Aproveitando que estava passando alguns dias em Curitiba, me desloquei até a Serra do Mar para subir uma montanha. Fazia quase dois anos que não subia montanhas, então estava sentindo saudade. Para um bate e volta escolhi o Caratuva, montanha que já subi duas vezes, em 2008 e 2021, mas em ambas as vezes não vi a paisagem lá do cume, pois estava tudo encoberto por nuvens. Dessa vez tinha esperança de ver algo lá do alto, pois o dia estava relativamente bom e não tinha previsão de chuva.
Comecei a subir pouco depois das dez da manhã e não levei muita coisa. Levei alguma comida e quatro litros de água. Segui num ritmo lento, pois o início da trilha é sempre a parte mais complicada e cansativa. Depois que o corpo foi aquecendo, aumentei um pouco meu ritmo e a primeira hora de subida foi tranquila. Encontrei algumas pessoas descendo, mas ninguém subindo pela trilha. Fiz algumas rápidas paradas para descanso e para beber água.
Chegando no Getúlio, encontrei um grupo de Ponta Grossa, que subia com mochilas cheias, pois pretendiam acampar no cume do Caratuva. Fiz uma parada mais rápida no Getúlio, onde lanchei, descansei e fiquei observando a paisagem para o lado da represa, que sempre é muito bonita. Me lembrei que a última vez que tinha estado no Getúlio tinha sido numa noite fria e chuvosa, quase dois anos antes. Como o tempo passou rápido desde aquela última vez ali…
Após meia hora parado no Getúlio, segui em frente. Na encruzilhada das plaquinhas encontrei novamente o pessoal de Ponta Grossa e um outro casal, que faria meia volta dali. Tiramos fotos, conversámos um pouco e segui pela trilha rumo ao Caratuva. Nesse trecho a trilha estava bem molhada, sinal de que tinha chovido por ali nas últimas horas. A trilha molhada significa mais dificuldade e atenção redobrada para não cair. Conforme ia subindo o tempo foi fechando e comecei a temer que mais uma vez não veria nada da bonita paisagem no alto do Caratuva.
Quase no final da trilha encontrei três soldados do 5º GAC AP, que estavam descendo. Paramos conversar rapidamente e me contaram que o tempo lá no alto estava completamente fechado. Senti vontade de voltar para traz dali mesmo onde estava. Mas como estava perto do cume, resolvi seguir em frente. Quando cheguei no cume do Caratuva, senti um misto de alegria e frustração. Alegria por ter vencido o desafio e por estar pisando pela terceira vez no cume dessa montanha, que é a segunda mais alta do sul do Brasil, perdendo em altura somente para o Pico Paraná. E frustração por mais uma vez não conseguir ver nada da bela paisagem que se vê lá do alto. Estava tudo branco, uma nuvem baixa deixava tudo branco em volta. Eventualmente era possível ver o Itapiroca no lado direito da montanha e mais nada. Definitivamente o Caratuva não gosta de mim! Justo ele que foi a primeira montanha que subi naquela região, no distante ano de 2008.
Achei uma pedra num canto, me sentei e lanchei. Logo comecei a ouvir raios e trovões bem próximos e resolvi iniciar logo a descida. Com temporal é perigoso ficar no alto da montanha, pois as antenas que ali existem costumam “puxar” raios. É bem visível nos cabos de aço que seguram as antenas, marcas de descargas de raios. Mal comecei a trilha de descida e caiu o maior temporal. Desci rápido até chegar na parte de floresta e dessa forma me senti mais protegido dos raios que escutava cair próximos de onde estava. A trilha se transformou numa grande enxurrada com a água que descia do alto da montanha. A descida prometia ser difícil e perigosa com tanta água na trilha.
Encontrei três membros do grupo de Ponta Grossa e parei para falar rapidamente com eles. Tinham decidido que continuariam a subida e acampariam no cume do Caratuva, mesmo com chuva. O restante do grupo tinha dado meia volta e desistido de acampar no cume. Me pediram para avisar os que desciam, que eles acampariam no Caratuva. Voltei a descer a montanha e logo encontrei o restante do grupo de Ponta Grossa. Dei o recado e resolvi descer junto com eles, pois era mais seguro do que descer sozinho. Durante boa parte da descida a chuva nos fez companhia. Conversamos um pouco e descobri que os quatro eram uma família, formados por pai, mãe, filho e nora. Acabei fazendo amizade com eles e na encruzilhada das placas, até tiramos foto juntos.
Walter, Berenice, Junior e sua esposa, formavam um grupo divertido e até o final da descida todos acabaram sofrendo ao menos uma queda. Sem querer acabei gravando a Berenice caindo próximo ao Getúlio. Eu tive uma queda daquelas bobas, quando meu pé direito tropeçou no meu pé esquerdo e caí de lado no mato. Fora o orgulho ferido, tive apenas um pequeno esfolado no cotovelo direito e uma mancha roxa enorme que surgiu no dia seguinte próximo ao cotovelo. Montanha sem queda, não é montanha…
Quase chegando na Fazenda Pico Paraná, a esposa do Junior (cujo nome não lembro) sofreu duas quedas em sequência. Ela ficou meio inconformada com isso, mas disse que as pernas não obedeciam mais…
Já na fazenda dei baixa na minha ficha de entrada, me despedi dos novos amigos pontagrossenses e mesmo molhado e enlameado, peguei o carro e resolvi partir antes de escurecer. A estrada que leva da Rodovia Régis Bitencourt até a Fazenda Pico Paraná, estava em péssimas condições e depois da chuva que tinha caído eu não queria passar por ela com o escuro da noite. Mesmo com chuva a viagem até Curitiba foi tranquila e apesar da frustação de mais uma vez só ver nuvens no cume do Caratuva, o bate e volta até a montanha foi válido.
Já estive duas vezes no cume do Pico Paraná (PP), em ambas acampando no A2 e partindo para o ataque ao cume de madrugada. Mas sempre defendi que isso não era o ideal, pois subir com mochilas cargueiras até o acampamento A2 era muito sacrifício. Subir pela Carrasqueira com mochilas pesadas nas costas, sempre achei algo insano. Nessa terceira tentativa de chegar ao cume do PP, finalmente poderia provar minha tese de que era melhor fazer o ataque ao cume saindo da Fazenda Pico Paraná, Fazenda Rio das Pedras ou do IAP, levando apenas uma pequena mochila de ataque.
Estava bem descansando após um ótima noite de sono, alojado em um chalé na Fazenda Rio das Pedras. Durante o dia tinha passeado pelo local, tinha feito boas refeições, dormido um pouco a tarde e para relaxar tinha até assistido um filme na Netflix, através do aplicativo do celular. Ás 22h00min tomei um banho para despertar, me vesti e arrumei a mochila de ataque, com água, Gatorade, garrafa térmica com capuccino, lanches doces e salgados e o equipamento básico que pretendia utilizar. A mochila devia estar pesando uns cinco quilos.
Junto comigo seguiriam a Eliane, em sua primeira vez no Pico Paraná, mas já tendo tido experiência em montanha na região do Pico Marumbi. Também seguiria a Carla, em sua primeira experiência numa montanha. Outro parceiro de subida seria o André, que já esteve no A2 do Pico Paraná, esteve no Taipa e no Pico Agudo. E o companheiro mais experiente nesse ataque seria o Roberto, que já esteve no Taipa e chegou duas vezes ao cume do Pico Paraná. O grupo mesclava pouca com muita experiência e todos tinham se preparado fisicamente para o desafio que iriamos enfrentar. A única incógnita era saber se o André suportaria as dores em seu joelho esquerdo, que tinha machucado pouco tempo antes jogando futebol.
Saímos do chalé na Fazenda Rio das Pedras às 23h00min e seguimos até o IAP para preencher a ficha de subida, pois isso nos garantia uma certa segurança em caso de nos perdermos ou nos machucarmos na montanha. Fazia frio mas o céu estava limpo, sem nuvens e com uma bela lua cheia iluminando a paisagem. Partimos do IAP às 23h18min e resolvemos seguir pela trilha que saí da Fazenda Pico Paraná. Nos primeiros minutos tentei manter um ritmo leve, dando passos curtos e respirando fundo. Sempre achei esse trecho inicial o mais difícil, pois o corpo ainda não está adaptado ao esforço e não se encontra devidamente aquecido. Em subidas anteriores que fiz, não somente ao Pico Paraná, como também ao Caratuva e ao Itapiroca, já vi pessoas querendo desistir justamente nesse trecho inicial.
Passada a primeira meia hora meu corpo foi aquecendo e a caminhada seguiu normal. Fizemos breves paradas para descanso e assim fomos avançando montanha acima. Utilizava um casaco sem mangas e levei um casaco mais quente na mochila, para quando começasse a sentir muito frio. Até o Getúlio nossa caminhada foi relativamente tranquila. Chegando no Getúlio o tempo fechou, ventava forte e chovia. Passámos rápido por essa região e logo entramos na mata novamente, o que nos protegia um pouco da chuva. Quando paramos na encruzilhada onde ficam as plaquinhas que indicam as trilhas para as várias montanhas do lugar, fizemos uma parada para descanso um pouco mais longa. A partir dali começaria a parte que menos gosto da subida, que é a parte da floresta. Nessa parte quase sempre estamos subindo e tem muitos galhos, pedras, cordas e grampos para transpor. Para piorar, o terreno ali estava muito molhado, com barro e em algumas partes um lamaçal de dar medo.
Nosso plano inicial era chegar ao cume do Pico Paraná até 06h30min, para ver o sol nascer lá do alto. Mas quando vi como estava difícil a trilha na parte da floresta, percebi que não daria tempo de chegar ao cume no horário previsto. Por culpa da dificuldade do terreno, avançávamos mais lentamente do que deveríamos. Para mim o importante era avançar e chegar ao cume, já não importando mais o horário, tanto fazia chegar antes ou depois do sol nascer. Queria era chegar no cume e me concentrei e foquei muito nisso. Os demais membros do grupo seguiam com raça e vontade. Apenas a Carla mostrava sinais de estar sofrendo um pouco, o que era compreensível, pois essa era a primeira vez dela numa montanha. Ali na floresta cheguei à conclusão de que tinha sido um erro escolher o Pico Paraná como a primeira montanha dela. Seria melhor ter escolhido uma montanha mais fácil para o debute da Carla. Mas estando ali não dava mais para mudar isso.
Seguimos avançando pela floresta, vencendo os lisos, molhados e escorregadios obstáculos. Essa era a quarta vez que subia por ali, desde minha primeira vez no local em 2008. E confesso que foi a vez mais difícil, devido ao estado do terreno, ao frio e a chuva. Minha lanterna ficou fraca muito antes do previsto e isso me deixou um pouco preocupado, pois tinha baterias extras que previa utilizar somente dali umas duas horas. Segui com a lanterna clareando pouco, procurando enxergar o caminho através da lanterna da Eliane e do André, que seguiam na minha frente. Fizemos algumas paradas para descanso, que não podiam ser muito demoradas para que o corpo não esfriasse.
Passava um pouco das 04h30min quando o Roberto informou que ele e a Carla iam voltar, que o terreno estava muito difícil e perigoso e que ela estava tendo muita dificuldade. Achei a decisão dele assertiva, pois eu que tenho uma boa experiência em montanhas estava sofrendo um pouco, imagina a Carla em sua primeira experiência. O André resolveu voltar também, pois estava sentindo dores no joelho machucado e achou melhor parar ali do que seguir em frente tendo o risco de machucar ainda mais o joelho. Os três retornaram e junto com a Eliane segui em frente. A Eliane estava me surpreendendo, pois seguia na frente sem medo, escolhendo sempre o melhor lugar para pisar ou se segurar. E assim seguimos por mais 40 minutos até sair da floresta. A chuva parou e o céu ficou limpo e cheio de estrelas. Chegamos na parte das caratuvas (uma planta abundante naquela região) onde era possível avistar o Pico Paraná e o dia clareando por trás dele, o que deixava uma visão muito bonita. Ali achei que o pessoal devia ter seguido mais um pouco e dado meia volta naquele local, após a Carla ver o Pico Paraná. Seria um prêmio para o esforço dela ao menos ver a montanha. Mas como só pensei nisso ali, era tarde para dar tal sugestão. Vida que segue!
Fizemos rápida parada para descanso e para observar a beleza da paisagem, que mesmo a noite era maravilhosa. Voltamos para a trilha e tive um pouco de dificuldade para encontrar o caminho. Voltamos a caminhar pelo meio do mato, que cada vez ficava mais molhado e com barro. Minha lanterna morreu de vez e achei melhor trocar a bateria. Seguimos durante cerca de 20 minutos pela trilha enlameada e molhada, até que fiquei na dúvida sobre estar seguindo pelo caminho correto. Tinha passado outras vezes ali durante o dia, mas no escuro da madrugada acabei ficando com receio de estar seguindo pela trilha errada. Sugeri a Eliane voltarmos até as caratuvas e ali esperar o dia nascer. E assim fizemos o caminho de volta, mais 20 minutos pelo meio do mato até chegar nas caratuvas. Procuramos um local um pouco mais protegido e sentamos numa pedra para esperar o dia amanhecer.
O local que escolhemos não era dos mais protegidos e de vez em quando batia um vento de congelar. A temperatura era de seis graus e quando tinha vento a sensação térmica baixava bastante. Tirei meu casaco e dei ele para a Eliane, peguei o casaco mais quente que estava na mochila e vesti. Assim conseguimos nos proteger um pouco melhor do frio, mas não totalmente. Peguei minha garrafa térmica e tomei o capuccino que ainda estava quente. Cerca de uma hora depois descobriria que beber o capuccino foi uma péssima escolha, pois ele me fez mal ao estômago e fiquei um longo tempo sofrendo com tal incomodo. Ficamos meia hora sentados esperando o dia amanhecer e mesmo sofrendo um pouco com o frio, valeu apena ver o sol nascendo por trás do Pico Paraná.
Para não passar mais frio resolvemos voltar a caminhar, dessa vez sem precisar usar as lanternas. Seguimos pelo mesmo caminho pelo qual tínhamos retornado e mais tarde descobrimos que esse era o caminho correto. Esse trecho pela mata também foi bem difícil, por conta do barro e da trilha molhada. Chegamos no acampamento A1 quando o sol já aparecia no céu e amenizava um pouco o frio. Tinham algumas pessoas acampando no A1 e falamos rapidamente com algumas delas. Tivemos um pouco de dificuldade para encontrar a trilha e recebemos ajuda, com pessoas indicando a trilha correta a seguir. Essa trilha seguia pelo meio das caratuvas e não estava tão molhada. Paramos tirar algumas fotos e também para observar a linda paisagem do amanhecer no meio das montanhas. Voltamos a caminhar, dessa vez descendo pela trilha até chegar na encosta do Pico Paraná.
Pela frente mais um trecho desafiador, que era passar pela Carrasqueira, que são dois paredões de rocha quase na vertical, com cordas e grampos. Quem tem medo de altura ou sofre com vertigens, não pode encarar tal desafio. Ao menos subir da menos medo que descer, pois você olha para cima a procura do próximo grampo ou corda e dessa forma não se preocupa tanto com a altura em que está. A Eliane seguiu na frente e se sentiu medo não demonstrou. Não gosto de altura, mas já fiz tantas aventuras em altura, que aprendi como dominar meu medo e seguir em frente. Vencida a Carrasqueira seguimos em frente, alternando trilhas sob sombra, quando sentíamos um pouco de frio, e sob sol, quando nos sentíamos aquecidos. Paramos algumas vezes para tirar fotos rápidas e seguimos em frente. E assim chegamos no acampamento A2.
O A2 não estava muito cheio, mas tinha bastante gente acampada por lá. Fizemos uma breve parada para descanso e seguimos em frente. Nas outras vezes em que estive no Pico Paraná, do A2 até o cume levei uma hora. Mas dessa vez por culpa do terreno ruim fizemos o trecho até o cume em um tempo maior. Em algumas partes da trilha tinha um barro preto, fedido e em algumas partes muito fundo. Nunca tinha visto algo igual, tal barro fazia lembrar da areia movediça que vemos nos filmes. Teve um momento em que pisei nesse barro e minha bota do pé esquerdo quase ficou perdida no meio do barro. Pela trilhas fomos encontrando pessoas subindo e descendo, na verdade mais pessoas descendo do cume do que subindo. Esse pessoal devia ter subido na madrugada para ver o nascer do sol e agora estava descendo. Sempre que encontrávamos alguém, tanto descendo quando subindo, parávamos para dar passagem a eles. Dessa forma podíamos descansar um pouco e continuar seguindo no ritmo em que estávamos.
Nesse trecho da trilha existem alguns grampos e num deles ergui demais a perna para alcançar o próximo grampo e acabei dando mal jeito nas costas. Tenho duas hérnias de disco, que quando submetidas a esforço extremo costumam reclamar e doer e foi isso o que aconteceu. A partir desse momento em que senti dor nas costas, meio que perdi o encanto pela subida do PP. A partir daí segui na raça, superando as dores que sentia e cuidando para que o problema não ficasse mais grave. As dores, somadas ao cansaço, mais uma certa tremedeira que normalmente tenho, fez que em alguns trechos que demandavam mais esforço, minhas mãos tremessem muito. Isso fez com que uma moça que descia a montanha e me viu tremendo, ficasse preocupada achando que eu estava passando mal. Ela me ofereceu um carbogel, mas recusei e agradeci educadamente a oferta. Legal isso de um tentar ajudar o outro. Tal coisa é comum nas montanhas, mas sempre existem as exceções, aquelas pessoas que não estão nem aí para as outras, que não são nada gentis ou educadas. Felizmente isso é minoria!
Seguimos em frente e exatamente às 10h40min chegamos no cume do Pico Paraná. Estávamos no ponto culminante do sul do Brasil, sob um sol que se não era dos mais quentes, servia para queimar um pouco nossa pele. Era minha terceira vez no cume do PP e a primeira vez da Eliane. Estava mais cansado do que ela e com as dores nas costas não curti tanto estar ali no cume, como curti das outras duas vezes que ali cheguei. Nos sentamos numa pedra e enquanto descansávamos ficamos curtindo a linda paisagem em volta. Também aproveitamos para lanchar, beber água e dividir um Gatorade. E registramos nossos nomes no caderno de cume, que fica numa caixinha em cima de uma pedra. Estava preocupado com minhas dores, já pensando na descida. Sabia que descer com dor seria complicado e nos atrasaria. Outra preocupação era com relação a minha lanterna, pois sabia que ela não teria bateria suficiente para descer no escuro caso nosso atraso na descida fosse grande e o escuro nos alcançasse antes do previsto. Não externei muito minhas preocupações para a Eliane, pois não tinha porque deixá-la preocupada naquele momento. Queria que ela curtisse sua conquista e aproveitasse ao máximo os minutos que ficaria ali no cume. A descida e seus problemas, deixaria para me preocupar conforme eles acontecessem.
O despertador do celular me acordou às duas da manhã. Meu amigo André roncava ao lado, enrolado no meu saco de dormir, que ele tinha “roubado” durante a noite enquanto eu dormia. Fui ao banheiro fazer a higiene matinal e logo voltei para a barraca. Olhando em volta vi que mais algumas pessoas já tinham acordado no camping. Fui me vingar do André, que tinha me acordado quando chegou tarde da noite. Liguei a lanterna, virei a luz nele e comecei a gritar… Ele ficou puto, me xingou e tentou voltar a dormir, o que seria impossível. Ele sempre acorda mal humorado, e sendo acordado de uma forma tão delicada com certeza seu humor não seria dos melhores nas primeiras horas do dia.
Após pouco mais de meia hora todos estavam prontos e saímos em dois carros. Seguimos por uma estrada de terra cheia de curvas, subindo rumo aos pés do Pico Agudo. Há pouco mais de dez anos estive em outro Pico Agudo, que fica na região de Campos do Jordão, no Estado de São Paulo. O outro Pico Agudo possui plataformas para salto de asa delta, e do alto dele, onde se chega de carro por uma estrada ruim, se tem uma vista de 360 graus do Vale do Paraíba. Já o Pico Agudo paranaense, é considerado o pico mais alto do Norte do Paraná, com 1.100 metros de altitude. Do alto dele se tem uma vista muito bonita da região. Nos últimos anos ele se tornou um lugar bastante procurado, e meio que virou modinha tirar fotos no alto do pico. E como subir ele não é tão difícil, cada vez mais pessoas vão até seu cume.
Chegamos no posto de entrada do Pico Agudo pouco depois das três da manhã, e após preencher uma ficha de controle e pagar uma taxa de entrada, tivemos um pequeno briefing com o guia que nos acompanharia até o alto do pico. Eu que estava preocupado com meu joelho dolorido, me espantei com o mesmo não estar doendo e após andar um tempo no final do nosso grupo, passei a caminhar na frente logo atrás do guia. Segui num bom ritmo e não sentia nenhuma dor. Será que foi resultado da mina milagrosa do dia anterior? A primeira parte da subida foi tranquila, sem grandes dificuldades causadas pelo terreno e em muitos trechos a trilha era bem larga. Quando chegamos nos paredões, o problema maior foi o trânsito de pessoas subindo. Tinha muita gente, e alguns eram visíveis que tinham pouco preparo físico e iam subindo lentamente e muitas vezes parando pelo caminho, travando a subida de quem vinha atrás. O jeito foi negociar “ultrapassagens” e seguir paredão acima utilizando os degraus de ferro, cordas e correntes existentes na encosta do morro. Fui economizando a lanterna, apagando-a sempre que não via necessidade de ficar com ela ligada. A trilha para subir tem cerca de três quilômetros e meio, e com algumas paradas fizemos ela em uma hora e vinte minutos.
Chegamos no cume pouco depois das cinco da manhã e o sol começava a despontar no horizonte. Ao chegar no cume fiquei espantado com a quantidade de pessoas que estavam lá no alto. Já subi muitas montanhas em minha vida e nunca vi uma tão congestionada. Mal tinha lugar para se sentar e esperar o sol nascer. Fazia um pouco de frio, mas nada que um casaco não muito grosso não resolvesse. Conforme o sol foi levantando no horizonte a paisagem foi ficando cada vez mais bonita. Em alguns locais tinham filas para tirar fotos. Absurdo total! O lado onde fica o rio Tibagi, e que permite as fotos mais bonitas do alto do pico, infelizmente estava com muita neblina e não dava para ver quase nada daquele lado.
Tirei fotos minhas e dos amigos, andei de um lado a outro pelo cume, a procura de um novo ângulo para fotos ou observando algo novo na paisagem. E meu amigo Alemão me chamou para fotografar seu esperado pedido de casamento. Felizmente a Stefane mesmo ralada por conta da queda do cavalo no dia anterior, conseguiu subir o pico. Ele foi com ela até uma pedra que é famosa pelas belas fotos que proporciona lá do alto do pico. Mas por conta da neblina daquele lado, a paisagem não era das melhores. Lá na pedra ele se ajoelhou e fez o pedido de casamento. Fiquei de longe fotografando e foi difícil conseguir fotografar sem que não aparecesse mais ninguém além do novo casal de noivos. Algumas fotos ficaram com o pé de um cidadão aparecendo, pois não tinha mais o que fazer para evitar de que pessoas ou parte delas aparecessem nas fotos. Notei muita gente se arriscando na borda da montanha para tirar fotos. Infelizmente acho que não vai demorar para ver no noticiário que alguém despencou lá do alto…
Ficamos mais um tempo no alto do pico e finalmente revolvemos descer, pois tão cedo a neblina que existia do lado do rio não ia desaparecer. No caminho da descida encontramos alguns amigos da cidade de Peabiru. A descida foi bem travada, pois tinham muitas pessoas descendo e também subindo. Muitos que preferiram acordar mais tarde, estavam agora subindo. Sei que a descida demorou mais do que a subida, por conta do congestionamento na trilha. No final tiramos uma foto do nosso grupo reunido e partimos rumo ao camping.
Subir o Pico Agudo foi uma experiência boa e ao mesmo tempo frustrante. Não esperava o excesso de pessoas lá no alto. E a neblina de um dos lados no pico, acabou atrapalhando bastante. Pretendo voltar lá novamente, mas será no auge do inverno e durante a semana, para não correr o risco de encontrar novamente o cume do Pico Agudo super lotado.
De volta ao camping desmontamos acampamento e pegamos a estrada. A viagem de volta foi tranquila e fizemos uma breve parada em Londrina, para almoçar. Depois voltamos para a estrada e chegamos em casa no meio da tarde. Foi um final de semana gostoso e divertido, e valeu muito a pena ter ido para Sapopema, apesar das pequenas decepções. No geral foi muito valida a experiência!
O programa Aventuras & Aventureiros de hoje, teve a participação do turismólogo Marcelo Knieling. E o tema do programa foram travessias na serra do mar parananese. O progama também teve a participação via live do experiente montanhista Paulo Weber.
Marcelo Knieling, Vander Dissenha e Paulo Weber.
Abaixo o link para assistir ao programa na íntegra:
Eu nunca tinha pensado em subir o Pico Paraná, mas sempre gostei de altura e sempre me imaginei voando, sobre montanhas, mergulhando no céu. Meus melhores sonhos são com a leveza de ver tudo do alto.
Também sempre quis sentir as nuvens, seria possível tocar? Acho que muita gente já pensou nisso também.
Posso dar mais detalhes do enrosco que foi pra conseguir ir, demorou pra dar certo, mas fui, e quando decidi e deu tudo certo, que eu ia mesmo, já comecei a treinar certinho todo dia, dando o meu máximo para melhorar meu condicionamento físico. Não sei se naquela altura conseguiria melhorar muito, mas foi uma ótima motivação para relembrar o quanto amo me exercitar e ter certeza do quanto detesto academia.
Eu era a criança que brincava o dia todo, era moleza brincar nos brinquedos de escalar (longe da minha mãe, que me fazia ter medo de quebrar o braço por isso evitava ir muito alto, mas quando dava eu ia!). Por um tempo perdi isso, mas tenho reencontrado cada vez mais disposição e capacidade física com atividades que realmente gosto!
Me sinto grata por ter conseguido chegar até onde cheguei e voltado com pouca dor no corpo! E carregando uma mochila de 6 kg! Foi subida, descida, escalar em troncos, em pedras, com cordas, com grampos, inclinação de até 90° num paredão de pedra, muita umidade, escorregadio, engatinhando, escorregando (rasgou minha calça), com muita lama (coitada das meias), trechos na beiradinha do precipício, que aventura!
Inclusive, eu não tinha nada pra ir, não tinha ideia do que levar, nem roupa pra um evento desses! Foi tudo se ajeitando da melhor forma, grata amigos! Inclusive não ter conseguido capa de chuva foi ótimo porque nem choveu! Otimismo é tudo (ou saber pedir com jeitinho, por favor chuva não, quero te ver nascer Solzinho!)
Mas, se forem acampar numa montanha, levem saco de dormir ou algo pra se esquentar bem, uma blusa de lã e xale de lã não são o suficiente se você é friorento como eu. Grata aos amigos que passaram frio pra eu não morrer de hipotermia, vocês vão pro céu direto! Mas dependendo do ponto de vista vocês estavam lá, comigo ainda!
Que vista! E nuvens… Não dá pra pegar, mas deixa o ar bem úmido e tinha hora que não dava pra ver quase nada.
O pôr do Sol ficou entre as nuvens, e logo apareceu Vênus, Júpiter e Saturno pertinho da Lua! Logo o céu ficou todo repleto de estrelas (mas com o frio que eu estava vi bem pouquinho).
Que aventura! Mesmo já estando ali pertinho do céu percebi o quanto quero viver, conversando com a Terra, com as pedras, “belas ancestrais me ajudem a subir mais um pouquinho”. Teve tremedeira e choro, medos que eu nem sabia que eu tinha e mais uma vez o universo deu um jeitinho de fazer passar as pessoas certas para me auxiliar e me dar coragem para mais um trecho. Realmente percebi o quanto quero viver.
Estou extremamente feliz em ver o quanto as pessoas se unem, se ajudam, são solidárias nessas situações. Não apenas do meu grupo, mas todos que foram fazer a trilha, e posso citar muitos exemplos, desde um “bom dia” para todos que passavam, “vocês estão quase chegando”, “fiquem no A2 porque o pico está lotado”, “eu tenho curativo”, “alguém quer água?”, “tem “banheiro” ali”, até uma mão e um apoio para conseguir subir.
Subi, subi e vi o Sol! Faltava 15 minutos para chegar no pico do Pico, fiquei por ali mesmo. De onde eu estava podia jurar que faltaria mais uma hora pra chegar, parecia muito longe, meu corpo até aguentaria, mas talvez eu quisesse uma desculpa para voltar lá de novo. Começamos a subir 4:30, minha lanterna estava fraca, pelo menos não estava mais tão úmido e não levei nem água. Mesmo não tendo ido até o topo, me senti realizada, era para ser assim. Foi emocionante, meu objetivo era ver o Sol nascendo ali mesmo e vi, com os passarinhos voando logo ali, acordando, vendo toda natureza e o cenário mudar, renascer.
“Depois de termos conseguido subir a uma grande montanha, só descobrimos que existem ainda mais grandes montanhas para subir.”
NELSON MANDELA
O pessoal levantou pouco depois das quatro da manhã e partiu rumo ao cume do Pico Paraná, pois queriam ver o sol nascer lá do alto. Resolvi dormir mais meia hora e depois seguir sozinho, pois não teriam pessoas na trilha e isso evitaria filas em alguns pontos, e consequentemente a lentidão. E também estaria menos frio e mais claro, eu não precisaria utilizar lanterna na trilha e isso seria mais seguro. Eu já tinha visto o sol nascer uma vez no alto do Pico Paraná, então não fazia questão de ver novamente, podia fazer o ataque ao cume mais tarde. Dormi mais um pouco e quando acordei o dia estava começando a clarear. Me arrumei rapidamente e saí da barraca. Não fazia tanto frio igual na noite anterior. Vi que um companheiro também tinha ficado dormindo e fui chamá-lo para subir comigo. Ele disse que não dava, que sentia muita dor no joelho e se tentasse ir até o cume, talvez não tivesse condições físicas para fazer a trilha de volta mais tarde. Então subi sozinho!
No inicio senti fortes dores nas costas, culpa da noite dormida no chão duro. Mas felizmente, conforme o corpo foi esquentando, as dores sumiram. O que incomodava muito desde a metade do dia anterior, era meu joelho esquerdo, que carece de cirurgia há tempos. Evitei ao máximo forçar tal joelho. O caminho até o cume era basicamente de subida, e segui rápido, tendo encontrado apenas cinco pessoas pelo caminho. Acabei errando a trilha e fui parar num canto do paredão da montanha, um lugar com a vista muito bonita. Tirei algumas fotos no exato momento que o sol surgiu e retornei em busca da trilha correta. Passaram alguns minutos e pouco antes de chegar ao facãozinho, que é uma parte da trilha ao mesmo tempo bonita e perigosa por ser estreita, encontrei três membros do meu grupo. Eles tinham desistido de tentar o cume e estavam voltando ao acampamento. Tentei argumentar que estavam bem próximos, mas os três estavam decididos a desistir e achei melhor não insistir. Segui em frente e após quatorze minutos cheguei ao cume do Pico Paraná, pela segunda vez em minha vida. Encontrei o restante do meu grupo lá em cima, todos radiantes de alegria.
No cume ventava e fazia um pouco de frio, mas nada comparado ao frio que encontrei da outra vez que lá estivera, seis anos antes. Curti um pouco do visual em volta, tirei fotos sozinho e com o pessoal, e depois de quase uma hora começamos a descida. Vim no final do grupo, curtindo ainda a paisagem. Ao passar numa parte estreita da trilha, deixei minha mochila de hidratação cair debaixo de umas pedras. Fiquei na dúvida se seria possível resgatar a mochila. Acabei encontrando um caminho para descer, mas antes pedi para um cara do grupo de Florianópolis esperar eu voltar. Quando cheguei ao lugar onde a mochila estava, olhei em volta e no meio das pedras estava cheio de buracos. Fiquei com receio de que fossem tocas de cobra e dei um jeito de pegar a mochila e sair dali o mais rápido possível. A rapidez e medo foi tanta, que ao sair do buraco onde estava, bati forte com o joelho machucado numa pedra, e descolei uma unha da mão esquerda. Acho que esse foi o pior momento do final de semana, por culpa do medo e das dores que senti. E o jeito foi seguir em frente, morro abaixo. Trinta minutos depois estava de volta ao acampamento e comecei a desmontar a barraca.
Iniciamos a descida com sol a pino e bastante calor. Nem parecia que há poucas horas fazia um frio medonho. Na descida demoramos um pouco para passar pela carrasqueira, pois mesmo com sol, tinha muito barro nos degraus. A partir dali foi mais tranquilo e seguro a caminhada e logo entramos no primeiro trecho de mata. O calor fez todos consumirem muita água, e logo tivemos que racionar. Pouco antes de chegarmos ao acampamento A1, ouvimos o helicóptero dos bombeiros, que tinha vindo resgatar a garota de Florianópolis que se machucou no dia anterior. Por muito pouco não presenciamos o resgaste.
Após uma parada mais longa antes de entramos na parte mais extensa da mata, lanchamos e tiramos fotos do Pico Paraná ao longe. No dia anterior ele estava encoberto pelo nevoeiro quando passamos por esse local. De onde estávamos também era possível ver o mar, distante alguns quilômetros. Entramos na mata, e mais uma vez foi difícil vencer esse trecho cheio de galhos, troncos e barro. Meu joelho esquerdo doía muito, e tive que tomar cuidado em não forçar ele. Procurava sempre colocar a perna direita primeiro como apoio. Isso dificultou bastante a caminhada e também me cansou muito. Quase no final da mata paramos numa mina d´água e ali bebi quase dois litros de água. Seguimos em frente, saímos da mata e passamos pelo Morro do Getúlio. Depois a maior parte da trilha foi de descida. Mas o sol e o calor judiaram bastante, bem como a ansiedade de terminar logo a descida. A mochila nas costas parecia estar cada vez mais pesada.
No fim tudo deu certo e todos chegaram bem na Fazenda Pico Paraná. Depois foi hora de tomar banho, lanchar e arrumar as coisas para a longa viagem de volta para casa. Alguns diziam que nunca mais subiriam outra montanha, outros já queriam marcar uma data para subir nova montanha. No geral todos estavam cansados, um pouco doloridos, mas felizes pela aventura e conquista. Com certeza todos lembrarão por muitos anos desse final de semana, onde o grupo todo se uniu em torno de um objeto comum. E muitos membros do grupo tiveram que superar seus medos, limitações físicas e encontrar forças para seguir em frente… Valeu pessoal!
O sol nascendo.
Facãozinho.
Meditando no cume.
No cume do Pico Paraná. (03/11/2019)
Bando de loucos!
Lucas Spider-Man.
Contemplação…
Vander e Roberto.
Descendo a carrasqueira.
Pico Paraná e a direita o mar…
Com a Amanda, que foi guerreira…
Vander, Taise e Ronaldo, quase do fim da aventura.
Com 1.877 metros de altitude, o Pico Paraná é a montanha mais alta da Região Sul do Brasil. Está situado entre os municípios de Antonina e Campina Grande do Sul, no conjunto de serra chamado Ibitiraquire. Foi descoberto pelo pesquisador alemão Reinhard Maack que entre 1940 e 1941, efetuou diversas incursões à Serra do Ibitiraquire com o objetivo de obter medições e anotações sobre a fauna e a geomorfologia da região. Maack juntamente com os alpinistas Rudolf Stamm e Alfred Mysing e com auxílio de tropeiros da região, partiu em 28/06/1941 com o objetivo de conquistar o cume da montanha. Rudolf Stamm e Alfred Mysing conseguiram chegar ao cume da montanha no dia 13/07/1941.
Após pouco mais de seis anos, voltei ao Pico Paraná. Fomos num grupo de 12 pessoas, onde o único que já tinha subido uma montanha antes, era eu. Nosso grupo era composto por nove homens e três mulheres. Quarenta dias antes tínhamos iniciado o projeto de subir o Pico Paraná. Nesses 40 dias algumas pessoas entraram e outras saíram do grupo. O pessoal também aproveitou para treinar, pois desde o início deixei claro que a empreitada não era nem um pouco fácil. Também treinei bastante, e só não treinei ainda mais, por culpa de dores no meu joelho esquerdo bichado e da tendinite no pé direito, que trato há quase um ano e não quer sarar. Mesmo com as limitações causadas pelas dores físicas, cheguei bem fisicamente no dia de subir o Pico Paraná. E eu podia contar com algo que os demais não tinham, que era a experiência.
Após uma longa noite de viagem numa van não muito confortável, chegamos em Curitiba e já começou a chover. Felizmente a chuva durou pouco e quando chegamos na Fazenda Pico Paraná, o sol estava alto e quente no céu. Tivemos um pouco de dificuldade para encontrar a entrada da Fazenda, mas no fim deu tudo certo. Logo que desembarcamos, já começamos a nos preparar para subir o morro. Cerca de uma hora depois já nos encontrávamos em fila indiana subindo os primeiros metros da trilha. Nosso grupo era formado por: Vander, Krisley, Igor (irmão do Krisley), Marilda (tia do Krisley e do Igor), Roberto, Lucas, Wellison, André, Amanda, Sidinei, Ronaldo e Taise (noiva do Ronaldo). O grupo era bastante heterogêneo, com idades que iam dos 17 aos 49 anos. Mas mesmo com suas diferenças, desde o início nosso grupo foi bastante unido e aguerrido. O tempo todo um ajudava ao outro, e essa união fez nossa jornada ser muito mais fácil.
Sempre achei o início da caminhada a parte mais difícil, pois o corpo está frio, a mochila parece mais pesada do que realmente está, e o lado psicológico joga contra nós. Você se sente mal e extremamente cansado logo no início, então acaba achando que não vai conseguir caminhar por várias horas e quer desistir logo no início. Tivemos tal problema com um integrante de nosso grupo, mas com a união de todos e um pouco de conversa, o problema se resolveu e ninguém desistiu. Felizmente o sol deu uma trégua após meia hora de caminhada e isso facilitou as coisas. Pelo caminho encontramos um grupo de 17 pessoas, vindas de Florianópolis, e nas horas e no dia seguinte, tivemos contato mais próximo com muitas pessoas pertencentes a esse grupo de catarinenses. Após quase duas horas de caminhada chegamos ao Morro do Getúlio e ali fizemos uma longa parada para lanche. Depois seguimos em direção a mata fechada e boa parte da tarde ficamos subindo e descendo morro em meio a galhos, raízes de árvores, rochas, riachos e muita lama. Tinha chovido na mata e a trilha ficou lisa e perigosa. Quando saímos da mata, não era possível ver o Pico Paraná, pois ele estava encoberto por um denso nevoeiro.
Ainda no meio do nevoeiro, iniciamos a parte mais complicada e perigosa da subida, que é superar a carrasqueira, um longo paredão de rocha, com degraus e correntes que ajudam a subida. Como estava tudo molhado, os degraus ficavam com um pouco de barro que tinha soltado dos calçados do que passaram antes por ali, então isso aumentava o perigo. Qualquer descuido poderia causar algum acidente grave. No fim tudo correu bem, os que tiveram mais dificuldade em subir esse trecho, foram auxiliados pelos demais. A união do grupo fez uma enorme diferença nessa parte da subida. Depois tivemos mais um longo trecho de caminhada e finalmente chegamos ao A2, acampamento onde passaríamos a noite.
Tinham mais pessoas acampadas no A2, então o lugar onde montamos nossas barracas não era dos melhores. Alguns saíram buscar água numa mina próxima e a maioria preferiu descansar. Após tomar um banho de gato utilizando lenços umedecidos e colocar roupas limpas, aproveitei para dormir um pouco. Tinha dormido pouco na viagem e depois do esforço do dia ao percorrer quase nove quilômetros com mochila nas costas, eu estava exausto. No final da tarde vimos um helicóptero dos bombeiros passar pelo acampamento. Depois ficamos sabendo que ele tinha tentado resgatar uma moça do grupo de Florianópolis, que machucou o pé gravemente e estava esperando resgate no A1. Por culpa do mal tempo, não conseguiram realizar o resgaste, o que só foi feito no final da manhã do dia seguinte.
A noite chegou no acampamento e com ela o frio e muito nevoeiro. Aproveitei para “jantar” uma lata de salsichas e mais algumas guloseimas. Fui fazer xixi num matinho ao lado da barraca, e deu para ter noção do quanto tinha esfriado. O nevoeiro deixava o acampamento com um visual incrível, mas achei melhor voltar logo para a barraca e tentar me aquecer. Tinha gente no grupo passando frio, pois é natural que algumas pessoas sintam mais frio que outras. Como tenho boa resistência ao frio, talvez por já ter passado muito frio na vida e também por ter quase certeza de que fui um urso polar em outra encarnação (detesto calor e amo o frio!), emprestei minha blusa para a Amanda. Mesmo sentindo um pouco de frio, e com o desconforto da barraca, pois para eliminar peso optei por não levar saco de dormir e isolante térmico, consegui dormir muitas horas. O plano era levantar pouco antes do sol nascer e partir para o ataque ao cume do Pico Paraná.
Em pé: Wellison, Vander, Ronaldo, Taise, Marilda, Igor, Amanda e Roberto. Agachados: Krilsley, Lucas, Sidinei e André.
“Para mim chegar ao cume de uma montanha significa a coroação de um longo processo que um dia começou como um sonho, que logo se transformou em um objetivo concreto, o qual passou por uma fase importante de planejamento (de tempo, de dinheiro, etc.), seguida por um período de preparação e treinamentos, até culminar com a escalada e com a conquista propriamente dita. O cume “é a cereja do bolo”, como muitos montanhistas costumam dizer. Aliás, curiosamente essa expressão também é comumente utilizada para consolar montanhistas quando a conquista de um cume não é possível de ser atingida, como se “a cereja fosse somente um detalhe em relação ao resto do bolo”. Particularmente, apesar de respeitar todas as opiniões a respeito, penso que o bolo não está completo se não se pode comer a cereja também. Tenho a mais plena consciência de que muitas vezes não é possível continuar com uma ascensão, simplesmente porque a montanha não permite, independentemente se você é um montanhista principiante ou o Reinhold Messner. O montanhismo já cobrou muitas vidas de quem ousou pensar o contrário e é por isso que sempre peço a Deus que me ilumine e que me dê serenidade para que eu sempre possa tomar as decisões mais acertadas na montanha. Entretanto, pelo que me conheço, no dia em que isso acontecer comigo, certamente eu vou querer voltar para tentar de novo, ainda que seja na temporada seguinte. Faz parte da minha natureza não desistir tão fácil dos meus objetivos, apesar de saber que às vezes é necessário recuar um pouco para depois voltar a avançar”.
“Montanhas não são estádios onde eu satisfaço a minha ambição, são as catedrais onde eu pratico a minha religião… Eu vou a elas como os seres humanos vão aos templos. De seus altivos píncaros eu vejo o meu passado, sonho do futuro e, com uma acuidade incomum, eu vivo a experiência do presente momento… A minha visão clareia, minha força renova. Nas montanhas celebro a criação. Em cada viagem rejuvenesço.”
Anatoli Boukreev – montanhista russo
Vander, 20 graus negativos, 6088 metros de altitude. (Bolívia/2012)
Assisti uma palestra com o alpinista Waldemar Niclevicz. Ele foi o primeiro brasileiro a escalar o Everest (a maior montanha do mundo), o K2 (considerada a montanha mais difícil de todas) e os Sete Cumes (a maior montanha de cada um dos continentes). Também escalou 7 das 14 montanhas com mais de 8 mil metros, o Everest duas vezes, e mais de 100 das principais montanhas do mundo.
Já acompanhava sua carreira há muito tempo, inclusive lendo os livros que publicou contando suas aventuras no Everest e no K2. Mas a palestra não seria somente sobre suas escaladas, ela seria também motivacional, ensinando como superar obstáculos e desafios. Por essa razão fui assistir a palestra sem grandes expectativas, mas no final tais expectativas foram superadas. A palestra foi muito boa, durou duas horas e nesse tempo o Waldemar contou um pouco de sua vida, sua carreira, suas escaladas e ensinou como enfrentar desafios na vida, no dia a dia. Ele ensinou como chegar ao topo de montanhas, sejam elas reais ou imaginarias, grandes ou pequenas.
CONQUISTANDO O SEU EVEREST, lições da conquista brasileira do Everest para o sucesso profissional.
Palestra motivacional proferida por WALDEMAR NICLEVICZ, primeiro brasileiro a escalar o Everest (duas vezes), além do K2 e dos Sete Cumes do Mundo. Palestra séria, profissional e surpreendente, baseada em experiências verídicas. Niclevicz não inventa histórias, mas sim apresenta uma experiência com fatos reais, vividos por ele mesmo na conquista das maiores montanhas do mundo.
Superar desafios.
Vencer obstáculos e imprevistos.
Persistir na escalada. Ampliar horizontes.
Acreditar no sonho. Superar o medo.
Ter uma equipe vencedora e alcançar o topo.
Buscar o prazer de uma nova conquista.
Não, isso não faz parte apenas da vida dos alpinistas!
Quem não quer atingir o sucesso?
Todos nos deparamos com montanhas que parecem intransponíveis.
Com objetivos que parecem inatingíveis. Mas com um planejamento minucioso, muita força de vontade, iniciativa e criatividade, todas as barreiras podem ser rompidas.
É preciso despertar a motivação dormente, a vontade de vencer, e desenvolver a capacidade de alcançar objetivos, paras superar desafios cada vez maiores.
É exatamente este o enfoque que Waldemar Niclevicz faz em suas palestras, transmitindo aos presentes experiências cheias de emoção. Mostrando, com ênfase, a importância de um bom planejamento, da capacitação, da liderança, do espírito de equipe, da superação dos desafios, da avaliação correta dos riscos, de acreditar na realização de um sonho, relacionando a vida em si com as alegrias e os imprevistos encontrados em uma grande escalada.
Niclevicz passa ao público a certeza de que a determinação, o comprometimento, a disciplina, a paixão e o amor pelo o que se faz, conduzem o homem à experiências mais elevadas, resultando em gratificantes conquistas.
Temas naturalmente abordados nas apresentações:
Superação de desafios.
Planejamento estratégico.
Liderança.
Gerenciamento de riscos.
Trabalho em equipe.
Prevenção de acidentes, segurança.
Gestão de projetos.
Meio ambiente, saúde.
Dentro do contexto geral da palestra é possível desenvolver temas específicos a critério dos organizadores.
Para agendar uma palestra, assim como mais informações, entre em contato direto com o escritório do Waldemar em Curitiba: Telefone (41) 3225-4447.
Eu estava tão cansado, que dormi profundamente no desconforto da barraca. Acordei uma única vez durante a noite, olhei para o lado e vi o Rodrigo acordado. Virei de lado e voltei a dormir. Acordei novamente às 4h00min da manhã, que era o horário combinado para todos levantarem. O primeiro pensamento que tive foi o que estava fazendo ali, em pleno domingo acordando de madrugada, quando poderia estar muito bem em casa dormindo em minha confortável e espaçosa cama. Tal pensamento não durou mais de um minuto e finalmente acordei pra valer e fui arrumando minhas coisas para partir rumo o cume do Pico Paraná.
Após arrumar minhas coisas, saí da barraca para encontrar uma moita que servisse de banheiro. Ao redor todos estavam acordados se preparando para partir. Fui alguns metros trilha abaixo e após um xixi básico fui escovar os dentes. Estava meio sonolento e confundi o tubo branco e vermelho do creme dental, com o tubo branco e vermelho de uma pomada Hipoglós, que costumo usar para curar assaduras durante as caminhadas. Só percebi o engano após sentir um gosto estranho e gorduroso na boca. Soltei um palavrão e logo ri do engano, causado por culpa da sonolência em que me encontrava. Voltei para a barraca e já tinha gente tomando café. Peguei uma maçã para comer na trilha, uma garrafinha com água e estava pronto para partir.
Passava um pouco das 4h30min, quando partimos pela trilha que leva ao cume do PP. A Ana foi na frente, seguida pela Andy, pelo Eduardo e por mim. Logo atrás vinham a Maristela, o Jorge e o Rodrigo. No começo o grupo andou junto, mas logo se separou em dois, igual no dia anterior e segui no grupo da frente, que era mais rápido.
A noite estava bonita, com lua. A trilha seguia morro acima, com alguns trechos de mata fechada e outros com muitas pedras. Vez ou outra fazíamos uma rápida parada para descansar e beber água. Nessas paradas olhávamos para trás e era possível ver a luz de algumas lanternas, de pessoas que seguiam pela trilha atrás de nós. Fazia frio, mas nada muito intenso e ao caminhar, em alguns momentos cheguei a sentir calor.
Ainda estava escuro quando passamos pelo facãozinho, que é um trecho estreito da trilha, com precipício dos dois lados. Em razão do escuro não dava para ter noção do perigo, então passamos tranquilamente por esse trecho. Na última parte da trilha tivemos que subir muitos degraus fixados nas pedras, mas isso não foi nenhum problema. Chegamos ao cume do Pico Paraná quando passava um pouco das 5h30min. Ainda estava escuro e no horizonte era possível ver os primeiros raios solares surgindo atrás de um imenso mar de nuvens. Era uma visão muito bonita! Logo o restante do nosso grupo chegou, e todos se cumprimentaram e tiraram algumas fotos juntos. Estávamos a 1.877 metros de altitude, no ponto culminante da região Sul do Brasil.
Fui andar pelo cume e numa das extremidades alguns caras tinham acampado durante a noite. Há poucos dias tinha acontecido um incêndio na mata seca do cume e as marcas desse incêndio eram bastante visíveis. O que também era bem visível (infelizmente) era uma quantidade enorme de lixo deixada ali no alto.
Não demorou muito e o sol surgiu por trás das nuvens, num espetáculo muito bonito. Tirei muitas fotos e fiquei curtindo o momento, a sensação de conquistar mais um objetivo. Naquele momento eu e meus amigos de grupo, éramos as pessoas em terra que estavam em maior altitude em todo o Sul do Brasil.
Ventava bastante lá no cume e logo comecei a sentir frio. Tinha uma grande rocha numa das extremidades do cume e fiquei um tempo abrigado atrás dessa rocha, o que fazia a temperatura subir um pouco. Desse lado do cume a vista também era muito bonita, com muitas montanhas menores surgindo em meio ao mar de nuvens. Logo dois outros grupos chegaram ao cume. Fiquei mais um tempo abrigado atrás da rocha e logo voltei para próximo do pessoal do meu grupo. Então um dos caras que tinham chegado por último ao cume, veio me perguntar sobre a calça de ciclismo que eu usava, se ela era quente, confortável. Ele disse que tinha visto muitos caras usando calças de ciclismo na trilha e que estava querendo comprar uma para quando fosse subir outras montanhas. Eu que no dia anterior achei que seria um grande mico usar calça justa de ciclismo na montanha, agora estava dando dicas sobre tal calça.
Ficamos pouco mais de uma hora no cume e a Ana nos chamou para começar a descida. O dia seria longo, pois teríamos um longo trecho para percorrer até chegar à Fazenda Pico Paraná. Começamos a descer pela trilha e por muitos degraus cravados na rocha. Pudemos então ver melhor o caminho que tínhamos percorrido na subida, no escuro. A paisagem era muito bonita e eu não me cansava de olhar para os lados e sempre que possível tirava alguma foto. Ao passar pelo facãozinho foi possível ver o quanto a trilha naquele local é estreita e como o precipício de ambos os lados é profundo. Acho que ninguém do grupo sentiu medo ao passar por esse trecho e todos pareciam curtir a sensação de passar por um lugar perigoso e desafiador.
Mais alguns minutos de caminhada montanha abaixo e foi possível ver o acampamento (A2) onde tínhamos passado a noite. Caminhamos mais um pouco e chegamos ao acampamento. O Silvio já tinha desmontado as barracas e todos se colocaram a arrumar as mochilas para iniciar a descida final. Nesse meio tempo a Ana encontrou tempo para se maquiar e a Andy ficou em pé sobre uma pedra para conseguir sinal de internet e acessar o Facebook pelo celular. Mulheres!!!!
Começamos a descida e dei uma última olhada para o local onde tínhamos acampado, bem como para o cume do Pico Paraná. Algo me dizia que voltaria ali novamente! Após algum tempo de caminhada, chegamos a temida carrasqueira. Olhando de cima para baixo, ela parecia mais assustadora do que na subida. A Ana foi na frente e achou mais seguro descer as mochilas do pessoal do grupo por uma corda que existe ao lado da carrasqueira. Isso fez com que ocorresse um pequeno congestionamento na trilha. Eu que vinha no final do grupo, aproveitei o momento parado, para conversar e tirar fotos. Logo chegou a minha vez de descer e correu tudo bem. No fundo gosto da sensação de perigo ao passar por certos lugares. O risco de acidente é mínimo, pois nos trechos mais difíceis nossa atenção e reflexos parecem ficar mais aguçados.
Deixamos a carrasqueira para trás e começamos a percorrer o trecho de trilha de mata mais fechada e depois o trecho cheio de caratuvas. Ali tivemos a última visão completa do Pico Paraná e logo entramos num trecho de mata ainda mais fechada. Eu seguia no final do grupo, mas logo passei a caminhar mais a frente, próximo a Andy, o Eduardo e o Rodrigo, que dessa vez seguia a frente do grupo. A Ana resolveu ficar para trás e seguir junto com o pessoal mais lento.
Fizemos uma longa parada no A1 e ali alguns aproveitaram para fazer um lanchinho. O Silvio foi o último a chegar, pois a mochila dele era a mais pesada, sem contar os equipamentos que ele carregava espalhados pelo corpo. Tiramos uma foto com o Silvio e logo voltamos à trilha. Continuei andando junto com o Rodrigo, Andy e Eduardo. Andamos num ritmo bem forte e só paramos na bica, que era o local marcado para almoço. Me sentei em algumas pedras e comi algumas coisas que estavam no meu kit lanche. Depois me encostei em umas pedras e adormeci por alguns minutos. Levou pouco mais de uma hora para a Ana chegar, junto com o Silvio, Jorge e Maristela.
No local onde estávamos ficava a maior bica de toda a trilha e ela é cercada por pedras, formando uma pequena piscina. A água é muito gelada, sendo boa para beber, mas para se banhar nem tanto. E nessa fonte o Jorge, o pernambucano do grupo, resolveu cumprir algo que tinha prometido antes de partir, que era tomar um banho de bica. Ele colocou um calção e entrou na fonte, sentando na pequena piscina debaixo do cano por onde caí água. Senti frio só de olhar ele ali dentro!! O Jorge provou que é corajoso, um cabra muito macho!!!
A Ana liberou o meu grupo para seguir a frente e só esperar os demais na Fazenda Pico Paraná. Dessa forma eu, Rodrigo, Andy e Eduardo partimos e logo estávamos num ritmo muito forte e assim seguimos até o final da trilha. Chegando na sede da fazenda encontramos o Gustavo, o guia que tinha se machucado no dia anterior e que acampou no A1. O pé dele estava muito inchado e logo a Andy o levou de carro para o hospital.
Tirei minhas botas e fui comer um pastel de queijo e tomar uma Coca-Cola bem gelada. Depois fiquei deitado no gramado, descansando. O restante do grupo chegou cerca de uma hora e meia depois. Estavam todos cansados, mas muito felizes por terem conquistado o cume. Ficamos um tempo conversando e logo foi hora de embarcar na van e seguir rumo à Curitiba. Mal chegamos na BR e começou a chover. Parece que a Ana tem sociedade com São Pedro, pois a previsão para o final de semana era de chuva e só foi chover após termos partido para casa.
Sei que o final de semana foi maravilhoso, pois cumpri mais uma das metas que constam em minha lista de coisas a fazer e lugares a conhecer. E fiz novos e bons amigos! Pretendo voltar outra vez ao Pico Paraná, bem como fazer alguma outra expedição pela Ana Wanke Turismo e Aventura, pois a organização da Ana foi perfeita.
Era meia noite quando o suíço me chamou, estava na hora de partirmos para o ataque ao cume do Huayna Potosi. Fiquei um minuto criando coragem para levantar, para sair do saco de dormir quentinho e ir enfrentar a noite fria, caminhando na neve. Peguei minha mochila que estava pronta ao lado com algumas coisas que levaria no ataque ao cume. Antes de sair olhei do lado e vi que a Bruna dormia. Peguei meu saco de dormir, o abri igual um cobertor e a cobri. Como ela era friorenta uma coberta a mais lhe faria bem. Desci para a sala de refeições e comecei a colocar a roupa para andar na neve.
Levei meia hora para colocar as roupas e equipamentos de segurança. O que deu mais trabalho foi colocar as botas. Minha maior preocupação era com meus pés, pois não queria ter bolhas e também não queria sentir frio neles. Quando meus pés ficam gelados costumo sentir muito frio, então coloquei três meias. Primeiro uma meia de algodão, especial para caminhadas e depois uma de lã, que comprei em Laz Paz. Por último outra meia de caminhada, igual à primeira. E coloquei no nariz um dilatador nasal, que é um adesivo que ajuda a respirar melhor. Foi servido o café, mas não comi nada, preferi tomar somente um chá de coca bem quente. Foi feita mais uma reunião, onde nosso guia Cecilio explicou como seria o ataque ao cume. Tinha chegado outro guia no meio da tarde e ele seguiria junto comigo. O Cecilio seguiria com o casal de suíços e o guia da Bruna ficaria dormindo, já que ela não faria o ataque ao cume.
Era uma hora em ponto quando saímos do refúgio. No momento em que pisei do lado de fora tive duas surpresas. A primeira foi o frio e o vento que eram intensos. Já a segunda supresa foi agradável, era a lua cheia que estava bem alta no céu e clareava a noite. A luz da lua era refletida na neve e deixava tudo muito claro. Nunca tinha visto uma noite igual aquela, estava muito linda. Caminhamos cerca de cem metros até chegar num local onde começava a neve mais alta. Ali colocamos os grampões nas botas e o guia deu os últimos avisos. Jhony, o meu guia seguiu na frente e eu alguns metros atrás atado a ele por uma corda amarrada em um equipamento preso em minha cintura, parecido com um cinto. O Cecilio vinha logo atrás, seguindo a frente do casal de suíços e também atado a eles por uma corda. Nos primeiros metros eu e meu guia caminhamos com nossas lanternas de cabeça ligadas, mas logo percebemos que não era necessário gastar pilhas, pois a noite estava tão clara que não precisava de lanterna. Caminhar na neve sendo iluminados pela lua cheia foi uma experiência inédita e inesquecível para mim. Era possível ver dezenas de metros para os lados, e para cima era possível enxergar o perfil da montanha. Teve um trecho de subida onde dava para ver alguns metros abaixo nossas sombras, seguindo em linha indiana. Aquela imagem parecia coisa de filme e só não parei para fotografar ou gravar, por que eu usava duas luvas, sendo que uma delas era muito grossa e seria impossível manusear a câmera utilizando tal luva. E tirá-la e recolocá-la nas mãos era muito trabalhoso.
O primeiro quilômetro de caminhada foi tranquilo, pois a subida não era tão ingrime. Seguimos por uma trilha na neve, que atravessava um vale. O frio era abaixo de zero e o vento era cortante. Antes de sair o Cecilio nos deu bataclavas, que é um tipo de capuz onde só os olhos ficam de fora. Meu guia seguiu num passo rápido e eu conseguia acompanhá-lo numa boa, sinal de que estava em boa forma e também aclimatado a altitude. Após meia hora de caminhada fizemos a primeira parada para descanso. O casal de suíços logo parou ao nosso lado. A guria estava mal do estômago desde o início do dia e estava tendo dificuldades para caminhar. Ali vi que eles dificilmente chegariam até o cume e entendi por que o Cecilio tinha ficado com eles, mesmo após ter me dito no meio da tarde que subiria junto comigo. Ele sendo o guia principal podia escolher quem acompanhar e sendo experiente na profissão ele tinha notado que a suíça não ia aguentar subir, que não ia demorar em desistir. Então acompanhando o casal de suíços ele tinha boas chances de logo poder voltar para a cama. Para os guias tanto faz levar o pessoal até o cume ou não, pois eles recebem a mesma coisa. E sempre é mais confortável ficar dormindo no refúgio do que passar a noite caminhando na montanha. E no caso de Cecilio, que trabalha há doze anos como guia, chegar uma vez mais ao cume do Huyama Potosi, não faria diferença alguma.
Eu estava suportando bem a caminhada, onde a cada metro percorrido aumentava a altitude e diminuía a quantidade de oxigênio para respirar. A segunda parada foi quando completamos uma hora de caminhada. Nessa parada já não vimos mais o casal de suíços ou o Cecilio. Ou eles estavam caminhando muito lentamente e tinham ficado bem para trás, ou tinham desistido e retornado ao refúgio. Já fazia alguns minutos que estávamos vendo cinco pessoas caminhando próximo a nós, vindo por uma trilha que levava a outro refúgio, pouco acima do nosso. Nessa segunda parada eles nos alcançaram, eram três alemães e dois guias bolivianos. Voltamos a caminhar e seguimos atrás do grupo de alemães no mesmo ritmo que eles. A trilha passou a ficar mais difícil e tivemos que passar por alguns trechos ingrimes, onde a subida exigia bastante esforço. Mesmo assim eu estava curtindo o “passeio” e olhando o céu estrelado, a lua, a montanha branca iluminada pela lua.
A terceira parada foi após uma hora e meia de caminhada e foi um pouco mais longa que as paradas anteriores. Se o guia não tivesse parado, acho que eu teria pedido para ele parar, pois estava começando a me cansar. Sentei-me na neve ao lado dos guias e procurei respirar profundamente, pois estava sentindo falta de ar. Ajeitei a bataclava de uma forma que meu nariz e boca ficassem livres, pois não estava conseguindo respirar direito com a boca tapada. Após o descanso voltamos a caminhar e de cara enfrentamos uma subida bastante ingrime e que exigiu muito esforço nosso. Quando chegamos ao alto dessa subida eu estava exausto e comecei a pensar que não conseguiria chegar até o cume. Mais um trecho plano e nova subida, onde gastei o restante do meu preparo físico. No Exército aprendi que quando nosso preparo físico chega ao fim, ainda temos cinquenta por cento de forças para utilizar. Éssa força extra é a famosa força de vontade. Em minha vida muitas vezes utilizei esses cinquenta por cento de força extra, geralmente quando minhas pernas não tinham mais forças. E para a força de vontade funcionar, você precisa ficar falando para você mesmo que vai conseguir, que vai chegar onde quer, que vai ser fácil. E foi o que fiz, fiquei o tempo todo tentando me convencer de que eu conseguiria, de que eu tinha forças para chegar ao cume. Minha preocupação principal passou a ser conseguir seguir em frente, dar o próximo passo, então parei de olhar a paisagem, a lua e as estrelas. Eu precisava me concentrar e arrumar forças para o passo seguinte e foi o que fiz.
Eu segurava o piolet com a mão esquerda, pois até ali as únicas vezes que precisei usá-lo, foi com a mão esquerda. O guia avisava quando chegavámos num trecho perigoso e que era preciso utilizar o piolet como apoio, qual era a mão para usá-lo de uma forma que fosse mais seguro. E de tanto ficar com o piolet que era de ferro, numa mesma mão, meus dedos começaram a congelar mesmo utilizando duas luvas grossas. Na parada que fizemos às 3h00min, eu sentia muita dor na mão esquerda, principalmente nos dedos. Isso era sinal de que estavam ficando congelados. Durante a parada para descanso, eu me sentei e coloquei a mão semi congelada no meio de minhas coxas e fiquei apertando-as contra a mão. Após dez minutos as dores cessaram e consegui mover a mão normalmente. Eu trazia água, biscoitos e chocolates na mochila, mas em nenhuma das paradas senti vontade de beber água ou de comer algo.
Voltamos a caminhar e dessa vez a trilha era mais estreita e passámos por algumas subidas. Eu já estava quase esgotado e vi que o guia começou a apertar o passo, inclusive ultrapassámos o grupo de alemães. Eu já não estava aguentando mais e cheguei a pensar em desistir. Daí entendi qual era a do guia, que de bobo não tinha nada. Ele viu que eu estava cansado e resolveu apertar o passo para me fazer cansar de vez e desistir, pois dessa forma voltaríamos ao refúgio mais cedo. Não caí na dele e comecei a parar toda vez que me sentia muito cansado. Quando eu via que não aguentava mais, eu dizia a ele que precisava parar e sentava no chão. Ele não estava gostando muito disso, mas não pôde fazer nada quanto a isso. E se bem lembrava (e creio que ele também) era eu que estava pagando, era eu o cliente, então acho que tinha o direito de parar quando achasse melhor. Teve um momento em que eu parei e ele puxou a corda, quase me arrastando. Falei para ele ir com calma, que não precisava fazer aquilo. Depois disso ele ficou calminho e toda vez que eu parava ele parava junto e não falava nada. E assim segui caminhando um pouquinho, descansando um pouquinho. E sou guerreiro, não me entrego facilmente, principalmente depois de todos os problemas que tive em 2010 e 2011. Acabei me tornando mais forte em todos os sentidos e é difícil eu me entregar ou desistir do que eu quero. Continuei arrumando forças não sei onde para seguir em frente. Teve um momento em que até olhei para o céu e falei – “Deus, dá uma ajudinha aí! Estou tão perto!” -. O mais difícil foi ter chegado até ali, a centenas de quilômetros de casa, tinha gastado muita grana, tinha treinado e me preparado muito para estar ali. Então não desistiria tão próximo de alcançar meu objetivo.
O que atrapalhou bastante meu preparo físico foi que essa viagem era para ter acontecido 15 dias antes do que aconteceu. Tive que cancelar a passagem e mudar a data de embarque em razão de ter machucado minha coluna durante os treinamentos que estava fazendo para subir Huayna Potosi. Eu treinava pesado durante duas, três horas por noite e acabei me machucando. Com isso perdi boa parte do condicionamento adquirido, após ter ficado 12 dias em repouso total, tomando remédios para me curar do problema na coluna. Ali naquele trecho da montanha esse condicionamento fisíco que perdi acabou fazendo falta.
Eu estava decidido a não desistir, ia tentar chegar até o cume. Mas não faria igual fiz com relação a algumas coisas meses antes, quando eu seguia na base do “consigo o que quero ou morro tentando”. Já tinha passado dessa fase de fazer loucuras e desafiar a morte de forma idiota. Dessa vez, em Huayana Potossi eu não ia morrer tentando, eu queria era viver tentando e principalmente conseguir o que queria. Minha maior preocupação era ficar esgotado em razão do pouco ar, pois fazer atividade física em alta montanha é muito desgastante. Se eu passasse a sentir tontura ou muita dor de cabeça, aí sim eu teria que analisar minhas condições e decidir se desistia ou não. Mas em nenhum momento tive dor de cabeça ou tontura. O que faltava era um pouco de perna por culpa de meu preparo físico estar se deteriorando.
Chegamos num trecho onde a trilha seguia pela lateral da montanha, numa parte com aclive e com a neve muita fofa. Algumas vezes eu pisava e minha perna afundava na neve até quase o joelho. Esse trecho de neve fofa tinha uns 500 metros de extensão. Foi terrível passar por esse trecho e quando chegamos ao final dele e fizemos uma parada para descansar, pensei em desistir. Perguntei ao guia quanto tempo faltava e ele disse que mais duas horas de caminhada. Aquilo me desanimou e vi que não aguentaria caminhar mais duas horas. Comecei a sentir cada vez mais frio, em parte porque estava ficando mais frio. E também por que o vento em alguns trechos em que ficavámos afastados da montanha era muito forte. Sentado na neve fiquei pensando no que fazer, se seguia em frente até cair ou se voltava dali. Então me lembrei de algo que o Rodrigo Raniere, que é alpinista e que já chegou ao cume do Everest (montanha com 8.848 metros, que é o ponto culminante do planeta terra) disse. Segundo o Rodrigo chegar ao cume de uma montanha é somente a metade do caminho. E ele tem toda razão, pois você após chegar ao cume de uma montanha, precisa descer e para isso tem que percorrer todo o caminho de volta. Em altas montanhas, e principalmente no Everest, a maioria das mortes que ocorrem são justamente na descida. O cara gasta toda sua energia para subir e depois não tem forças para descer e acaba morrendo, pois com o cansaço e o desgaste, o raciocínio fica lento e o cara fica mais sujeito a sofrer acidentes.
O guia puxou a corda e eu me desliguei de meus pensamentos. Nos minutos em que fiquei pensando tinha decidido apenas que seguiria em frente até onde aguentasse, ou então que sentisse que estava tão desgastado que ficaria perigoso seguir em frente. Eu já nem sabia mais que horas eram e olhar o relógio dava muito trabalho, pois estava cheio de casacos e luvas que cobriam o relógio. O passo seguinte era passar ao lado de uma enorme rocha e em seguida subir por um caminho estreito e com neve fofa. Quando cheguei ao início desse caminho estreito, vi que dos dois lados existiam um precípicio enorme, que em razão da escuridão (mesmo tendo a luz da lua) eu não conseguia enxergar direito. Eu estava tão cansado que achei melhor não me preocupar com isso e principalmente não olhar para os lados. Segui com todo o cuidado olhando no máximo um metro à frente e para o chão. Após atravessar o trecho estreito, subi alguns metros e encontrei os alemães parados e se cumprimentando uns aos outros. Antes que eu entendesse o que estava acontecendo o guia falou CHEGAMOS! Foi então que me dei conta de que tínhamos chegado ao cume do Huyana Potosi e que o guia tinha sido sacana quando um pouco antes me disse que ainda faltavam duas horas para chegar ao cume. E eu quase que desisto de chegar ao cume justamente quando estava muito próximo dele.
O cansaço era tanto que me sentei na neve e fiquei olhando em volta. De um lado dava para ver as luzes de La Paz e do outro lado o sol nascendo. Olhei no relógio e eram 05h32min. Olhei no meu termômetro que estava no fundo da mochila e a temperatura era de exatos 15 graus negativos. E com o vento que soprava lá em cima, a sensação térmica devia ser de uns 20 graus negativos ou mais (ou seria menos?). O sol foi surgindo, tudo foi clareando e a vista lá do alto foi ficando cada vez mais bonita. Comecei a sentir muito frio e estava tão cansado que nem cheguei a sentir algum tipo de emoção diferente. Pôxa! Eu estava realizando um antigo sonho, que era subir uma montanha nevada. Desde muito jovem que eu leio e coleciono livros sobre narrativas de viagens e escaladas. Li muitos livros que falavam sobre as dificuldades de subir montanhas nevadas e essas leituras fizeram nascer em mim à vontade de um dia chegar ao cume de uma alta montanha. E quem sonhou com o Everest, chegou ao Huayana Potosi! E chegar ao Huyana Potosi com seus 6.088 metros era bem mais do que eu tinha imaginado. Uma coisa é sonhar, pois muitas vezes sonhamos coisas impossíveis. E outra coisa é realizar tais sonhos. E como sempre digo: SONHOS NÃO TEM PREÇO!
Fiquei alguns minutos sentado olhando a paisagem em volta da montanha. Eu estava à 6.088 metros e tinha quebrado mais uma vez o meu recorde de altitude. Agora quebrar esse novo recorde será muito difícil. Quando comecei a tremer de frio, resolvi me levantar e movimentar um pouco os braços e pernas. Foi então que o meu guia veio me dar parabéns e tirámos uma foto juntos. Eu tinha levado uma garrafa de Coca-Cola para tomar no topo da montanha, mas de tão cansado que estava nem me lembrei da tal Coca. Tirei algumas fotos, curti um pouco a vista e o guia falou para pegar minhas coisas, pois tinhámos que descer a montanha o quanto antes. Com o sol a neve fica mole, o que dificulta caminhar sobre ela. E outro problema são os buracos e gretas (fissuras) que ficam sob a neve. No frio a neve fica compacta e tais buracos e gretas não são muito perigosos. Já com o sol alto, a neve amolece e o risco de você cair num desses buracos é bem maior. Então o plano era descer a montanha o mais rápido possível.
Me aprontei e o guia falou que para descer era diferente, que eu seguiria na frente e ele atrás segurando a corda. Desde o início da subida eu tinha dúvidas sobre o guia conseguir fazer a ancoragem com a corda no caso de eu cair em um precípicio. Ele era menor que eu, então achei que em caso de eu cair, das duas uma, ou ele caía junto ou soltava a corda e me deixava cair sozinho. Alteramos a posição da corda e ele disse para eu seguir em frente. Os Alemães ainda estavam tirando fotos no cume e iam demorar um pouco para descer. Comecei a caminhar e quando cheguei ao trecho estreito de neve, levei um susto e parei. Na ida ao passar por ali no escuro e sem ver direito onde estava passando, achei aquele trecho perigoso e agora ver o mesmo trecho com dia claro me causou pânico. Não sou medroso, mas quando vi por onde teria que passar eu senti muito medo e falei para mim mesmo que por ali não passaria. Fiquei parado olhando para a trilha e o guia disse para eu não ter medo, que não tinha perigo. Pedi para ele esperar um pouco e então vi que eu teria que passar por ali de qualquer jeito, pois não existia outra opção. Ou passava por aquele trecho estreito, ou ficava no cume congelando. Na hora lembrei que tinha visto na internet algumas fotos daquele trecho e que nas fotos ele não era tão estreito. Daí me ocorreu que as fotos podiam ser da época de nevascas, onde aquele trecho em razão de cair mais neve ficava mais largo. Meus pensamentos foram interrompidos pelo guia, mais uma vez dizendo para eu não ter medo e seguir em frente. Respirei fundo e dei o primeiro passo. Achei que a trilha estava mais estreita do que na ida e foi então que me dei conta de que na ida, no escuro, eu tinha caminhado por cima de uma espécie de mureta na neve, com uns 40 centímetros de altura. E que essa espécie de mureta ficava justamente na borda da montanha. Ao lado dela era um precípicio que descia pela montanha e parecia um tobogã de neve, o qual não conseguia enxergar o fim. Fiquei me perguntando se no escuro da subida somente eu tinha passado por aquela parte mais perigosa, ou todos passaram por ali? Com dia claro era impossível passar por essa espécie de mureta. Seu eu passase ali com certeza minha labirintite ficaria atacada, eu teria tontura, as pernas tremeriam e eu correria o risco de cair no abismo. O jeito foi seguir caminhando pela faixa estreita de neve ao lado da tal mureta de neve, dando um passo por vez e colocando um pé na frente do outro. E a todo custo evitei olhar para os lados, me concentrava no próximo passo e nada mais. Dei uma rápida olhada para o lado direito e vi que ali o precípicio era menor do que do outro lado. Mas cair ali também significaria morrer. E ali eu tinha certeza que em caso de queda o guia não conseguiria fazer a ancoragem, que ele soltaria a corda e me deixaria cair montanha abaixo. Atravessar a trilha estreita durou poucos minutos, mas para mim pareceu que demorou bem mais. Quando cheguei ao final da trilha, desci até uma rocha que ficava um pouco abaixo e que foi ao lado dela onde fizemos a última parada para descanso durante a subida. Comecei a sentir o suor escorrer pelas axilas e costas. Num frio de muitos graus negativos eu estava sentindo calor.
Fizemos uma curta parada para descansar e começamos a descer a montanha. Atravessámos a parte inclinada ao lado da montanha e que tinha neve fofa. Sofri para atravessar esse trecho e afundei na neve mais vezes do que tinha afundando na subida. E passamos ao lado de alguns buracos enormes que eu não tinha visto durante a subida. Após atravessar esse trecho de neve fofa, fizemos nova parada para descanso. Ali tirei o casaco grosso que usava por cima e coloquei óculos de sol, pois o reflexo do sol na neve estava me incomodando. Tenho problema com claridade em excesso e quando era criança usei durante dois anos óculos com lentes escuras, por culpa de uma insolação que peguei na praia. Estava com sede e ao pegar minha garrafa de água na mochila, descobri que ela estava congelada. Minha água tinha virado um cubo de gelo. Lembrei-me da garrafa de Coca-Cola e ao pegá-la vi que também estava congelada. A água do guia também tinha congelado, então o jeito foi ficar com sede.
Descer a montanha era bem mais fácil do que subir, mas era bastante cansativo também, principalmente em razão do desgaste que foi subir. Dei algumas olhadas para os lados e vi que a paisagem era muito bonita, mas não deu para curtir muito. Eu me concentrava em olhar para frente e buscar forças não sei onde. Comecei a ficar cada vez mais com sede, a boca ficou seca e senti meus lábios e bochechas ardendo. Foi aí que descobri que eles estavam queimados pelo frio. Como não conseguia respirar direito durante a subida, eu afastei a bataclava do rosto e nariz e o vento gelado causou algumas queimaduras leves. Não me importei muito com isso naquele momento, pois tinha problemas maiores para me preocupar e o maior deles no momento era a forte dor que eu sentia na parte da frente dos meus dedos dos pés. Por estar descendo os dedos eram forçados contra a parte interna do bico das botas e isso estava me causando muita dor.
Descemos numa boa velocidade, mas logo fui perdendo forças e comecei a caminhar mais devagar. O guia ficava o tempo todo me mandando ir mais rápido, até que chegou um momento em que me estressei e respondi que não dava para ir mais rápido que aquilo. E depois disso passei a fazer muitas paradas, onde eu me sentava ou deitava na neve e tentava respirar. O guia não gostou muito disso, mas não falou nada. Numa dessas paradas, no meio de uma vale, vi que por todo o vale próximo a nós existiam dezenas de pedras de gelo espalhadas. Algumas pedras eram pequenas, outras tinham o tamanho de uma moto. Perguntei ao guia de onde vinham aquelas pedras e ele me mostrou numa parte da montanha atrás de nós uma pequena geleira. Segundo ele quando esquentava, algumas pedras se soltavam e desciam pelo vale numa espécie de avalanche. Na mesma hora levantei e disse a ele para seguirmos em frente, pois aquele local não era bom para descanso. Depois de todo o esforço para subir a motanha, o que menos queria era ser atropelado por um cubo de gelo gigante.
A sede foi apertando, comecei a ficar tonto e as pernas não obedeciam direito. Vi que estava ficando desidratado e minha água continuava congelada. Passamos a descer por uma trilha estreita e eu tropecei com a ponta do pé direito no calcanhar do pé esquerdo, caindo literalmente de boca na neve. O guia fez rapidamente a ancoragem esticando a corda e não deixando que eu saísse rolando trilha abaixo. Ali o guia conseguiu fazer a ancoragem, mas continuei achando que se fosse num local mais inclinado e perigoso, ele não conseguiria. Seguimos montanha abaixo, fazendo algumas poucas paradas para descanso e para tirar fotos. Eu que sou de bater muitas fotos, nesse dia não estava com ânimo para ficar a todo instante tirando as luvas e batendo fotos. Os lugares pelos quais estávamos passando dariam boas fotos, mas preferi guardar tais imagens na memória, pois isso dava menos trabalho.
Os alemães passaram por nós e desceram rapidamente pela montanha. Depois pegaram uma trilha a direita e sumiram de vista atrás de umas pedras. Mais abaixo já era possível ver o nosso refúgio que parecia estar perto, mas que levou meia hora para chegarmos até ele. Essa meia hora foi uma das mais longas de minha vida, pois eu não me aguentava mais e meus dedos dos pés estavam cada vez mais doloridos. Ao todo levamos quase três horas de descida até chegarmos ao refúgio. Paramos tirar os grampões e para isso sentamos numa pedra. Eu não estava conseguindo tirar os meus e o guia veio me ajudar. Em seguida atravessamos os poucos metros até a entrada do refúgio, onde encontrei o Cecilio, o guia da Bruna e o casal de suíços, todos sentados tomando sol. Perguntaram se eu tinha chegado ao cume e diante de minha resposta vieram me cumprimentar. Os suíços contaram que desistiram da subida após a primeira hora, e colocaram a culpa no problema de estômago da guria. Eu mal conseguia estender a mão para eles e só agradeci rapidamente e entrei no refúgio em busca de água. Depois de beber um litro de água, sentei-me e tirei as roupas para neve e as botas que estavam esmagando meus dedos. Então encontrei a Bruna, que me deu parabéns por ter chegado ao cume.
Subi até o dormitório e entrei no saco de dormir, pois estava começando a sentir muito frio. O Cecilio subiu para falar comigo e disse que era para arrumar minhas coisas, pois precisávamos descer até o primeiro refúgio aonde o taxi iria nos buscar. Pedi a ele que me desse meia hora para descansar, pois eu estava exausto e desidratado. A Bruna subiu e se sentou no colchão ao lado do meu. Ficamos conversando, eu contando um pouco de como tinha sido a subida. Logo o guia dela veio chamá-la, pois eles iam embora primeiro. Eu e Bruna nos despedimos e voltei a deitar. Após 15 minutos o guia veio me chamar e não sei onde encontrei forças para levantar e arrumar minhas coisas. Coloquei minhas botas de caminhada e elas que sempre achei serem pesadas agora pareciam leves. A sensação era de estar com um chinelo nos pés. Após tantas horas com as pesadas botas para gelo nos pés, minhas botas de caminhada pareciam plumas.
Com dificuldade comecei a descida por entre o gelo e as pedras na trilha abaixo do refúgio. O Cecilio pegou minha mochila menor e colocou nas costas, o que foi uma grande ajuda. Os dois guias e o casal suíço desceram na frente, caminhando num bom ritmo. Eu fui atrás, me arrastando. Fiz algumas paradas para descansar e ao longe vi que os guias paravam de vez em quando e ficavam me olhando. Eles tentavam nunca me perder de vista. Quase no final do trecho cheio de pedras, escorreguei e caí de bunda no chão. Por sorte caí num trecho onde não tinha pedras na trilha, então somente o orgulho ficou machucado. Felizmente ninguém me viu caindo.
Antes de chegar ao segundo trecho da trilha, encontrei os dois guias sentados, me esperando. Sentei ao lado deles e ficamos conversando por alguns minutos. Depois voltamos a caminhar, eles na frente e eu cada vez mais atrás. Segui me arrastando e torcendo para chegar logo o final da trilha, pois não tinha mais forças. E numa curva da trilha dei de cara com a Bruna, sentada em uma pedra. Foi bom encontrá-la ali, principalmente por que imaginava que não fosse revê-la tão cedo. Mesmo saindo na frente, ela seguia devagar e fazia paradas para descansar, então acabei a alcançando. Passámos a caminhar juntos e foi à vez dela retribuir o favor do dia anterior e me dar apoio moral para eu seguir em frente. Encontramos os três guias parados num canto da trilha e quando viram que estávamos caminhando juntos, os três se mandaram na frente e só fomos encontrá-los novamente quando chegamos ao refúgio.
Nosso taxi, o mesmo da ida, já estava lá nos esperando. Arrumei minhas coisas e guardei tudo no taxi. Me despedi novamente da Bruna, que seguiria com o seu guia em outro carro. Também me despedi do pessoal do refúgio e do Jhony, o guia que subiu junto comigo. Ele disse que eu era forte. Agradeci a ele pela ajuda e entrei no taxi, no banco de trás junto com os suíços. Eu estava muito cansado e só pensava em chegar ao hostal e dormir. Tentei dormir no carro, mas era apertado, desconfortável e na estrada esburacada chacoalhava muito. Ao passarmos em frente ao velho cemitério que fica ao lado da estrada, me virei para trás e dei uma última olhada na montanha de Huayna Potosi. Ela aparecia majestosa iluminada pelo sol, com o céu azul por trás e com seu manto branco de neve. Olhando para a montanha eu não acreditei que tinha chegado até seu cume. A ficha ainda não tinha caído! E jurei que nunca mais subiria uma montanha nevada novamente.
Foi torturante a quase uma hora que levamos para chegar até a casa do Cecilio. Como era descida o taxista parou em frente a casa, na beirada do abismo. O Cecilio descarregou suas coisas, despediu-se de todos e embarcamos no taxi. Dessa vez me sentei no banco do carona e quando olhei para frente e vi o tão próximo que estávamos da beira do abismo, achei melhor não colocar o cinto de segurança e fiquei segurando na fechadura da porta. Vai que o motorista erra a ré, ou acontece algum outro problema? Achei melhor me garantir e ter uma chance de me atirar para fora do carro caso fosse necessário. Felizmente nada de ruim aconteceu e após mais uma hora andando por ruas sem asfaltdo e parte do centro de La Paz, finalmente chegámos ao Hostal.
La Paz
Fui até a recepção do Hostal El Solário e pedi um quarto e também minha mochila grande que tinha ficado guardada no depósito. Dessa vez me deram um quarto próximo a recepção e com um banheiro ao lado da porta. Fui primeiro ao banheiro e na hora de sair bati a porta com força e escutei um click. Só então li um aviso pregado na porta, escrito em espanhol e inglês e que dizia para não trancar a porta, pois tinham perdido a chave. Olhei para os lados e não vi ninguém que testemunhasse a cagada (não literal) que eu tinha acabado de fazer. Entrei no meu quarto, dei uma olhada rápida nele e vi que era melhor do que o quarto onde tinha ficado anteriormente. Tirei minhas botas, sentei na cama e a testei para ver se era confortável e vi que a exemplo do quarto, a cama era bem melhor do que a anterior. Depois disso não me lembro de mais anda, pois dormi.
Acordei às 15h30min com barulho de vozes no corredor ao lado. Olhei para os lados e demorei um pouco para entender o que estava acontecendo e onde eu estava. Foi aí que me lembrei de que eu estava sujo, sem comer nada a umas 15 horas e que tinha chegado ao cume do Hyaina Potosi, realizando o antigo sonho de escalar uma montanha nevada. Finalmente a ficha caiu e senti aquela sensação gostosa de missão cumprida. Sei que parece insano você se arriscar, sofrer e levar horas para chegar ao alto de uma montanha, onde fica poucos minutos e depois desce. Mas isso não é insano, isso para quem gosta não tem preço e para saber como é tal sensação o único jeito é você fazer algo igual. Não é possível explicar como é tal sensação, só é possível sentir e sentimentos não são explicavéis, eles são sentidos, são vividos, são exercitados…
Fui tomar banho e fiquei longos minutos debaixo do chuveiro, com a água quente caindo sobre meu corpo. Após ter enfrentado as menores temperaturas de minha vida, um banho quente era uma espécie de prêmio que eu dava a mim mesmo. Fui para o quarto e tirei minhas coisas das mochilas, separei o que era sujo do que era limpo, dei uma organizada em tudo e senti o estômago roncando. Saí a rua e mais uma vez ao passar pelos muitos salões que existem na vizinhança o pessoal ficou me chamando para entrar e fazer a barba. Eu já estava cansado disso, que acontecia toda vez que saía do hostal e passei a fazer de conta que não os ouvia. Deixei de ser educado e responder a todos dizendo não e passei a olhar para frente e não dar bola para ninguém. Fui ao restaurante da esquina de baixo, onde já tinha comido algumas vezes. Pedi o maior prato de arroz, frango frito e batata fritas que eles tinham e uma Coca-Cola gelada. Almocei lentamente e ao sair do restaurante parei na vendedora de abacaxis que ficava na rua em frente e comi duas enormes fatias de abacaxi. Depois fui caminhar e desci por uma longa avenida que passava ao lado e que atravessava o centro da cidade. Estava com dor nas pernas, mas continuei caminhando lentamente. Minha calça jeans (a única que levei na viagem) ficava caindo, sinal de que eu tinha perdido ainda mais peso do que já tinha perdido desde que saí do Brasil.
Fiquei duas horas andando pelas ruas, olhando vitrines, construções e pessoas. Parei tomar um delicioso sorvete de pêssego, com muitos pedaços de pêssego. Antes de voltar ao hostal entrei em uma lan house, onde telefonei para casa e depois fiquei usando a internet. Quando anoiteceu fui para o hostal e descansei um pouco. Mais tarde saí e fui jantar em outro restaurante cujo prato principal também era arroz, frango frito e batata frita. Fiquei olhando o cardápio e para comemorar minha recente façanha pedi o prato mais caro, que era frango parmegiana. O prato mais caro custava $ 26,00 bolivianos (R$ 8,20). O frango parmegiana deles é diferente do frango parmegiana brasileiro. Não tinnha molho de tomate e nem queijo por cima. Na verdade era uma mistura de frango, massa de trigo e ovo, tudo misturado, prensado e assado na chapa. Mas o que me surpreendeu foi o tamanho, era enorme e achei que não conseguiria comer tudo. Mas comi, pois precisava recuperar minhas forças que tinham sido perdidas em Huayna Potosi. Voltei para o hostal de pança cheia e caí na cama pensando qual seria a próxima montanha nevada que eu subiria. A promessa de nunca mais subir novamente uma montanha nevada não tinha durado muitas horas. Apesar do sacríficio tinha gostado da experiência e queria repeti-la um dia. Logo dormi curtindo a cama confortável e quente.
Pronto para o ataque ao cume do Huayna Potosi.
Momento de descanso.
Cume (la cumbre) do Huayna Potosi.
Descansando numa temperatura de -15 graus.
O sol nascendo.
Com Jhony, o meu guia na montanha.
Descendo Huayna Potosi após chegar ao seu cume.
Trecho de neve fofa.
Descendo o Huayna Potosi.
Huayna Potosi.
Em Huayna Potosi.
Huayna Potosi.
Huayna Potosi.
Admirando a paisagem.
Huayna Potosi.
Quase chegando ao refúgio Alta Rocha.
Refúgio Alta Rocha.
Me despedindo de Bruna, no primeiro refúgio.
A última imagem que tive do Huayna Potosi.
Vista de La Paz a partir da casa do Cecilio, o guia.
Tive que ir de madrugada ao banheiro, que ficava do lado de fora do refugio. Fazia um frio de três graus. Na volta do banheiro parei para brincar com um cachorro que estava dormindo num canto da sala onde guardamos os equipamentos. Passei a mão nele, que não gostou e tentou me morder. O cachorro mesmo sendo pequeno era bastante bravo e se eu não fosse ligeiro tinha levado uma bela de uma mordida. Depois do susto voltei para a cama, olhei no relógio e vi que passava um pouco das cinco horas.
Levantamos cedo, tomamos café, arrumamos nossas coisas e saímos do abrigo. Seguimos montanha acima rumo ao segundo refúgio, de onde partiríamos para o ataque ao cume do Huayna Potosi. Foi complicado arrumar todas as minhas coisas e fazer caber tudo em minhas duas mochilas. Tive que amarrar fora da mochila a bota para gelo, que era bastante pesada. A trilha pela qual seguimos era a mesma que tinhamos percorrido no dia anterior, quando fomos até o Glaciar Velho. Antes de chegar ao cruzamento que leva ao glaciar, encontramos duas mulheres em uma mesa ao lado da trilha. Elas estavam ali para registrar os dados de quem estava seguindo para Huayna Potosi e cobrar uma taxa de manutenção no valor de $ 10,00 bolivianos. Após fazermos o registro e pagar a taxa, voltamos à trilha. Quando chegamos próximo ao Glaciar Velho, viramos a direita e seguimos por uma trilha que subia a montanha.
Conforme íamos subindo o ar ia ficando ainda mais rarefeito em razão da altitude. E com sol na cabeça e o peso das mochilas, o desgaste e o cansaço foram enormes. Caminhei o tempo todo junto com a Bruna, conversando com ela e incentivando-a a seguir em frente. Ela quando comprou o pacote para Huayana Potosi, não sabia o quanto difícil era chegar até o alto da montanha. E também não estava preparada fisicamente, então sofreu bastante para caminhar no ar rarefeito carregando sua mochila. A trilha no início era larga e conforme subia ia ficando estreita e cercada de pedras. Na parte final da trilha os guias seguiram na frente, pois iam preparar o almoço. O casal de suíços caminhava lentamente, fez várias paradas, mas seguiu em frente. Eu fiquei o tempo todo junto com a Bruna e quando ela parava eu parava, quando andava eu também andava. Ela estava muito cansada, mas foi guerreira e encontrou forças para seguir em frente.
Na parte final da trilha, alcançamos a parte da montanha onde tinha gelo. No início era pouco gelo, no meio das pedras. Conforme subíamos, o gelo ia aumentando e era sólido e liso, então tinhámos que tomar bastante cuidado para não escorregar. Não estavámos usando as botas para gelo, então todo cuidado era pouco. Já morreu gente ali, que escorregou e caiu montanha abaixo no meio das pedras. Na parte final da trilha a Bruna estava nas últimas, e para ajudar até carreguei algumas coisas dela. Após três horas de desgastante caminhada, finalmente chegamos ao segundo refugio de Huayna Potosi, chamado de Campo Alta Rocha (Rock Camp). Esse refugio é feito de pedra, uma bela construção situada a 5.130 metros de altitude. Ao ver o refugio fiquei imaginando o trabalhão que deu para construí-lo, levando o material nas costas montanha acima.
O refugio não era tão limpo e arrumado igual o refugio anterior, mas era aconchegante. Suas paredes internas eram revestidas de compensado e estavam cheias de inscrições, desenhos, mensagens e até algumas bandeiras deixadas por pessoas do mundo todo que passaram por aquele abrigo nos últimos anos. O dormitório era na parte de cima e para chegar até ele era preciso subir uma escada de madeira. Escolhi um colchão e ali estendi meu saco de dormir e deixei minhas mochilas ao lado. Na sala de refeições deixamos todo o equipamento de escalada sobre uma mesa e debaixo dela.
Pouco depois do meio-dia o almoço foi servido. Arroz, linguiça, tomate e pepino (que dispensei) era o cardápio. A comida estava boa, creio que mais em razão da fome que eu sentia do que em razão da qualidade culinária dos guias que a fizeram. Após comermos teve uma rápida reunião, onde o guia informou a programação do dia. Basicamente era descansar, dormir, comer, descansar mais, comer mais e dormir de novo. Saíriamos a uma da manhã para fazer o ataque ao cume do Huayna Potosi. A meia noite deveríamos nos reunir na sala de refeições para colocarmos as roupas e o equipamento. Fui para meu colchão e tentei dormir, mas não consegui. Resolvi sair e ver a vizinhança do abrigo. Mesmo com sol fazia frio e ventava, então não me demorei muito do lado de fora e voltei para minha cama. Conversei com a Bruna durante um longo tempo, ela estava achando que não conseguiria subir a montanha, pois a subida até o segundo abrigo tinha esgotada suas forças.
Fui ao banheiro, que ficava fora do refugio e no meio da neve. O banheiro era sinistro, feito com restos de madeira e ficava na borda da montanha. O vaso sanitário era um balde com um assento de privada, e o que se fazia dentro dele ali ficava até ele ficar cheio e algum guia levar o balde montanha abaixo para despejar seu conteúdo em algum canto. E eu que tinha achado ruim o banheiro do primeiro refugio! E chegar até o banheiro era complicado, principalmente a noite. Se o cara tivesse apurado ele podia pisar no gelo em volta do banheiro, escorregar e quebrar o pescoço! Tomei meu banho de gato, troquei a roupa e fui descansar mais um pouco.
As 17h00min a janta foi servida e o prato foi macarrão. Depois de comer saí com Bruna para tirar fotos do lado de fora do refugio. A noite estava chegando e junto com ela uma bela lua cheia. Estava muito frio do lado de fora e após tirar algumas fotos e admirar a vista, voltamos para nossas camas. A noite chegou de vez e junto com ela uma ventania que dava medo. Em alguns momentos o vento era tão forte, que fazia um barulho parecido com um uivo. Fiquei deitado em meu colchão, me aquecendo dentro do saco de dormir e pensando na insanidade que seria sair com aquele vento, no frio abaixo de zero que devia estar fazendo lá fora, para caminhar de madrugada rumo ao cume da montanha. Mas se eu tinha chegado até ali, não ia desistir. E sou insano o suficiente para encarar frio, vento, altitude e madrugada na montanha.
Conversei um tempo com Bruna e ela contou que estava decidida a não subir a montanha, que para ela tinha terminado ali. Quem ficaria feliz seria o guia dela, que poderia ficar dormindo em vez de passar horas caminhando no frio. Falei a Bruna que a escolha dela era sensata, pois mesmo eu tendo me preparado fisicamente e feito uma boa aclimatação para subir a montanha, eu não sabia se conseguiria chegar ao cume. Falei que ela era uma vencedora por ter chegado até onde chegou, pois conheço muito marmanjo que não teria a coragem e a força de vontade que ela teve em chegar até ali onde estavámos.
O interior do dormitório foi ficando cada vez mais frio e somado a falta de sono e a ansiedade, ficou difícil pegar no sono. Fiquei um longo tempo ouvindo o ruido assustador do vento do lado de fora e pensando na vida. Finalmente consegui adormecer, mas logo fui acordado pela Bruna que acendeu a lanterna e procurava algo em sua mochila. Consegui dormir novamente e mais uma vez fui acordado pela Bruna fazendo barulho, creio que procurando mais roupas para vestir, pois ela parecia sentir muito frio. Voltei a dormir novamente e dessa vez não fui mais acordado.
Trilha para o segundo refugio.
Bruna em uma de suas muitas paradas para descanso.
Abaixo a esquerda, o Glaciar Velho.
O casal de suíços e os guias.
A exausta Bruna.
Quase no final da trilha.
Refugio Alta Rocha (5.130 metros de altitude).
Almoço no segundo refugio.
Dois brasileiros e dois suíços partilhando a mesa no refugio.