Estrada Real – 10° Dia

Aparecida/Cunha/Paraty

(Resumo)

Mesmo com metas bem definidas e difíceis, já dei bobeira logo no início. Eu deveria ter acordado mais cedo, tipo umas seis horas e iniciado a viagem antes das sete da manhã. Eu já tinha feito isso antes em dias de trechos difíceis. Acontece que eu estava excessivamente confiante, me sentia bem fisicamente e estava empolgado em terminar logo a viagem. Nisso acabei menosprezando um pouco o trecho que teria para percorrer nesse último dia. Para completar, a soma de atrasos que tive durante o dia, fizeram meu planejamento inicial ruir.

Vi muitos ciclistas vindo em sentido contrário descendo a serra, a maioria de bicicleta speed. Pelo jeito o pessoal costuma acordar cedo para pedalar, ainda mais sendo sábado. Muitos desses ciclistas ao me verem acenavam ou gritavam um olá. Eu acenava de volta e respondia os cumprimentos também. Perto das 11h00min eu já tinha percorrido 22 quilômetros desde minha saída de Aparecida. E os últimos 10 quilômetros tinham sido quase todos em subida. E finalmente cheguei numa das subidas mais difíceis da viagem. Seriam seis quilômetros de uma subida forte, praticamente escalando um morro. Por mais que estivesse preparado fisicamente e psicologicamente para encarar tal subida, a dificuldade me surpreendeu. Foi mais difícil do que eu imaginava e em muitos trechos tive que empurrar a bike, fazendo bastante força. O peso do alforje parecia que tinha dobrado. E o sol estava forte demais, aumentando meu desgaste físico. Acabei ficando sem água e empurrar a bike morro acima com a boca seca não foi nada agradável. E para piorar eu tinha que ficar atravessando de um lado para outro da estrada, toda vez que chegava numa curva. Era mais seguro seguir na contramão nas curvas, pois eu podia ver os carros vindo de frente e me espremia no canto da estrada. Em boa parte desse trecho de subida, praticamente não existia acostamento para eu seguir em segurança.

Vencida uma longa descida que serviu para eu descansar enquanto seguia no embalo, parei em um bar na beira da estrada para lanchar. Comi dois pastéis e bebi um litro de Guaranita. Esse foi o último lugar onde encontrei o saboroso refrigerante. Descansei dez minutos e voltei para a estrada, pois estrava bastante atrasado e não podia perder mais tempo. Estava me sentindo muito cansado e não tinha mais vontade nem de tirar fotos. Esse foi o dia em que tirei menos fotos em toda a viagem. Levei uma hora para percorrer 15 quilômetros alternando subidas e descidas medianas, até que cheguei no trevo de entrada da cidade de Cunha. Tinha um posto de informações turísticas logo na entrada da cidade. Fui até ele na esperança de conseguir o carimbo para o passaporte da Estrada Real. Para ganhar o certificado de conclusão da Estrada Real, são necessários 14 carimbos, incluído o último, que no meu caso seria o de Paraty. Eu estava com 12 carimbos e precisava carimbar meu passaporte em Cunha de qualquer jeito. Falando com a moça do posto de informações, descobri que o carimbo ficava em outro posto de informações, localizado no centro da cidade. Tive que entrar na cidade e após percorrer algumas ruas, precisei empurrar a bike numa ladeira monstruosa até chegar na praça central. Lá perguntei para meio mundo e ninguém sabia onde era a rua em que ficava o posto de informações turísticas. E para piorar existiam poucas placas informando o nome das ruas. Estava acontecendo uma festa na cidade, e tinham turistas por todo canto. Perdi meia hora para cima e para baixo, até encontrar o posto de informações. Para meu azar ele estava fechado para almoço e só abriria dali 15 minutos. E para piorar ainda mais, a funcionária atrasou 20 minutos para chegar e abrir o tal posto de informações turísticas. Ela estava substituindo a funcionária do posto e não sabia onde guardavam o carimbo. Ela teve que ligar para a funcionária que estava de férias para então saber o que fazer. Minha paciência estava no limite e fiquei me segurando para não ser rude ou mal educado. Finalmente consegui o 13° carimbo no passaporte. Só que nessa brincadeira de ter que entrar no centro da cidade, de procurar o local para carimbar o passaporte e mais os atrasos da funcionária do posto, me fizeram perder uma hora do meu precioso tempo. E essa uma hora iria fazer muita falta depois.

Por culpa do esforço físico demasiado e do forte calor, logo fiquei sem água. Felizmente encontrei uma lanchonete numa região muito bela. Parei comprar água e dei azar de ter pela frente uma atendente enrolada, que demorou um século para trazer minha água e depois para trazer meu troco. Na saída da lanchonete um rapaz que estava entrando puxou conversa. Ele disse que era ciclista e que um dia queria ter coragem para fazer uma viagem igual à que eu estava fazendo. Quando soube que eu pretendia dormir em Paraty, ele disse que eu não ia conseguir chegar lá antes de escurecer. Me aconselhou a dar meia voltar e dormir em Cunha, 15 quilômetros de onde estávamos. A mãe dele estava perto e ao ouvir nossa conversa se aproximou e me disse que era muito arriscado passar pela serra no escuro, pois tinha o risco de assaltos. Todo mundo me falava isso e eu teimoso não dava bola e só queria seguir em frente. Não sei se isso é excesso de fé, excesso de coragem, ou excesso de burrice. Não alonguei a conversa, me despedi e voltei para a estrada. O trecho seguinte foi muito difícil, e em alguns momentos tive que descer da bike e empurrar, de tão inclinada que a estrada era. Em uma curva acabei passando por um acidente que tinha acontecido há pouco tempo. Um carro que descia a serra velozmente acabou se perdendo na curva e bateu de frente com um carro que subia. O choque foi feio, mas felizmente ninguém se feriu. Com os dois carros parados no meio da pista, a mesma ficou bloqueada. E tinha risco de incêndio, pois vazou combustível de ambos os carros no asfalto quente. Passei rapidinho pelo canto da pista e tomando cuidado com o combustível que formava uma pequena enxurrada. Depois de me distanciar do acidente, olhei para o céu e agradeci por não estar passando por ali na hora do acidente, pois fatalmente seria atingido pelos carros. Pelos meus cálculos o que me livrou de estar no local do acidente no momento em que os carros bateram, foi ter parado conversar com o rapaz na lanchonete quando parei comprar água.

Passaram cinco rapazes de moto por mim. Eles estavam em três motos e ficaram me olhando de um jeito estranho. Senti muito medo e achei que seria assaltado. Parei num canto da estrada e esperei que o casal de ciclistas passasse por mim e seguissem na frente. Esperei 15 minutos e voltei a pedalar. Como estava em um ritmo mais forte do que o casal de ciclistas, achei que antes de chegar em Paraty passaria por eles novamente. Mas não vi mais o tal casal. E o motivo foi que minha bike quebrou faltando oito quilômetros para chegar na cidade. Dessa vez a corrente se rompeu e nada podia ser feito para resolver o problema. O jeito foi empurrar a bike até Paraty.

Foi um pouco tenso empurrar a bike no escuro, mas felizmente logo cheguei em ruas iluminadas e um pouco movimentadas. No fim das contas não tive nenhum problema com relação a assaltos. Não sei se por sorte, destino ou proteção divina. Dei uma olhada no guia e com o mapa da cidade em mãos não foi difícil encontrar o Hostel Paraty, local onde eu ficaria nos dias que permaneceria na cidade. Tinha feito a reserva pela internet, atraído pelo preço baixo e pela boa localização. O hostel ficava próximo ao Centro Histórico, que é o point local. O bairro era meio estranho e sujo, e depois ouvi dizer que era perigoso. Mas não tive nenhum problema.

Encontrei o hostel e parei em frente ao seu portão. Eu estava sujo e meu fedor naquele momento era extraordinário. Precisava urgentemente de um banho, pois nem eu estava aguentado meu próprio cheiro. Apertei a campainha, me identifiquei e abriram a porta. O hostel funcionavam em um sobrado, com uns puxadinhos ao lado. Deixei a bike encostada num canto nos fundos e subi até a recepção. Fui atendido por um rapaz com sotaque hispano. Ele me explicou rapidamente o funcionamento do lugar e me levou até o meu quarto. Era um quarto coletivo, com três beliches.

Como todos tinham saído, fiquei sozinho no quarto ouvindo o barulho do ar condicionado poucos centímetros acima de minha cabeça. E até o sono chegar fiquei pensando e remoendo os problemas que tinha tido nesse último dia de viagem. Era para ter terminado a viagem durante o dia à beira bar, onde eu tiraria a foto final da cicloviagem. Terminar a viagem no escuro e empurrando a bike, foi bastante frustrante, principalmente por culpa dos erros de estratégia que tinha cometido durante o dia. E somado a isso os atrasos e as quebras fizeram ruir meu planejamento. Mas esse final meio melancólico não tirava o brilho da viagem num todo, pois pedalar 600 e poucos quilômetros pelos lugares em que passei, não é uma tarefa para qualquer um. E as viagens por mais que sejam planejadas, sempre existem imprevistos que fogem ao nosso controle e a nossa vontade. Então eu podia ficar chateado e frustrado por um tempo, mas logo isso ia passar e eu me sentiria um vitorioso por ter conseguido finalizar a viagem tão esperado pelo Caminho Velho da Estrada Real. E foi em meio a tais pensamentos que peguei no sono e dormi profundamente.

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

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Versão impressa: Clube de Autores

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