quase bati na traseira da carroça, pois o mato ao lado da estrada estava alto e atrapalhava a visão.  Fiquei com receio de algum carro bater na carroça e fiquei parado no acostamento sinalizando para os carros que vinham para que diminuíssem a velocidade. Depois de alguns minutos voltei a pedalar e não demorei para ultrapassar o carroceiro, que parecia ter tomado umas a mais. Cheguei muito rápido ao final da serra e durante a viagem esse foi o trecho onde obtive a maior velocidade média.

Vencida a serra passei a andar por longas retas. O acostamento era lisinho e segui num ritmo forte e constante. Passei por um rio de água cristalina, mas não senti vontade de ir até a água. Continuei pedalando forte e fui parado por duas cariocas em um carro, que queriam informação. Como eu não era dali não pude ajudá-las e cada um seguiu seu caminho. Mais alguns quilômetros e parei para um rápido descanso na beira da estrada. Olhei para trás e ao longe podia ver os morros da serra que tinha descido cerca de uma hora antes. Eram lindos e assustadores. Penso que os ciclistas que fazem o Caminho Velho no sentido contrário ao meu, seguindo de Paraty para Ouro Preto, devem se sentir intimidados quando enxergam ao longe a serra que vão ter que transpor.

Cheguei na cidade de Cachoeira Paulista e atravessei parte da cidade até parar em uma padaria. Ali almocei pão de queijo e Guaranita. Comprei uma garrafa grande de água mineral gelada e segui viagem. Terminei de atravessar a cidade e na saída parei pedir informação sobre o caminho para Lorena, meu próximo destino. Me ensinaram um caminho mais seguro, onde existia um longo trecho com ciclovia ao lado da estrada. Segui pedalando forte, pois o trecho era quase todo de retas e pequenas descidas. Logo cheguei na ciclovia, que era pintada de vermelho e bem sinalizada. Parei tomar água, que ainda estava gelada e segui em frente. Entre Cachoeira Paulista e Lorena foram 14 quilômetros de um pedal meio monótono, mas que rendeu bem. Ao lado da estrada via muitas casas e empresas.

Levei uma hora para percorrer o trecho entre Lorena e Guaratinguetá. A estrada era boa, a ciclovia era segura, bem sinalizada e sem buracos. E quase todo o trecho era de retas e descidas. Só teve uma subida mais puxada. E em muitas partes tinha sombra, o que ajudou a refrescar do sol escaldante. Só passei um perrengue quando um cara mal encarado começou a pedalar colado em mim. Diminuí a velocidade para deixar ele passar e ele diminuiu também. Daí quando eu aumentava a velocidade ele também aumentava. Andamos alguns quilômetros assim, até que reuni minhas últimas forças e pedalei bem forte. Ele não aguentou o ritmo e ficou para trás. Cheguei em Guaratinguetá esbaforido, mas inteiro e ainda disposto. Já tinha pedalado 72 quilômetros e faltavam mais 10 quilômetros para eu encerrar a dia de pedal. Estes 10 quilômetros seriam um desvio fora do Caminho Velho da Estrada Real. Eu seguiria até a cidade de Aparecida e lá passaria a noite em algum hotel.

Muitos romeiros chamam a cidade de “Aparecida” pelo nome de “Aparecida do Norte”. É comum ainda verificarmos em algumas publicações, referências à cidade com a expressão “do Norte”. Segundo a escritora Zilda Ribeiro, em seu livro “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida e de seus escolhidos”, durante muito tempo o povo nomeou a terra da Padroeira como Aparecida, seu verdadeiro nome. Mais tarde passaram a chamá-la de “Capela de Aparecida”.  Com a inauguração da estrada de ferro, os devotos passaram a viajar de trem. E embarcavam na Estação do Norte, em São Paulo. E diziam que seu destino era Aparecida da Estação do Norte. Com o passar dos anos, por um processo linguístico coletivo, chamado braquilogia, eliminaram a palavra “Estação” restando Aparecida do Norte. Ainda hoje, muitos anos depois, passeando pelos corredores do Santuário Nacional ou pelas ruas da cidade de Aparecida, ouvimos romeiros chamarem a cidade por “Aparecida do Norte”, sendo o verdadeiro nome da cidade Aparecida, sem o do Norte.

Não foi difícil encontrar o caminho para Aparecida. Era uma larga avenida, onde em boa parte dela existia uma ciclovia pintada de vermelho. Infelizmente algumas vezes eu tinha que sair da ciclovia, pois tinham carros estacionados nela. Teve até carro de polícia parado em cima da ciclovia, obrigando os ciclistas a pararem e descerem até a avenida para então poderem seguir em frente. Fazer o que? Pessoas mal educadas e que não respeitam a Lei existem em todos os lugares e em todas as profissões. Pouco depois das 16h30min cheguei em Aparecida e ao longe conseguia ver uma parte do Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Aparecida era a primeira e única cidade da viagem pela Estrada Real, onde eu já tinha estado antes. Em 2011 minha viagem de bike pelo Caminho da Fé acabou em Aparecida. E em 2010 eu tinha visitado pela primeira vez a cidade, quando seguia de carro de São Paulo para o Rio de Janeiro, junto com uma namorada paulistana que eu tinha na época. Era bom voltar ali, mesmo não sendo um católico praticante ou devoto de Nossa Senhora Aparecida. E as duas visitas anteriores me fizeram bem. Visitar a Basílica de Nossa Senhora Aparecida e ver a imagem da Santa, foi uma experiência de paz. Nas duas visitas anteriores me emocionei e não consegui segurar as lágrimas.

Em poucos minutos entrei pedalando na enorme área de estacionamento do Santuário. Minha terceira vez ali, e a segunda vez de bike. Parei em frente a Basílica para tirar algumas fotos. Depois segui empurrando a bike até uma rampa que leva para dentro da Basílica e que passa embaixo da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Perguntei a uma senhora em um balcão de informações se eu podia entrar na Basílica com a bike. Ela disse que eu podia deixar a bike encostada no balcão de informações que ela cuidava para mim. Argumentei que era importante para mim entrar com a bike e ela me mandou falar com o segurança da entrada. Falei com o segurança e ele disse que eu podia entrar com a bike, apenas pediu que eu seguisse pela passagem mais larga, que é para cadeirantes.  Subi a rampa empurrando a bike e fui sentindo uma emoção muito forte. Era o Dia Internacional do Ciclista e estar ali nesse dia, após vários dias de viagem foi muito legal e uma enorme coincidência. Parei debaixo da imagem de Nossa Senhora Aparecida e rezei bastante. Acabei não segurando a emoção e chorei um monte. Lembrei de tudo o que aconteceu para mim desde que estivera ali pela primeira vez, numa época muito complicada em minha vida. Lembrei do acidente de bike que sofri uma ano e meio antes e de toda a dor e esforço para me recuperar e voltar a pedalar. E agora estava ali de bike, em perfeita saúde física e mental. Foi um momento inesquecível e difícil de explicar, de contar. Na saída deixei algumas fotos num local destinado a votos e ex-votos e fiz um pedido especial, o qual não posso contar. Mas se meu pedido for atendido, volto lá um dia para agradecer.

Saí do Santuário e subi a longa rampa que leva até a parte alta da cidade, onde fica o centro e a Basílica Velha. O dia estava chegando ao fim, eu estava muito cansado e em vez de voltar para Guaratinguetá e dormir por lá, resolvi pernoitar em Aparecida. Andei um pouco pelo centro a procura de um hotel. Tinham muitos hotéis, mas os preços eram salgados para uma noite somente. Ali funcionava na base do pacote para final de semana, incluindo duas noites e as refeições. Resolvi voltar para a parte baixa da cidade, próximo a Basílica. Atravessei a passarela empurrando a bicicleta e parei numa mureta na lateral da Basílica.

O quarto era simples, mas limpo. De uma pequena janela eu conseguia ver a Basílica, distante uns 300 metros. Tinha um ar condicionado barulhento, mas que foi bem aproveitado, pois fazia muito calor. Tirei minhas coisas do alforje e espalhei pelo chão e pela cama. Em seguida lavei meias e cuecas na pia do banheiro e tomei um banho demorado. Bem próximo ao meu quarto tinha uma pequena piscina, mas não me senti disposto a entrar nela. Optei por ficar no frescor do quarto e dormir um pouco. Acordei uma hora mais tarde e desci jantar no restaurante do hotel. A comida era boa, mas não exagerei. Depois de comer voltei para o quarto e coloquei o diário de viagem em dia. Pelo celular fiz a reserva para as duas próximas noites em um hostel de Paraty. Liguei para casa e depois estudei o roteiro do dia seguinte, que seria o último dia da viagem de bike. Agora faltava pouco para terminar minha aventura pela Estrada Real. Mas o pouco que faltava era uma serra bem difícil…

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

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Estrada Real – 8° Dia

Caxambu/Pouso Alto/Itanhandu/Passa Quatro

(Resumo)

Quando saí do hotel a cidade estava calma, com pouquíssimos carros na rua. Olhei o guia e após pedalar quase um quilômetro, descobri que estava indo para o lado errado. Achei o caminho certo e saí da cidade pedalando devagar por uma subida longa e difícil. O dia prometia! Tinha escolhido seguir pela estrada asfaltada e sabia que teria um longo trecho de serra alternando subidas e descidas. E mesmo sendo asfaltado, aquele trecho de estrada passava pelo Caminho Velho original da Estrada Real. Muitas rotas da Estrada Real foram aproveitadas quando as estradas de Minas Gerais começaram a ser asfaltadas. O início da estrada era por uma região muito bonita, com bastante mata. A estrada era cheia de curvas e com poucas subidas. Em muitos trechos não tinha acostamento e em outros tinha acostamento somente de um lado da estrada. Eu ia alternando os lados, sempre tomando cuidado ao atravessar de um lado para outro. Nas curvas geralmente não tinha acostamento e eu seguia pela contramão, de olho atento nos veículos que vinham de frente.

Quase no final de um novo trecho de subida, teve um momento em que tive que ir rapidamente para o acostamento, pois de frente vinha um caminhão em alta velocidade. Na pressa acabei batendo com o macaquinho numa canaleta da estrada e ele entortou e fez com que a corrente se soltasse e enroscasse nas catracas traseiras. Coloquei a bike de ponta cabeça ao lado da estrada e por quase uma hora tentei consertar o problema. Mas não consegui, e do jeito que travou a corrente eu não conseguia nem mesmo empurrar a bike, pois a roda travava. Com muito custo consegui tirar a roda e coloquei ela invertida, pois dessa forma não travava. Daí tive que empurrar a bicicleta pelo canto da estrada. Empurrei por cerca de um quilômetro de subida e felizmente cheguei em um trecho longo de descida. Subi na bike e embalava ela com o pé no asfalto. Depois era só seguir no embalo e com as mãos no freio. Em alguns trechos de subida e de reta, eu descia e empurrava. Foram dez quilômetros dessa forma, até que cheguei na cidade de Pouso Alto. Dei sorte de a bike ter quebrado perto de um longo trecho de descida. A estrada atravessava a cidade e segui por ela até que parei em um posto de gasolina para pedir informações. Me indicaram um mecânico de bicicletas ali perto. Sem dificuldade encontrei a oficina, que funcionava em uma casa distante 500 metros da estrada. O mecânico falou que levaria uma hora para consertar o estrago. Deixei a bicicleta na oficina e fui procurar a biblioteca da cidade, que era o local onde carimbavam o passaporte da Estrada Real. Como a cidade era pequena, tudo era perto e não precisei andar muito.

Quase no final de um novo trecho de subida, teve um momento em que tive que ir rapidamente para o acostamento, pois de frente vinha um caminhão em alta velocidade. Na pressa acabei batendo com o macaquinho numa canaleta da estrada e ele entortou e fez com que a corrente se soltasse e enroscasse nas catracas traseiras. Coloquei a bike de ponta cabeça ao lado da estrada e por quase uma hora tentei consertar o problema. Mas não consegui, e do jeito que travou a corrente eu não conseguia nem mesmo empurrar a bike, pois a roda travava. Com muito custo consegui tirar a roda e coloquei ela invertida, pois dessa forma não travava. Daí tive que empurrar a bicicleta pelo canto da estrada. Empurrei por cerca de um quilômetro de subida e felizmente cheguei em um trecho longo de descida. Subi na bike e embalava ela com o pé no asfalto. Depois era só seguir no embalo e com as mãos no freio. Em alguns trechos de subida e de reta, eu descia e empurrava. Foram dez quilômetros dessa forma, até que cheguei na cidade de Pouso Alto. Dei sorte de a bike ter quebrado perto de um longo trecho de descida.

Passaram por mim alguns carros com bikes no bagageiro ou no teto. Todos que passaram buzinaram, e em alguns carros eu via mãos e braços acenando freneticamente pelas janelas e até ouvia alguns gritos. Acredito que estes carros estavam indo para algum evento de ciclismo ali perto. No meio da tarde cheguei em um trevo e segui por uma estrada estreita e ruim que levava até a cidade de Itanhandu. Antes de chegar na cidade tinha uma longa descida e tive a infeliz ideia de pegar a câmera e descer filmando. Um carro passou muito perto de mim, me fez desequilibrar e fui parar no capinzal ao lado, quase caindo. Na gravação dá para ver a câmera chacoalhando toda e o capinzal se aproximando. Na entrada da cidade pedi informações para algumas pessoas, até que consegui chegar no centro e encontrei o hotel onde carimbavam o passaporte da Estrada Real. Fui atendido por uma jovem e bela moça, com a qual conversei um pouco sobre a viagem. Procurei ficar distante dela enquanto conversava, pois eu estava todo molhado de suor e o meu cheiro não devia ser dos melhores. Antes de sair aproveitei para encher a pança com água gelada de um bebedouro. Quase não deu vontade de sair do hotel, pois dentro o ar condicionado estava ligado em uma temperatura baixa. Lá fora não tinha ar condicionado e o sol estava a pino. Não tive muita dificuldade em encontrar a saída da cidade. E quase entrando na estrada, parei em uma panificadora e tomei uma garrafa de Guaranita. Esse refrigerante é viciante! E pena que só é vendido naquela região de divisa entre Minas Gerais e São Paulo.

A parte final até a cidade de Passa Quatro foi bem tranquila. Eu achava que estava longe da cidade e quando me dei conta já estava entrando nela. Essa seria a última cidade mineira onde eu iria pernoitar, pois no dia seguinte entraria no Estado de São Paulo. Quando fiz a viagem de bike pelo Caminho da Fé em 2011, dormi em uma cidade chamada Santa Rita do Passa Quatro, que fica em São Paulo. De início achei que estava na cidade onde aconteceram batalhas durante a Revolução de 1932. Mas depois me dei conta de que estava enganado, que o nome era parecido mas que a cidade que foi invadida e teve uma ponte explodida por tropas paulistas durante a Revolução, era a mineira Passa Quatro. Dessa vez eu estava na cidade certa.

Durante a Revolução de 1932, Passa Quatro foi invadida por tropas constitucionalistas paulistas. Uma das maiores atrações da cidade são seus casarios antigos, construções realizadas na cidade desde o final do século XIX até as primeiras décadas do século passado. Formam um conjunto arquitetônico valorizado pela comunidade e recentemente tombados por serem reconhecidos como patrimônio histórico, arquitetônico e cultural a ser preservado. A região de Passa Quatro possui mais de 300 anos de história e 100 anos como município. Apesar de não ser a cidade brasileira situada em altitude mais elevada, o município encontra-se entre as regiões mais altas do país. Fica na região de Passa Quatro o quinto mais alto pico brasileiro, a Pedra da Mina (2.798m), localizada na serra Fina e ponto culminante da Serra da Mantiqueira e do estado de São Paulo, com o qual o município faz divisa. A cidade vem se firmando nos últimos anos como polo de atração para o ecoturismo e o turismo rural. Na Revolução de 1932, atuou no hospital municipal da cidade, um jovem médico que seria futuro Presidente do Brasil. O nome dele, Juscelino Kubitschek.

Saí dar uma volta pela cidade, e como estava no centro pude ver novos casarões. Consegui encontrar o local para carimbar o passaporte da Estrada Real, que funcionava em uma pousada. De curiosidade perguntei o preço da hospedagem, que era quase o dobro do que paguei no hotel onde estava. Dei uma volta pela avenida longa por onde tinha entrado na cidade. Naquele horário tinham muitas pessoas fazendo caminhada na avenida. Me chamou atenção um cachorro preto de rua, que ficava igual louco correndo atrás de carros para cima e para baixo. Queria jantar comida ou pizza, mas não encontrei nenhum lugar para comer.  Fui em um supermercado perto do hotel e lá comprei algumas coisas para lanchar no quarto. Comprei também uma Guaranita de dois litros. Voltei ao hotel e lanchei no quarto. Depois liguei para casa, coloquei o diário de viagem em dia e vi o noticiário na TV. Resolvi dormir cedo, pois o dia seguinte seria longo. Como o caminho teria poucas subidas, eu planejava fazer uma longa quilometragem.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

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Estrada Real – 7° Dia

Cruzília/Baependi/Caxambu

(Resumo)

Levantei 08h45min e desci para tomar café, que era servido somente até as 09h00min. Nesse dia o pedal seria mais curto, e com mais descidas e retas do que de subidas. Terminado o café voltei para a cama e descansei mais um pouco. Pouco antes das 10h00min levantei, recolhi minhas roupas que estavam todas secas, arrumei minhas coisas e saí. Me despedi do dono do hotel e fui pegar a bike na garagem. Dei uma olhada no guia e na lista de endereços para carimbar o passaporte da Estrada Real. Ali em Cruzília era na prefeitura que que carimbavam o passaporte. Saí pedalando pelo centro da cidade e não foi difícil encontrar a prefeitura.

Saindo da cidade comecei a pedalar por uma estrada de terra, mas com várias casas em volta. Ao passar por um dessas casas, um homem que estava no portão gritou para eu tomar cuidado, pois a estrada era perigosa. Só não entendi se era perigosa por causa de assaltos, ou se a estrada era ruim e isso causava perigo. Passei por um longo trecho cheio de pedras grandes espalhadas pela estrada e tive que tomar muito cuidado para não bater numa dessas pedras e cair. O sol foi embora e o dia ficou nublado, mas muito quente. Logo entrei numa região deserta, mas cheia de árvores. A paisagem era bonita e vez ou outra passava algum carro por mim. Logo enfrentei duas subidas fortes e deu para suar um pouco. Numa descida onde a estrada era cercada por árvores, vi uma revoada de papagaios. Eram muitos e ele voavam na minha frente, meio que indicando o caminho que eu deveria seguir. Foi uma experiência inesquecível essa de pedalar com os papagaios.

Saindo do cafezal segui em direção a um pasto, e cheguei numa encruzilhada onde ao lado tinha uma porteira. Fiquei em dúvida sobre para qual lado deveria ir. Resolvi continuar seguindo pela trilha em que estava. Pedalei alguns metros e vi pouco mais à frente na trilha, um pequeno rebanho de gado saindo do meio de algumas árvores. No meio do gado visualizei um grande e assustador touro. Dei meia volta rapidamente e segui para a porteira que tinha visto pouco antes. Atravessei a porteira e me sentindo seguro parei para dar uma olhada no guia. Antes de abrir o guia ouvi vozes e vi alguns homens trabalhando perto do local onde o gado estava, mas do outro lado da cerca. Fui até lá e vi que três homens consertavam a cerca, com a ajuda de um guincho acoplado em um trator. Pedi informação sobre o caminho para Baependi e me disseram para seguir reto pela trilha em que estava, que logo ela iria sair numa estrada. Agradeci a informação e segui pedalando, ainda assustado com o touro. Não andei muito e logo avistei o trevo da rodovia.

Pouco antes de chegar em Caxambu, teve um trecho da estrada que era toda cheio de pedras e de poças d’agua. A água vinha de minas próximas. No meio da tarde e com o sol tendo dado as caras novamente, cheguei na cidade de Caxambu. Passei pela periferia da cidade até chegar no centro. A cidade é simpática e mistura construções antigas, com outras mais modernas. Essas construções antigas não são tão antigas como muitas que vi nas cidades históricas. Na maioria são construções com menos de 100 anos de existência.

Caxambu concentra o maior complexo hidromineral do mundo, com 12 fontes de água. Fontes de água mineral existem em muitos lugares no mundo, mas fontes de onde saem água mineral gaseificada não é todo lugar que tem. Mas Caxambu tem, e tem muitas fontes desse tipo. Em razão dessas águas a região é famosa desde a época do Império, quando a Princesa Izabel esteve em Caxambu para tratar sua infertilidade nas águas milagrosas da cidade. O tratamento parece ter dado resultado, pois a princesa teve três filhos nos anos seguintes. Na primeira metade do século passado, Caxambu recebia turistas endinheirados que vinham relaxar e se curar no famoso balneário hidromineral. Em 1954 a seleção brasileira de futebol esteve em Caxambu, se preparando para a disputa da Copa do Mundo. Hoje em dia a cidade não é tão famosa como no passado, mas mesmo assim recebe muitos turistas.

A principal atração turística de Caxambu é o Parque das Águas. O parque possui uma extensa área e oferece atrações diversas. Ele conta com 12 fontes de águas minerais gasosas e medicinais, com propriedades diferentes umas das outras. O parque tem belos jardins, bosques e alamedas com grande beleza paisagística. No Parque das Águas existe um prédio antigo e conservado, que abriga um grande balneário de hidroterapia. O local oferece banhos de imersão em água mineral, piscina de hidroterapia, saunas a vapor e seca, duchas e banhos de vários tratamentos estéticos. O Parque também oferece piscinas de água mineral, lago e pedalinhos, pista de corrida, quadras esportivas e um teleférico que leva até o topo do Morro Caxambu, de onde se tem uma deslumbrante vista da cidade. Para um ciclista cansado como eu, uma visita ao Parque das Águas era obrigatória. E foi o que fiz, após ter feito um rápido lanche numa padaria.

O Parque das Águas ficava a menos de 500 metros do meu hotel e foi fácil chegar até lá. Para entrar é cobrado uma taxa de R$ 5,00. Na entrada descobri que as termas fecham as 17h00mim, e como eram 16h00mim fui direto até o prédio onde funcionam os vários tratamentos hidrotermais. Escolhi utilizar a piscina de hidroterapia. Paguei R$ 35,00 para ficar quarenta e cinco minutos na piscina, mas como estava para fechar me deixaram ficar uma hora. A piscina era dentro de uma enorme sala e tinha banheira de hidromassagem, cachoeiras, bancos com hidromassagem e outras coisas mais. A água era mineral e quente. Achei o lugar muito legal, e não consigo explicar direito como era o funcionamento. Sei que aproveitei ao máximo o tempo que fiquei na piscina e como minhas pernas estavam doloridas após dias pedalando, foi muito relaxante ficar na hidroterapia. Fiquei sozinho quase o tempo todo. Somente minutos antes de fechar é que apareceram duas moças e entraram na piscina.

Após sair da piscina, fui caminhar pelo parque. Muitas das fontes de água mineral são cobertas e tem nome. Em frente as fontes existem placas que informam suas propriedades e indicações medicinais. Provei a água de todas as fontes. Algumas eram boas, outras nem tanto. Teve uma que me deixou enjoado, pois o gosto era meio salgado e tinha cheiro de ovo podre. A água que mais gostei foi a da Fonte Dom Pedro II. Para pegar a água na fonte, você precisa descer por uma escada e em volta tudo é cheio de azulejos. Numa nas fontes conversei com duas senhoras e descobri que uma delas era paranaense como eu, e tinha vindo de Curitiba. Dentro do parque funciona uma pequena fábrica que envasa água mineral. Eu já tinha ouvido falar da Água Mineral Caxambu, mas nunca tinha bebido tal água. Ela é considerada gourmet, e por isso não se encontra facilmente para venda e o preço é um pouco alto. Gostei muito do Parque das Águas e fiquei andando por ele e tirando várias fotos até escurecer.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

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Estrada Real – 6° Dia

Carrancas/Traituba/Cruzília

(Resumo)

Acordei 08h00min em ponto, com o barulho que vinha do calçadão em frente à janela do meu quarto. Sentia muita dor pelo corpo, principalmente nas pernas. Fui tomar banho para ficar desperto. Voltei ao quarto, arrumei minhas coisas e fui tomar café. Numa mesa no canto meu café da manhã estava separado, pois creio que eu tinha sido o último hospede a acordar.

Poucos carros passaram por mim, e os poucos que passaram levantaram tanta poeira que em alguns momentos eu mal enxergava a estrada a minha frente. Pelo que me contaram não chovia na região há quase dois meses. O sol mais uma vez estava extremamente forte e tive que passar uma dose extra de protetor solar. Mas meu nariz mesmo que passe um quilo de protetor ele fica queimado, vermelho e ardido. E meu consumo de água foi grande, mesmo ela estando morna nas garrafas. Passei por um trecho onde tinha tanta areia na estrada, que os pneus afundavam e eu não conseguia pedalar. Tive que descer e empurrar a bike. Parecia que eu estava na praia, de tanta areia que tinha naquele trecho da estrada. Felizmente o areião ficou para trás e segui pela estrada poeirenta, e depois de ter percorrido cerca de seis quilômetros quase que todo de descidas, comecei a enfrentar muitas subidas chatas. Passei por um rio de água bem limpa e pequenas cachoeiras. Era convidativo tomar um banho nele para aliviar o calor. Mas estava com pressa e passei direto. O calor foi aumentado e minha roupa estava completamente molhada de suor. Com a poeira da estrada grudando no corpo e a roupa molhada, meu aspecto e cheiro não estavam dos melhores.

Pouco depois das 14h00min, cheguei na Fazenda Traituba. O lugar tem muita história e até poucos anos atrás funcionou como pousada. Tinha muita vontade de poder entrar na fazenda e visitar o enorme casarão, mas isso não é tão fácil de se conseguir atualmente. Acabei me contentando em ver da estrada a sede da fazenda. Tinham muitos cachorros latindo ferozmente perto de mim e não achei prudente ir até o portão da fazenda para ver o casarão mais de perto. Olhei em volta para ver se tinha algum local onde eu pudesse pegar água, pois a minha tinha acabado alguns quilômetros antes. Vi algumas casas, mas todas fechadas, com cachorros em frente e nenhum ser humano a vista. O jeito foi ficar com sede e confiar no guia, o qual informava que dali seis quilômetros eu encontraria um local com água potável.

A Fazenda Traituba é conhecida desde o início do século XIX. O Imperador Dom Pedro I, era grande amigo do dono da fazenda e costumava se refugiar no local para repousar e caçar veados. O Imperador costumava ir até a Fazenda Traituba, como um simples plebeu e se hospedava numa casa velha que ficava onde hoje é um galpão da fazenda. Em razão das constantes visitas do Imperador, o proprietário da fazenda naquela época resolveu construir uma enorme casa, para poder recepcionar melhor o Imperador e outros membros da corte. A construção da casa demorou aproximadamente dez anos e ficou pronta em 1831. O portal da casa foi trancado e seria aberto somente quando acontecesse nova visita de Dom Pedro I. Mas o Imperador nunca mais voltou ao local, pois no ano em que a casa ficou pronta ele abdicou do trono no Brasil e foi para Portugal, tendo morrido por lá em 1834. O dono da fazenda então decidiu que só abriria o portal quando a primeira filha nascida na casa viesse a se casar. Só que por duas gerações nenhuma moça nasceu na casa e o portal permaneceu fechado por mais de cem anos. Ele só foi aberto em maio de 1988, quando D. Luiz de Orleans e Bragança, descendente direto do Imperador Dom Pedro I, visitou a fazenda.

Voltei a pedalar e durante alguns quilômetros o caminho era quase todo de reta e pequenas descidas. O sol quente desapareceu e o céu ficou nublado, o que fez a temperatura baixar um pouco. Passei por alguns trechos com árvores na beira da estrada e pastos com gado, além de uma ou outra casa. Poucos veículos passaram por mim nessa tarde e a solidão da estrada e o silêncio algumas vezes assustavam. Num trecho entre árvores vi dois enormes gaviões parados bem no meio da estrada. Cheguei bem perto deles, até que levantaram voo. Mais alguns minutos de pedal e três motos passaram por mim, vindas no sentido contrário. Eram motos grandes e pelo jeito os motoqueiros estavam percorrendo a Estrada Real. Ao passarem por mim buzinaram e acenaram, mas não pararam. O trecho tranquilo chegou ao fim e em seguida veio um trecho de cerca de 13 quilômetros intercalando pequenas descidas e muitas subidas. Não foi nada fácil superar esse trecho e por duas vezes tive que empurrar a bike, pois algumas subidas eram muito inclinadas.

Uma curta reta e cheguei numa estrada asfaltada. A partir dali o pedal ficou fácil, pois foram três quilômetros quase que somente de descidas. Eu embalava e deixava a bike correr, sem precisar pedalar. Apenas tomava cuidado com os carros, e quando ouvia o ruído de algum carro vindo eu seguia pelo acostamento, que ao menos nesse trecho não era esburacado. Cheguei na cidade de Cruzília pouco depois das 18h00min, quando estava começando a escurecer. Parei na entrada da cidade, e dei uma olhada no guia para saber que rumo pegar para ir até o centro da cidade. Voltei a pedalar e pouco depois virei numa esquina correndo, de cabeça baixa. Escutei o ruído de diversas vozes e quando ergui a cabeça para olhar o que era, levei o maior susto. Pela rua vinha um cortejo fúnebre, onde dezenas de pessoas rezando o rosário, seguiam um caixão que era levado em um carrinho daqueles de cemitério. Por muito pouco que eu não bato de frente com o caixão. Quando vi o cortejo, apertei o freio bruscamente e segui para a calçada. Tirei o capacete e baixei a cabeça enquanto o cortejo passava. Parece que todos estavam olhando para mim, e algumas pessoas nitidamente continham o riso ao me ver, imaginando como seria se eu tivesse batido de encontro ao caixão. A última vez que vi um cortejo parecido com aquele, foi quando meu avô materno faleceu, em 1975. Na época os velórios aconteciam em casa e na hora de seguir para a missa de corpo presente, o carro da funerária não apareceu. Então carregaram o caixão do meu avô pelo meio da rua, até a igreja, que não era muito distante. Por ser o primeiro velório de que participei em minha vida, nunca esqueci daquela imagem do caixão seguindo pela rua. E depois de 41 anos voltei a ver algo parecido.

Passado o cortejo e tendo me recuperando do susto, voltei a pedalar. Depois de alguns metros não me contive e caí na gargalhada ao imaginar como teria sido se eu “atropelasse” o cortejo. Atravessei algumas ruas da cidade e logo cheguei no centro, me orientando pelo mapa existente no guia. Eu ficaria hospedado em um hotel que ficava em frente à catedral da cidade. E para terminar o dia com chave de ouro, os últimos 200 metros até chegar na catedral eram de subida duríssima. Segui empurrando a bike, quase sem forças. Parei em frente à catedral e o portão estava fechado. Segurei com ambas as mãos no portão e ali rezei, agradecendo por ter vencido mais um dia de viagem. Todos os dias eu parava para rezar no início e no fim da viagem. Em frente à igreja tinha uma praça e na rua ao lado o hotel, que também era bar e restaurante.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Catedral de Carrancas.

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Sede da Fazenda Traituba.

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Estrada Real – 5° Dia

São João del Rei/Caquende/Capela do Saco/Carrancas

(Resumo)

Acordei 06h00min em ponto, com ajuda do despertador do celular. Tomei um longo banho para despertar, arrumei minhas coisas e saí. Na noite anterior tinha combinado com a Lua, que jogaria por baixo da porta a chave do hostel. Mesmo sendo cedo, o sol estava alto no céu, prometendo um dia de muito calor. Tirei uma foto da frente do hostel, olhei o guia para saber que rumo tomar e parti. No caminho parei em frente uma igreja e fiz uma oração na calçada.

Saí de São João del Rei pedalando por uma longa avenida e então cheguei numa estrada que me levaria até a rodovia.  Logo de cara tinha uma longa subida e fui pedalando devagar, ainda aquecendo as pernas. Após vencer a longa subida, resolvi parar na beira da estrada e tomar meu café da manhã, que consistia de duas bananas. Depois de comer, notei que o pneu da frente estava um pouco murcho. Peguei a bomba de encher e a encaixei no bico do pneu. E ao começar a bombear, em vez de encher o pneu murchou ainda mais. Foi aí que vi que o bico da bomba estava quebrado. O pneu ficou muito vazio e não tinha como pedalar. Eu não queria voltar até a cidade para procurar algum lugar onde encher o pneu. Resolvi arriscar e segui em frente na esperança de encontrar algum posto de gasolina onde pudesse encher o pneu. Empurrei a bike por cerca de um quilômetro, quando vi uma pessoa vindo pelo outro lado da estrada. A imagem era meio surreal, pois se tratava de uma moça vestindo uma justíssima roupa de ginástica toda colorida, caminhando pelo acostamento e ouvindo música com fones de ouvido. Quando ela chegou perto de mim, notei que a roupa era extremamente justa e destacava de forma exagerada as curvas da moça. Dei bom dia e perguntei se ela sabia de algum posto de gasolina próximo dali. Ela respondeu que mais uns 500 metros eu chegaria na rodovia, e que seguindo para o lado direito demoraria muito para eu encontrar um posto. E que para o lado esquerdo da rodovia ela nunca tinha ido e não sabia responder se existia algum posto. E falou que na casa dela tinha uma bomba de encher pneus e que se eu quisesse ela me emprestava. Ela morava na cidade, distante cerca de cinco quilômetros de onde estávamos. Agradeci a oferta e disse que preferia arriscar e seguir em frente. Nos despedimos e segui pensando se não era perigoso a tal moça caminhar sozinha ao lado da estrada deserta. E se eu não devia ter aceitado a oferta da moça e ido até a casa dela encher o pneu.

A rodovia estava muito movimentada e por segurança fui pedalando pelo acostamento. Mas ele era horrível, com muitos buracos e pedras soltas, sem contar o mato que muitas vezes arranhava minha canela e tornozelo direito. E o pior é que pedalando pelo acostamento ruim eu não conseguia andar muito veloz. Esse seria um dia em que precisava pedalar dezenas de quilômetros, e ganhar tempo era necessário para conseguir chegar em Carrancas, cidade onde planejava pernoitar. E no meio do caminho teria que atravessar uma balsa, e caso ocorresse mais algum contratempo eu corria o risco de perder a balsa e ter que dormir na rua. Pensando em tudo isso, segui pedalando sob um sol que ficava cada vez mais quente, até que um caminhão passou por mim buzinando de forma estridente. Era o caminhoneiro que tinha me ajudado com o pneu da bike. Acenei para ele e em pensamento agradeci pela ajuda recebida.

Após superar um longo trecho de curvas e subidas, finalmente cheguei em um trecho com sombra, retas e descidas. E passei por dois outros puteiros ao lado da estrada. Um deles tinha o nome “Capa de Revista” pintado na fachada. “Capa de Revista” foi uma música de sucesso nos anos oitenta, cantada pela dupla Gilberto & Gilmar. Segui pedalando forte pelas retas e descidas da estrada, enquanto cantava… ♫♪Capa de revista, exposta na banca pra todos verem. Um dia a tarde, andando na rua me surpreendi. Quando numa banca vi um corpo nu, queimado do sol. Conhecido meu a tempos atrás me pertenceu. Como eu era feliz… ♫♪ Pedalei muitos quilômetros cantarolando esse trecho da música. Sabe quando você começa a cantar uma música e não consegue parar? Acho horrível quando isso acontece, quando a música vem à mente sem eu querer e eu não consigo deixar de cantar, por mais que me concentre e tente não cantar.

Vi uma placa ao lado da estrada que indicava a entrada para o Circuito das Águas. Por essa estrada seriam 135 quilômetros para chegar na cidade de Caxambu. Fiquei bastante tentado a seguir por essa estrada, pois seria um bom atalho, já que Caxambu estava em meu roteiro. Mas se fizesse isso eu estaria deixando grande parte da Estrada Real de lado e isso faria minha viagem perder o sentido. Me mantive fiel à Estrada Real, apenas deixando muitas vezes de seguir por estradas de terra, e optando por seguir por estradas asfaltadas. E vale lembrar que muitos trechos originais da Estrada Real foram asfaltados e hoje fazem parte de grandes rodovias. O que acontece é que muitas vezes acabam existindo trechos alternativos de terra, que são mais seguros.

Pouco antes do meio dia e sob um sol escaldante, cheguei em São Sebastião da Vitória. Estava com pouca água e ela estava quase fervendo. Vi um posto de gasolina e nele um bebedouro. Fui pedalando todo alegrinho na esperança de encontrar água gelada, mas o bebedouro estava quebrado. Mesmo assim consegui matar a sede com uma água pouco mais fresca que a minha. Voltei a pedalar e segui pela rodovia, que atravessava toda a pequena cidade. Me lembrei de que estava sem dinheiro e fui olhando atentamente a procura de uma Casa Lotérica, onde eu pudesse sacar dinheiro de minha conta da Caixa Econômica Federal. Parei em uma farmácia pedir informação e a atendente contou que tinha uma loja onde era possível fazer saques, mas que a dona não estaria lá naquela hora do dia. Segui em frente olhando para os lados a procura de um local para lanchar e que aceitassem cartão de débito. Vi uma panificadora e quando ia entrar nela, do outro lado da rua vi um pequeno restaurante com uma placa anunciando “comida caseira”. Não resisti e fui até o restaurante. Meu plano desde o início era nunca fazer refeições na hora do almoço, mas apenas lanches leves, pois pedalar com o estômago muito cheio não é nada produtivo. Mas estava cansado de comer lanches nos últimos dias e minha fome era grande.

Cheguei no pequeno povoado de Caquende. Fui até a pequena igreja do povoado, tirei uma foto em frente a ela e me informei sobre o caminho a seguir até o local onde deveria pegar a balsa. Não era longe e em poucos minutos parei na margem do rio, no exato local onde a balsa costuma parar. No mesmo local estava o motoqueiro que tinha passado por mim há pouco. Começamos a conversar, ele era paulista de Ribeirão Preto. Me contou que já foi ciclista e que já tinha viajado de bike. Daí comprou a moto e resolveu percorrer a Estrada Real. Ele tinha sofrido uma queda pouco antes de passar por mim na estrada e além de sofrer alguns esfolados, também ralou a moto e quebrou um pisca traseiro. Próximo de onde estávamos tinham alguns caras pescando e nos informaram que a balsa demoraria cerca de meia hora para voltar, pois ela tinha acabado de atracar em Capela do Saco, no outro lado do rio. Tirei algumas fotos, conversei mais um pouco com o motoqueiro, cujo nome não anotei e não consigo lembrar. O sol estava muito quente, eu estava todo molhado de suor e cheio de poeira. Olhei o rio em volta, sua água era clara, pois o fundo era de areia grossa. Vi que próximo onde a balsa atracava era raso e não resisti, tirei meu tênis, meias e camisa, ficando de bermuda somente e entrei na água.

Comecei a me sentir muito cansado e isso não ajudava muito, pois o cansaço deixa nosso raciocínio lento. E por culpa do cansaço e da preguiça de pegar o guia e olhar mais detalhadamente as indicações do caminho, passei a seguir os marcos da Estrada Real. Até que numa encruzilhada não prestei muita atenção na direção que o marco indicava e acabei seguindo pela estrada errada. O problema é que demorei muito para perceber o erro. Enquanto ainda achava que estava no caminho certo, comecei a pedalar por um trecho com muita areia e mato dos dois lados da estrada. O sol estava se pondo e era um pouco assustador pedalar ali, pois da mata vinham ruídos estranhos. E a areia ficou tão fofa, que tive que descer e empurrar a bike. Até cheguei a pensar que tinha finamente chegado na famosa subida da “cruz das almas”, mas quando cheguei no final da subida vi pelo aplicativo do celular que ela tinha somente um quilômetro de extensão. Então não poderia ser a famosa e assustadora subida de quatro quilômetros.

O dia estava começando a escurecer e passei a seguir por uma estrada longa, com pasto dos dois lados. Eu subia quase o tempo todo, mas não era uma subida íngreme. E cada vez eu ficava mais perto das montanhas que tinha visto antes. Foi aí que tive certeza de que estava no caminho errado. E tinha quase certeza de que tinha errado o caminho quando passei pelo último marco da Estrada Real, já que depois disso não vi mais nenhum marco. Tentei me localizar olhando o guia, mas não consegui chegar a nenhuma conclusão objetiva. Na verdade eu não sabia ao certo onde estava e nem para onde a estrada seguia. Voltar ao local onde tinha errado o caminho era algo fora de cogitação, pois já tinha percorrido mais de dez quilômetros depois disso e tinha passado por muita areia. Resolvi confiar na sorte e seguir em frente. A noite foi chegando e passou um ônibus escolar por mim. Mas ele chegou tão silencioso que me assustei quando percebi ele atrás de mim. E no susto acabei não dando sinal para o motorista parar para eu pedir informação sobre o caminho. Parei e fiquei olhando o ônibus seguir pela estrada, e quando ele já estava bem distante vi ele virar na direção da montanha, que ficava cada vez mais perto. E notei que ele passou a andar mais veloz e comecei a ver luzes de carros. Ou seja, ali tinha uma estrada, possivelmente asfaltada. Ganhei um animo extra e pedalei mais forte até que uns dois quilômetros depois cheguei numa rodovia. Parei e fiquei pensando para qual lado deveria seguir. Não tinha nenhuma placa indicando o caminho e após pensar um pouco cheguei à conclusão de que a cidade de Carrancas ficava na direção das montanhas. Tinha ficado escuro e peguei a lanterna que ficava guardada na bolsa de guidão. A lanterna ainda não tinha sido usada na viagem e estava com a bateria cheia, o que me dava cerca de duas horas de autonomia de luz. Ela era bem forte, tinha sido comprada especialmente para a viagem, para o caso de alguma emergência noturna. E naquele momento eu estava numa emergência, no escuro, seguindo por uma estrada que eu não sabia ao certo para onde ia.

Para piorar minha situação fiquei sem água. E empurrar a bike montanha acima me fazia suar em bicas. Teve um trecho onde eu passei bem próximo a um alto paredão de rocha. E vi que recentemente tinham caído algumas pedras enormes ao lado da estrada. Era o que me faltava, cair uma pedra na minha cabeça! Passei o mais rápido que consegui por aquele trecho e quando me senti mais seguro parei para descansar. Aproveitei para guardar o guia na bolsa de guidão e fechá-la totalmente com o zíper, pois no escuro tinha receio de algo cair da bolsa e eu não ver. E ao mexer na bolsa de guidão, acabei encontrando o bombom que a Lua tinha deixado em meu travesseiro, na noite anterior no hostel em São João del Rei. Comi aquele bombom com um prazer indescritível. E todo aquele açúcar me deu nova energia para seguir empurrando a bike montanha acima. E nisso gritei bem alto um “obrigado Lua!”. E por falar em lua, ela surgiu (não a Lua do hostel) no céu, iluminando meu caminho. Não sei ao certo quanto tempo empurrei a bike morro acima, pois estava tão cansado que nem tinha vontade de pegar o celular no bolso traseiro da camisa para ver o horário ou a distância.

A descida era radical e com uma curva atrás da outra. E minha lanterna foi ficando fraca, até quase não iluminar nada. O que ajudava um pouco era a luz da lua. No começo ia segurando no freio, com medo de cair em algum buraco da estrada Mas notei que tinham algumas marcas mais escuras no asfalto, resultado de um recape recente. Isso me fez sentir mais seguro, e criei confiança e passei a descer rápido pela estrada. Não passavam carros e eu seguia pelo meio da pista. Comecei a sentir frio, mas nem ligava e seguia no embalo, sem precisar pedalar. Aquilo era muito radical, perigoso e gostoso. Com certeza esse foi um dos melhores e mais perigosos pedais que já fiz na vida. Foi um momento, uma aventura inesquecível, mas que espero não precisar mais repetir, pois foi perigoso demais. Descer aquela serra em alta velocidade, com peso traseiro e mal conseguindo enxergar a estrada direito é algo de gente maluca. Mas eu estava seguro do que estava fazendo e o risco era calculado. E também sou um cara de fé e meu anjo da guarda, coitado, sempre está ao meu lado. Costumo brincar que meu anjo da guarda não tem mais penas nas asas, que é manco e tem muitas fraturas e pontos pelo corpo. Vez ou outra ele falha e eu me estrepo, mas quase sempre ele está a postos e me livra dos perrengues.

Não sei dizer quanto tempo durou a descida, mas quando chegou no fim passei a pedalar por uma longa reta e sentia muita dor nas pernas. Eu não estava tendo mais forças para pedalar, mas precisava seguir em frente, pois estava cada vez mais perto de Carrancas. Nesse trecho passaram muitos carros por mim. Parecia que os carros estavam esperando eu descer a montanha, para então passarem. Cheguei num pequeno trevo e achei que era a entrada para Carrancas, mas lendo uma placa descobri que o caminho não era aquele. Pedalei mais uns dois quilômetros e logo comecei a ver luzes e algumas casas. Finalmente eu tinha chegado em Carrancas. Segui por uma longa avenida e após uma pequena descida vi uma praça e uma igreja. Como a cidade não era muito grande, sabia que ali era o centro da cidade. Ao meu lado parou um carro e quando me virei para olhar o que era, vi uma bela e jovem mulher ao volante. Antes que eu dissesse algo, ela perguntou se eu precisava de ajuda. Respondi que estava procurando a Pousada da Mica. Ela disse que a pousada ficava perto, e que eu deveria subir duas quadras e virar à direita, que mais 100 metros eu chegaria na pousada. Agradeci a informação e ela respondeu que ao me ver percebeu que eu era um viajante e que fatalmente precisava de ajuda.

Antes de me ajeitar para dormir, liguei para casa dar noticiais e fiz algumas anotações em meu diário de viagem. Em seguida apaguei as luzes e deixei a janela aberta, pois a noite estava um pouco quente. Me deitei e mal sentia meu corpo, e minhas pernas doíam muito. Resolvi tomar um Dorflex e quando estava quase pegando no sono, ouvi vozes debaixo da janela do meu quarto. Discretamente fui espiar e vi que era um casal, sendo que a garota era muito jovem e bonita. Voltei para a cama e fiquei ouvindo a conversa dos dois, que nem imaginavam que eu estava próximo a eles, escutando tudo o que falavam. O rapaz era bom de papo e estava tentando levar a garota para a casa dele, pois seus pais tinham viajado. A garota estava se valorizando, dizia que era virgem e que ele estava indo rápido demais. Mas o cara era muito bom de papo e após uns 15 minutos de conversa a garota estava quase cedendo.  Atento a conversa dos dois esqueci as dores e o cansaço, mas acabei pegando no sono e jamais saberei se a garota foi ou não para a casa do rapaz.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 4° Dia

Tiradentes/São João del Rei

(Resumo)

Dormi até 08h00min. Levantei com muita dor nas costas e nas pernas. Tomei um demorado banho e coloquei para secar na janela e na sacada, algumas roupas que tinha lavado na noite anterior. Desci tomar café e enquanto comia fiquei conversando com a Eloisa, que além de recepcionista também é quem faz o café na pousada. Ela me contou que o marido dela também é ciclista e que no dia anterior ele tinha feito um bate e volta até Prados, pela Estrada Parque. Tenho quase certeza que foi o marido dela que encontrei pouco antes de entrar na Estrada Parque. Ela também disse que o custo de vida na cidade é alto e que os restaurantes cobram valores absurdos. Segundo ela os moradores sofrem com isso, pois não sendo turistas, pagam preços de uma cidade voltada para o turismo e para turistas.

A Igreja de Santo Antônio fica no alto de um morro e para chegar até nela, subi por uma rua cercada de belas construções antigas. Da igreja de Santo Antônio dá para se ter uma linda vista de parte da cidade de Tiradentes. E ao redor da igreja também existe um cemitério. Isso era muito comum antigamente, de sepultarem os mortos dentro e ao redor das igrejas. Tirei algumas fotos do lado de fora e após pagar R$ 5,00 por um ingresso, entrei na igreja. Dentro não é permitido fotografar. Andei por todos os cantos, observando cada detalhe. O que me chamou atenção além do altar de ouro, foi o chão que é feito quase todo em taboas de madeira numeradas. Deduzi que tais tábuas eram tampas de sepulturas.

Depois de orar, permaneci mais algum tempo sentado observando o altar de ouro, cheio de detalhes. E comecei a ouvir um guia do local, que estava bem próximo contando a história da igreja a um casal de turistas.  A construção da Matriz de Santo Antônio teve início em 1710.  Ela é considerada uma das obras primas da arquitetura barroca em Minas Gerais, especialmente pela decoração em seu interior. A igreja fica em um terreno elevado em relação ao resto da cidade e por essa razão é um marco visual local. Sua posição permite a visualização de sua fachada de diversos ângulos, a partir das ruas vizinhas. A igreja levou cerca de 100 anos para ficar pronta e depois de pronta sofreu algumas modificações e restaurações. A mudança mais importante foi realizada em 1810, quando sua fachada foi modificada a partir de um projeto encomendado a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A nova fachada foi construída no estilo rococó. Em seu interior foram utilizados aproximadamente 482 quilos de ouro. Seu assoalho foi feito em 1774, em óleo bálsamo e se mantém original até hoje, com exceção da parte que fica sob o coro da igreja. O assoalho é formado por campas numeradas de 1 a 116 e nessas sepulturas estão enterradas pessoas de todas as classes sociais, desde nobres até escravos, sendo que a maioria ajudou a financiar a construção da igreja. Existem registros de que durante muitos anos assistir a uma missa no local não era muito agradável, pois além das missas de antigamente serem longas, o cheiro de corpos em decomposição que subia das profundezas da igreja não era nada agradável.

A estrada era de paralelepípedos, o que é ruim para pedalar, pois chacoalha muito. Felizmente logo cheguei em um trecho onde existia uma larga calçada na beira da estrada, que funcionava mais como ciclovia. Segui pedalando por essa calçada e encontrei alguns ciclistas vindo em sentido contrário. O clima estava agradável, o calor diminuiu e o céu começou a ficar nublado. Mais alguns quilômetros e cheguei na cidade de Santa Cruz de Minas. A cidade é pequena e segui por uma longa avenida que atravessa a cidade. Mais alguns minutos e cheguei em São João del Rei, essa sim uma cidade de maior. Entrei na cidade de São João del Rei pela periferia e após alguns minutos cheguei ao centro. Pedi informação a um pedestre, pois precisava encontrar o Hotel Brasil, que tinha visto no guia. O pedestre foi simpático e me indicou o caminho a seguir. Pedalei por algumas ruas pouco movimentadas e cheguei em uma ciclovia que fica entre duas pistas de uma grande avenida. O interessante de tal ciclovia é que ela é antiga e larga, onde pedestres também caminham. Acabei seguindo pelo lado errado da ciclovia, mas logo percebi o engano e dei meia volta. Pedalei poucos minutos e finalmente encontrei a avenida que procurava, que me parece ser a principal da cidade, ou então a mais antiga. De um lado ficavam as construções e ao lado num plano rebaixado e cercado por um grande muro, tinha um pequeno córrego e algumas pequenas pontes que permitiam atravessar para outra rua no lado oposto. O córrego era pequeno, mas os espaços laterais eram grandes, então acredito que em períodos de chuva o córrego deve se transformar em um rio. Aquela era a parte antiga da cidade, sendo que do lado oposto de onde eu estava ficava a antiga estação de trem e muitas construções antigas e históricas.

Passava um pouco das 16h00min e em vez de ir para o hotel, resolvi aproveitar as cerca de duas horas de dia claro que restavam, e fui fazer um tour pelos pontos turísticos da cidade. A maioria dos pontos turísticos ficavam próximos de onde eu estava. Saí pedalando e logo encontrei o Memorial Tancredo Neves, mas infelizmente ele estava fechado. Por ser domingo, imaginei que encontraria tal local aberto. Para quem não sabe, São João del Rei é a cidade onde nasceu e viveu durante muitos anos, Tancredo Neves. Ele foi o presidente do Brasil eleito pelo voto indireto em 1985 e que não chegou a assumir o cargo, pois passou mal um dia antes da posse. Após ficar pouco mais de um mês internado, Tancredo Neves acabou falecendo no dia 21 de abril de 1985, coincidentemente feriado nacional de Tiradentes, mineiro igual a Tancredo. Na época a morte de Tancredo Neves foi um evento que causou comoção nacional, pois ele seria o primeiro Presidente civil após 21 anos de Governo Militar. Mesmo sem ter tomado posse, Tancredo Neves é por força de Lei, elencado entre os ex-presidentes do Brasil.

Atravessei uma pequena ponte e fui para o outro lado da avenida que tinha o córrego no meio. Segui para a região onde existem muitas construções antigas. Logo encontrei o Solar dos Neves, que era a residência de Tancredo Neves. Tirei algumas fotos em frente ao Solar e em frente de uma bonita igreja que fica quase em frente ao Solar. Caminhei um pouco empurrando a bike e admirando e tirando fotos das bem conservadas construções antigas. Começou a escurecer e segui para o Hotel Brasil. Apertei a campainha e uma senhora veio me atender. Antes mesmo de eu começar a falar, ela me olhou de cima embaixo, com cara de que não estava gostando do que via. Eu estava de roupa justa de ciclismo, mas excepcionalmente nesse dia eu não estava sujo e completamente suado como na maioria dos dias em que viajei pela Estrada Real. Eu tinha pedalado poucos quilômetros nesse dia, então minha aparência era bastante apresentável. Falei que tinha ligado e que disseram que tinha vaga e que precisava de um quarto para uma noite apenas. E que teria que guardar a bike no quarto ou em algum outro local do hotel. A tal senhora respondeu que não tinha vaga, virou as costas e entrou no hotel batendo a porta na minha cara. Acho que fui vítima de “bikefobia”! Fiquei sem ação por alguns instantes, não entendendo o motivo de tratamento tão grosseiro, pois até ali eu tinha sido muito bem tratado por todos, em todos os lugares por onde tinha passado.

Saí da frente do Hotel Brasil e parei no calçadão para olhar o guia e ver se o mesmo indicava outro lugar para hospedagem. O guia indicava um hostel. Liguei no hostel, mas ninguém atendeu. Mais tarde acabei descobrindo que tal hostel tinha sido fechado há dois anos. Ficou noite e saí a procura de um lugar para dormir. Parei em um hotel simples perto de onde estava, mas o preço era absurdo para as condições do hotel. Resolvi seguir para as ruas mais afastadas daquela avenida principal, pois hotéis mais afastados de áreas centrais costumam ser mais baratos. Andei cerca de 400 metros e vi um hostel que parecia ser legal. Apertei o interfone e ouvi uma voz muita simpática vinda do outro lado. Nem perguntei o preço e falei que queria me hospedar. Demorou alguns minutos e uma moça jovem e sorridente veio me recepcionar. O nome da moça era Lua, e mais tarde fiquei sabendo que ela é ítalo-brasileira. A educação e atenção que a Lua me dispensou, me fez esquecer o péssimo tratamento que tinha recebido há pouco no velho Hotel Brasil.

O AZ Hostel tinha sido inaugurado há pouco tempo e tudo era limpo, organizado e simples. A casa onde o hostel funciona faz parte de um conjunto de bens tombados no Centro Histórico de São João del Rei, e no passado foi um dos prostíbulos da cidade. Preenchi a ficha na recepção, e a Lua me indicou um local para deixar a bike nos fundos do hostel. Tirei o alforje da bike e a Lua me levou até um quarto, no andar de cima. Era um quarto coletivo, com duas beliches. Mas eu ficaria sozinho no quarto, pois não tinham mais hospedes no hostel e no final da noite chegaria um casal que ficaria no quarto ao lado do meu. Entrei no quarto e escolhi uma cama na parte de baixo de um beliche. Tirei minhas coisas do alforje e espalhei tudo pelo chão. Fui tomar banho e o banheiro mesmo sendo coletivo, talvez tenha sido o mais limpo que utilizei na viagem. Após o banho deitei um pouco, coloquei o diário de viagem em dia e olhei o guia, para planejar o dia seguinte e decidir a que horário levantar. O dia seguinte seria de um longo e difícil pedal, por isso tinha planos de dormir cedo.

Voltei para o hostel e entrei tão silenciosamente, que a Lua não me viu chegar. Ela acabou se assustando quando me viu. Junto com ela estava sua irmã, que de tão parecida pensei que fosse gêmea da Lua. Conversei rapidamente com as duas e fui para meu quarto. Ajeitei minhas coisas e ao deitar encontrei um simpático bombom em meu travesseiro. Guardei o bombom e liguei para casa, para dar notícias e dizer que estava vivo e bem.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 3° Dia

Casa Grande/Lagoa Dourado/Prados/Tiradentes

(Resumo)

Acordei O8H00min em ponto, com ajuda do despertador do celular. Tinha dormindo mal por culpa do barulho do bar em frente, que foi até alta madrugada. E para piorar sentia muita dor nas coxas. O jeito foi tomar banho para despertar e antes do café engolir um Dorflex e um comprimido de vitaminas. Dei uma arrumada rápida em minhas coisas, coloquei a roupa de ciclismo e fui tomar café. Voltei até o quarto, me ajoelhei ao lado da cama e orei como fazia todas as manhãs, agradecendo por tudo e pedindo proteção para o dia que estava iniciando.

Os primeiros quilômetros de estrada foram tranquilos, alternando subidas e descidas, com poucas retas. A paisagem era interessante e tinham muitas árvores e sombra em vários trechos. Mas o calor estava terrível e bebi muita água nesse início de pedal. Tudo corria bem, até que numa descida encontrei algumas vacas de leite paradas no meio da estrada. Na minha viagem de bicicleta pelo Caminho da Fé em 2011, quase levei uma chifrada de uma vaca que estava deitada no meio da estrada e ao lado dela tinha um pequeno bezerro que eu não tinha visto. Depois daquele incidente do qual saí ileso por muito pouco, passei a ter cuidado e medo quando via vacas e bois soltos na estrada. Parei a uma distância segura e fiquei gritando para tentar espantar os bichos da estrada. Tacar pedras eu não faria, pois jamais feriria um animal, a não ser para me defender de um ataque. Os gritos deram resultado e as vacas saíram da estrada e seguiram em direção a um pasto próximo, que não era cercado. Como o trecho era de descida, pedalei rápido para ficar o mais distante possível das vaquinhas.

Cheguei em Lagoa Dourada pouco depois do meio dia. Uma coisa que notei é que sempre a chegada em alguma cidade é por uma grande subida. No caminho tinha visto uma placa informando que a cidade é considerada a capital do rocambole. Pensei em almoçar um rocambole, mas antes queria encontrar a Pousada dos Vertentes, que era o local indicado pelo folheto do Instituto Estrada Real, como sendo o ponto oficial para carimbar o passaporte na cidade. Entrei no centro da cidade e perguntei para um casal parado numa esquina, onde ficava o endereço da pousada. Me informaram que era próximo a catedral. Não foi difícil encontrar a pousada, o difícil foi superar a ladeira que levava até ela. Acabei empurrando a bicicleta nos últimos metros, pois estava muito cansado. A pousada funcionava em um antigo casarão e ficava numa esquina, quase em frente à catedral. O portão estava aberto e segui até a porta da pousada, onde encostei a bike e apertei a campainha. Uma senhora de idade veio me atender. Falei a ela que precisava do carimbo no passaporte da Estrada Real e ela foi pegar uma pasta, onde estava o carimbo e uma folha onde ela anotou o número do meu passaporte. A dona da pousada se chamava Aíde e se mostrou muito simpática. Começamos a conversar e ao saber que eu era do Paraná, Dona Aíde contou que seu marido é paranaense também. Ficamos alguns minutos conversando, e ela contou que o casarão tem 200 anos e sempre pertenceu a família dela. Também contou que o local sofreu algumas reformas, mas que no geral o casarão não sofreu grandes mudanças em sua arquitetura original.

Após pedalar alguns metros cheguei em um portal, onde estava escrito Estrada Parque. Na verdade a estrada passava por dentro de um Parque Estadual e por isso tinha tal nome. A estrada era de terra e logo passei a pedalar no meio da mata. Cheguei em um trecho de subida que era pavimentado por pedras irregulares. Eu estava muito cansado após pedalar o dia todo debaixo de sol quente e preferi empurrar a bike na subida. Tinha empurrado a bike poucos metros, quando surgiu uma moto com um casal. Eles pararam ao meu lado e perguntaram de onde eu era, para onde iria. Daí contaram que iam dar uma volta e logo voltariam pelo mesmo caminho. Nos despedimos e eles seguiram em frente.

Já estava pedalando quase que no escuro absoluto, quando cheguei em um trecho da estrada onde tinha pasto dos dois lados e não tinha cerca. A estrada ficava em um nível mais baixo do que o pasto. E logo dei de cara com algumas vacas e dois bezerros no meio da estrada. Eu é que não ia passar perto deles, pois tendo bezerros pequenos as vacas mães ficam estressadas e podem atacar. Como já contei antes, quase levei uma chifrada numa viagem anterior de bicicleta. Parei a bike e fui empurrando ela devagar e gritando para assustar as vacas. Elas correram pela estrada e num trecho onde o barranco era mais baixo, um bezerro e três vacas subiram pelo barranco e desapareceram no pasto. Ainda ficou a vaca que parecia ser a mais brava e um bezerro. Continuei empurrando a bike e gritando. Mas não adiantou muito, pois a vaca parou no meio da estrada e ficou me encarando. E para piorar surgiu um boi por trás, quase ao meu lado e também ficou parado no meio da estrada. Fiquei sem ação durante uns 15 minutos, esperando alguma ajuda divina. E ela veio! Surgiu uma caminhonete nas minhas costas e ao passar pela estrada ela assustou os animais, que correram pela estrada e após uns 300 metros encontraram uma subida no barranco e desapareceram no pasto. Eu não perdi tempo e segui pedalando feito louco e agradecendo em voz alta pela ajuda divina. Não demorou muito e cheguei numa estrada de paralelepípedos.

Eram 19h35min quando cheguei no centro da cidade. O movimento de carros e pessoas era intenso, talvez por ser sábado à noite. Tiradentes é uma cidade histórica, bem famosa por sua gastronomia, e muita gente vem de outras cidades para conhecer os restaurantes locais. Parei duas vezes pedir informação, até que finalmente encontrei a pousada que o guia indicava. Parei na portaria da pousada e fui atendido por uma moça sorridente, de nome Eloisa. Preenchi a ficha de hospedagem, paguei e perguntei se tinha algum local onde pudesse guardar a bike. A Eloisa disse que tinha a lavanderia, mas que não era um local muito seguro. Perguntei se podia levar a bike para o quarto e ela respondeu que sim. Mas o quarto ficava no primeiro andar e eu teria que carregar a bike por uma escada de madeira de dez degraus. Não custava sofrer mais um pouco depois de um dia muito cansativo e assim empurrei a bike escada acima. Mas o esforço foi maior do que eu esperava e dei mal jeito nas costas, sentindo muita dor.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Estrada Real – 2° Dia

Conselheiro Lafaiete/Congonhas/Queluzito/Casa Grande

(resumo)

Comprei a passagem e embarquei no ônibus que seguiria para Congonhas. O ônibus era simples, daqueles de transporte curto, sem conforto algum e com banco duro. A viagem durou cerca de meia hora e no caminho foram feitas muitas paradas para embarque e desembarque de passageiros.

Congonhas possui um expressivo conjunto de riqueza barroca do maior artista do gênero no Brasil: Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido pelo apelido Aleijadinho. No adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Aleijadinho, esculpiu em pedra-sabão as famosas imagens de doze profetas em tamanho real que são visitadas anualmente por milhares de turistas do Brasil e do mundo. Além disto, as seis capelas que compõem o Jardim dos Passos em frente à basílica representam a Via Sacra com belíssimas imagens esculpidas em cedro, também por Aleijadinho. Em 1985, todo este conjunto foi tombado pela UNESCO e transformado em patrimônio cultural da humanidade.

Exatamente às 11h30min, embarquei no ônibus de volta para Conselheiro Lafaiete e dessa vez em vez de dormir fui observando a estrada. Após meia hora desembarquei na rodoviária e segui direto para o hotel. Arrumei minhas coisas no alforje, inclusive as roupas que tinha lavado na noite anterior.

A saída da cidade de Conselheiro Lafaiete indicada no guia, ficava bem próxima ao hotel, então foi fácil de achar o ponto de partida. Seguindo o guia, toda cidade tinha um ponto pré determinado de partida e de chegada. E era nesses pontos de partida que todos os dias eu ligava o aplicativo de quilometragem, e nos pontos de chegada no final do dia eu desligava o aplicativo. Dessa forma eu tinha o controle exato das distâncias percorridas, bem como altitude, velocidade máxima, velocidade média e calorias perdidas no dia.

Segui cerca de dois quilômetros por uma rua longa e calma, até chegar ao trevo da rodovia. Foi aí que a coisa ficou complicada, pois para variar não existia acostamento e o trânsito era intenso, principalmente de caminhões. Pedalei algum tempo pelo canto da pista, em cima da faixa branca. Quando ouvia algum caminhão se aproximando, eu descia para a canaleta lateral e tentava pedalar. Algumas vezes era possível pedalar dentro da canaleta, mas tinham trechos onde ela era mais estreita e os alforjes laterais enroscavam na borda da canaleta e eu tinha que parar e empurrar a bike. Nas curvas eu tinha que empurrar a bike pelo canteiro lateral. Foram uns dez quilômetros pedalando pouco e empurrando muito.

Passei a pedalar por uma estrada estreita e asfaltada, aonde quase não passavam carros. O contraste com a estrada movimentada de onde tinha acabado de sair era grande. Essa nova estrada era tão calma, que eu podia me dar ao luxo de pedalar e admirar a paisagem, bem como ouvir o canto dos pássaros na mata. Alguns trechos eram ladeados por árvores, e em alguns momentos a brisa era tão fria que os pelos de meus braços ficavam todos arrepiados. A sensação quando eu entrava nestes trechos com sombra e ladeados de árvores, era a de estar entrando em uma sala com ar condicionado ligado numa temperatura muito baixa.

Queluzito era uma cidade pequena e simpática. Fui até a igreja matriz e me sentei na entrada da igreja para descansar a sombra. Peguei o guia e fiquei estudando o próximo trecho de estrada que teria pela frente. Passava um pouco das 16h00min e eu tinha duas opções. Ou encerrava o pedal daquele dia e pernoitava em Queluzito, ou seguia por mais onze quilômetros até Casa Grande, a próxima cidade. O guia mostrava que no caminho tinham três subidas, sendo a primeira um pouco longa. Mas o fator mais importante na decisão de parar ou seguir, era que em Queluzito tinha hotel e restaurante, enquanto em Casa Grande tinha somente uma pensão. E ainda existia o risco de um pneu furado, ou uma quebra na bike, o que talvez me obrigasse a percorrer um trecho de estrada a noite. Por segurança, pedalar a noite em estrada não é recomendado, mesmo com a lanterna e a bike bem sinalizada. Sempre é mais perigoso pedalar a noite, principalmente por uma estrada onde você nunca passou antes. E para piorar, tenho trauma com pedal noturno. Em outubro de 2014 sofri uma queda quando pedalava com amigos em uma estrada de terra próxima a cidade onde moro. O tombo foi feio, tive que ser socorrido por uma ambulância. Nesse tombo fraturei o ombro, passei por cirurgia e demorei sete meses para me recuperar e voltar a pedalar. Depois desse acidente noturno, evito ao máximo pedalar a noite.

Logo cheguei na primeira e mais longa subida daquele trecho de viagem. Felizmente a subida ficava num local de paisagem bonita e mesmo com o esforço que estava fazendo, consegui admirar a beleza do lugar, o que parece ter amenizado um pouco o cansaço da longa subida. Cheguei em Casa Grande no final do dia, o sol estava se pondo. A cidade é bem pequena e seguindo o guia logo cheguei na rua principal e encontrei a Pensão da Dona Irene. A Pensão funciona na casa dela, onde existem três quartos na parte da frente, que ela aluga para viajantes.

Bati na porta da casa e logo uma senhora muito simpática veio me atender. Ela mostrou o quarto, que era simples, mas bem arrumado e limpo. O banheiro era coletivo e ficava no corredor. Eu seria o único hospede naquela noite, a não ser que chegassem alguém mais tarde. Ela disse que eu deveria ter ligado antes, pois muitas vezes os quartos estão cheio e na cidade não existe outra opção de hospedagem. Então se eu chegasse ali e a pensão estive cheia, eu teria que dormir no banco da praça ou voltar para Queluzito.

Fui para o quarto, arrumei o que tinha para arrumar, escrevi no diário de viagem e queria ligar para casa, mas nada de sinal no celular. Saí e pedindo informação para uma moça na rua descobri onde ficava um dos poucos telefones públicos da cidade. Fiz duas ligações e voltei para a pensão. Me deitei para dormir pouco depois das 21h00min. Mas então me dei conta de que teria dificuldade para pegar no sono. Primeiro por que a janela não tinha cortina e bem em frente tinha um poste de luz na rua. Segundo por que do outro lado da rua tinha um bar, onde começou a tocar música alta e muita gente estava conversando. Era sexta-feira, semana de pagamento, cidade pequena e provavelmente aquele bar era um dos poucos locais de diversão na cidade. Fui olhar os outros dois quartos pensando em talvez me mudar para um deles, mas desisti. Um dos quartos também era de frente e sem cortina na janela. O outro era de fundo, mas nem roupa de cama tinha. O jeito era ficar onde eu estava e tentar dormir. Para a claridade encontrei uma solução. Sempre que viajo levo uma máscara para tapar os olhos. Tal máscara não escurece cem por cento, mas ajuda muito. Não sei precisar quanto tempo fiquei acordado ouvindo o barulho que vinha do bar. Sei que foi muito tempo! Teve um momento em que o som alto parou e achei que a paz ia reinar. Mas a situação ficou pior, pois começou música ao vivo com dois violeiros cantando na calçada em frente ao bar. E os caras cantavam muito mal! Acabei dormindo, vencido pelo cansaço.

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Estrada Real – 1° Dia

Ouro Preto/Ouro Branco/Conselheiro Lafaiete

(resumo)

O navegador Amyr Klink disse certa vez que “o mais difícil é partir”. Depois que você organizou e se preparou, basta percorrer o primeiro quilômetro que tudo fica mais fácil. No meu caso foram dez anos de espera para finalmente percorrer o primeiro quilômetro da Estrada Real. Foi muito tempo de planejamento, treino, dinheiro e tempo investidos. Então após percorrer o primeiro quilômetro e finalmente iniciar a viagem, tudo mais ia fluir e os demais seiscentos e poucos quilômetros pareceriam mais fáceis de percorrer do que esse primeiro quilômetro percorrido. Parei em frente à estação de trem de Ouro Preto e tirei uma foto, onde ao fundo aparecia o nome da cidade na parede do prédio da estação. Não me demorei muito e segui pedalando ao lado do trilho do trem. Deixei o guia aberto dentro da bolsa de guidão, para ficar mais fácil de pegá-lo quando precisasse consulta-lo para descobrir o caminho a seguir. A guia dizia para virar à direita na primeira rua logo após passar pela estação de trem e foi isso o que fiz.

Mal tinha percorrido o primeiro quilômetro de viagem e já cheguei na primeira subida. Segundo o guia, durante a viagem eu percorreria nada menos do que 319 quilômetros de subida nos próximos dias. E a primeira subida foi uma das mais difíceis, nem tanto pela inclinação, mas sim pelo perigo. A subida era em estrada asfaltada, mas não tinha acostamento e ao lado da estrada existia uma pequena mureta, e após a mureta existia um enorme precipício. Segui pedalando pelo canto da estrada, bem perto da borda do precipício e quando passava um carro subindo e outro descendo, o carro que subia era obrigado a passar muito perto de mim. Esse foi o primeiro grande perrengue da viagem e toda vez que escutava um carro subindo atrás de mim, torcia para que ele estivesse me vendo. A vista da cidade, de onde eu estava era muito bonita, mas não tinha como ficar olhando muito para tal vista. Procurei pedalar o mais rápido possível, o que não era muito fácil devido a inclinação da subida e ao peso da bike. Segundo o guia, essa primeira subida que enfrentei tinha cerca de um quilômetro de extensão, mas confesso que parecia ser bem mais do que um quilômetro.

Com a bicicleta pesada por culpa do alforje, sem trocar marchas leves e com subidas longas e difíceis, a única opção era empurrar a bicicleta em algumas subidas. E seu eu tinha passado frio não muito tempo antes, agora eu estava era derretendo de calor novamente. E para piorar minha situação, a estrada não tinha acostamento e passavam muitos carros por ela. Então empurrar a bike no cantinho da estrada, com carros passando muito próximos de mim, não foi uma tarefa das mais agradáveis. E acostamento viria a descobrir nos dias seguintes, é algo que praticamente não existe naquela região de Minas Gerais. São muitas serras, muitas curvas perigosas, muitos carros e muito pouco acostamento. Talvez a falta de acostamentos, seja uma das razões do Estado de Minas Gerais ser um dos recordistas brasileiros e acidentes e mortes nas estradas.

No alto de uma serra, em um local chamado Itatiaia, parei em um restaurante ao lado da estrada. Passava um pouco das 13h00min e estava começando a sentir fome. Fui ao banheiro e depois comprei um pão de queijo e uma Coca-Cola. Sentei do lado de fora do restaurante e ali fiz meu rápido almoço. O pão de queijo estava divino, talvez aquele tenha sido o pão de queijo mais gostoso que já comi na vida. Descansei alguns minutos e voltei para a estrada, pois tinha muito quilômetros pela frente e queria chegar em Conselheiro Lafaiete antes de anoitecer.

Pouco antes das 15h00min, cheguei na cidade de Ouro Branco. Segundo o guia, na cidade existiam dois pontos turísticos que valiam e pena ser visitados. A entrada na cidade era por uma longa subida, a qual percorri empurrando a bike. Como a cidade não era grande, logo cheguei ao centro e encontrei os dois pontos turísticos que o guia indiciava. Um deles era a Igreja Matriz, que passava por restauração e na frente tinha uma daquelas placas enormes do Governo Federal informando quantos milhões estavam sendo investidos na tal restauração. Nem perdi tempo em descer da bike e ir olhar a igreja mais de perto. Tirei uma foto de longe e me dirigi ao outro lado da rua, onde ficava o segundo ponto turístico. Era um casarão antigo e preservado, construído em 1759. Queria tirar uma foto do casarão, mas tinham alguns homens sentados em frente ao casarão e fiquei com receio de que não gostassem de eu tirar uma foto onde eles apareciam. Já estava desistindo da foto do casarão, quando um barulho vindo da rua de cima fez com que todos os homens olhassem para o lado de onde vinha o ruído, e rapidamente tirei a foto do casarão com eles sentados em frente sem que nenhum me visse tirando a foto. Subi na bike e segui pedalando e cumprimentei e fui cumprimentado por todos que estavam em frente ao casarão.

Logo cheguei na Casa de Tiradentes, que é um ponto turístico da região. Apesar do nome, Tiradentes o herói e mártir da inconfidência, não morou em tal casa. Na verdade a casa em questão era sede da antiga Fazenda Carreiras. Essa fazenda era um ponto de parada no caminho e muitos viajantes pernoitavam nela quando viajam por aqueles lados. E Tiradentes pernoitou muitas vezes nesse lugar.

Já estava começando a escurecer, quando finalmente cheguei em Conselheiro Lafaiete. Fiquei em dúvida sobre qual caminho seguir para entrar na cidade, e parei pedir informação a um senhor que esperava ônibus numa parada ao lado da rua. Caminho indicado e segui pedalando. Eu estava exausto, pois era o primeiro dia de pedal e além de ter enfrentado muitas subidas, tinha tido problema mecânico com a bike, o que me obrigou a empurra-la por alguns quilômetros durante o dia.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

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Preparativos para a Estrada Real

Nos dias que antecederam a viagem, peguei forte nos treinamentos com bicicleta, principalmente em trechos de subida. Já fazia dois meses que fazia aulas de spinning duas vezes por semana. A professora pegava pesado, então eu estava até que bem fisicamente. E vez ou outra também fazia algum pedal com os amigos do Grupo Sou Bike, de Campo Mourão, cidade onde vivo e que fica no Oeste do Paraná. Estava ciente de que não iniciaria a viagem cem por cento preparado, mas sabia que a cada dia de pedalada iria me condicionar melhor fisicamente. Iniciaria a viagem percorrendo trechos menores e fazendo algumas pausas maiores para descanso. E na metade final da viagem, percorreria trechos mais longos e descansaria menos. A estratégia era essa e durante a viagem se mostrou correta, sendo que cometi somente um erro de estratégia, justamente no último dia de viagem.

Fiquei alguns dias pensando sobre qual bicicleta utilizar na viagem. Não sabia se utilizava minha bicicleta aro 26 ou se comprova uma bicicleta aro 29, para realizar a viagem com ela. Pesquisei sobre o assunto, li alguns relatos de cicloturistas que percorreram a Estrada Real nos últimos anos e somado com a experiência que adquiri na cicloviagem de 2011 pelo Caminho da Fé, optei por viajar com minha velha bike aro 26. Foram dois motivos principais que me fizeram decidir pela aro 26. O primeiro motivo foi que ela é mais resistente para as estradas ruins que eu iria percorrer, principalmente carregando doze quilos de bagagem. E segundo, em razão da manutenção, pois ela é mais fácil na aro 26. A aro 29 com freio hidráulico, tem uma manutenção mais difícil e especifica, que carece de algumas ferramentas especiais que não se encontra em qualquer oficina de bicicletas. Por experiência anterior sabia que na maioria das cidades pequenas do interior não existem mecânicos especializados, peças ou ferramentas próprias para bicicletas com freio a disco/hidráulico. Quando de minha viagem pelo Caminho da Fé, conheci dois ciclistas que desistiram da viagem antes da metade do caminho, por culpa de problemas de freio. Eles não encontraram nenhuma oficina de bicicletas que tivessem ferramentas para consertarem seus freios a disco. Por isso tiveram que cancelar suas viagens e voltar para casa.

Também em razão de leituras e experiência, optei por não levar mochila de hidratação, mais conhecida como Camel Back. Ela vai nas costas e nela cabem em média dois litros de água. O problema é que a mochila acaba esquentado as costas e te faz suar mais do que o normal. E no caso de cicloviagem, onde geralmente você pedala de seis a dez horas por dia, a mochila de hidratação acaba mais atrapalhando do que ajudando. Diante disso, minha escolha foi levar uma garrafa plástica de um litro, que vai no suporte da bike, e no caminho comprava garrafas de água mineral de 1,5 litro e amarrava ela na garupa da bike. Isso se mostrou muito prático durante a viagem, mesmo quando a água ficava morna dentro das garrafas. Mas na mochila de hidratação isso não seria muito diferente.

Eu já tinha quase todo o equipamento necessário para executar a viagem de bike. Tinha a bicicleta, o principal item. Também tinha o alforje, que é aquela mochila que vai numa garupa atrás na bike. Tinha uma bolsa para guidão e uma para o cano, ambas novas, que tinha comprado em minha última viagem aos Estados Unidos, em 2011 e nunca as tinha usado. Tinha roupas de ciclismo, ferramentas e todos os itens pequenos necessários para a viagem. A única coisa que faltava era a garupa para colocar na parte traseira da bike, e nela acondicionar o alforje com as roupas, remédios, material de higiene e outras coisas mais. A questão da garupa resolvi rapidamente, tendo encomendado a um amigo que foi ao Paraguai, que trouxesse uma para mim, com sistema de chaveta, que tornava fácil colocar e tirar a garupa da bike. E além de barata, essa garupa se mostrou prática e resistente. E também tinha a mala bike, uma espécie de bolsa enorme onde você coloca a bike dentro, depois de tirar as rodas e os pedais e daí pode carregar ela no ombro. A vantagem de carregar a bike numa mala bike, é que não reclamam da bike quando você vai pegar um ônibus ou um avião. Já cheguei a andar no Metrô de São Paulo com minha bike dentro da mala bike e não tive problema algum.

Na viagem eu teria autonomia para levar nove quilos no alforje traseiro e mais dois quilos na bolsa de guidão. Foi complicado escolher o que levar e que ficasse dentro dessa autonomia de peso. Primeiro separei os itens mais importantes e que não poderia deixar para traz. Depois separei os de meia importância e por último as miudezas. No final pesei tudo e o peso excedente eliminei tirando algumas roupas. Também separei o guia que utilizaria na viagem e um caderno onde faço anotações e que acaba sendo meu diário de viagem. É esse caderno que me ajuda a escrever, pois através das anotações que faço nele é que escrevo sobre a viagem no meu blog e depois utilizo tais informações para ajudar a escrever meus livros sobre viagens. E as informações do caderno são completadas com as muitas fotos que tiro e também com a memória, que por enquanto é boa.

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Equipamento pronto, seguindo para o aeroporto, rumo Belo Horizonte.

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Em Ouro Preto – MG, fazendo turismo.

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Hostel Imperial em Ouro Preto, ponto de partida para a Estrada Real.

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Primeiros quilômetros de Estrada Real, com muitas subidas e curvas.

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Antiga ponte, no Caminho Velho da Estrada Real.

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Belas paisagens e longas subidas.

História da Estrada Real

A Estrada Real é um conjunto de vias e caminhos criados pela Coroa Portuguesa durante o período do Brasil Colônia, cujo objetivo era o acesso a metais preciosos como ouro e diamantes do interior de Minas Gerais e o transporte para a metrópole portuguesa. A Estrada Real começou a ser construída no século XVII para ligar a região do litoral carioca às regiões produtoras de ouro do interior de Minas Gerais.

A Estrada Real ligava Ouro Preto (na época, Vila Rica), em Minas Gerais ao Porto de Paraty, no Rio de Janeiro. O caminho era usado para transportar o ouro e demais carregamentos da cidade mineira até o porto. Ao longo do caminho, foram sendo fundadas vilas e diversos pontos de parada para os tropeiros, mineradores e outros viajantes que faziam o percurso da Estrada Real. Na época, seu percurso levava sessenta dias para ser feito devido às dificuldades de percurso na estrada de terra que atravessa a Serra da Mantiqueira e da distância. Este caminho estendia-se por localidades como Caeté e Sabará também, recebendo por isso o nome de Caminho do Sabarabuçu.

No século XVIII a necessidade de um caminho mais seguro e rápido até o porto, fez com que a Coroa ordenasse a construção de uma outra rota que ficou conhecida como Caminho Novo. O Caminho Novo passou a ligar Vila Rica ao porto do Rio de Janeiro enquanto que a rota de Paraty passou a ser conhecida como o Caminho Velho, ou Caminho do Ouro.

Com a descoberta das pedras preciosas em Arraial do Tejuco (atual Diamantina), a estrada se estendeu até a região, deixando Vila Rica como o centro de convergência da Estrada Real. Tal via ganhou o nome de Caminho dos Diamantes. Essa rota tinha a intenção de conectar a sede da Capitania, Ouro Preto, à principal cidade de exploração de diamantes, Diamantina.

Com a grande movimentação de pessoas, mercadorias e riquezas, intensificou-se o processo de povoamento da região, dando origem a vilas e cidades criadas à beira do curso oficial. Paralelamente, outras vias clandestinas chamadas de descaminhos, começaram a ser abertas para que os mineradores conseguissem fugir da fiscalização e dos postos de inspeção, chamados Registros, e, desta forma, evitar o pagamento de tributos.

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Início do Caminho Velho da Estrada Real, saindo de Ouro Preto – MG.

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Antiga ponte de pedra, no Caminho Velho.

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Trecho entre Ouro Preto e Ouro Branco.

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Uma das muitas placas que sinalizam a Estrada Real.

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Ciclovia próximo a cidade de Conselheiro Lafaiete – Mg.

Estrada Real, um antigo sonho!

Não me lembro quando foi a primeira vez que ouvi falar na Estrada Real. A única coisa que lembro foi que há uns quinze anos li um livro, cujo nome e autor não lembro, onde um cara contava sobre sua experiência de percorrer a pé alguns trechos do Caminho Velho da Estrada Real. Depois de ler tal livro, sempre que via alguma notícia sobre a Estrada Real eu prestava mais atenção e foi aí que nasceu a vontade de algum dia percorrer tal estrada.

Em 2005 fiquei alguns meses sem trabalhar, pois tinha pedido demissão do meu emprego em Curitiba, onde vivia na época, e esperava abrir uma vaga na mesma empresa, para então voltar a trabalhar. Essa esperava durou cinco meses e nesse meio tempo fiz planos de percorrer um trecho da Estrada Real. Mas por razões pessoais acabei abortando a viagem alguns dias antes de partir.

No final de 2011 eu estava com tudo pronto para finalmente percorrer a Estrada Real. A passagem aérea até Belo Horizonte estava comprada, o equipamento estava pronto, a bike nova que tinha comprado para tal viagem estava desmontada e acondicionada na mala bike. Mas um dia antes de embarcar para Minas Gerais tive que cancelar tudo. Dessa vez o que impediu a viagem foi a chuva intensa que castigava Minas Gerais e até mortes causou na região onde eu ia pedalar. Depois disso acabei fazendo algumas viagens para fora do Brasil e não deu mais certo de ir para a Estrada Real.

Em 2016, após onze anos de espera e adiamentos, finalmente chegou o momento de realizar a sonhada viagem pela Estrada Real. Foi tudo muito rápido, sem muitos planos. Um mês antes de sair de férias pensei em fazer alguma viagem de aventura, que durasse poucos dias e que tivesse baixo custo. Então me veio à mente percorrer o Caminho Velho da Estrada Real, que possui cerca de seiscentos quilômetros de extensão.

Até então eu tinha feito uma única cicloviagem, que foi em março de 2011, quando percorri quinhentos e um quilômetros do Caminho da Fé, entre as cidades de Descalvado e Aparecida (que não se chama Aparecida do Norte, como a maioria pensa), no Estado de São Paulo, mas que tinha boa parte do percurso pelo interior de Minas Gerais. Nessa viagem demorei treze dias, pois peguei sete dias de muita chuva, o que atrasou a viagem, principalmente o longo trecho de serras em Minas Gerais.

Meu plano era percorrer a Estrada Real entre sete e dez dias, se não chovesse. Escolhi o Caminho Velho, que é o mais antigo e tradicional trecho da Estrada Real. Ele vai de Paraty, no Rio de Janeiro, até Ouro Preto, em Minas Gerais, passando por um trecho do Estado de São Paulo. Optei por fazer o caminho inverso, ou seja, saindo de Ouro Preto e terminando em Paraty. O motivo de tal escolha foi que ficava mais fácil minha logística, seguindo de avião até Belo Horizonte e de lá pegando um ônibus até Ouro Preto. Também foi fator decisivo em tal escolha, o fato de fazendo o caminho inverso ter doze por cento menos subidas. E por último, achei mais motivador e chique terminar a viagem no litoral. Estes três fatores foram decisivos na hora de escolher qual caminho e que direção seguir.

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Um dos marcos da Estrada Real.

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Placa da Estrada Real, na entrada de Queluzito – MG.

Estrada Real

HISTÓRIA

A Estrada Real (ER) é a maior rota turística do país. São mais de 1.630 quilômetros de extensão, passando por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Hoje, ela resgata as tradições do percurso valorizando a identidade e as belezas da região.

A sua história surge em meados do século 17, quando a Coroa Portuguesa decidiu oficializar os caminhos para o trânsito de ouro e diamantes de Minas Gerais até os portos do Rio de Janeiro. As trilhas que foram delegadas pela realeza ganharam o nome de Estrada Real.

Histórias e memórias permeiam cada canto da Estrada Real. Os caminhos são ricos não só das histórias que contam nos livros, mas daquelas que são passadas no boca a boca por gerações. As rotas da ER estão intimamente ligadas à própria história do Brasil e quem percorrê-la terá a chance de levar na bagagem séculos de lutas, conquistas e descobertas que foram fundamentais para o desenvolvimento do país.

CAMINHOS

CAMINHO VELHO

Também chamado de Caminho do Ouro, foi o primeiro trajeto determinado pela Coroa Portuguesa e liga Ouro Preto a Paraty.

CAMINHO NOVO

Criado para servir como um caminho mais seguro ao porto do Rio de Janeiro, principalmente porque as cargas estavam sujeitas a ataques piratas na rota marítima entre Paraty e Rio.

CAMINHO DOS DIAMAMANTES

O caminho tinha a intenção de conectar a sede da Capitania, Ouro Preto, à principal cidade de exploração de diamantes, Diamantina.

CAMINHO SABARABUÇU

Distrito de Ouro Preto, o lugar é cercado por esplêndidas paisagens de montanha e lendas que permeiam o imaginário popular.

PASSAPORTE DA ESTRADA REAL

O Passaporte da Estrada Real é um documento voltado para os viajantes que querem percorrer os Caminhos da Estrada Real. Esse documento deve ser carimbado nos pontos oficiais e apresentado no final para a retirada do Certificado.

FONTE: Instituto Estrada Real

http://www.institutoestradareal.com.br

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Um dos muitos marcos da Estrada Real, espalhados pelo caminho.

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Placa existente entre as cidade de Ouro Preto e Ouro Branco, em Minhas Gerais.

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Passaporte da Estrada Real.

Antonio Olinto

Para aqueles que gostam de cicloturismo, sugiro que conheçam os guias e o site do Antonio Olinto:    http://www.olinto.com.br/   O Olinto é um cicloturista bastante experiente, que já viajou de bicicleta por dezenas de países e escreveu um livro contando sobre suas viagens. Atualmente ele se dedica a desenvolver projetos na área de cicloturismo e a escrever guias para viagens de bicicleta.

Em 2011 utilizei um guia escrito pelo Olinto, quando percorri o Caminho da Fé de bicicleta. E tenho também o guia sobre a Estrada Real, o qual pretendo utilizar em breve. Na verdade já era para ter feito a viagem pela Estrada Real em 2011, mas por culpa das chuvas fortes que aconteceram pela região onde passa a Estrada Real, acabei cancelando a viagem no dia do embarque. Logo depois mudei de emprego e por culpa disso estou sem tirar férias a mais de um ano, o que impossibilitou viagens com duração maior do que dois dias. Mas tão logo seja possível estarei partindo rumo a Estrada Real, levando o guia do Antonio Olinto debaixo do braço.

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Antonio Olinto.
Antonio Olinto.

Livro: No Guidão da Liberdade.
Livro: No Guidão da Liberdade

Guia: Caminho da Fé.
Guia: Caminho da Fé.

Guia: Estrada Real.
Guia: Estrada Real.

Caminho da Fé (13º dia)

“Pior que não terminar uma viagem é nunca partir.” 

(Amyr Klink) 

Acordei às 6h00mim e vi que ainda chovia e continuava frio. Sabendo que os setenta quilômetros que faltavam até Aparecida seria todo em asfalto, com muitas retas e descidas, resolvi voltar a dormir, pois não teria grande dificuldade para percorrer esse trecho final. Acordei novamente as 9h00min. Ainda chovia e o frio diminuiu um pouco. Arrumei minhas coisas, tomei um rápido café e me despedi da Bianca, agradecendo o bom atendimento. Os três peregrinos tinham saído bem cedo, seguiriam pelo caminho de terra, então não nos veríamos mais. Ao sair à rua, com chuva e frio, respirei fundo e lembrei da cama quentinha que tinha deixado há pouco. Cheguei até cogitar a possibilidade de ficar aquele dia na cidade, descansar, passear e fazer umas comprinhas. Mas logo mudei de idéia, pois até então não tinha parado nenhum dia e não queria fazer isso justamente no último dia. Sem contar que a ansiedade por chegar em Aparecida era enorme. Então melhor pegar a estrada e acabar logo.

Atravessei parte da cidade pedalando por uma ciclovia. Depois segui por uma rua até chegar ao famoso e belo portal da cidade. Após passar o portal, parei para tirar uma foto, da mesma posição de onde tirará uma foto meses antes. Alguns funcionários da Coca-Cola, que estavam do outro lado da estrada, gritaram para mim desejando boa sorte. Agradeci e segui em frente. O início da pedalada foi em subida, mas logo cheguei na parte de descida e comecei a descer a serra de Campos do Jordão. Segui pelo acostamento, pela mão correta. Eu não precisava pedalar, era só deixar a bike seguir no embalo. A estrada era bastante movimentada e perigosa. Meu maior problema era quando passava algum caminhão e jogava água em mim. Segui descendo a serra, com todo cuidado. No meio do caminho fiz uma parada num mirante ao lado da estrada. Descansei um pouco, bebi água e ia comer uma banana que tinha pegado na pousada antes de sair. Então surgiram dois cachorros, com cara de famintos. Fiquei com dó e dei minha banana a eles, que comeram e ficaram com cara de quero mais. Voltei à estrada e tive que atravessar um viaduto. Segui ao lado da mureta, que era baixa e qualquer descuido eu podia cair no precipício. Quando passava algum caminhão, dava o maior medo. Foi assustador passar por esse viaduto. Segui serra abaixo e a chuva não dava folga. Passei por um túnel e pouco depois cheguei ao final da serra. A chuva finalmente parou e o frio também.

Parei num trevo para tirar fotos e descansar um pouco. Daí voltei a pedalar e segui vários quilômetros por uma estrada reta e com curvas e descidas suaves. Após uma hora de pedal, cheguei a Pindamonhangaba e atravessei a periferia da cidade. Parei em uma padaria lanchar e voltei para a estrada. Era o trecho final, então o cansaço tinha ido embora e a ansiedade dominava. Percorri vários quilômetros por uma larga ciclovia que passa ao lado da estrada. Esse trecho é muito habitado e famoso pelos assaltos a peregrinos. Então evitei fazer paradas e não tirei fotos. Em trechos assim é melhor não mostrar objetos de valor. Segui numa velocidade constante, percorrendo grandes retas. Chegava a ser monótono passar por esse trecho. Quando a ciclovia acabou, passei a pedalar pela lateral da estrada, tomando cuidado com os carros. Pouco antes das 14h00min cheguei à Aparecida.

Em setembro do ano passado estive rapidamente na cidade de Aparecida, quando seguia viagem para o estado do Rio de Janeiro. Então algumas ruas por onde estava passando eram-me familiares. Fui seguindo as setas do Caminho da Fé e quando vi uma placa num poste informando que faltavam somente dois quilômetros para terminar o Caminho da Fé, o coração bateu mais forte. Mais alguns minutos pedalando e finalmente avistei o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. De meus lábios saíram um “Eu consegui!”. Era o último quilômetro a ser percorrido, e igual ao primeiro quilômetro que percorri, treze dias antes, lágrimas desceram pelos olhos. Não demorou muito e entrei no estacionamento do Santuário. Tinha percorrido setenta quilômetros nesse dia. Meu odômetro indicava que eu tinha percorrido 501 quilômetros pelo Caminho da Fé, um feito e tanto para mim. Parei no estacionamento, em frente ao Santuário e tirei algumas fotos. Então sentei no chão, sob uma fina garoa e ali fiquei durante muitos minutos, curtindo aquela sensação boa de dever cumprido. Fiquei curtindo o momento e lembrei-me de muita coisa que tinha acontecido nos últimos dias. Lembrei dos momentos de dificuldade, do cansaço, das pessoas que me ajudaram, dos amigos que fiz, dos cachorros que correram atrás de mim. Estava envolto por diversos sentimentos que não dá para explicar aqui, pois certas coisas a gente sente, não explica. Essa viagem foi uma grande aventura, um desafio, um exercício de fé, um feito extraordinário para mim. Algo para lembrar pelo resto da vida, e um dia na velhice contar para os netos.

Em Campos do Jordão.

Portal de Campos do Jordão.

Os cachorros famintos que encontrei na estrada.

Viaduto que foi dureza atravessar.

Trevo.

Quase lá…

Em frente ao Santuário de Aparecida.

Treze dias e 501 km percorridos.

Fim de viagem, momento de ralaxar.

Caminho da Fé (12º dia)

“Quanto mais simples a casa, mais sincero é o bom dia.”

 (Pato Fu)

Levantei bem cedo, pois nesse dia pretendia dormir em Campos do Jordão, distante 60 km. E nesse dia também passaria pela pior subida do Caminho da Fé. Arrumei minhas coisas, tomei um café da manhã reforçado e parti, pouco depois das 7h30min. Na periferia da cidade quase fui atropelado. Estava subindo uma rua tranqüila, quando um carro saiu da garagem de uma casa dando ré e atravessou a rua de uma vez. Por muito pouco a motorista do carro não me acertou em cheio. Total barbeiragem dela.

Saindo da cidade segui durante três quilômetros por uma estrada asfaltada, com ótimas descidas. Daí entrei numa estrada de terra e segui por grandes retas e muitas descidas. Com uma hora de pedal eu já tinha percorrido oito quilômetros, o que era uma boa quilometragem. Mas logo as descidas terminaram e cheguei à parte das subidas. Na primeira subida encontrei um boiadeiro tocando algumas cabeças de gado e tive que me espremer no canto da estrada para não ser atropelado. Vencida a primeira subida do dia, que não foi das maiores, passei a seguir por uma longa reta e cheguei a uma pequena comunidade, chamada Cantagalo. Vi uma faixa informando que no Bar do Alfredo, tinha carimbo para a credencial. Parei no bar, ganhei o carimbo, tomei uma Tubaína para matar a sede e conversei um pouco com o Alfredo, pessoa bastante simpática. Despedi-me e segui em frente.

Entrei numa região de mata fechada, um lugar bonito. Então passei por uma placa informando que estava na divisa de Minas Gerais com São Paulo. Após alguns dias eu voltava ao estado de São Paulo. Ao sair da área de mata, vi no fundo de um vale a cidade de Luminosa. Até a cidade seria uma grande descida, com várias curvas e onde eu sairia de São Paulo e voltaria para Minas Gerais. Luminosa é uma cidade mineira. A descida foi meio complicada, pois passei por um trecho com muitas pedras na estrada e tive que tomar bastante cuidado. Ao entrar na pequena cidade de Luminosa, parei para tirar algumas fotos e ao tirar a foto de uma égua parada em frente a uma casa, o dono dela fez questão que eu tirasse uma foto montado na égua. Seu Juca, o dono da égua, era um típico mineiro do interior, simpático e conversador. Montei na égua e tirei a foto. Depois sentei ao lado do Seu Juca e fiquei conversando com ele e com seu sobrinho, Elias, que estava na cidade a passeio. Seu Juca me convidou para almoçar em sua casa. Agradeci o convite e expliquei que precisava pedalar muito naquele dia e era melhor não almoçar, apenas faria um lanche leve. Despedi-me e segui em frente. Antes de sair da cidade, parei em uma pousada para pegar o carimbo na credencial.

Após sair de Luminosa segui por um reta longa e depois comecei a subir. Em algum lugar dessa subida devo ter voltado ao estado de São Paulo, mas não tinha nada sinalizando. Era o começo da maior subia do Caminho da Fé. Eu subiria cerca de novecentos metros de altitude e para isso percorreria uns sete quilômetros, sempre subindo. O jeito era empurrar a bike e sob o sol do meio dia a tarefa não era das mais fáceis. Minha água ficou quente e logo comecei a sentir fome. Arrependi-me de não ter aceitado o convite do Seu Juca, e também de não ter feito um lanche na cidade. Passei por uma pousada meio que perdida no alto da estrada. Como não vi ninguém, não parei para ver se vendiam comida. Entrei no meio de uma plantação de bananas e algumas bananeiras estavam com cachos de bananas maduras. Teve um momento em que senti vontade de pular a cerca e roubar algumas bananas. Mas roubar não é comigo, então desisti da idéia. Não andei cinqüenta metros e vi dois homens com enormes facões, no meio do bananal, colhendo bananas. Fiquei imaginando o que teria acontecido se eu tivesse invadido a plantação para roubar bananas e eles me vissem. Em meio a esses pensamentos segui em frente e numa curva, onde as bananeiras ficavam no alto, ao lado da estrada, vi algumas bananas boas caídas na estrada. Recolhi as bananas, verifiquei se estavam boas e as comi. Foram as melhores bananas que comi na vida e dessa forma matei minha fome sem precisar roubar. A subida foi ficando cada vez mais inclinada e não demorou para eu passar por uma porteira e entrar num pasto. Cheguei em uma pequena curva, muito inclinada e sofri para passar por ela. Depois cheguei a uma pequena reta e me sentei numa pedra ao lado da estrada para descansar um pouco. Dali a vista era muito bonita e alcançava muitos quilômetros de distância. Era possível ver a cidade de Luminosa ao longe e também parte da estrada que tinha percorrido durante a manhã. Após descansar alguns minutos segui em frente e logo encontrei um monte de vacas deitadas na estrada, impedindo minha passagem. Havia alguns bezerros e tomei bastante cuidado ao passar por eles. Felizmente não tive problemas e segui em frente.

A subida parecia não ter fim e quando cheguei ao final dela foi um grande alivio. Segui por uma pequena descida e algumas curtas retas, logo chegando a uma nova subida. Minha água acabou e sob o sol forte isso foi um enorme problema. Segui empurrando a bike e cheguei numa região com bastante araucárias. Em uma curva dei de frente com um monte de bois e vacas que estavam mais uma vez parados no meio da estrada. Ao tentar passar pela lateral, um boi partiu para cima de mim. Quase me joguei por cima de uma cerca de arame farpado. Tentei tocar o gado, mas eles nem se mexiam. Fui andando centímetro por centímetro, bem devagar ao lado da estrada e assim consegui passar por eles. Mais um susto sem conseqüências, felizmente. Algumas curtas retas e cheguei a uma região de mata fechada. Andar pela sombra era um alivio, pois o sol estava muito quente. Tive que enfrentar uma grande subida, com pedras soltas que me faziam escorregar. Não foi nada fácil passar por esse trecho, mas a recompensa veio quase no final da subida, quando encontrei uma fonte de água. Pude matar minha sede com uma água maravilhosamente gelada. Enchi minhas garrafinhas de água e segui em frente.

No meio da tarde finalmente cheguei ao final das grandes subidas e passei a percorrer uma região mais plana, onde em volta existiam muitas araucárias. Entrei em um trecho de mata fechada e segui por ele durante algum tempo. Depois cheguei a um trecho de descida e curvas, ainda no meio da mata. Passei por uma placa do Caminho da Fé que indicava que faltavam cem quilômetros até Aparecida. Continuei descendo pela estrada de terra no meio da mata e alguns minutos depois cheguei num cruzamento e a partir dali comecei a subir por uma estrada asfaltada. A estrada não tinha acostamento e possuía muitas curvas. Tive que tomar cuidado nas curvas, para não ser atropelado. O sol que tinha me castigado durante todo o dia, foi embora. Surgiu uma névoa e depois uma garoa fina. Empurrei a bike por cerca de meia hora, até chegar ao final do trecho de subida. Finalmente atingi a altitude máxima naquele dia e passei a percorrer uma longa descida, num trecho com muitas curvas. O tempo fechou de vez e começou a fazer frio. Para quem tinha passado calor a maior parte do dia, agora passava a sentir frio. Desci em alta velocidade, em alguns trechos cheguei a atingir 60 km/h. Fui tomando bastante cuidado nas curvas fechadas, e por sorte poucos carros passaram por mim. Passei pela entrada que leva ao complexo da Pedra da Baú, ponto turístico de Campo do Jordão e onde estive em setembro do ano passado. Por culpa da névoa não foi possível ver a Pedra do Baú. Desci tão embalado que acabei não parando na pousada que fica pouco antes da localidade de Campista. Essa pousada era ponto para carimbar a credencial. Parei somente no final da grande descida.

Eram pouco mais de 16h00min quando parei em um bar ao lado da estrada. Fiz um rápido lanche e conversei com o dono do bar. Estava sentindo muito frio e fiquei analisando minhas opções. Podia voltar três quilômetros e passar a noite na pousada que vi ao lado da estrada. Ou então seguir mais alguns quilômetros por estrada de terra, até Campos do Jordão. Escolhi a segunda opção, que era meu plano original. Ao lado do bar o Caminho da Fé seguia por uma estrada de terra, passando pelo meio de uma floresta. Tinha percorrido pouco mais de dois quilômetros pelo meio do mato, quando começou a chover forte. A estrada virou um lamaçal e nos trechos de subida, quando tinha que empurrar a bike, a situação piorava, pois o chão ficava escorregadio. Não tinha outra opção, era seguir em frente a qualquer custo. Eu estava muito cansado e sentindo cada vez mais frio. Teve um trecho no meio da mata, onde dava medo passar. Segui por mais de uma hora nessa estrada até que cheguei a um local sem mata, onde existiam retas e descidas e pude voltar a pedalar.

Cheguei às imediações da cidade e passei a pedalar no asfalto. Não demorou muito e voltei a percorrer uma estrada de chão, com muito barro. Depois de alguns minutos voltei a um trecho de asfalto, mais uma vez no meio do mato e foi aí que passei por um grande susto. Uma moto passou por mim, e na curva seguinte vi a moto parada ao lado da estrada, e o motoqueiro em pé no meio da estrada. Ao passar por ele, fui encarado de uma forma estranha e ao olhar para trás vi que o motoqueiro tinha subido na moto. Fiquei com a sensação de que seria assaltado e passei a pedalar rápido, com todas as minhas forças. Para minha sorte era uma longa descida e quando a moto me alcançou eu estava numa região com casas em volta e pessoas próximas, num ponto de ônibus. O motoqueiro passou por mim bem devagar, me encarando. Reduzi a velocidade e parei perto das pessoas no ponto de ônibus. Esperei alguns minutos e voltei a pedalar, ainda ressabiado. Finalmente cheguei efetivamente á cidade de Campos do Jordão e logo estava na avenida principal. Campos do Jordão era a primeira cidade na rota do Caminho da Fé, onde eu já estivera antes. A cidade é muito bonita e famoso ponto turístico do estado de São Paulo. No inverno a cidade é invadida por paulistanos de média e alta classe. É uma cidade cara, e por essa razão que em minha visita anterior fiquei hospedado em uma cidade próxima, onde as pousadas eram mais baratas.

Andei alguns quarteirões por uma avenida movimentada, sob chuva. Virei duas vezes à esquerda e cheguei à pousada que constava no guia. Por ser ponto de parada de peregrinos que percorrem o Caminho da Fé, essa pousada não é cara como as demais pousadas da cidade. Já estava escuro quando toquei a campainha da pousada. Eu estava cansado, molhado, cheio de barro e tremendo de frio. Quem me atendeu foi a Bianca, uma moça bastante simpática. Guardei a bike num depósito e levei minhas coisas até um quarto coletivo, cheio de beliches. Em seguida fui tomar um banho quente. Debaixo do chuveiro foi que me dei conta de que havia percorrido sessenta quilômetros, passando por trechos muito difíceis. Estava exausto, todo dolorido, mas feliz. No dia seguinte chegaria à Aparecida, finalizando minha viagem pelo Caminho da Fé.

Fui para o quarto, onde escolhi uma beliche inferior, num canto e me deitei. Descansei um pouco e fiquei pensando no que fazer. Precisava achar um local para comer e também queria comprar alguns chocolates, que são uma das especialidades da cidade. Mas estava frio, chovia e eu teria que sair de chinelos. Pensando no que fazer fui até uma sala, onde três peregrinos conversavam. Apresentei-me a eles e conversamos um pouco. Marcos e Marcelo, dois primos e outro senhor, de nome Serafim, estavam percorrendo o Caminho da Fé a pé. Eles tinham se conhecido pelo caminho, e estavam caminhando juntos. Um dos primos tinha machucado o joelho e daí pegaram carona no trecho final até Campos do Jordão. Serafim foi o único que atravessou o trecho final no meio do mato, e disse que também teve medo de passar por ali. Chegou o dono da pousada, Edson, e entrou na conversa. Daí a Bianca falou que faria janta, o que agradou a todos, pois não precisaríamos sair à rua para comer. Enquanto a janta era feita, engatamos um gostoso papo. Uma hora depois a janta foi servida, e comi bastante. Depois ficamos batendo papo por mais um tempo e o Edson chegou a cantar algumas músicas ao violão. Conversei um pouco com a Bianca e ela contou parte de sua vida, sobre ter morado no México e de como começou a trabalhar na pousada. Ela estava fazendo um trecho do Caminho da Fé, quando se hospedou na pousada e depois recebeu o convite para morar e trabalhar ali. Conversei com o Edson e ele me aconselhou a fazer o trecho entre Campos do Jordão e Pindamonhangaba, pelo asfalto e não pelo Caminho da Fé. Dei uma olhada no guia e ali também dizia que em dias de chuva não era para fazer esse trecho de bike, pois seria intransitável. Mais um pouco de papo com o pessoal, algumas fotos e todos foram dormir. Eu estava exausto e uma cama confortável era tudo o que queria. Somando-se a isso, o frio e o barulho da chuva, o sono veio logo, de forma intensa.

Saindo da Pousada da Praça, em Paraisópolis.

Boiadeiro que encontrei na estrada.

Com Seu Alfredo, em frente ao seu bar.

Últimas retas da manhã.

Divisa Minas Gerais – São Paulo.

Chegando à Luminosa.

Em Luminosa – MG.

Montado na égua do Seu Juca.

Com Seu Juca e Elias.

Passando pelo bananal.

Pausa para descanso.

Bela vista, de onde tinha passado.

Vacas na estrada.

Numa região cheia de araucárias.

Faltando 100 km.

Descida sem fim…

Marcelo, Marcos, Serafim, Edson e Vander.

Nessa foto a Bianca se juntou ao grupo.

Caminho da Fé (11º dia)

“Peregrinar é respeitar o seu corpo, acariciar os seus pés todos os dias, deitar debaixo de uma árvore e se entregar. É tomar uma forte decisão: desistir, nunca.”

(Kátia Esteves) 

Levantei pouco depois das 8h00mim e não acreditei que tinha dormido por doze horas a fio. Minhas pernas doíam muito, em compensação a dor e o amortecido do pulso tinham desaparecidos. Arrumei minhas coisas, busquei as roupas no varal e desci tomar café na padaria que fica embaixo da pousada. Eram 9h45min quando parti. Atravessei a cidade e cheguei a uma passarela que passa por cima da rodovia Fernão Dias. Logo entrei numa estrada de terra e segui por várias descidas, em meio a muitas árvores. Depois cheguei a uma subida bastante íngreme e que foi difícil transpor. Quando cheguei ao alto dessa subida, olhei para trás e vi a cidade de Estiva, ao longe. Dali dava para ver muitos dos morros que tinha atravessado nos últimos dias. Era difícil acreditar que eu tinha superado toda aquela distância e aqueles morros. Do alto também dava para ver a chuva se aproximando. Logo começaram as descidas e corri bastante para fugir da chuva. Cheguei à pequena cidade de Consolação e parei numa pousada ao lado da igreja da cidade, onde carimbei minha credencial e aproveitei para almoçar. Durante o almoço era possível ouvir o som dos trovões e ver o tempo fechado. Fiquei parado na porta da pousada e um carro parou em frente. O motorista disse que estava vindo de Paraisópolis, meu próximo destino, e que estava chovendo muito por lá. Que era melhor eu esperar um pouco para pegar a estrada. Agradeci a informação e resolvi esperar. No fim das contas a chuva acabou não caindo em Consolação.

Quando o sol voltou, decidi que era hora de voltar a pedalar. Saí da pequena cidade e percorri três quilômetros por uma estrada asfaltada. Esse trecho asfaltado deve ser novo, pois não constava no guia. Logo entrei numa região muito bonita, com muitas retas e descidas discretas, passando por muitos pastos. Tive que passar por dentro de uma grande fazenda e próximo a uma casa um cachorro veio correndo em minha direção. Era uma pequena subida e não tinha como fugir do cachorro. Esperei pelo pior, imaginando uma forma de me defender. Ao chegar perto o cachorro saltou sobre a bike e para minha sorte ele só queria brincar. Foi um grande susto! Continuei seguindo por entre várias fazendas de gado, numa região bonita, onde aproveitei para tirar muitas fotos. No final do dia cheguei a uma subida íngreme e depois de passar por ela, teve um longa descida, bastante radical e cheia de buracos, onde precisei tomar bastante cuidado.

Cheguei à Paraisópolis bem no final da tarde e me hospedei na Pousada da Praça, ao lado da catedral da cidade. A dona da pousada, Jurema, foi muito simpática e me deixou a vontade. Até liberou uma mangueira para que eu lavasse a bike, que para variar estava toda embarreada. A pousada tinha um estilo todo especial, muito aconchegante e também foi um dos melhores lugares em que me hospedei durante a viagem pelo Caminho da Fé. Após limpar e arrumar minhas coisas, tomei banho e fui dar uma volta pela cidade. Lanchei e aproveitei para cortar o cabelo, que quanto mais curto, melhor fica para usar o capacete. Depois voltei para a pousada, onde coloquei o diário de viagem em dia, vi um pouco de tv e dormi cedo. Estava quase no fim da viagem. Se tudo corresse bem, faltavam apenas dois dias para chegar à Aparecida. Nos próximos dois dias pretendia fazer boas quilometragens, então era melhor descansar o maximo possível.

Primeiro trecho do dia.

Chegando ao alto de um morro.

A chuva surgindo ao longe.

Ao lado da igreja de Consolação.

Mais uma capelinha ao lado da estrada.

A chuva foi embora e o sol castigou.

O cachorro que só queria brincar.

Atravessando ponte dentro de uma fazenda.

Lugar tranquilo.

Note o passarinho sobre o cavalo.

Novas subidas a vista.

Pedalando sem parar…

Momento de descanso.

Vencendo mais uma subida.

Mais uma vaca pelo caminho.

Estrada que nunca acaba…

Outra capelinha.

Catedral de Paraisópolis.

Caminho da Fé (10º dia)

“Peregrinar é renunciar as vaidades e mordomias do cotidiano. É ir de peito aberto, ao encontro de pessoas de todas as nacionalidade, religiões e crenças. É a total falta de identidade que permite uma liberdade maior, sem máscaras. Não se sabe quem é pobre ou quem é rico. Isso não importa. Os julgamentos, comuns no dia-a-dia, são deixados de lado.” 

(Katia Esteves)

Levantei 8h30min, olhei pela janela e vi que fazia sol. Arrumei minhas coisas e fui tomar café. Perguntei sobre minhas três amigas e fiquei sabendo que elas tinham partido bem cedo. Não me demorei no café e logo parti. Atravessei a cidade e após uns dez minutos de pedalada cheguei numa estrada de terra. O sol estava forte, mas o barro era bastante, sinal de que tinha chovido muito durante a noite. Os primeiros quilômetros foram de curtas subidas e longas descidas. Após uma hora encontrei minhas três amigas, bem no início de uma longa subida. Subi junto com elas, empurrando a bike. Pegamos um trecho com bastante barro e passamos por um leiteiro, com sua caminhonete atolada ao lado da estrada. Ele pediu que avisássemos uma pessoa num sitio, um pouco a frente de onde estávamos, para que ela viesse o socorrer. E assim fizemos nossa boa ação do dia, parando no sítio e dando o recado.

Na metade da grande subida existia um local de descanso. Era um casa vazia, com uma gruta ao lado e ao lado da gruta uma torneira com água de bica. Eu e Vanda chegamos primeiro a essa casa e sentamos num banco, debaixo de uma árvore, onde ficamos ouvindo um “passo preto” cantando. Pouco tempo depois chegaram às outras duas. Fiquei uns minutos ali descansando, daí despedi-me das três e voltei a empurrar a bike pela estrada. A subida era enorme e parecia não ter fim, e caminhar sob o sol quente era bem desgastante. Cheguei à porteira de uma fazenda e tive que atravessar um pasto. Logo na entrada, debaixo de uma árvore muitas vacas estavam paradas a sombra, impedindo a passagem. Com bastante cuidado segui pelo canto da estrada e conforme avançava as vacas iam saindo da frente. Ao chegar perto de um bezerro, ele não saiu da estrada e sua mãe veio para cima de mim. Saí rapidamente de perto do bezerro e já estava quase subindo um barranco e deixando a bike para trás, quando a vaca brava desistiu de mim e parou ao lado do bezerro, numa posição de proteção. O susto foi grande e me afastei dali rapidinho. Segui mais alguns minutos pelo pasto, até que cheguei ao final da subida. Ao sair da fazenda tive certa dificuldade para passar com a bike por baixo de uma árvore que tinha caído sobre a porteira.

Cheguei a um local alto, no topo de um morro. A vista era muito bonita, dava para enxergar longe. Ali pude ver que o restante do dia seria subindo e descendo morros. Voltei a pedalar e após algumas retas longas, cheguei a uma grande e radical descida. Desci em boa velocidade e com todo o cuidado. Foi um trecho bastaste técnico, onde precisei aliar velocidade, equilíbrio e mãos no freio. Estou pegando prática em tais descidas, que já consigo descer em alta velocidade e com pouca margem de risco de queda. Passei pela placa que indicava que faltavam “apenas” 200 quilômetros até a cidade de Aparecida. Pouco depois cheguei a uma ponte caída, creio que por culpa das chuvas. Ao lado da ponte foi feita uma passagem provisória, uma estrutura de madeira não muito confiável e foi por ela que passei com todo o cuidado.

Às 13h00min em ponto cheguei à pequena cidade de Tocos do Mogi. Passei na Pousada da Dona Terezinha, para carimbar minha credencial e depois segui pela avenida principal da cidade. Parei em um bar e entrei para almoçar pastel de milho e Tubaína. O pastel era ainda melhor do que o da noite anterior. O recheio de queijo parecia requeijão. Paguei a conta e ao sair, um pessoal me chamou até uma mesa. Um dos rapazes, Nei, viu escrito Campo Mourão em minha camiseta e perguntou se eu era de lá. Então ele contou que tinha morado durante quase seis anos em Campo Mourão. Na mesa tinha um outro senhor, cuja prima mora em Cianorte. Sentei-me a mesa com eles e batemos um longo e animado papo. Todos foram muito simpáticos e ao tirarmos uma foto, chamaram até o dono do bar para se juntar a nós. Dentro do bar levei uma picada de marimbondo, que doeu muito. Daí lembrei-me do conselho do dia anterior e fiquei feliz por ter comprado uma caixa de antialérgico. Tomei um comprimido, despedi-me do pessoal e parti.

O sol estava ainda mais quente e minha vontade era de deitar debaixo de uma árvore e dormir. Mas não fiz isso, segui em frente e comecei a rodar por uma região muito bonita, uma serra com muito verde. Cheguei então ao início de uma descida bastante radical e longa. No fundo do vale era possível ver uma pequena comunidade e também a estrada. Respirei fundo, me enchi de coragem e desci a estrada feito louco, gritando muito, numa média de 40 km/h até chegar ao fundo do vale. Essa descida foi adrenalina pura, muito emocionante. No fundo do vale passei em frente de algumas casas e bares, cheios de pessoas. Não parei, segui em frente até chegar ao pé de uma grande subida. Essa região é conhecida por ser grande produtora de morangos. Levei um bom tempo subindo, e em alguns trechos mais íngremes a estrada possuía um calçamento, para possibilitar que os carros passassem nos dias de chuva. Fiz algumas paradas durante a subida, para descansar e também admirar a paisagem. Era possível ver a longa descida por onde eu tinha vindo e também parte da subida. Após o final da longa subida, passei por alguns trechos de retas e pequenas descidas.

Quase no final da tarde cheguei ao alto de um morro de onde era possível ver a cidade de Estiva, no fundo de um vale. Parei ao lado de uma cerca e fiquei alguns minutos admirando a vista do lugar. No meu caso, que não estava correndo contra o tempo, que não tinha pressa em chegar à Aparecida, eu podia me dar ao luxo de muitas vezes parar e curtir as belas paisagens do Caminho da Fé. Subi na bike e desci a longa estrada até chegar a Estiva. A cidade é pequena. Fui até uma pousada que constava no guia e chegando lá descobri que a mesma estava fechada. Felizmente existia outra e voltei alguns quarteirões até ela.

A Pousada da Poka fica em cima de uma padaria e é muito confortável. Foi um dos melhores lugares onde me hospedei durante a viagem. Depois de tomar banho, aproveitei para usar a lavandeira e lavei algumas roupas e meu tênis. Meu pulso estava muito dolorido e amortecido, por culpa da picada do marimbondo. Fui lanchar e ao voltar para a pousada encontrei um peregrino que também estava hospedado ali. Ele era apicultor e falei a ele sobre a picada de marimbondo que tinha levado e sobre meu pulso estar muito dolorido e amortecido. Ele me disse que algumas espécies de marimbondo tem a picada mais dolorida do que muitas espécies de abelhas. E que a dor e o amortecimento logo passariam. Fiquei mais tranqüilo com a informação e fui para meu quarto. Estava cansado e com o efeito do antialérgico, que provoca sono, fui dormir às 20h00min e só acordei doze horas depois.

O antigo Minas Hotel, em Borda da Mata.

Subida difícil, sob muito sol.

A bike estacionada em frente a porteira.

Casa vazia que virou ponto de descanso e água.

Local onde a vaca me atacou.

Faltando “apenas” 200 km para chegar em Aparecida.

Passagem ao lado da ponte que caiu.

No bar, em Tocos do Mogi.

Em Tocos do Mogi.

Pausa para descanso.

Estrada sem fim…

Passarinhos namorando.

Bela paisagem.

Saindo do “Vale dos Morangos”.

Admirando a paisagem pouco antes de chegar à Estiva.

Caminho da Fé (9º dia)

“Peregrinar é a decisão maior que o ser humano se permite, pois ele deve seguir em completa solidão, assim se encontrará consigo mesmo.” 

(Katia Esteves)

Acordei às 8h30min e fui arrumar minhas coisas. Tinha chovido a noite toda, sinal de que encontraria muito barro pelo caminho. Tomei o café da manhã, que é algo que nunca faço em casa. Durante a viagem sempre procurei tomar café da manhã, em razão do esforço físico que estava fazendo todos os dias. Saí à rua, fui levar a bike para consertar. Na bicicletaria tinha fila de espera, então deixei a bike lá e fui dar uma volta pela cidade. Queria conhecer melhor as antigas construções da cidade. Começou a cair uma garoa fina e mesmo assim continuei andando. Fui até a Catedral, que fica bem no alto da cidade. Depois fui a um Mercadinho, que o guia mencionava, e onde existia uma gruta com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Chegando ao Mercadinho descobri que a gruta estava desativada, passando por reformas. Conversei um pouco com o dono do Mercadinho, que é um entusiasta e apoiador do Caminho da Fé. Ele me contou sobre duas mortes de peregrinos, que aconteceram ano passado. Um deles era meio obeso e enfartou ao chegar a Aparecida, provavelmente por culpa do esforço físico e da emoção de chegar ao final do Caminho da Fé. A outra morte foi de um médico, picado por cinco abelhas e que por ser alérgico acabou falecendo ao dar entrada no hospital. O dono do Mercadinho perguntou se eu era alérgico a abelhas, pois existem muitas pelo caminho. Respondi que provavelmente não, pois já levei picadas de abelhas, vespas, marimbondos e nunca tive problemas. Então ele disse para eu comprar uma caixa de antialérgico, por precaução, já que estava viajando sozinho e em caso de ser picado por muitas abelhas e estando num local deserto, demoraria a conseguir socorro. Despedi-me, ganhei um carimbo na credencial e fui direto a uma farmácia comprar um antialérgico. Eu tinha decidido seguir os conselhos que me fossem dados, após os problemas com os pneus da bike.

Pouco antes do meio dia fui buscar a bike no conserto. Passei na pousada pegar minhas coisas e logo parti. Na saída da cidade entrei numa estrada de terra e segui por ela um bom tempo. O tempo estava nublado, o que era bom para pedalar, sem chuva ou sol quente. A estrada tinha bastante barro, nada que fosse problemático. Pretendia percorrer trinta quilômetros à tarde, até a cidade de Borda da Mata. Segundo o guia, o trecho era tranqüilo, com uma única subida grande. Após alguns quilômetros cheguei à pequena cidade de Inconfidentes. O guia dizia para parar no Bar do Maurão, para pegar o carimbo na credencial. O bar ficava na avenida principal e não tive dificuldade em encontrá-lo. No Bar do Maurão aproveitei para almoçar dois pastéis de queijo e tomar uma Tubaína. Depois fiquei conversando com o Maurão, que como todo mineiro é bom de conversa. Ele me contou algumas histórias sobre o Caminho da Fé e também sobre o médico que morreu em razão das picadas de abelha. Logo chegou a esposa do Maurão, que também entrou na conversa, contando fatos sobre peregrinos que por ali passaram. O papo estava bom, dava vontade de ficar mais tempo ali, mas eu precisava seguir em frente. Despedi-me e segui em frente.

Na saída de Inconfidentes, andei um pouco ao lado de uma estrada asfaltada. Logo voltei para uma estrada de terra e segui por ela um bom tempo. Pelo caminho passei por alguns locais com casas e alguns bares. Ao passar o pessoal ficava me olhando. Eu sempre cumprimentava todos que via, e as pessoas respondiam. Depois de quase uma hora cheguei a um local onde existia uma parada para descanso, debaixo de uma árvore, com bancos de madeira e uma torneira com água. Esse local tinha sido preparado pelo Seu Joaquim, um morador que tem apoiado o Caminho da Fé. Ali encontrei três senhoras, que estavam percorrendo o Caminho da Fé a pé, já fazia vários dias. Vanda, Adélia e Nair, eram de São Carlos – SP. Conversamos um pouco e descobri que elas eram nascidas em Goio-êre, uma cidade próxima a Campo Mourão e que viviam há muitos anos no interior de São Paulo. Quando nos preparávamos para partir, surgiu o Seu Joaquim, dono do lugar. Conversamos um pouco e logo minhas novas amigas partiram. Fiquei mais um tempo conversando com Seu Joaquim. Ele me contou sobre o início do Caminho da Fé, sobre como é bom viver num lugar tranqüilo igual aquele e sobre seus planos de construir uma lanchonete ao lado da estrada, como ponto de apoio aos peregrinos. Depois de um tempo despedi-me do Seu Joaquim e peguei a estrada.

Após pedalar uns dois quilômetros, encontrei as três peregrinas, no início de uma grande subida. Desci da bike e segui conversando com elas. Era a primeira vez que eu seguia pelo Caminho da Fé acompanhado por alguém. Conversamos sobre muitos assuntos. Diverti-me com algumas histórias que elas contaram e com as reclamações. Elas não tinham nenhum preparo físico quando iniciaram a peregrinação. Estavam seguindo na força de vontade, na fé. Fiquei admirado com a disposição delas. E achei engraçado quando paravam cansadas e fumavam um cigarro. Segundo elas, o cigarro era para dar uma força extra. Como não tinha pressa, acabei andando um bom tempo junto com as três. Chegamos a um lugar onde tinha alguns abacaxis ao lado da estrada. A Adele colheu um dos abacaxis e descascou para comer. As outras duas ficaram brincando que o abacaxi era venenoso. Foi me oferecido um pedaço, que educadamente recusei, não pelo medo de ser venenoso, mas sim por estar com aftas na boca desde o dia anterior e o abacaxi só pioraria a situação. Pouco antes das 17h00min me despedi das três e decidi voltar a pedalar. Ainda faltavam seis quilômetros até Borda da Mata. Segundo o guia, na cidade existiam dois hotéis, um novo e um antigo, de 1940. Eu queria ficar no hotel antigo e as três também. Então combinamos que ao chegar ao hotel eu reservaria um quarto para elas.

Os seis quilômetros até Borda da Mata foram tranqüilos, com duas subidas não muito fortes. Numa delas vi uma cobra atravessando a estrada. Com cuidado parei ao lado dela e tirei uma foto. A cobra era brava e tentou morder o pneu da bicicleta. Segui meu caminho e deixei a cobra seguir o dela. Não demorou muito e cheguei a Borda da Mata. Logo na entrada da cidade tinha uma subida pesada e desci da bike, passando a empurrá-la. Ao passar em frente a uma casa, um senhor que estava na varando perguntou se eu estava fazendo o Caminho da Fé sozinho. Respondi que sim e ele falou “Êita! Tem que ser muito corajoso para fazer isso!”. Ri do comentário e respondi que não precisava de coragem, mas sim de vontade e fé. Várias vezes durante o caminho, pessoas falaram que eu era corajoso em fazer o Caminho da Fé sozinho. Nunca me achei corajoso por isso. Apenas não tinha outra opção, já que não encontrei ninguém para viajar comigo. Então era viajar sozinho ou não viajar. E não via problema em seguir sozinho, apenas sabia que seria perigoso caso sofresse alguma queda, ou algum outro acidente e me machucasse seriamente. E também sabia que sozinho era mais vulnerável a assaltos. Mas nunca tive medo, sempre orava pedindo proteção e tinha certeza de que nada aconteceria comigo. Alguns chamam isso de fé…

Não foi difícil encontrar o Minas Hotel, que ficava numa esquina, no centro da cidade. Fui atendido pela Dona Maria, dona do local a quase cinqüenta anos. Ela me arrumou um quarto e depois reservou um para minhas três amigas. O hotel estava cheio naquele sábado. A Dona Maria foi à missa e me deixou encarregado de esperar minhas três novas amigas chegarem. Deixou-me a chave do quarto e me deu mais algumas coordenadas sobre o funcionamento do hotel. De repente me vi gerenciando o hotel. Mais uma vez alguém que nunca tinha me visto na vida, depositava confiança em mim. Ao entrar no quarto carregando o alforje da bike nas mãos, todo sujo de barro, me senti o verdadeiro “boiadeiro errante”, personagem de uma música do Sérgio Reis. Meu quarto era bem simples e antigo. Pelo visto não tinha mudado muito desde a construção do hotel. A única mudança era um banheiro que foi adaptado dentro do quarto, onde fizeram uma espécie de muro num canto e colocaram um chuveiro e um vaso sanitário. Deitei na velha cama e fiquei olhando para o teto e imaginando quantas pessoas já tinham dormido naquele quarto nos últimos setenta  anos. Muitos boiadeiros que chegavam em comitiva, com certeza dormiram ali.

Minhas amigas chegaram quando já estava escuro. As levei até o quarto delas e depois fui dar uma volta pelas proximidades do hotel. Na esquina oposta existiam duas praças, uma onde ficava a Catedral e outra com um chafariz. Em volta muitas lanchonetes e sorveterias. Parei numa sorveteria tomar um sorvete e depois entrei numa loja ao lado, que vendia produtos típicos de minas. Tinha muitas variedades de queijos e doces de leite. Deu vontade de comprar alguma coisa para levar para o pessoal de casa, mas como não podia carregar mais peso, achei melhor não comprar nada. Voltei ao hotel e descansei um pouco. Tinha combinado de jantar com as três peregrinas, mas no horário marcado somente a Vanda apareceu. Fomos em uma lanchonete próxima e fizemos um lanche. Então ela voltou para o hotel, levando lanche para as outras duas, que de tão cansadas que estavam, preferiram não sair do hotel. Dei algumas voltas pelo centro e depois sentei-me num banco da praça. Logo a praça começou a encher de pessoas. Muita gente bem vestida, passeando por ali. Sou do interior, conheço muitas cidades do interior, mas nunca tinha visto algo igual. Parecia que quase todos os moradores da cidade estavam passeando pela praça e arredores, e nem era noite de festa. Fiquei um bom tempo olhando o movimento, até que resolvi voltar ao hotel. No caminho passei em frente a uma pastelaria, que vendia “pastel de milho”. O guia dizia para provar essa iguaria local. Eu pensava que o recheio é que era de milho, mas na verdade é chamado de pastel de milho, porque a massa do pastel é feita com farinha de milho. Provei um com recheio de carne e outro com queijo. Era muito bom, uma delícia. Arrependi-me de ter lanchado antes. De barriga cheia fui para o hotel dormir. Ainda não tinha adormecido, quando começou a chover forte, sinal de estrada cheia de barro no dia seguinte.

Dia nublado, bom para pedalar.

Atravessando ponte.

Com o Maurão, em seu bar.

Adele, Vanda, Nair e eu.

Com Seu Joaquim.

Bem ao fundo aparece a cidade de Borda da Mata.

No pasto, uma antiga capela.

Adele e Nair, atravessando o barro.

Olha o abacaxi!

No meio do caminho tinha uma cobra…

Chegando a Borda da Mata.

Catedral de Borda da Mata.

Caminho da Fé (8º dia)

“Peregrinar é uma imagem de vida, encerrada em poucos dias, um tempo no qual tomamos verdadeiramente a consciência de nós mesmos.” 

(Anabela Coquenão)

Acordei às 8h00min, com muita dor no corpo e cogitei a possibilidade de tirar o dia para descansar. Logo mudei de idéia. Mesmo com dores o jeito era seguir em frente, sempre… Com muita preguiça levantei e arrumei minhas coisas, num passo de tartaruga. Antes de sair vi um Novo Testamento em cima de uma mesa e resolvi ler um trecho. Abri de forma aleatória e li um texto de Tiago, que falava sobre a paciência. Refleti um pouco sobre o que li, e entendi que devo continuar sendo paciente com a vida, pois dessa forma tudo vai se resolver. E essa viagem também está sendo um exercício de paciência, pois tenho seguido sem muita pressa, curtindo cada momento.

Ao pagar a conta do hotel, a moça que me atendeu disse que tinha me visto na rua no dia anterior. Saindo do hotel procurei uma bicicletaria para poder arrumar o freio. Também tinha um raio quebrado que tive que trocar. O cara que consertou a bike disse que seria bom eu trocar o pneu dianteiro, que não estava muito bom. Respondi a ele que já tinha trocado o pneu traseiro durante a viagem e que pretendia seguir até o final da viagem sem trocar o dianteiro. O cara da bicicletaria também disse que tinha me visto na rua no dia anterior. Pelo jeito estou ficando conhecido na cidade… rs! Saindo da bicicletaria parei fazer um lanche e peguei a estrada.

Após sair da cidade, entrei numa estrada de terra e segui por um longo trecho com bastante descidas. Mesmo com a forte chuva da noite anterior, não tinha muito barro na estrada. Talvez em razão do sol forte. Passei em frente uma escolinha, dessas de sítio, e os alunos ao me verem fizeram a maior festa, correndo para a cerca para falar comigo. Fui atencioso, mas preferi não parar. Cheguei a primeira subida do dia e depois dela novas descidas e retas, por uma região muito bonita. Então cheguei ao início da Serra dos Lima e teria que superar a segunda pior subida do Caminho da Fé. O sol do meio dia estava forte, a estrada com pedrinhas soltas que me faziam escorregar. Foi complicado percorrer esse trecho. Quase na metade da subida vi uma pequena capela e ao lado uma mina de água, fria. Parecia até uma miragem em meio ao deserto. Tirei as luvas para poder lavar o rosto. Sentei-me em frente a capela e fiquei um bom tempo ali, pensando na vida. Não tinha a mínima vontade de voltar a empurrar a bike morro acima, debaixo de sol. Mas tinha que seguir em frente e assim voltei para a estrada. Quase um quilômetro depois foi que dei falta das luvas, que ficaram ao lado da mina. Voltar para buscá-las seria complicado e achei melhor seguir em frente, sem as luvas. Se fosse algo de maior valor, até que valeria a pena voltar para buscar, mas as luvas já estavam bastante usadas e não valia o esforço de retornar. Nesse trecho passei a pendurar o capacete no guidão e a usar boné para me proteger do sol. Somente em trechos de descida é que colocava o capacete. Após chegar ao final da grade subida da Serra dos Lima, comecei a andar por um trecho com longas retas e descidas. Passei por um local onde estavam carregando um caminhão com batatas colhidas em uma plantação ao lado. Debaixo de uma árvore vi quatro moças sentadas. Elas estavam colhendo as batatas e vestidas igual bóias-frias, cheias de roupas. Ao passar por elas dei um ‘”boa tarde” e pude notar que as quatro eram muito bonitas, mesmo sujas e vestidas com roupa de trabalho. Segui pedalando e pensando na vida difícil que muitas pessoas levam. Logo comecei a descer novamente. As descidas eram tão íngremes que as mãos doíam de tanto apertar os freios. Em razão das pedras e buracos na estrada, não dava para correr muito, era mão nos freios o tempo todo. Cheguei num local de onde era possível ver a pequena cidade de Barra, no fundo de um vale. E do outro lado do vale dava para ver a estrada e as subidas que me esperavam mais tarde.

Na entrada de Barra, passei por algumas vacas soltas ao lado da estrada. Precisava passar por um mata burro, sobre um rio. E bem no meio do caminho tinha uma vaca enorme, grávida, possivelmente de gêmeos. Gritando tentei fazer a vaca sair da frente, mas isso a deixou brava e ela ficou me encarando com cara de poucos amigos, e nem arredava as patas de onde estava. Gritei mais um pouco, tentei falar com a vaca, até pensei em tacar alguma pedra nela. De repente, do nada chamei a vaca pelo nome de uma pessoa e a vaca saiu da estrada. Comecei a rir. Será que o nome da vaca era o mesmo dessa pessoa, que por razões obvias não vou citar aqui? De qualquer forma a vaca liberou o caminho e segui em frente.

Barra é uma cidade pequena e tranqüila, um lugar bucólico. Logo na entrada da cidade vi um monte de canarinhos numa cerca, uns vinte. Começou a cair uma garoa fina e parei num Mercadinho, com a intenção de comer alguma coisa. Acabei almoçando dois potes de sorvete. Sentei em frente a porta do Mercadinho e fiquei tomando o sorvete e curtindo o momento, a tranqüilidade do lugar. A sensação era de que naquela cidadezinha o tempo tinha parado. Acredito que passar uns dias ali cura qualquer estresse ou depressão. Senti-me feliz por estar ali, num lugar tranqüilo, no meio do nada, curtindo a vida, o momento. Algo bem diferente de minha vida um ano antes. Nada como um dia, uma semana, um mês, um ano após o outro… Fiquei quase uma hora sentado naquele Mercadinho, meditando sobre a vida. A única coisa que achei estranho foi o açougue que funcionava nos fundos. As carnes ficavam penduras, a mostra, sem preocupação com refrigeração.

Precisava seguir em frente e perguntei para a dona do Mercadinho, onde podia conseguir o carimbo para minha credencial do Caminho da Fé. Ela respondeu que seria na Pousada, que fica atrás da igreja, mas que não tinha ninguém lá aquela hora. Lamentei ficar sem o carimbo de Barra e então a dona do Mercadinho disse que eu podia ir até a Pousada e entrar, pois os donos deixavam o lugar aberto e o carimbo em cima da mesa. Fui até a Pousada, meio sem jeito entrei e fui até uma mesa onde encontrei o carimbo. Mais uma vez fiquei impressionado com a confiança que o pessoal deposita em estranhos. Saí rapidamente e resisti a tentação de pegar uns biscoitos que estavam sobre a mesa e tinham aspecto de serem apetitosos. Atravessei a cidade e logo cheguei num lugar, cuja foto estava no guia e que desde a primeira vez que li o guia, mais de uma ano antes, tinha sido a foto mais bonita que vi. Agora estava ali, em frente a paisagem da foto que admirei durante vários meses. Foi um momento gostoso, difícil de explicar.

Após tirar algumas fotos, saí de Barra e logo cheguei numa grande subida, com muito barro. Foi um esforço imenso empurrar a bike morro acima, com todo aquele barro. Após a subida entrei num trecho cercado de mata e atravessei dois riachos, dessa vez sem molhar os pés. Saindo da mata, entrei numa parte com muitas descidas. Em volta a paisagem era exuberante, com muito verde. Era possível enxergar a quilômetros de distância, uma paisagem de beleza tão grande que não é possível captar com a câmera, é o tipo de beleza que você guarda na mente. No final do trecho de descidas cheguei a uma pequena localidade que não recordo o nome. Passando em frente a uma escolinha, vi uma moça lavando a calçada com uma mangueira. Parei e pedi para encher minhas garrafinhas com água. Conversei um pouco com a moça, que fez perguntas sobre de onde eu era, sobre o Caminho da Fé. Despedi-me e segui em frente, passando ao lado de uma antiga casa de fazenda, muito bonita.

O restante da tarde fui alternando trechos de curtas subidas e descidas. Tudo ia bem, até que o pneu da frente esvaziou. Tentei encher com a bomba de ar e percebi que ele tinha um pequeno furo. Na hora lembrei-me do conselho do rapaz da bicicletaria em Andradas. Mais uma vez tinha ignorado um conselho sobre trocar pneu e fiquei na mão. Decidi que ia ouvir mais os conselhos que me dessem pelo caminho. Os quilômetros seguintes foram de muitas paradas para encher o pneu da bike e seguir pedalando, até parar novamente e encher o pneu.

Ás 17h00mim cheguei a cidade de Crisólia e parei no Bar da Zetti, para carimbar a credencial do Caminho da Fé. Aproveitei para tomar uma Tubaína gelada e descansar um pouco. Informei-me sobre a existência de algum lugar na pequena cidade, onde pudesse consertar o pneu, e a respostas foi que não existia nada. A Zetti me aconselhou a seguir pela estrada de asfalto, até Ouro Fino, meu próximo destino. Segundo ela, seriam somente quatro quilômetros, quase todo em descida. Já se eu fosse pelo Caminho da Fé, seriam sete quilômetros, com algumas pequenas subidas. Optei por seguir pelo Caminho da Fé, mesmo correndo o risco do pneu me deixar na mão de uma vez e eu ter que empurrar a bike. Despedi-me da Zetti e peguei a estrada.

Não demorou muito e passei por uma árvore onde estava pregada uma placa indicando que faltavam 250 quilômetros até a cidade de Aparecida, meu destino final. Ou seja, eu tinha atingido exatamente a metade do Caminho da Fé, o que me deixou bastante contente. O pneu colaborou e após parar umas três vezes para enchê-lo, finalmente cheguei à periferia de Ouro Fino. Ali passei por um momento delicado. Ao descer em alta velocidade por uma estrada asfaltada, na entrada da cidade, vi três rapazes e uma moça saírem do meio do mato, logo a minha frente. Como eu estava em alta velocidade, eles só me viram quando passei por eles, e se assustaram. Deu para sentir o cheiro da maconha que eles fumavam e imagino que se fosse num trecho de subida, ou então se tivessem me visto antes, eles teriam me assaltado. Nas pequenas cidades por onde passa o Caminho da Fé, não existe grande risco de assaltos. Já próximo às cidades maiores esse risco aumenta e li relatos de peregrinos que foram assaltados, quase sempre por usuários de drogas. Infelizmente o consumo de drogas e a violência que envolve esse consumo, está se transformando um problema muito grande em todo o Brasil. E nossas autoridades não dão muita bola a isso e continuam tratando os usuários como coitadinhos, nem para a cadeia vão. Na verdade se não existir o usuário, não existe o grande traficante. Então se deve coibir o uso da droga e punir os pequenos usuários, pois se continuar como está, a violência só vai aumentar, já que o consumo desenfreado de drogas fomenta cada vez mais a violência.

Ao entrar na cidade de Ouro Fino, o pedal esquerdo quebrou. Por sorte eu estava no final de uma pequena subida, a baixa velocidade. Se a quebra do pedal acontecesse quando eu estivesse correndo bastante, isso poderia ter causado um sério acidente. Parei na estátua do Menino da Porteira, para tirar fotos. A cidade de Ouro Fino ficou famosa em todo o Brasil, graças a música “O Menino da Porteira”, que foi gravada pelo cantor Sérgio Reis, em meados dos anos setenta. Um dos compositores dessa música possuía um sítio nos arredores da cidade, e talvez por isso tenha citado a cidade na música. A estátua é bonita, tem dez metros de altura e ao lado tem uma placa de bronze com a letra da música e embaixo a mão do Sérgio Reis moldada no gesso.

Quando deixei a estátua para trás e entrei na cidade, já estava escuro. Segui empurrando a bike com o pneu totalmente murcho, até chegar numa pousada bem no centro da cidade. A pousada era legal, mas estranhei pedirem o pagamento adiantado. Era a primeira vez que isso acontecia. Fui para o banho e ao sair vi que minhas pernas a cada dia tinham mais marcas de arranhões e de picadas de insetos. Estavam ficando feias com tantas marcas. Logo saí e dei uma volta pela cidade, que é bastante antiga, com muita história e que possui construções antigas e conservadas. Jantei em um restaurante simples, antigo e simpático. A comida era boa demais e acabei exagerando. Depois dei mais uma volta pelo centro, para fazer a digestão. Voltei para a pousada e fui direto para a cama. Mal deitei e começou a chover. Com o barulho da chuva foi ainda mais gostoso dormir.

Estrada poeirenta.

Capela onde esqueci minhas luvas.

Bela paisagem.

Mais uma igrejinha perdida.

Longa estrada…

Capelinha ao lado da estrada.

Região de serra.

No fundo do vale, a pequena cidade de Barra.

Vaca prenha no meio da estrada.

Mata burro sobre o rio.

Igreja de Barra.

Minha paisagem favorita.

Lugar bucólico.

Barro na subida.

Atravessando o pequeno riacho.

Antiga casa de fazenda.

Uma das muitas paradas para encher o pneu furado.

Em frente a estátua do Menino da Porteira. Ouro Fino – MG

Caminho da Fé (7º dia)

“Peregrinar é rezar com os pés.” 

(Autor Desconhecido) 

Acordei 8h30min, olhei pela janela e vi que o sol brilhava forte, mas mesmo assim fazia um friozinho. Da janela dava para ver um pouco distante a pequena São Roque da Fartura na encosta de uma morro, uma paisagem bonita. Estava todo dolorido do esforço do dia anterior e o jeito foi tomar um remédio para dor. Arrumei minhas coisas, tomei café na cozinha da Dona Cida e logo peguei a estrada, pois queria aproveitar o dia de sol e tentar chegar até a cidade de Andradas, já em território mineiro. Ou seja, pretendia fazer pouco mais de cinqüenta quilômetros naquele dia, então não podia perder tempo. Antes de partir confirmei com Dona Cida sobre a informação de que deveria seguir pela estrada asfaltada e não pela estrada de terra por onde passa o Caminho da Fé. Diante da resposta de que deveria seguir pela estrada asfaltada, despedi-me e parti. Até então não tinha usado capacete para pedalar. Em razão da chuva dos primeiros dias, tinha achado melhor não utilizar luvas e capacete, pois seriam mais coisas para molhar. No dia anterior, com sol, tinha usado luvas. Agora que passaria por trechos perigosos, era melhor usar equipamento completo, por segurança.

Logo ao sair da Pousada da Dona Cida andei alguns metros por uma estrada de terra e cheguei à estrada asfaltada. Próximo tinha a entrada de uma cachoeira, mas tinha tomado tanta chuva nos últimos dias que não fiquei com vontade de ver mais água. Comecei a pedalar pelo canto da estrada, pois a mesma não tinha acostamento. Fiquei preocupado com isso, pois sabia que seriam 22 quilômetros até chegar à próxima cidade, Águas da Prata. Se todo o trecho fosse naquela estrada, seria bastante perigoso. Não andei muito e cheguei numa grande subida, onde o jeito foi descer e empurrar a bike. Procurei ir bem no canto da estrada, mas mesmo assim os carros passavam bem próximos a mim. Felizmente a maioria dos carros ao passar por mim distanciavam-se, indo para a pista contrária. A subida parecia não ter fim, foram quase três quilômetros empurrando a bike, até que cheguei no alto de uma serra. Ali subi na bike e comecei a descer, descer e descer. Havia muitas curvas fechadas e buracos na pista, tive que tomar muito cuidado. Abusei do freio traseiro e ele logo começou a falhar, dando sinais de desgaste. Após uma das muitas curvas, tive que parar num local onde trabalhadores estavam consertando a estrada e o trânsito estava momentaneamente impedido. Um cara que cuidava do trânsito veio até mim e me deu uma bronca, dizendo para eu não correr tanto pois podia colocar em risco a vida de um dos operários que trabalhavam na estrada. Inicialmente achei que ele estava brincando e tinha até pensando em fazer uma piadinha, mas diante da cara amarrada dele vi que a bronca era séria e resolvi me calar. Depois de alguns minutos ele liberou a estrada e voltei a descer feito louco estrada abaixo, testando o freio traseiro e vendo que ele estava cada vez pior. Então em uma curva vi que estava chegando numa cidade, a qual não lembro o nome e que não constava em meu guia. Daí lembrei que estava fora do percurso original do Caminho da Fé e que por esse motivo a tal cidade não era mencionada no guia. Chegando no trevo da cidade descobri que a estradinha ruim que estava percorrendo terminava ali e que dali para frente eu deveria seguir por uma rodovia bastante movimentada. Seria serra abaixo o tempo todo. Ao menos o acostamento era bom.

Comecei a seguir pela rodovia, primeiro na contramão e depois pela mão correta, onde o acostamento era mais largo. Era descida o tempo todo e curvas bastante abertas onde dava para correr bastante. Eu não precisava pedalar, era só deixar a bike descer. A paisagem em volta era muito bonita, mas não dava para ficar apreciando. Logo o freio de trás parou de funcionar de vez. Parei para tentar consertar, mas não foi possível. Tive que tomar muito cuidado dali para frente, freando somente com o freio dianteiro. Logo descobri que em razão do peso da bike e da velocidade com que estava descendo, quando eu apertava o freio dianteiro, conseguia parar somente uns cinco metros depois. Isso poderia ser muito perigoso caso precisasse parar bruscamente por culpa de algum buraco, ou carro parado no acostamento. Passei a tomar ainda mais cuidado, observando bem a estrada à frente. Mesmo assim corri bastante e não demorou muito para chegar num trevo, sair da rodovia e entrar numa estrada menor. Mais alguns metros e cheguei numa ponte, que não tinha acostamento. Para piorar a situação, a ponte ficava numa curva em descida. Estudei a melhor forma de atravessar a ponte e resolvi empurrar a bike pela contramão. Logo nos primeiro metros sobre a ponte, notei que os carros que subiam em sentido contrário estavam bem devagar. Imagino que algum carro que estava descendo tenha dado sinal de luz avisando que tinha algum perigo (no caso eu) na pista e por isso os carros diminuíram a velocidade. Ou então foi a Providência Divina que mais uma vez me ajudou. Atravessando a ponte, subi na bike e voltei a pedalar pela contramão. Logo cheguei à cidade de Águas da Prata. Tinha percorrido vinte dois quilômetros em menos de duas horas, um recorde.

A cidade de Águas da Prata é uma conhecida estação termal, que recebe muitos turistas. Cidade antiga e simpática, foi ali que começou o movimento pela criação do Caminho da Fé e é nela onde fica a sede do Caminho da Fé. A cidade é pequena e logo estava pedalando pelo centro. Vi uma bicletaria e parei para regular o freio. O rapaz que fez o serviço não cobrou nada. Agradeci e ao sair da bicicletaria descobri que ela ficava ao lado da sede do Caminho da Fé, onde também funciona uma Pousada para os peregrinos. Fui até lá pegar o carimbo na credencial e conhecer o lugar. Ali fiquei sabendo que a informação sobre o trecho entre São Roque da Fartura e Águas da Prata estar intransitável era incorreta. Fora motivada por culpa de um peregrino meio enjoado que não deve ter gostado de atravessar trechos de muito barro e chegando na sede do Caminho da Fé passou a informação de que era impossível andar por aquele trecho. Eu tinha passado por trechos muito ruins e não teria tido problemas em passar por esse trecho. Foi uma pena ter sido vítima de uma informação errada, mas não dava mais para voltar atrás. O negócio era seguir em frente e foi o que fiz.

Na saída de Águas da Prata, parei fazer um lanche leve, numa lanchonete que fica em frente a antiga Estação de Trem, que foi inaugurada por Don Pedro II. Não me demorei muito e segui em frente. Andei cerca de um quilômetro pelo asfalto e entrei numa estrada de terra. O sol estava muito forte e fazia bastante calor. A estrada tinha subidas curtas e muitas retas o que fez render a pedalada. Passei por um igrejinha perdida no meio do mato e parei para descansar e tirar algumas fotos. Não me demorei e segui em frente.

Boa parte da tarde segui por meio de uma estrada deserta e fiquei um bom tempo sem ver ninguém. Passei por uma cachoeira no meio do mato e parei para descansar um pouco. Depois atravessei uma região de mata fechada, onde a sombra e a umidade davam a sensação de frio. Era como entrar num ambiente com ar condicionado ligado. Em alguns trechos no meio da mata, dava certo medo do silêncio do lugar ou então de ruídos estranhos que vinham do mato. Nessas horas a imaginação “viaja” um pouco e fiquei imaginando que a qualquer instante um onça surgiria no meio da estrada. Felizmente o único animal que surgiu foi um tatu, ao lado da estrada. Parei bem pertinho dele e fiquei em silêncio o observando. Até que em determinado momento ele começou a farejar o ar, sentiu meu cheiro e saiu correndo para o meio do mato. Confesso que meu cheiro não deveria ser dos melhores, sujo e suado como estava.

E finalmente numa curva da estrada cheguei num rio que não tinha ponte e que segundo informações era a divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais. Pensei que o rio era raso e fui tentar atravessá-lo pedalando. Quando chegou no meio do rio descobri que ele era um pouco fundo e por pouco não caio um tombo feio. Consegui descer da bike e atravessei caminhando. Mesmo num dia de muito sol eu consegui molhar os pés. Era o sétimo dia de viagem e o sétimo dia em que eu ficava com o tênis molhado. À noite no hotel ao olhar o guia, vi que o mesmo informava sobre uma pinguela no lado direito da estrada, que permitia atravessar esse rio sem se molhar. Confesso que não vi tal pinguela, isso se ela ainda existir.

Foi de certa forma algo marcante passar a pedalar em outro estado. Sabia que dali para frente o caminho ficaria mais difícil, pois em Minas Gerais tem muitas serras e trechos com pedras. No dia anterior, o Seu Francisco tinha me falado que em Minas o caminho seria bem mais “dificultoso”. Mas estava preparado para tudo e cada dia estava mais perto de meu destino final, o que era algo bastante motivador. Mais uma vez fiquei sem água e com o calor que fazia isso foi um complicador. Olhando no guia vi que passaria pela Pousada do Gavião, que ficava alguns quilômetros a frente de onde estava quando acabou minha água. Então passei a pedalar mais rápido, até que cheguei à pousada. Uma funcionária me atendeu e encheu minhas garrafinhas com água. Aproveitei para tomar um Guará Vita, uma espécie de refrigerante que só é vendido no Sudeste e que gelado é muito bom. Também ganhei mais um carimbo em minha credencial e segui em frente. Tinha um longo trecho até chegar em Andradas, onde passaria a noite. E não queria correr o risco de ficar na estrada à noite.

O trecho final antes de Andradas foi bastante difícil, pois tinha muitas pedras na estrada. O trecho era todo em descida, inclinadas demais. Tive que tomar muito cuidado para não derrapar nas pedras e cair. Qualquer descuido seria fatal. As mãos doíam de tanto apertar os freios. Mesmo sendo descida não dava para correr, tinha que seguir devagar em meio à estrada pedregosa e freiando sempre. Sofrer uma queda naquele lugar era fácil e como a região era deserta, caso eu caísse e me machucasse, ia demorar até conseguir algum tipo de socorro. Então segui com muito cuidado, atenção triplicada. Começou a escurecer e logo fiquei preocupado, pois não via mais nenhuma seta indicando o Caminho da Fé. Fiquei com receio de não ter visto alguma seta indicando que deveria seguir por outra  das estradinhas pelas quais passei. Concentrado como estava em olhar para o chão e evitar cair nas pedras, bem que podia ter deixado passar despercebido a sinalização. Comecei a ficar muito preocupado com a possibilidade de estar no caminho errado. Voltar para trás seria muito complicado, em razão das descidas íngremes e cheias de pedras se transformarem em subidas íngremes e cheia de pedras. Rodei mais uns dois quilômetros até encontrar uma seta amarela pintada em uma árvore, sinalizando que o caminho estava correto. Ver aquela seta me deu uma grande sensação de alívio.

Já no final do dia pude avistar a cidade de Andradas. Então começaram a passar alguns carros pela estrada que até então estava deserta, todos em alta velocidade e mal tomando conhecimento de minha presença na estrada. Passei a tomar ainda mais cuidado. Finalmente cheguei à periferia da cidade e seguindo a sinalização das setas amarelas pintadas em postes, fui me aproximando do centro da cidade. O trânsito era caótico, o fluxo de veículos intenso e por mais de uma vez quase fui atropelado. Nessa de tomar cuidado com os carros, acabei passando direto pelo hotel onde pretendia passar a noite e somente um quilômetro depois é que me dei conta disso. Então dei meia volta e segui empurrando a bicicleta pela calçada. Chegando no hotel tive que fazer um último esforço e subir uma enorme escadaria com a bike, até chegar no quarto. Tinha percorrido 54 quilômetros nesse dia, parte graças aos 22 quilômetros de descidas pela estrada asfaltada. Mesmo assim era uma quilometragem considerável e que me deixou feliz.

Com a bike dentro do quarto nem precisei tirar o alforje com minhas coisas, igual fizera em todos os dias anteriores. E como não tinha chovido, não tinha molhado nada. Era o primeiro dia sem chuva desde o início da viagem. Fui tomar banho e deitei para descansar um pouco. Logo começou a chover. Ao menos dessa vez eu não precisava me molhar na chuva. Quando a chuva parou, saí dar uma volta pelo centro da cidade. Lanchei e aproveitei para ir numa Lan House e ver meus emails. Fazia uma semana que não acessava a internet. Nos dois primeiros dias foi complicado ficar sem internet, quase tive crise de abstinência. Mas depois não fez falta. Essa viagem me fez ver que posso viver com pouca coisa, que tudo na vida é uma questão de se adaptar ao meio em que se vive. Logo voltei para o hotel e dormi cedo, cansado que estava.

São Roque da Fartura – SP.

Trevo.

Tentando consertar o freio.

Descanso e água.

Em frente a sede do Caminho da Fé.

Águas da Prata – SP.

Ao fundo a Estação de Trem que foi inaugurada por Don Pedro II.

Igrejinha ao lado da estrada.

Placa indicando a distância que ainda tenho que percorrer.

Descansando próximo a cachoeira.

Mais uma fazenda para atravessar.

Rio na divisa entre São Paulo e Minas Gerais.

Estrada mineira.

Tatu.

Trecho com muitas pedras.

Chegando à Andradas.

Caminho da Fé (6º dia)

“O ser humano é um peregrino. É só na aparência que ele tem uma geografia.”
(Nélida Pinon)

Levantei 08h30min, todo dolorido em razão de ter andado 22 km no dia anterior empurrando a bike. Saí a procura de uma bicicletaria. Tive que andar um monte até chegar a Bicicletaria do Feijão, na periferia da cidade. Ali troquei o pneu traseiro, colocando um pneu especial para estradas de terra. Também fiz uma revisão geral nos freios e nas marchas. O Feijão foi bastante simpático e deu algumas dicas sobre o trecho seguinte da viagem. Ele me aconselhou a seguir pelo asfalto naquele dia, pois segundo ele eu encontraria muito barro pelo caminho, se seguisse a rota original do Caminho da Fé. Voltei para o hotel, arrumei minhas coisas, paguei a conta e parti pouco antes das 11h00min. Atravessei o centro da cidade e parei em frente a catedral para tirar uma foto. Fazia sol forte, o primeiro dia de sol que eu pegava no Caminho da Fé.

Mesmo com sol forte havia muito barro na estrada. Os primeiros quiômetros pedalei por longas retas e subidas não muito íngrimes. Após quase uma hora de pedalada cheguei num local onde existia um trecho de muito barro. Parei e fiquei pensando qual seria a melhor maneira de atravessar todo aquele barro. Ao lado na estrada, dois caras descansavam em cima de um trator. Querendo me ajudar, disseram que seguindo por uma pequena estrada a esquerda e depois virando numa árvore grande que aparecia um pouco distante, eu desviaria do barro. Segui o conselho deles e fui por uma estradinha que seguia ao lado de uma cerca de arame farpado. Era tudo descida e após uns dois quilômetros cheguei na tal árvore. Virei a direita, atravessei um canavial e cheguei a um pasto, com porteira fechada e cheio de vacas. Não achei boa idéia atravessar tal pasto, pois vi dois touros com cara de poucos amigos. Dali resolvi retornar até onde tinha desviado da estrada. Sei que nessa brincadeira perdi quase uma hora e pedalei 5 km a toa. Quando cheguei novamente no local cheio de barro, os caras do trator não estavam mais lá. Fiquei na dúvida se a informação deles era com intenção de me ajudar ou de me sacanear. Prefiro pensar que queriam ajudar. Então o jeito foi atravessar o trecho cheio de barro. Foi a maior dificiculdade, não dava para passar pedalando e tive que empurrar a bike. O barro grudava nos pneus, nos freios e se acumulava entre o pneu traseiro e o bagageiro, fazendo com que o pneu travasse e ficasse pesado para empurrar a bike. Depois de atravessar esse trecho, ainda perdi um bom tempo para tirar o barro da bike.

Após sair do trecho com barro, passei a pedalar por uma estrada melhor. Logo avistei algumas araucárias, sinal de que estava entrando numa região de serra, com altitudes mais elevadas. Na verdade eu estava nos arredores da Serra da Mantiqueira e nos dias seguintes atravessaria várias regiões de serra, com muitas subidas. Mais um pouco de estrada e cheguei numa igrejinha simpática, num local chamado Santana. Parei para descansar e depois rezei um pouco aos pés de uma pequena imagem de Cristo. Acabei pisando num formigueiro e levei diversas picadas nas pernas. Minhas pernas que já estavam marcadas com cortes provocados por mato, picadas de mosquitos e arranhões diversos, ficou ainda mais cheia de marcas. O sol começou a sumir e nuvens de chuva surgiram. Então achei melhor pegar a estrada novamente. Comecei a subir e olhando no guia vi que essa seria umas das maiores subidas que encontraria pelo caminho. Tive que empurrar a bike e logo meu estoque de água acabou. Era o primeiro dia que pedalava sob sol e com calor forte, então consumi mais água do que nos outros dias. Sabia que quase no final dessa enorme subida ficava a Pousada da Dona Cidinha, onde encontraria água.

Após sofrer um monte empurrando a bicicleta morro acima e com a boca seca pela sede, finalmente cheguei a Pousada da Dona Cidinha, debaixo de uma garoa fina. A Dona Cidinha não estava, quem me atendeu foi o Seu Francisco, marido dela. Tomei dois Gatorade extremamente gelados e isso aliviou minha sede. Como almoço comi queijo caipira com docê de banana caseiro. Não queria comer muito, pois logo voltaria para a estrada, mas o queijo estava tão bom que comi a metade. Conversei mais um pouco com o Seu Francisco, que contou que o pai dele teve terras em Campo Mourão, nos anos cinquenta. Refiz meu estoque de água e aproveitei para levar as duas garrafinhas de Gatorade, também com água. O local da pousada é bonito, fica no alto e da para ter uma visão ampla da região. Ao longe dava para ver a chuva caindo e resolvi voltar logo para a estrada e tentar fugir da chuva. Despedi-me do Seu Francisco prometendo voltar ali um dia.

A enorme subida logo chegou ao fim e finalmente peguei algumas descidas e retas. Passei por uma pequena ponte onde a água estava quase passando por cima, em razão da quantida enorme de chuva dos últimos dias. Depois percorri uma região muito bonita, com pequenas descidas e subidas. Então vi um bando de papagaios numa árvore. Parei e contei, eram vinte e dois. Eles se assustaram e sairam voando em bando, fazendo a maior algazarra. Pouco mais a frente vi alguns tucanos e diversos outros passarinhos. Cheguei numa nova subida e um carro que vinha descendo parou ao meu lado e o motorista falou que eu teria muita dificuldade para passar por ali. Respondi que estava acostumado com as dificuldades do caminho e segui em frente. Mas a subida era bem pior do que eu esperava. Era quase uns quinhentos metros de muito barro, que além de ser escorragadio grudava na bike fazendo com que ela travasse. Tive que fazer muita força para seguir em frente. Chegou um momento em que eu olhava uns dez metros a frente, marcava mentalmente um ponto e fazia o maior esforço para chegar até  o tal ponto marcado. Tive que ter muita força de vontade para superar esse trecho. Não foi nada fácil, mas em nenhum momento me arrependi de estar ali. Igual na vida eu sabia que mesmo diante das maiores dificuldades, temos que ser fortes e seguir em frente custe o que custar. Atravessar aquele trecho de estrada foi uma grande lição para mim. Essa subida foi um dos piores momentos de toda a viagem pelo Caminho da Fé. Quando cheguei ao final da subida estava exausto, mal conseguia dar um passo mais. Descansei um pouco, subi na bike e reuni forças para continuar pedalando.

Pedalei mais um tempo por pequenas subidas e descidas, com curtas retas. Finalmente cheguei numa estrada asfaltada, no alto de uma serra, a Serra da Fartura. O guia dizia que dali para frente seria somente descida, até chegar a pequena cidade de São Roque da Fartura, onde passaria a noite. Mal comecei a pedalar pela estrada asfaltada e começou a chover. Desci a serra correndo muito, mesmo debaixo de chuva. Logo comecei a sentir muito frio, a chuva era gelada. Cheguei a atingir 50 km/h e tomei todo o cuidado para não derrapar nas curvas e cair. Quase chegando na cidade, o proteror solar que tinha passado no rosto, derretou com a chuva e foi parar nos meus olhos, ardendo muito e me deixando cego por alguns instantes. Eu vinha muito rápido e tive que parar sem enxergar nada, quase caindo num barranco. Lavei os olhos com água e voltei a pedalar. Ao chegar na entrada de São Roque da Fartura, a chuva parou e surgiu um belo arco-íris. A cidade é bem pequena, com poucas ruas e muita gente ficou me olhando passar. Parei em frente a igreja e me sentei na escadaria para descansar um pouco. Estava todo molhado, sujo e morrendo de frio. Olhei no guia e descobri que a pousada onde ia pernoitar era quase dois quilômetros depois da cidade. Então não perdi tempo e segui em frente.

Na saída da cidade peguei uma estrada de terra, numa região bonita, que com o arco-íris formava um quadro muito lindo. Para terminar bem o dia uma grande subida, onde empurrei a bike com as últimas forças que me restavam. Então finalmente cheguei a Pousada da Dona Cida. Ela estava sentada em frente sua casa e me recebeu muito bem. Mostrou-me onde ficava o quarto coletivo com vários beliches, me deu algumas dicas sobre o funcionamento da pousada e liberou um local para eu lavar a bike e minhas coisas, que estavam cheias de barro. Tirei tudo da bike, separei o que estava muito sujo e fui lavar tudo com um forte jato de água. A Dona Cida saiu para ir a igreja e me deixou sozinho na pousada, dizendo que se eu precisasse de algo podia entrar em sua casa e pegar. Fiquei admirado com a confiança depositada em uma estranho e fui terminar de lavar minhas coisas. Depois tomei um delicioso banho, tirei o barro acumulado em meu corpo, escolhi uma cama confortável e me deitei. Estava completamente exausto, nesse que tinha sido até então o dia mais difícil de toda a viagem.

Acordei um tempo depois com a Dona Cida me chamando para jantar. Fazia frio, pois a região é de serra e com a chuva que caiu a tarde, a temperatura despencou. Subi até a casa da Dona Cida e jantei em sua cozinha. Depois conversei um pouco com ela e seu marido. Ela me contou que tinha recebido uma ligação de Águas da Prata, da sede do Caminho da Fé e que tinham informado a ela que o trecho do caminho que eu teria que passar no dia seguinte estava impedido em razão das chuvas. Então o marido da Dona Cida me explicou o caminho que deveria fazer na manhã seguinte, todo ele em estrada asfaltada. Fiquei um pouco chateado em ter que sair do Caminho da Fé, principalmente em um trecho que dizem ser muito bonito e onde existe um conhecido mirante. Despedi-me dos dois e voltei para o quarto, onde logo me deitei. Estava muito cansado e com o frio que fazia peguei no sono rapidamente.

Finalmente o sol.

Barro e mais barro.

Barro grudado na bike.

No meio do caminho tinha uma árvore.

Conferindo o guia para não errar o caminho.

Igreja de Santana.

Momento de oração.

Pausa para descanso.

Com Seu Francisco, na Pousada da Dona Cidinha.

Mais uma subida.

Ponte quase submersa.

Chuva no horizonte.

Revoada de papagaios.

Na escadaria da igreja, molhado, sujo e com frio.

Arco-íris no final da tarde.

Tirando o barro da bike.

Caminho da Fé (5º dia)

“‘E que o peregrino, mesmo cansado, inquieto sempre, possa ser dos que seguem o caminho mais incerto e mais belo, mesmo que o horizonte seja longínquo.”

(Autor Desconhecido)

Acordei às 6h00min, quando meus companheiros de quarto levantaram para começar a caminhar. Despedi-me deles e voltei a dormir. Acordei novamente às 9h00min, chovia fino e resolvi dormir mais um pouco. Uma hora depois levantei e fui me arrumar para pegar a estrada. Foi então que descobri o pneu traseiro da bike furado. Na hora lembrei-me do que o dono da bicicletaria em Tambaú tinha me falado no dia anterior e lamentei não ter escutado o conselho dele e trocado o pneu. Eu tinha câmera nova e bomba para encher, mas trocar pneu traseiro não é meu forte, pois é mais complicado. Era feriado de carnaval e dificilmente encontraria algum lugar aberto onde pudesse trocar o pneu. Fui tomar café e fiquei pensando no que fazer. Uma opção era ficar ali mais um dia, onde aproveitaria para descansar e também participaria do retiro de carnaval, que estava sendo interessante. Conversei com algumas pessoas e fiquei um tempo sentado numa escada pensando no que fazer. Até que decidi pegar estrada, mesmo que empurrando a bike, e tinha esperança de que em algum lugar da cidade poderia encontrar ao menos uma borracharia aberta, onde pudesse consertar o pneu.

Eram 11h00min quando me despedi de algumas pessoas e saí empurrando a bike. A chuva tinha dado uma trégua quando saí do Santuário. Andei menos de dois quarteirões e um motoqueiro parou ao meu lado e perguntou se eu estava fazendo o Caminho da Fé. Ele disse que me viu saindo do Santuário com o pneu da bike furado e veio tentar ajudar. O nome dele era Carlos, ex-jogador de futebol e que agora trabalha como preparador físico em clubes profissionais. Ele saiu com a moto à procura de alguma borracharia aberta e eu continuei descendo uma rua. Logo passei em frente a um Lava Car, que era talvez o único comércio aberto naquele dia. O dono do Lava Car estava sentado na porta do estabelecimento e perguntou se eu tinha como consertar o pneu. Respondi que tinha uma câmera nova e ele se propôs a fazer o conserto. Logo o Carlos voltou e contou que tinha encontrado um local para consertar o pneu, mas já que eu tinha conseguido resolver o problema, estava tudo bem. Ele conhecia o Evandro, dono do Lava Car. Ficamos conversando os três, enquanto o Evandro realizava o conserto do pneu e ao terminar perguntei quanto era o serviço. A resposta do Evandro foi que não era nada. Perguntei se ele tinha certeza disso e ele respondeu que sim, que era cortesia. Agradeci, despedi-me dos dois e segui viagem, feliz por ter resolvido o problema e por mais uma vez ter encontrado pessoas boas que me ajudaram.

Atravessei o centro da cidade e logo cheguei a uma espécie de parque, bastante arborizado, o qual atravessei seguindo as setas amarelas de sinalização do Caminho da Fé. Depois atravessei uma rodovia e cheguei a um bairro periférico. Passando pelo bairro atravessei por baixo de um viaduto e entrei numa estrada de terra. Não percorri um quilometro pela estrada de terra e começou a chover. Parei para colocar a capa no alforje e a capa de chuva em mim. A chuva ficou muito forte. Segui pedalando e logo entrei por alguns carreadores e atravessei propriedades particulares por uma trilha estreita e cheia de mato. Meu freio ainda estava ruim e tive que tomar muito cuidado para não sofrer algum tipo de acidente e também utilizei muito a sola do pé como freio. Acabei passando por mais uma rodovia, atravessei mais uma propriedade e entrei numa rodovia maior. Fui pedalando pelo acostamento, na contramão e com chuva pela frente. Tinha percorrido dez quilômetros desde Casa Branca, quando o pneu traseiro furou novamente. Eu estava no meio do nada, numa rodovia, debaixo de muita chuva e não tinha como fazer novo conserto no pneu. Restavam-me duas opções; voltar 10 km até Casa Branca e esperar o dia seguinte para trocar o pneu, ou então empurrar a bike pelo próximos 22 km até a cidade de Vargem Grande do Sul, meu próximo destino. Escolhi a segunda opção e passei a empurrar a bike pelo acostamento, com chuva. Quem passava de carro devia pensar que eu era meio maluco ou então deviam ficar com pena de mim.

Empurrei a bike por quase uma hora, até que ao chegar a um pedágio, as setas indicavam que eu deveria virar a esquerda e seguir por uma estrada de terra. A chuva parou, mas mesmo assim a estrada estava bastante embarreada e empurrar a bike por ela não era tarefa fácil. E assim segui por vários quilômetros, no meio de canaviais. Até que cheguei a uma porteira e tanto as setas amarelas de sinalização, quanto o guia, diziam que eu devia atravessar um pasto e tomar cuidado com as vacas. Não gostei muito da idéia, principalmente quando vi a quantidade de vacas e a mistura de barro com bosta de vaca, por onde teria que passar. Mas o negócio era seguir em frente e foi assim que fiz. Tomei todo o cuidado para não assustar ás vacas e fui empurrando a bike pelo meio da grama e do barro misturado com bosta de vaca. Teve um momento que foi engraçado, quando umas vinte vacas ficaram enfileiradas ao lado do caminho me vendo passar. Conforme fui avançando pelo pasto pude perceber que o caminho ficava cada vez pior e logo a trilha desapareceu debaixo da água. Eu teria que passar por uma trilha cercada por dois lagos e um banhado, que com a chuva constante dos últimos dias deixou a trilha submersa. E ao lado, um pouco longe vi um touro com cara de poucos amigos. Fiquei de olho no touro e tomei cuidado para não entrar por engano em uma área onde o touro pudesse me alcançar. Sei que atravessar esse trecho de banhado foi um dos piores momentos de todo o Caminho da Fé. Em alguns trechos tive que levantar a parte traseira da bike, para que o alforje não fosse atingido pela água. Foi bastante cansativo e desgastante passar por esse local. Penso que deveria existir alguma outra opção de caminho para se evitar esse pasto cheio de vacas, principalmente em dias de chuva. Finalmente cheguei ao final do pasto e passei por outra porteira. Atravessei uma ponte rústica e passei a caminhar novamente pelo meio de um canavial.

A chuva ia e voltava, mas de forma fraca. E eu seguia empurrando a bike pelo meio do barro. Ao atravessar outro canavial vi dois animais pretos cruzarem a estrada logo a minha frente, mas foi tão rápido que não tive tempo de tirar uma foto. Não sei dizer que animais eram. Pareciam com ariranhas, mas como não tinha nenhum rio por perto, não posso afirmar que eram ariranhas. Um pouco mais a frente, ao entrar em mais um canavial, um urubu levantou vôo bem a minha frente e levei o maior susto. Devo ter xingado até a quinta geração do tal urubu. Mais um tempo e saí do meio dos monótonos canaviais, atravessei algumas porteiras de arame farpado e entrei numa propriedade particular. Tive que atravessar um longo pasto, onde quase não existia mais trilha e onde era difícil empurrar a bike com o pneu furado. Passei ao lado de algumas casas abandonadas e saí por nova porteira, seguindo então por uma estrada. A chuva voltou e passei ao lado de uma plantação de abobrinhas. Logo passei por algumas goiabeiras carregadas, bem ao lado da estrada. Como não gosto de goiabas, nem perdi tempo tentando colher alguma.

Passava um pouco das 17h00min quando cheguei à periferia da cidade de Vargem Grande do Sul. Tive que atravessar um lamaçal terrível bem na entrada da cidade. Logo entrei no asfalto e ficou mais fácil empurrar a bike. Passei por um Cristo, numa praça da cidade e parei para tirar fotos. Depois cheguei a um descida enorme, de onde se tinha uma visão muito bonita da cidade. Tirei a câmera para bater uma foto e ela escorregou de minhas mãos e saiu deslizando pelo asfalto molhado. Fui pegá-la achando que tinha quebrado, mas felizmente estava inteira, apenas com vários arranhões. Empurrei a bike por mais alguns quarteirões e finalmente cheguei à pousada que o guia indicava. Na verdade era um hotel e ficava dentro de um Posto de Gasolina. Eu estava todo molhado e embarreado quando entrei na recepção do hotel. O recepcionista deve estar acostumado a receber pessoas naquelas condições, pois nem ligou para meu estado e logo me arrumou um quarto e liberou a lavanderia do hotel para que eu guardasse a bike. Pedi permissão e aproveitei para utilizar o tanque e lavar meu tênis e a roupa cheia de barro. Minhas meias achei melhor jogar no lixo. Eram novas, sem furos, mas estavam tão encardidas que nem valia a pena lavar. Conversei um pouco com o recepcionista e ele me contou que os dois rapazes com quem dividi o quarto na noite anterior, tinham chegado ao hotel no meio da tarde e deviam estar dormindo. Ele também contou algumas histórias sobre os peregrinos que passam pelo hotel. O mais interessante foi saber que às mulheres, principalmente as de mais idade, quando chegam ao hotel, a primeira coisa que fazem é pedir uma cerveja.

Entrando no quarto tirei todas as coisas do alforje e a distribui pelo quarto. Então liguei o ventilador de teto bem forte para que o vento pudesse secar minhas coisas. Em seguida tomei um banho quente, onde pude tirar todo o barro acumulado, principalmente em minhas pernas. Já limpinho e cheirosinho caí na cama e dormi um pouco, pois empurrar a bike por 22 km tinha sido muito cansativo. Levantei duas horas depois e fui até uma lanchonete próxima ao hotel, onde jantei. A chuva tinha retornado e logo voltei para o hotel, para a cama e dormi cedo.

Pneu furado.

Mais um canavial.

Pasto para atravessar.

Criando coragem para “enfrentar” as vacas.

Mistura de barro e bosta de vaca.

Trilha submersa.

Atravessando o banhado.

Trilha sob a água.

Água e mais água.

Ponte não confiável.

Barreiro na entrada de Vargem Grande do Sul.

Em frente ao Cristo.

Caminho da Fé (4º dia)

“O verdadeiro peregrino sabe por que caminha, mas pensa que não sabe. E por ser chamado à peregrinação, acaba identificando o que já sabia, pois tinha na mente e veio à luz, na poeira do caminho.” 

(Luiz Carlos Marques da Silva)

Acordei ás 07h00min com o barulho de uma mensagem chegando pelo celular. Era minha amiga Liliam me mandando tomar cuidado, pois tinha tido um sonho ruim comigo. Confesso que isso me deixou preocupado, mas mesmo assim voltei a dormir. Levantei tarde, com preguiça, talvez por ser segunda-feira. Arrumei minhas coisas e desci para a garagem do hotel pegar a bike. O dono do hotel foi junto e me ajudou a colocar as coisas na bike. Saindo do hotel pedalei 200 metros e parei numa bicicletaria. Comprei óleo para lubrificar a corrente e pedi para o dono da bicicletaria regular o freio e as marchas que estavam escapando. Ele regulou tudo e não cobrou pelo serviço. Então ele disse que seria bom eu trocar o pneu traseiro, que estava meio ruim para enfrentar trechos com muita pedra que viriam pela frente. Agradeci o conselho e respondi que trocaria o pneu mais para frente.

Parei na igreja do Padre Donizete, um milagreiro local que está em processo de canonização para virar santo. Tirei algumas fotos e peguei água para a viagem num local com gamelas estilizadas, algo muito bonito. Precisava pegar o carimbo em minha credencial do Caminho da Fé, pois no hotel não tinham o carimbo. O local onde encontraria o carimbo seria na Secretaria de Turismo, que ficava ao lado da igreja. Era segunda-feira de carnaval e seria esperar demais encontrar uma repartição pública aberta. Então entrei na igreja pedir informação sobre o carimbo e fui recebido de forma muito atenciosa por um padre. Ele me deu um forte abraço e disse para eu ir até uma loja que vende artigos religiosos, no outro lado da rua, que o carimbo estava lá. Fui até a loja e uma moça muito simpática carimbou minha credencial. Ela me deu de presente duas relíquias do Padre Donizete. Na verdade trata-se de um santinho plastificado, onde de um lado tinha duas orações e do outro lado a imagem do Padre Donizete e um pedacinho de pano, que fazia parte do pano que envolveu os ossos do Padre Donizete quando o mesmo foi exumado e teve seus ossos transferidos do cemitério da cidade, para a igreja que leva seu nome. É uma exigência do Vaticano que pessoas em processo de santificação tenham seus restos mortais sepultados dentro de igrejas. Ainda na loja duas senhoras vieram perguntar se eu estava fazendo o Caminho da Fé. Daí disseram que eu era corajoso por fazer o caminho sozinho, me desejaram sorte e pediram que orasse por elas em Aparecida. Coloquei um dos santinhos do Padre Donizete na bolsa de guidão, sob um plástico transparente o que tornava o santinho visível para todos. Esse santinho ficou ali até o final da viagem.

Saindo da loja atravessei a praça da igreja e do outro lado da rua parei numa lanchonete fazer um lanche, que seria meu almoço naquele dia. Pouco depois do meio dia iniciei minha pedalada do dia. O tempo estava nublado e sem chuva. Pedalei por cerca de um quilômetro pela cidade e ao passar em frente ao cemitério fiquei curioso para ver o antigo túmulo do Padre Donizete. Entrei no cemitério, o segurança da entrada ficou cuidando de minha bike e após caminhar poucos metros vi o túmulo do padre, que se destacava entre os demais. O túmulo é todo em vidro e mesmo com os restos mortais do padre não estando mais ali, o túmulo foi mantido como era e recebe muitos visitantes. O lugar onde ficava o corpo está vazio e coberto com uma tampa de vidro. A tampa estava toda embaçada, úmida por dentro. Pensei que o motivo seria a chuva dos últimos dias, mas depois fiquei sabendo que tal fenômeno é permanente. Mistério? Causa física? Não sei! Tem certas coisas que prefiro não saber os motivos. Saí do cemitério e voltei a pedalar.

Logo na saída da cidade tem uma ponte e ao lado um pequeno portal do Caminho da Fé. O caminho segue por um pinguela, que estava bastante escorregadia. Olhei no guia, que dizia que era para atravessar o rio pela pinguela e seguir pela direita dentro da propriedade ao lado da plantação e paralelo a estrada de terra. Foi o que fiz e ao atravessar a pinguela quase que a bicicleta fica entalada entre dois tocos, por culpa dos alforjes laterais. Comecei a percorrer um trilha tomada pelo mato e com muito barro. Tive que empurrar a bike e conforme avançava a vegetação ia ficando mais densa e empurrar a bike foi ficando difícil. Ao lado tinha um rio com muita vegetação e diversas espécies de pássaros, algo muito bonito. A trilha foi desaparecendo no meio da vegetação. Para um caminhante passar ali era interessante, já para um ciclista era terrível. Tentei seguir pelo lado do canavial que ficava próximo, mas logo me cortei com folhas da cana e fulo da vida decidi parar. Peguei o guia, li e reli para ver se tinha pegado o caminho errado. Pelo guia eu tinha seguido pelo caminho correto, mas não dava para seguir em frente. Raciocinei um pouco e resolvi voltar até a pinguela e tentar seguir pela estrada de terra paralela a plantação. Com muito esforço atravessei o mato e cheguei até a pinguela. Dali passei por um barreiro e alcancei a estrada de terra. Então vi as setas amarelas que indicam o Caminho da Fé pintadas em um poste e numa cerca. Ali entendi que não daria para confiar cem por cento no guia e também que o portal e a pinguela são bonitinhos, mas inúteis. Devia ter algum aviso informando que somente caminhantes deveriam seguir pela pinguela e entrar na propriedade ao lado, e que ciclistas deveriam seguir pela ponte ao lado e virar a direita na estrada de terra. Isso teria me poupado meia hora de tempo perdido e esforço físico inútil. Sem contar que me cortei e ganhei vários arranhões nos braço e pernas por andar pelo mato e no canavial. E parar piorar ainda mais as coisas, entrou mato na coroa e catraca da bike. Levei meia hora par conseguir tirar o mato. No final das contas tinha perdido uma hora e me ferrado um monte por culpa da sinalização equivocada naquele trecho e do guia que não foi nada prático nas informações.

Ainda bravo subi na bike e comecei a pedalar. Não andei 300 metros e começou a chover. Coloquei a capa de chuva e segui em frente, ainda bravo. Logo cheguei a umas subidas com muita lama. Numa delas o pneu traseiro patinou dando um giro de 360 graus sobre o eixo. Desde criança ando de bicicleta e nunca tinha visto um pneu girar dessa forma. Segui em frente e logo descobri que estava juntando lama em várias partes da bike, inclusive no sistema de freios, que passou a não funcionar corretamente. Logo tive outro problema com o guia, que dizia sobre uma cerca a direita, quando eu só via uma cerca a esquerda e na frente dela uma placa do Caminho da Fé com uma seta amarela. Fiquei um tempo lendo as instruções no guia e entendi que logo mais a frente o caminho retornaria a estrada em que eu estava. Para não me meter em outra furada, resolvi ignorar o guia e não entrar pela tal cerca. Segui pela estrada e cada vez surgia mais lama e poças d’agua. Com o freio ruim, nas descidas todo cuidado era pouco. Comecei a utilizar uma técnica do MotoCross, usando uma perna como apoio e equilíbrio, tocando o pé no chão. Com o cambio regulado as marchas não escapavam mais e dessa forma conseguia pedalar em subidas leves que nos dias anteriores eu teria que descer da bike e seguir a pé.

A chuva foi aumentando e a estrada ficando cada vez mais intransitável. Em dado momento entrei muito veloz em uma curva cheia de lama e fui derrapando lateralmente de um lado ao outro da estrada, sem conseguir parar. Até agora não entendo como não caí. Por sorte não vinha nenhum carro, senão seria acidente na certa. Segui mais um tempo por essa estrada ruim e de repente numa curva me deparei com uma estrada asfaltada. E para melhorar ainda mais a situação, a chuva parou. Não fiquei pedalando muito tempo no asfalto e logo após atravessar uma ponte a setas indicavam para virar a esquerda e descer por uma estrada de terra, no meio de um canavial. Na verdade não era terra, mas sim areia vermelha, areião.

Estava seguindo tranquilamente pela estrada e dessa vez sentindo calor, pois com o fim da chuva ficou muito abafado, sinal de que até o final do dia choveria forte novamente. Passei ao lado de uma fazenda e vi na estrada um cachorro enorme. Ao me ver, o cachorro se espreguiçou e ficou parado. Quando passei por ele o cão começou a latir e a correr atrás de mim. Levantei a perna esquerda do pedal e coloquei sobre o guidão como forma de proteção. Então ouvi latidos vindos da fazenda, do outro lado e quando olhei vi um cachorro ainda maior passar pela cerca de arame farpado e vir correndo atrás de mim. Tirei a outra perna do pedal e tentei me equilibrar sobre a bike. Era descida, a velocidade era alta e a bike seguiu derrapando na lama. O coração estava na boca e a única coisa que consegui pensar foi que se eu caísse fatalmente seria devorado pelos cães ferozes. Por sorte eles logo desistiram da caçada. Então olhei para o lado e vi logo a frente uma pequena igrejinha ao lado do canavial. Resolvi parar ali e após me certificar que os cachorros tinham ido realmente embora, sentei-me na porta da igreja para descansar, beber água e me recuperar do cagaço pelo qual tinha acabado de passar.

Logo voltei a pedalar e comecei a ver ao longe a chuva caindo. Saí do meio do canavial e entrei numa região de mata. O calorão desapareceu e passei a sentir frio no meio da mata. Não demorou muito e a chuva caiu forte. E para variar ela sempre vinha de frente, dificultando ainda mais o pedalar. Andei vários quilômetros sob chuva e logo entrei numa larga estrada de terra, cheia de poças d’agua. Andei um longo tempo por essa estrada e finalmente a chuva parou e o sol surgiu. Era a primeira vez que eu via o sol desde que iniciará o Caminho da Fé. O sol não durou nem cinco minutos e desapareceu. Começou a cair uma chuva fina e finalmente cheguei ao fim daquela estrada monótona e cheia de buracos. Ela terminava numa estrada asfaltada e as setas indicavam para eu seguir pela esquerda, por uma descida. De repente vi surgir no meio da chuva e das nuvens a cidade de Casa Branca, no alto de um morro. Esse seria meu destino final naquele dia. Aquela foi uma bela visão para um ciclista molhado, cansado e com frio.

Segui pela estrada asfaltada, numa descida longa e em curva, seguida por mais uma curva. Desci embalado e quando estava a 42 km/h descobri que os freios não estavam funcionando. Consegui não me apavorar e na hora lembrei-me de meu amigo Lucas Pierin e de tê-lo visto meses antes freando uma bike sem freio, com o pé. Na hora meti a sola do pé esquerdo no asfalto e assim consegui reduzir a velocidade e terminar a descida em segurança. Logo veio uma extensa subida, uma curva a direita e cheguei a Casa Branca. E foi chegar à cidade para cair um semi dilúvio. Fui seguindo a sinalização das setas amarelas pintadas em postes. Logo comecei a subir por um rua bastante íngreme, empurrando a bike. Ao lado da calçada descia tanta água que mais parecia uma cachoeira. Parei e lavei a bike na enxurrada, tirando todo o barro acumulado durante o dia, Também lavei meu tênis e pernas. Segui em frente e logo cheguei ao Santuário do Desterro, local onde passaria a noite. Tinha percorrido 33 difíceis quilômetros nesse dia.

Logo na entrada do Santuário existe uma igreja com uma bonita fachada, onde um mosaico mostra a fuga de Maria e José rumo ao Egito. Entrei no Santuário e logo uma pessoa veio me atender e me levou até um quarto coletivo. La já estavam dois caminhantes, Vinicius e Aluan, que faziam uma parte do Caminho da Fé a pé. Guardei a bike dentro do quarto, tomei um delicioso banho quente e arrumei e limpei minhas coisas. Depois fui andar pelo Santuário. Estava sendo realizado ali um retiro de carnaval com cerca de 150 pessoas, jovens em sua maioria. Fui até a igreja, rezei um pouco e depois fiquei olhando o local. Num canto fica a sepultura do Coronel João Gonçalves dos Santos, sua esposa e filhas. O Coronel, muitos anos antes construiu uma capela no local em pagamento a uma promessa. Com o tempo muitas pessoas iam até o local rezar e em 1936 no ali foi construído Santuário, onde no passado funcionou um Seminário. No altar da igreja está sepultado o Irmão Roberto Giovanni, ao qual são atribuídos diversos milagres e que se encontra em processo de canonização. Em uma sala próxima ao altar fica um armário onde guardam objetos e roupas que pertenceram ao Irmão Roberto, bem como objetos deixados pelos devotos como forma de agradecimento. Achei tudo aquilo muito curioso. Para quem não sabe, na Igreja Católica, Irmão é aquele que estuda, faz os votos igual um padre, mas não se torna padre, não reza missa. Após o curto passeio voltei para o quarto e dormi até a hora do jantar.

Pouco antes das 20h00min fui jantar em companhia do Aluan e do Vinicius. Jantamos com os participantes do retiro e aproveitei para conversar com algumas pessoas. A comida estava muito boa e eu com fome não me fiz de rogado e repeti duas vezes. Fui convidado para participar de uma celebração que aconteceria logo após o jantar. Aceitei o convite. Foi uma celebração interessante, com canções e uma pregação via telão, tudo muito espiritual. Teve um intervalo e fiquei conversando com uma moça chamada Michele, que me contou um pouco da história da cidade. Logo voltamos para a celebração, que terminou por volta da meia noite. Então fui dormir e lembrei-me do sonho de minha amiga Liliam, que felizmente não se concretizou, mas tinha sido por pouco, pois naquele dia eu tinha passado por vários apuros.

Igreja do Padre Donizete, Tambaú – SP.

Local para pegar água na  Igreja do Padre  Donizete.

O túmulo vazio do Padre Donizete.

Atravessando pinguela na saída de Tambaú.

Portal do Caminho da Fé. Tambaú – SP.

Trilha tomada pelo mato.

Estrada escorregadia.

Atravessando ponte sobre linha férrea.

Igrejinha perdida ao lado do canavial.

Descansando em frente a igrejinha.

Do lado direito, seta indicando o caminho.

Sujinho…

Mosaico da Igreja do Santuário do Desterro.

A bike guardada no quarto.

Túmulo do Irmão Roberto Giovanni.

Armário com objetos do Irmão Roberto.

Caminho da Fé (3º dia)

“Fazer uma peregrinação é um modo de buscar respostas para nossas perguntas mais profundas. As respostas estão todas dentro de nós, mas é tão grande nossa tendência a esquecer que algumas vezes precisamos aventurar-nos a uma terra distante para despertar nossa memória. Nosso eu intuitivo se fechou; nossa luz para a transcendência se apagou.” 

(Luiz Carlos Marques da Silva)

Acordei cedo e para minha decepção o tão esperado sol não deu as caras. E para piorar ainda mais, chovia a cântaros. Virei de lado e voltei a dormir, pois não estava nem um pouco a fim de sair pedalar debaixo de chuva forte. Levantei pouco antes das 10h00min, tomei café e arrumei minhas coisas. Esperei mais um tempo e ao meio dia subi na bike e saí pedalando debaixo de uma chuva fina. Ao atravessar o centro da cidade uma caminhonete parou ao meu lado e o motorista perguntou se eu estava percorrendo o Caminho da Fé. Diante de minha resposta afirmativa, ele disse que já tinha feito o Caminho da Fé oito vezes, sempre a cavalo. Desejou-me sorte e foi embora. Não demorou muito e vi em um poste a primeira seta amarela indicando a direção que deveria seguir. Quase no limite da cidade segui por uma descida íngreme e no final dela descobri que o freio traseiro não estava funcionando. Com bastante dificuldade consegui parar a bike e fui checar o freio. Nesse momento passava um senhor com dois cachorros. Ele perguntou se eu estava fazendo o Caminho da Fé e qual era o problema com a bike. Diante de minha resposta ele convidou-me para ir até sua casa que era logo ao lado e na garagem da casa consertou o freio da bike. Sua esposa e seu pai vieram me falar um “oi” e fui convidado para o almoço. Recusei educadamente, agradeci pela ajuda, despedi-me de todos e peguei a estrada. Todos os dias ao levantar faço minhas orações e peço que somente pessoas boas cruzem meu caminho. Pelo visto meus pedidos estão sendo atendidos.

Logo ao sair da cidade o asfalto terminou e entrei em uma estrada de terra. A primeira subida não demorou a aparecer. Mesmo com as marchas leves falhando e trocando sozinhas, consegui subi-la pedalando. Os primeiros quilômetros foram alternando curtas retas, pequenas descidas e curtas subidas. Parei perto de uma fazenda para descansar e um cachorro com cara de poucos amigos veio correndo e latindo em minha direção. Protegi-me atrás da bicicleta e quando o cachorro vinha de um lado, eu ia para o outro lado da bicicleta. Até parecia que estávamos brincando de pega-pega. Comecei a conversar com o cachorro até ele se acalmar e parar de latir. Então ele virou-se e foi embora. Subi na bike e saí dali o mais rápido possível. A chuva voltou forte e segui pedalando no meio do barro, tomando cuidado para não cair.

Cheguei num trecho onde se iniciou uma grande seqüência de descidas. Arrisquei bastante descendo rapidamente e se meu freio não tivesse sido consertado pouco antes, teria tido sérios problemas nesse trecho. Acabei me animando com as descidas e exagerei na velocidade. Teve um final de descida que estava muito liso, com bastante barro e não deu para frear direito. Dessa vez pensei que ia cair, cheguei a gritar “vou cair!”. O coração disparou e mesmo derrapando muito consegui sair ileso e sem cair. Depois desse apuro resolvi ser menos audacioso.

Passei por uma bela fazenda, num trecho de muito barro. Não vi ninguém, era domingo e com chuva não se via ninguém fora das casas. Passei por um bambuzal e deparei-me com uma subida bastante íngreme. Mais uma vez tive que descer e empurrar a bike. Depois da subida peguei uma longa reta e atravessei dois mata-burros. Para quem não sabe, mata-burro é uma pequena vala, ou ponte de tábuas espaçadas, que serve para evitar a passagem de animais. Após passar pelo segundo mata-burro, parei e comi algumas frutas que tinha levado para o almoço. Mordi um caqui marrento e fiquei o resto do dia com gosto ruim na boca. Em frente do lugar que parei, tinha uma fazenda com construções bem antigas. A região onde estava pertenceu no passado a barões do café. Escravos trabalhavam nos cafezais e com o fim da escravidão no Brasil em maio de 1888, muitos imigrantes italianos vieram trabalhar nas lavouras da região. Hoje em dia o café e os barões do café fazem parte da história e onde se plantava café, atualmente se planta cana ou laranja. Senti vontade de ir até a fazenda e pedir para tirar fotos das construções antigas. Mas logo mudei de idéia, pois a chuva aumentou, não vi viva alma na fazenda e fiquei com receio de ter novo problema com cachorros, já que ouvia muitos latidos vindos da fazenda.

Segui em frente, atravessei um trecho muito bonito, cercado de palmeiras. Em seguida cheguei numa estrada asfaltada, onde tive que pedalar pelo canto da pista, pois a estrada não tinha acostamento. Menos de dois quilômetros pedalando pela estrada asfaltada e voltei para uma estrada de terra, seguindo as setas amarelas que indicavam o caminho. Esse trecho era bonito, alternava pequenas subidas com pequenas descidas. Numa reta vi ao lado da estrada uma garça branca, muito bela. Ela se assustou ao me ouvir se aproximar e não deu tempo de tirar uma foto dela. Mais um pouco pedalando na lama e cheguei novamente a uma estrada asfaltada. Olhei no guia e vi que o restante do caminho seria pela estrada asfaltada, o que não era má idéia com tanta chuva que estava caindo. Essa nova estrada asfaltada também não tinha acostamento e tive que seguir bem no cantinho da pista. O interessante foi que a maioria dos carros ao passar por mim mantinham uma boa distância. Muitos carros chegavam a invadir a pista contrária para ficar bem distantes de mim. Apenas um ou outro FDP é que passavam muito perto, mas eu estava esperto e em nenhum momento corri algum tipo de risco. Logo entrei em uma região de serra, com muitas descidas no início. Tomei cuidado para não correr muito, principalmente nas curvas, pois com a pista molhada seria fácil derrapar e cair. Desci o tempo todo com os olhos no odômetro e quando atingia a velocidade de 40 km/h, metia a mão no freio, pois 40 km/h era meu limite de segurança naquela estrada. Passei em um trecho que tinha tanta água na pista que a roda da frente jogava água em meu rosto, me obrigando a manter a boca fechada para não engolir água suja. Como tudo que desce tem que subir, logo cheguei a um trecho de muitas subidas. O jeito foi descer e empurrar a bike.

Terminando o longo trecho de subidas, surgiram novas retas e descidas. Ao longe avistei a cidade de Tambaú, meu próximo destino. Na parte final peguei chuva e vento de frente. Senti muito frio, pois estava completamente molhado. Para quem estava resfriado na semana anterior, chuva e frio não faziam nada bem. Cheguei à conclusão de que pedalar com a capa de chuva não resolve muito. Em vez da capa de chuva deveria ter levado um anorak ou então um casaco impermeável. Outro problema a resolver em futuras viagens de bike é a questão do calçado. Com chuva o tênis fica ensopado. Talvez um tênis ou sapatilha impermeáveis resolvam tal problema. De qualquer forma essa viagem é mais um aprendizado, visando viagens maiores no futuro.

Passava um pouco das 16h00min quando cheguei a Tambaú. As setas que indicavam o caminho, de repente seguiam por uma escada ao lado da estrada. Mesmo sendo poucos degraus, foi bastante sofrido subir pela escada com a bike carregada. Logo depois vi que o caminho seguia por uma rua paralela a estrada por alguns metros e depois virava em direção à cidade. Nessa hora xinguei o autor do guia. Bem que ele podia ter colocado isso no guia, que somente os caminhantes deveriam subir a escada e que os ciclistas deveriam seguir mais uns metros pela estrada e depois virar, seguindo em direção a cidade. Isso teria poupado um esforço enorme, principalmente no meu caso que tenho duas hérnias de disco. Em outros momentos da viagem também achei o guia falho. Ele deveria separar melhor as informações para ciclistas e caminhantes.

Segui pedalando pela periferia da cidade e logo cheguei à catedral. Tirei a já tradicional foto em frente à igreja e fui para um hotel ali perto. Estava morrendo de frio. No hotel me dediquei à rotina de tirar o equipamento da bike, limpar o barro e colocar o que estava molhado para secar. Em seguida banho quente e cama. No final da tarde saí debaixo de chuva à procura de um local para lanchar. Tive que andar um monte até encontrar um lugar aberto. Lanchei e voltei para o hotel, onde coloquei o diário de viagem em dia. Próximo ao hotel estava tendo carnaval de rua e o barulho estava incomodando. Fechei bem as janelas do quarto para não ouvir as horríveis músicas carnavalescas e fui dormir, mais uma vez sonhando com um amanhecer ensolarado no dia seguinte.

Partindo de Santa Rita, numa manhã de domingo.

Estrada enlameada.

No lado esquerdo da foto o cão que me atacou.

Bela estrada.

Passando pelo mata-burro.

Trecho bastante escorregadio.

Fim da terra e início do asfalto.

Longo trecho de asfalto.

Escada na chegada a Tambaú.

Catedral de Tambaú – SP.

Caminho da Fé (2º dia)

“A motivação dos peregrinos foi sempre múltipla: prestar homenagem, pagar uma promessa, fazer uma purificação, cumprir uma pena ou rejuvenescer espiritualmente. A jornada começa por nosso desassossego, um estado de perturbação. Alguma coisa está faltando à vida. O ritual da peregrinação tenta preencher esse vazio.”

(Luiz Carlos Marques da Silva)

Acordei cedo e vi que a chuva não tinha parado, então voltei para a cama. Dormi mais um pouco e depois levantei e saí para a rua. Lanchei e logo voltei para o hotel, pois a chuva não dava trégua. Arrumei minhas coisas, paguei a conta do hotel, carimbei minha credencial do Caminho da Fé e fui pegar a bike no depósito. Estava arrumando ás coisas na bike quando apareceu uma funcionária do hotel e perguntou de onde eu era. Respondi e ela ficou toda contente em saber que sou do interior do Paraná, pois ela é de Maringá e vive faz muitos anos no interior de São Paulo.

Passava um pouco do meio dia quando subi na bike e peguei a estrada debaixo de muita chuva. Segui por algumas ruas dentro da cidade e logo cheguei numa grande ponte. Atravessei a ponte e logo visualizei pintadas em alguns postes de energia as setas amarelas que indicam a rota do Caminho da Fé. Nos dias seguintes tive que ficar sempre atento buscando as tais setas amarelas para não errar o caminho. Passei por um trevo e enfrentei a primeira subida do dia. Cheguei a uma rodovia, a qual atravessei com todo o cuidado, pois o movimento de veículos era grande. Entrei numa estrada estreita e vi uma placa informando que era proibido o tráfego de bicicletas. Ignorei tal placa e segui pedalando pelo cantinho da pista, bem por onde descia uma forte enxurrada. Logo saí dessa estrada, virei à esquerda e entrei numa estrada de terra. Foi então que as dificuldades começaram para valer. Tinha muitas poças d’agua na estrada e em alguns locais forte enxurrada e trechos de areia onde a bike quase parava atolada. Nas descidas era preciso frear, pois em alta velocidade a bike derrapava e o risco de sofrer uma queda era enorme.

A chuva não dava folga e logo cheguei numa subida onde tive que descer e empurrar a bike. Fui prestando atenção nas setas amarelas que indicavam o caminho e logo vi uma placa do Caminho da Fé que indica qual a distância que faltava até chegar a Aparecida. Percebi que ainda teria muito chão pela frente até chegar a Aparecida, mas isso não me desanimou. O que me desanimava era a chuva que não parava. Teve um trecho onde tive que atravessar uma enorme poça d’agua que tomava conta de toda a estrada. A poça era funda e ao atravessá-la a água chegou até meus pés e quase não consigo passar pedalando por ela. Tempos depois cheguei num local cheio de laranjais. As laranjas estava todas verdes. Andar por ali quando as laranjas estão maduras deve ser muito bonito. Após ter pedalado dez quilômetros foi que passou o primeiro carro por mim. Até ali não tinha visto nenhuma pessoa ou carro. Ao lado da estrada vi uma pequena capela e parei para tirar fotos e orar. Nos dias seguintes veria muitas capelas desse tipo ao lado da estrada. Bater fotos com chuva era uma operação complicada, pois não queria molhar a câmera nova. Após bater algumas fotos segui viagem e logo cheguei numa propriedade, onde de um lado da estrada havia duas casas e do outro lado um curral com bois. Fiquei com receio de ter errado o caminho e parei para pedir informação a um senhor que tratava os animais no curral. De onde ele estava respondeu que era para eu seguir em frente. E foi o que fiz, segui em frente, cada vez com a estrada mais enlameada.

Cheguei a uma subida e resolvi descer da bike. Empurrá-la era mais fácil no meio de tanto barro. Quando voltei a pedalar descobri que por culpa do excesso de água e de areia, o câmbio da bike se tornara totalmente automático, ou seja, trocava marchas sozinho, principalmente as marchas leves que utilizo nas subidas. Logo cheguei à primeira de muitas pequenas e grandes serras que encontraria pelo Caminho da Fé. Essa era uma serra pequena e enfrentei uma subida enorme empurrando a bike sob vento e chuva, tarefa que não foi das mais fáceis, pois eu escorregava no barro. Enquanto seguia empurrando a bike morro acima me lembrei da Trilha Inca e de sua suas muitas subidas, que enfrentei em janeiro último. A diferença era que dessa vez não carregava o peso nas costas, mas sim empurrava o peso. E o principal era o ar não ser rarefeito. Então eu estava no lucro! Quando cheguei ao final da subida encontrei um morador caminhando pela estrada. Começamos a conversar e segui empurrando a bike ao lado dele por um bom tempo. O nome do tal senhor era Pedro e ele foi me contando sobre sua vida e sobre alguns projetos ecológicos que estava desenvolvendo. A conversa estava interessante e ao chegarmos ao asfalto e trevo de acesso a cidade de Santa Rita do Passa Quatro, nos separamos. Ali nos despedimos e seu Pedro pediu que chegando a Aparecida eu fizesse uma oração por ele e pelos seus projetos.

A chuva voltou forte e segui pedalando pelo asfalto. A estrada não tinha acostamento, então segui pelo canto da estrada por razões de segurança. Peguei algumas descidas e atingi velocidades maiores, mas em contrapartida o vento e a chuva me fizeram sentir muito frio. Logo cheguei ao bonito portal de entrada da cidade de Santa Rita. Segui por uma avenida e logo cheguei à catedral da cidade. Tirei fotos e utilizando o guia encontrei um hotel próximo ao centro. Entrando no quarto do hotel tirei minhas coisas da bike e limpei o que estava sujo de barro. Depois tomei um longo banho quente e deitei para descansar. Tinha feito somente 20 quilômetros, mas levando em consideração que tinha começado a pedalar depois do almoço, que choveu o tempo todo e que ainda estava me adaptando a pedalar com peso, até que foi uma boa quilometragem. Meu cronograma de viagem já estava atrasado no segundo dia, mas diante das dificuldades que a chuva constante e o barro causavam, o jeito era seguir em frente com segurança, mesmo que de forma lenta.

No final da tarde saí dar uma volta pelo centro da cidade. Chamou-me atenção as várias casas e casarões antigos, tudo muito bonito e bem cuidado. Bati algumas fotos em frente à catedral e entrei para orar. A catedral é jesuíta e por dentro muito bonita, com belos vitrais. Saí dali e andei mais um pouco pelo centro da cidade. Encontrei a antiga estação de trem, onde atualmente funciona o “Museu Zequinha de Abreu”, em homenagem a um ilustre compositor da cidade cujo maior sucesso foi a marchinha de carnaval “Tico-tico no Fubá”. Algo que notei nas cidades por onde tinha passado foi que o trem, importante meio de transporte responsável por num passado não muito distante transportar o rico café da região, não passar mais por essas cidades. Nem mesmo os trilhos existem mais na maioria das cidades. Já as belas estações foram preservadas e para elas encontradas novas finalidades.

A chuva continuava e aumentou ainda mais. Então lanchei cedo e voltei para o hotel descansar. Antes de dormir olhei pela janela e vi que a chuva tinha parado e que surgira um denso nevoeiro. Isso me deu esperança de que o dia seguinte amanheceria com sol.

Ponte na saída de Porto Ferreira.

Muito barro e poças d’agua.

Placa indicando a distância que faltava até Aparecida.

Atravessando laranjais.

Capela ao lado da estrada.

Pedalar sob chuva não era tarefa fácil.

Seu Pedro, morador com quem conversei muito.

Portal na entrada de Santa Rita do Passa Quatro – SP.

Catedral de Santa Rita do Passa Quatro.

Antiga estação e atual Museu Zequinha de Abreu.

Caminho da Fé (1º dia)

“Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir.”

(Amyr Klink) 

Fiquei dois dias em São Paulo resolvendo assuntos referentes ao visto canadense que solicitei. Passei a noite em um hotel no centro velho da cidade e ás 06h45min de uma sexta-feira nublada levantei bem disposto, arrumei minhas coisas, paguei a conta do hotel e fui pegar o Metrô na Estação República. Foi meio complicado carregar a mala bike e o alforje com minhas coisas. Tinha pesado tudo quando embarquei em um vôo da Gol em Maringá, dois dias antes e sabia que o peso total da bike e do equipamento era de 26 quilos. Ao entrar na estação do Metrô fiquei em dúvida se me deixariam embarcar com a mala bike, que é enorme e pesada. Fiz uma cara de coitadinho e segui em direção a catraca de entrada. Tinha dois seguranças e dois fiscais bem próximos da catraca. Evitei olhar para eles, imaginando que se não olhasse eles não me notariam. Inseri o tíquete de passagem, chutei o alforje por baixo da catraca e ao erguer a mala bike por cima da catraca, não agüentei o peso e bati com ela no visor de acrílico da catraca, fazendo o maior barulho e quase quebrando o mesmo. Achei que levaria uma bronca, mas ninguém falou nada, apenas me olharam com cara feia. Respirei fundo e segui em frente. Embarquei num vagão que felizmente não estava muito cheio e segui rumo á Rodoviária do Tietê.

Chegando a Rodoviária do Tietê fui até o guichê da Viação Danúbio Azul e retirei minha passagem, para a cidade de Descalvado. Depois fiquei por quase três horas esperando o horário de embarque. Optei por chegar mais cedo a rodoviária, para evitar o horário de maior movimento de pessoas no Metrô. Era final de semana de carnaval e o local estava cheio de pessoas embarcando para vários cantos do Brasil. Ás 10h00min embarquei no ônibus da Danúbio Azul. O pessoal foi bastante atencioso e não tive nenhum problema com o embarque da bike, já que a mesma estava devidamente desmontada e acondicionada numa mala apropriada. Mal saímos da rodoviária e começou a chover. Mal sabia eu que essa chuva só iria parar seis dias depois. Logo peguei no sono e fui acordar duas horas depois na rodoviária da cidade de Pirassununga, onde o ônibus fez uma rápida parada. Desci fazer um lanche e logo voltei para o ônibus. A chuva continuava e dormi mais um pouco. Acordei e fiquei pensando na vida, olhando a paisagem pela janela. O ônibus fez paradas em algumas cidades, onde desceram e subiram pessoas. Finalmente ás 14h30min chegamos a Descalvado. Desembarquei, peguei minhas coisas, me informei sobre onde encontrar uma bicicletaria e saí caminhando pela cidade, sob chuva.

Na bicicletaria desembalei minha bike e conferi para ver se estava tudo em ordem. Descobri que tinha apenas uma raio quebrado. Para chegar até ali minha bike tinha viajado cerca de mil quilômetros. Ela andou de carro, avião, taxi, metrô e ônibus. Levou muitas pancadas e chacoalhou bastante. Diante disso tudo, ter apenas um raio quebrado era lucro. Quando falei ao Mauricio, o rapaz que ia montar a bike, que eu faria o Caminho da Fé, ele e um cliente que estava na bicicletaria me deram dicas sobre o caminho. Depois da bike montada coloquei o alforje com minhas coisas, a bolsa de guidão e troquei de roupa. Dei uma olhada no guia sobre o Caminho da Fé que tinha levado e pouco depois das 15h00min subi na bicicleta e dei as primeiras pedaladas até a catedral da cidade. Ao lado da catedral entrei em um hotel e fiz minha credencial do Caminho da Fé. Pelas cidades onde passaria pelo caminho deveria colher carimbos que comprovariam que realizei o Caminho da Fé. E ao chegar a Aparecida entregaria a credencial na secretária da Basílica de Aparecida e receberia um certificado de peregrinação pelo Caminho da Fé. Chovia bastante e o bom senso mandava passar a noite em Descalvado e iniciar a viagem na manhã seguinte. Mas bom senso nunca foi uma de minhas características mais marcantes. Para mim era importante iniciar logo o Caminho da Fé. Bem sei que o mais difícil é dar o primeiro passo, no caso a primeira pedalada, então estava ansioso para iniciar logo minha viagem de bike. Esperei mais de um ano para chegar a Descalvado e iniciar o Caminho da Fé, então não queria esperar mais um dia.

Descalvado é o inicio do ramal oeste do Caminho da Fé e dali até Aparecida (que não é e nunca foi Aparecida do Norte) seriam quase 500 quilômetros. O primeiro trecho do caminho, que vai de Descalvado até a cidade de Porto Ferreira é de 20 quilômetros. Em vez de fazer esse trecho pela rota original do Caminho da Fé que é quase toda em estrada de terra, resolvi seguir o conselho do pessoal da bicicletaria e seguir pelo asfalto. Chovia muito, faltava somente duas horas para escurecer, portanto a melhor opção era ir pela estrada asfaltada. Não era a opção mais segura, mas sim a mais rápida. Informei-me sobre como sair da cidade e finalmente parti. Num trevo logo na saída da cidade vi que o hodômetro da bike marcava um quilômetro percorrido, o primeiro quilômetro da viagem. Daí comecei a chorar… de alegria. Numa viagem, mais difícil do que chegar ao final é iniciar a viagem, percorrer o primeiro quilômetro. A chuva e o vento estavam de frente, o que dificulta muito pedalar. Outra dificuldade que enfrentei foi meu óculos molhado e embaçado, que me fazia seguir quase às cegas. Em alguns momentos achei melhor seguir sem óculos. A chuva aumentou mais e logo descobri que a capa de chuva não protegia muito. O pneu da frente jogava água por baixo da capa e logo fiquei encharcado. Segui sempre pelo acostamento, na contramão. Acho mais seguro ver os carros vindo próximos a mim de frente do que pelas costas.

Felizmente as subidas da estrada não eram muito pesadas e consegui passar por todas pedalando, sem precisar descer da bike e empurrá-la. Na metade do caminho tinha um pedágio e fiquei na dúvida sobre como passar por ele. Acabei encontrando uma passagem entre alguns cones e segui em frente. Ao sair do pedágio tive o único momento de real perigo desse primeiro trecho de viagem. Um motoqueiro invadiu uma área que era proibida para ele trafegar e quase me atingiu. Ainda bem que pedalo sempre na defensiva e quando vi o motoqueiro imprudente fui rapidinho para fora do acostamento, indo parar em um gramado. Após 1h40min de pedal ininterrupto cheguei à cidade de Porto Ferreira. Pedi informação de como chegar ao centro da cidade e minutos depois estava em frente à catedral da cidade, onde tirei algumas fotos e utilizando o guia encontrei um hotel bom e barato para passar a noite.

No hotel me cederam um depósito para guardar a bike. Retirei o alforje e fui para o quarto. Ao retirar minhas coisas do alforje, descobri que mesmo com a capa para chuva o alforje molhou por dentro. A parte interna do alforje fica próxima as rodas e não é protegida e nem impermeável. Felizmente tinha acondicionado minhas coisas em sacos plásticos e nada se molhou. Tomei um delicioso banho quente e fui me deitar, pois sentia fortes dores nas pernas. Por culpa de uma inflamação no tendão do pé direito, nos últimos doze dias anteriores a viagem não pratiquei nenhuma atividade física. Logo não estava cem por cento preparado fisicamente e senti bastante os 20 quilômetros que tinha pedalado sob chuva, com os músculos gelados de frio. Descansei um pouco e saí dar uma caminhada pelo centro da cidade. Tinha levado somente um par de tênis, que ficará encharcado após pedalar na chuva. O jeito foi sair de chinelo, mesmo estando frio e chovendo. Fui até a catedral que estava aberta e orei um pouco. Em seguida parei numa lanchonete e fiz um lanche. Voltei ao hotel e cansado como estava, com o barulho da chuva e fazendo frio, logo peguei no sono. Nem dei atenção ao carnaval de rua, ao desfile que estava acontecendo próximo ao hotel. Detesto carnaval e minha preocupação era outra. Sei que dormi feliz, tinha iniciado minha tão sonhada e esperada primeira longa viagem de bike.

Em São Paulo, embarcando no ônibus da Danubio Azul.

Iniciando a viagem de bike ao lado da catedral de Descalvado – SP.

Catedral de Porto Ferreira – SP.

Percorrendo o Caminho da Fé

peregrino

adj. s. m.

1. Que ou o que anda em peregrinação.

2. Viajante, romeiro.

3. Estrangeiro.

4. Que está nesta vida para passar à eterna.

5. Raro, singular, essencial, que é poucas vezes visto.

A primeira vez que ouvi falar sobre o Caminho da Fé foi em 2007, quando percorria o Caminho de Peabiru e meu amigo Pierin falou sobre esse caminho, contou que já o tinha percorrido. Os anos passaram, fui pegando gosto por caminhadas, por peregrinações. Limitava-me a peregrinações de final de semana, de no maximo 55 quilômetros. Percorrer os quase 500 quilômetros do Caminho da Fé era um sonho meio distante. O tempo foi passando e em janeiro de 2010 vi numa livraria um guia sobre o Caminho da Fé, escrito pelo Antonio Olinto, um cicloturista que já percorreu boa parte do mundo sobre uma bicicleta e de quem tenho um livro contado essa história. Comprei o guia e planejei fazer o Caminho da Fé em maio, durante minhas férias. Mas planos nem sempre dão certo. Fiquei doente menos de um mês após comprar o guia e todos os meus planos mudaram do dia para a noite.

Quase no final de março de 2010 estava estirado sobre uma cama, muito doente, mal conseguia respirar sem sentir dor. E numa bela tarde vi o guia sobre o Caminho da Fé em minha estante. Peguei o guia, comecei a ler e ao chegar ao final falei em voz alta que quando ficasse curado eu faria a peregrinação pelo Caminho da Fé. Foi algo mais em tom de desabafo do que uma promessa, mas o fato foi que meses depois fiquei curado. Muitas coisas me motivaram a seguir a risca o tratamento, a suportar o sofrimento, a repousar, tomar remédios, me cuidar. E fazer o Caminho da Fé foi um desses motivadores. E com o passar do tempo o desejo de ficar bom e depois percorrer o Caminho da Fé acabou virando então uma promessa.

O Caminho da Fé é mais percorrido por católicos, pois leva até a cidade de Aparecida. Eu nasci numa família católica, fui batizado, fiz primeira comunhão, crisma, participei de Grupo de Jovens e ia à missa de vez em quando. Aos 21 anos mudei de religião, entrei para uma igreja protestante, fui batizado novamente, e durante muitos anos deixei o catolicismo de lado. Mas os anos foram passando, fui amadurecendo e chegou um momento em minha vida que o tema religião ficou meio confuso. Não conseguia seguir uma determinada religião somente, pois para mim todas possuíam imperfeições. Então passei a seguir cada vez mais a Deus e menos a determinada religião. Para quem perguntava minha religião, muitas vezes eu respondia que era um “protestante católico” ou então um “católico protestante”. Depois de um tempo passei a me definir como “ecumênico”, que numa definição especificamente religiosa significa a unidade da igreja de Cristo que vai além das diferenças geográficas, culturais e políticas entre as diversas igrejas. Resumindo, sou cristão, freqüento qualquer igreja sem problema algum, sem preconceito, fanatismo ou achando que uma igreja é melhor que a outra. Por experiência própria sei que nenhuma igreja é perfeita, que todas possuem falhas. Não posso afirmar que essa minha forma de encarar a religião esteja certa. E com certeza não cabe a você me julgar com relação a isso!

Desde o final de 2010 estou curado de meus problemas de saúde e comecei a lembrar da tal promessa que fizera meses antes, de percorrer o Caminho da Fé. Acabei fazendo outras viagens e chegou um momento que achei melhor fazer o que tinha prometido. Não fiz muitos planos, não defini bem uma data. Segui um conselho de meu irmão que me disse que quando planejamos muito uma viagem ela acaba não acontecendo. Que a partir do momento que resolvermos viajar, todo o restante se resolve por si só, sem muitos planos. E foi assim que fiz. Queria fazer o Caminho da Fé a pé, mas devido à longa distância do mesmo, não era aconselhável fazer dessa forma, pois minhas hérnias de disco necessitam de um certo cuidado. Então resolvi fazer a viagem de bicicleta. Eu tinha todo o equipamento para realizar tal viajem. Já tinha planejado anteriormente fazer uma viagem de bicicleta, comprei o equipamento necessário e no fim a viagem não aconteceu. Fisicamente estava bem preparado, tendo pedalado quase toda semana nos últimos meses. Foi só arrumar minhas coisas, desmontar a bike, colocá-la na mala bike, pegar o guia sobre o Caminho da Fé, me despedir do pessoal e pegar a estrada.

Resolvi iniciar pelo ramal oeste do Caminho da Fé, iniciando a viagem de bike na cidade de Descalvado, interior de São Paulo. Imaginava percorrer os quase 500 km (que com alguns perdidos que dei se transformaram em 501 km percorridos) entre sete ou dez dias. Em razão das chuvas que não deram folga, acabei percorrendo o Caminho da Fé em treze dias. No fundo para mim não importava a duração. Importava era percorrer o caminho e curtir tudo o que fosse possível. E foi isso que fiz. Teve dias que pedalei mais quilômetros, outros menos. Parei muito para tirar fotos, observar animais, ouvir passarinhos cantando, admirar paisagens e principalmente conversar com as pessoas. Então a duração foi o que menos contou nessa viagem.

Sei que foram treze dias inesquecíveis. Passei frio, fome, sede, sofri com o calor. Pedalei sete dias debaixo de chuva, todo molhado e embarreado. Empurrei a bike morro acima muitas vezes. Atravessei rios, matas, barreiros onde quase não tinha forças mais para empurrar a bike. Tive problemas de freio, pneu furado mais de uma vez. Levei picada de marimbondo, mosquito, formigas. Ralei braços e pernas no mato, no pedal e na coroa da bike diversas vezes. Levei carreirão de cachorro, de boi e de vaca. Mesmo assim em nenhum momento pensei em desistir, ou então me perguntei o que estava “fazendo ali”. Tive problemas, muitos até, mas em compensação tive mais alegrias. Vi paisagens incríveis, conheci pessoas maravilhosas, apreendi muitas lições, principalmente nos momentos de dificuldade. E consegui encontrar respostas para muitas perguntas que tinha ao iniciar o Caminho da Fé. Também voltei com novas perguntas, as quais preciso encontrar respostas. E o principal foi que voltei a acreditar no ser humano. Fazia tempo que por vários motivos eu andava descrente com a raça humana. E percorrendo lugares distantes e quase perdidos no interior do Brasil, conheci pessoas boas, simples, de coração enorme, que sempre tinham uma palavra ou um gesto de incentivo. Em nenhum momento durante toda a viagem fui maltratado, ofendido ou ameaçado por alguém. Ao contrário, só tive ajuda, mesmo quando não precisava ou pedia. Na verdade nunca pedi ajuda, pois não era preciso. Antes de abrir a boca para pedir ajuda, alguém se antecipava e me ajudava. Pessoas surgiam do nada para me ajudar nos momentos complicados. Recebia convites para almoçar na casa de pessoas que nunca vi antes na vida. E muita coisa mais…

Nos próximos dias postarei aqui no blog sobre essa mágica viagem. Vou transcrever para o blog as anotações que fiz num caderno, que foi meu diário de viagem. Mesmo assim muita coisa ficará faltando, pois não saberei descrever fielmente a beleza de muitos lugares por onde passei, a bondade e amizade de pessoas que conheci e principalmente muitas das emoções que senti.  Me acompanhe nessa viagem a partir de hoje. Serão treze postagens, treze capítulos dessa maravilhosa aventura.

O guia que utilizei.

Minhas coisas ainda embaladas, ao chegar a Descalvado – SP.

Salvador

Nosso passeio por  Salvador foi rápido.  O único  que  já conhecia a  cidade  era o Wagner e  ele tinha  nos alertado de que Salvador não era tudo aquilo que falam, que íamos nos decepcionar. E ele estava certo, foi opinião geral de que a cidade não merece a fama que tem. A cidade é suja e tem muita coisa feia, decadente, mal preservada. Talvez no passado a cidade tenha sido bonita, mas pelo que vimos atualmente deixa muito a desejar. Foi uma grande decepção. 

Visitamos os principais pontos turísticos da cidade e passamos por quase toda a orla marítima que banha a cidade. Em alguns pontos principais fizemos uma parada mais longa pra conhecer e tirar fotos. A cidade possui muitas construções históricas, mas boa parte está degradada, caindo aos pedaços. Vimos alguns casarões e prédios históricos desabados, numa mostra de que o poder público local tem outras preocupações, que não é preservar o patrimônio histórico e cultural de uma das cidades mais antigas do Brasil. 

Na visita ao Elevador Lacerda, descemos da Cidade Alta para a Cidade Baixa e ao sairmos do elevador presenciamos uma cena vergonhosa. Dois Policias Militares estavam acordando um morador de rua aos berros e chutes. O PM machão tentou chutar até mesmo o cachorro do morador de rua, mas o cachorro foi mais esperto do que ele. A cena que presenciamos foi o típico abuso de poder e covardia. Duvido que os policiais tenham a mesma coragem e macheza pra enfrentar bandidos. Até brincamos com o Pity, que estava de chinelo e com uma bermuda verde alface, de que era pra ele tomar cuidado, pois senão os PMs iam confundi-lo com um morador de rua e ele ia levar uns chutes. A região próxima ao Elevador Lacerda, tanto na Cidade Baixa quanto na Cidade Alta é de uma sujeira total, lixo por todo o chão e um cheiro horrível. Resumindo, a decepção foi tanta com a cidade, que até antecipamos o fim de nosso passeio. Conheço quase todas as capitais do Nordeste e até agora Salvador foi a pior delas. Pra lá não volto mais!

HISTÓRIA: Salvador foi a primeira capital do Brasil. A região antes mesmo de ser fundada a cidade, já era habitada desde o naufrágio de um navio francês, em 1510, de cuja tripulação fazia parte Diogo Álvares, o famoso Caramuru. Em 1534, foi fundada a capela em louvor a Nossa Senhora da Graça, porque ali viviam Diogo Álvares e sua esposa, Catarina Paraguaçu. Em 1536, chegou à região o primeiro donatário, Francisco Pereira Coutinho, que recebeu capitania hereditária de El-Rei Dom João III. Fundou o Arraial do Pereira, nas imediações onde hoje está a Ladeira da Barra. Esse arraial, doze anos depois, na época da fundação da cidade, foi chamado de Vila Velha. Os índios não gostavam de Pereira Coutinho por causa de sua crueldade e arrogância no trato. Por isso, aconteceram diversas revoltas indígenas enquanto ele esteve na vila. Uma delas obrigou-o a refugiar-se em Porto Seguro com Diogo Álvares; na volta, já na Baia de todos os Santos, enfrentando forte tormenta, o barco, à deriva, chegou à praia de Itaparica. Nessa, os índios fizeram-no prisioneiro, mas deram liberdade a Caramuru. Francisco Pereira Coutinho foi retalhado e servido numa festa antropofágica.

Em 29 de março de 1549 chegam, pela Ponta do Padrão, Tomé de Sousa e comitiva, em seis embarcações: três naus, duas caravelas e um bergantim, com ordens do rei de Portugal de fundar uma cidade-fortaleza chamada do São Salvador. Nasce assim a cidade de Salvador: já cidade, já capital, sem nunca ter sido província. Todos os donatários das capitanias hereditárias eram submetidos à autoridade do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa. Com o governador vieram nas embarcações mais de mil pessoas. Trezentas e vinte nomeadas e recebendo salários; entre eles o primeiro médico nomeado para o Brasil por um prazo de três anos: Dr. Jorge Valadares; e o farmacêutico Diogo de Castro, seiscentos militares, degredados, e fidalgos, além dos primeiros padres jesuítas no Brasil, como Manuel de Nóbrega, João Aspilcueta Navarro e Leonardo Nunes, entre outros. As mulheres eram poucas, o que fez com que os portugueses radicados no Brasil, mais tarde, solicitassem ao Reino o envio de noivas. Após Tomé de Sousa, Duarte da Costa foi o governador-geral do Brasil, chegou a 13 de julho de 1553, trazendo 260 pessoas, entre elas o filho Álvaro, jesuítas como José de Anchieta, e dezenas de órfãs para servirem de esposas para os colonos. Mem de Sá, terceiro governador-geral, que governou até 1572, também contribuiu com uma grande administração. A cidade foi invadida pelos holandeses em 1598, 1624-1625 e 1638. O açucar, no século XVII, já era o produto mais exportado pela colônia. No final deste século a Bahia se torna a maior província exportadora de açúcar. Nesta época, os limites da cidade iam da freguesia de Santo Antônio Além do Carmo até a freguesia de São Pedro Velho. A Cidade do São Salvador da Bahia de Todos os Santos foi a capital, e sede da administração colonial do Brasil até 1763.

Elevador Lacerda (Cidade Alta).

Sidne, Wagner, Pity, Maico e Vander.
Sidne, Wagner, Pity, Maico e Vander.

Elevador Lacerda, na parte alta da cidade.

Os PMs covardes, chutando mendigos e cachorros.

Elevador Lacerda visto da parte baixa da cidade.

Mercado Modelo.

Prédios antigos que desabaram.

Momento de descanso.

Parte da orla da cidade.

Farol da Barra.

Wagner descansando no aeroporto de Salvador.

Ciclismo no Caminho do Vinho

Na sexta-feira vi a previsão do tempo e nela  dizia que faria um sábado de sol e calor. Então resolvi fazer algo que há tempos queria fazer, ir de bike até o Caminho do Vinho. Convidei dois amigos, mas ambos não podiam ir, então decidi ir sozinho.

O sábado amanheceu com um sol maravilhoso e muito quente, sai de casa ás 09h30min e segui com destino a São José dos Pinhais. Fui pela Avenida Salgado Filho, que é menos movimentada. Os primeiros quilômetros são os mais difíceis, pois os músculos ainda não estão aquecidos e as pernas doem. Mas depois de um tempo pedalar se torna algo agradável. A pior parte foi atravessar o viaduto que divide Curitiba e São José. A mureta está toda destruída e tive que pedalar numa passarela de um metro sem nenhuma proteção lateral. Qualquer desequilíbrio e eu poderia cair lá embaixo, onde passa uma avenida movimentada e o trilho do trem. E pra quem tem labirintite, que é o meu caso, o risco de desequilíbrio era ainda maior. Mas no fim correu tudo bem, logo atravessei a cidade de São José dos Pinhais e segui em direção as colônias italianas de Muricy e Mergulhão.

Após 23 km de pedalada cheguei ao portal que dá inicio ao Caminho do Vinho. Esse caminho é formado por vários sítios, onde se plantam frutas, verduras e também uva. Existem muitos restaurantes de comida típica, café colonial e venda de queijos e vinhos. É Um típico roteiro gastronômico. Pedalei 4,5 km pelo caminho e parei num restaurante onde já tinha almoçado uns meses antes. O restaurante tem em frente um gramado com árvores e um lago, um local muito bonito.

Estava faminto e me fartei com a comida do local, feita em fogão a lenha. Tinha polenta branca com molho, polenta frita , frango, risoto, lingüiça e muito mais. E de sobremesa sagu e pudim de leite. Só não comi mais, com receio de passar mal na volta para casa. Depois de comer deitei num gramado debaixo de uma árvore e tirei um cochilo. Depois de um tempo calculei que já tinha feito a digestão e peguei o caminho de volta pra casa.

A volta foi mais cansativa, pois já tinha pedalado um monte, o sol estava muito quente e a pança estava cheia. Segui num ritmo lento e constante e pouco antes das 17h00min estava em casa. No meio da caminho parei na casa da Claudinha, minha grande amiga e quase prima, para reabastecer minha garrafinha com água. Foram 55 km pedalados e meu marcador indicava que tinham sido 04h30min de efetiva pedalada. Ou seja, o marcador anota somente o tempo em que estive andando com a bike, quando eu parava o marcador também parava. Somente em casa é que percebi que parte de minhas pernas que ficavam mais expostas ao sol e que a bermuda não cobria, estavam vermelhas, queimadas de sol. Na hora do banho é que senti o quanto estas queimaduras ardiam, mas tudo bem, no final das contas foi um passeio gostoso e aos poucos estou conseguindo fazer maiores quilometragens de bike. A idéia é cada vez fazer percursos maiores, pois desta forma vou melhorando meu condicionamento físico e queimando calorias.

Portal que marca o inicio do "Caminho do Vinho".
Portal que marca o início do “Caminho do Vinho”.

Pedalando pelo "Caminho do Vinho".
Pedalando pelo “Caminho do Vinho”

Merecido descanso após o almoço.
Merecido descanso após o almoço.

Uma das muitas antigas casas preservadas.
Uma das muitas antigas casas preservadas.

Com Claudinha, pit stop para beber água.