16/05/2012
O dia amanheceu e quando deu 7h00min resolvi sair do aeroporto. Tinham alguns táxis em frente e fui perguntar o preço da corrida até a Estação Bimodal, no caso Rodoviária, mas que tinha esse nome de “bimodal” por ser ao mesmo tempo estação de ônibus e de trem. O preço era o mesmo em todos os táxis que perguntei; 50 bolivianos o que dava uns R$ 18,00. Então embarquei num táxi que era bastante velho, mas espaçoso. Estava com muito sono e não demorou muito para eu dormir. Um tempo depois acordei bruscamente com o barulho de uma freada e os xingamentos do taxista. Olhei para o lado e um outro carro por muito pouco não tinha batido no meu lado da porta. O trânsito era caótico e a buzina bastante utilizada. Ninguém usava seta ou dava preferência aos outros motoristas quando necessário. Aquilo me fez lembrar do trânsito de Lima, no Peru. E também me fez sentir saudade dos motoristas barbeiros de Campo Mourão. Olhei no relógio e vi que já tinha se passado 20 minutos desde que saímos do aeroporto. O sono continuava me chamando e resolvi me entregar de vez a ele. Acordei quando estávamos chegando ao Terminal Bimodal. Foram 45 minutos de viagem até ali. Desci do táxi, peguei minhas mochilas (uma grande e duas pequenas) e fui em direção ao Terminal. O local era feio, sujo, cheio de ambulantes e de pessoas berrando tentando vender passagens para vários lugares.
Dentro do Terminal também era tudo estranho, escuro, sujo e nem de longe lembrava as rodoviárias brasileiras. Vendedores de passagens tentavam te laçar literalmente. Andei de uma ponta a outra do Terminal vendo as placas das agencias e tentando descobrir se alguma empresa tinha ônibus direto de Santa Cruz até Cusco, no Peru. Não encontrei nenhuma e após me informar, me foram indicadas duas agencias. Fui até elas e achei caro o preço, queriam cobrar U$ 70,00 e ainda tinha que fazer uma longa parada em La Paz. Achei melhor comprar passagem direto para La Paz e lá comprar outra para Cusco. Após pesquisar um pouco acabei comprando a passagem na empresa San Miguel, que me pareceu confiável e o preço era equivalente a R$ 50,00. O vendedor foi bastante atencioso, o que me deixou meio com o pé atrás, pois prometeu mundos e fundos e algo me dizia que não seria bem como ele estava prometendo. De qualquer forma eu não tinha outra opção. Eram quase 11h00min no horário local, que é de uma hora a menos que no Brasil. Meu ônibus sairia somente às 17h00min, então resolvi me sentar e pensar no que fazer com o tempo livre que teria até o horário do embarque. Fiquei observando quem passava e vi um rapaz com jeito de ser brasileiro, mas a moça que estava com ele não tinha nada de brasileira. Fiquei mais um tempo sentado olhando quem passava para ver se via algum outro brasileiro perdido por ali. Logo me cansei e resolvi dar uma volta. Num canto no Terminal vi novamente o casal que tinha visto há pouco. Eles conversavam com um casal japonês. Ao passar por eles o rapaz se abaixou e vi na parte de cima da aba de seu chapéu uma bandeira do Brasil bordada. Parei e puxei conversa. O nome do rapaz era Caíque, ele é de São José dos Campos – SP. A moça que estava com ele era francesa, Julie. Ela trabalhava até pouco tempo atrás na Embaixada Francesa em Brasília e antes de retornar a França estava passeando um pouco pela América do Sul. Eles se conheceram no dia anterior, dentro do trem da morte, que seguia da fronteira entre Brasil e Bolívia até Santa Cruz de La Sierra. O casal de japoneses; Yukari e Yoshikatsu eles conheceram no trem. Os japoneses estavam em lua de mel e faziam três meses que viajavam pelo mundo. Conversamos um pouco e decidimos deixar nossas mochilas no guarda volumes e sair dar uma volta pela cidade. A Julie disse que tinha visto num guia de viagens que próximo ao Terminal existia uma parte da cidade que era bonita, com uma bela praça.
Saímos os cinco do Terminal Bimodal e após pedir informação para algumas pessoas seguimos no sentido do centro da cidade. Próximo ao Terminal a cidade era feia e suja e o trânsito caótico. Atravessar as ruas era uma arriscada aventura e as buzinas ecoavam de todos os lados. Chegamos à conclusão que quem buzinava primeiro era que tinha preferência para atravessar a rua ou fazer alguma conversão. Após caminharmos algumas quadras chegamos até uma parte onde entre as duas avenidas existia um canteiro com ciclovia no meio, então seguimos por ele, pois era mais seguro. Mais alguns pedidos de informação e olhadas no guia do Caíque e chegamos ao centro da cidade. Andamos um pouco por ali a procura da Catedral e da praça em frente, mas acabamos seguindo para o lado contrário. Uma coisa que incomodava ali era o excesso de monóxido de carbono que saía dos escapamentos dos carros, chegava a sufocar. Me parece que o combustível boliviano não é de boa qualidade e é altamente poluente.
Estávamos passando em frente a um restaurante e vimos algumas tortas expostas numa vitrine. Resolvemos entrar e descobrimos que ali tinha um buffet e a comida parecia ser boa. Um dos cuidados que eu teria tanto na Bolívia quanto no Peru seria com a comida. Nestes países não dá para comer em qualquer lugar, pois a higiene não é das melhores. E eu também pretendia passar longe das comidas típicas, pois sou chato para comer e comidas típicas evito em qualquer parte. Não tenho frescura para desconforto, frio, viajar de ônibus e outras coisas mais, mas com relação à comida sou extremamente chato e não como de tudo seja onde for. Até mesmo na casa de amigos e parentes acabo sendo chato com relação à comida e meu paladar depende muito do meu olfato, ou seja, se não gostar do cheiro não como, nem preciso provar para saber se o gosto da comida é bom ou ruim. Talvez por isso que não como peixe ou qualquer outra coisa que venha da água, pois acho peixe fedido e daí não consigo comer. Frescuras a parte, resolvemos almoçar no restaurante e a comida estava muito boa. Enquanto comíamos ficamos conversando, nos conhecendo melhor e trocando informações sobre viagens. Eu, Caíque e Julie conversávamos em português e os japoneses vez ou outra falavam algo em inglês. Foi legal logo no segundo dia de viagem fazer novas amizades. Em viagens do tipo mochilão é bastante comum conhecer pessoas, fazer coisas juntos e logo depois cada um seguir para um lado.
Após almoçar voltamos ao nosso passeio e logo encontramos a Catedral e a praça em frente, que realmente era muito bonita. A Catedral estava fechada e não conseguimos visitá-la. Já na praça ficamos certo tempo olhando o movimento e as dezenas de pombos que circulavam por ali. No guia dizia que bichos preguiça viviam nas árvores da praça, mas cansamos de olhar para cima e não vimos nada. Algo que nos chamou atenção foi um senhor com uma câmera fotográfica bastante antiga, que estava tirando fotos de uma moça e depois revelou as fotos ali mesmo utilizando água e produtos químicos. O processo era antigo e artesanal, mas o resultado foi muito bom, as fotos ficaram ótimas. Demos mais uma pequena volta pelo centro, paramos em uma praça ver alguns alunos de uma escola ensaiarem uma dança típica e entramos numa loja de produtos artesanais locais. Não me demorei na loja, pois sendo início de viagem era melhor não comprar nada para evitar ter peso extra nas mochilas. Fiquei do lado de fora da loja olhando o movimento enquanto o pessoal estava na loja. Seguimos para o Terminal Bimodal, paramos no caminho comprar água numa loja e depois numa farmácia, onde comprei um novo tubo de creme dental para substituir o que fora confiscado no aeroporto de Campo Grande.
De volta ao Terminal pegamos nossas mochilas no guarda volumes e fomos para um canto perto dos banheiros. Eu, Caíque e Julie resolvemos tomar banho. Pagamos 3,00 bolivianos e fomos para as duchas. O banho era frio e o banheiro não era dos mais limpos. Para piorar era complicado arrumar a mochila em cima de uma pequena banqueta, de modo que ela não se molhasse. Quando liguei a ducha descobri que o banho não era frio, na verdade era gelado. O difícil num banho frio é começar a se molhar, mas depois de um tempo e de alguns gritos você acostuma com a temperatura da água e tudo bem. Após o banho e de algumas manobras para trocar de roupa sem deixar nada cair no chão molhado e sujo do banheiro, finalmente saí e encontrei o pessoal do lado de fora. Fomos num bar onde compramos água e algumas guloseimas e então nos despedimos. Eu e os japoneses seguiríamos para La Paz, mas em ônibus diferentes. Já o Caíque e a Julie seguiriam para Sucre.
Quando chegou o horário de embarque fui até a agencia onde comprei a passagem e o vendedor pegou minha mochila grande e pediu que o seguisse. Fomos indo para um lado das plataformas de embarque e quando vi os dois últimos ônibus estacionados me assustei, pois eram muito velhos. Comecei a achar que tinha sido enganado, pois comprara assento cama, que para os Bolivianos é o leito ou semi leito no Brasil. Se bem que no Brasil já existem leitos cama, que ficam na horizontal. Sei que passamos pelos dois ônibus velhos e quase fora da área de embarque chegamos ao ônibus da empresa. Ele era dois andares e se não era novo, ao menos não era dos piores. O vendedor me entregou a mochila e disse para eu levá-la dentro do ônibus, para não deixá-la no bagageiro. Não perguntei a razão de tal conselho, mas decidi acatá-lo. Fiquei um tempo esperando o embarque, que já estava atrasado. Daí apareceu uma vendedora de bolinhos, que pareciam pão de queijo. Como não sabia em que tipo de local seria a parada para janta, resolvi garantir minha janta com um pacote daqueles bolinhos que estavam cheirosos. O problema é que eu não tinha dinheiro local trocado. Daí consegui convencer a vendedora a receber em reais. Dei R$5,00 a ela e falei que aquilo valia justamente o dobro do que ela estava me cobrando pelo bolinhos. E era verdade, eu jamais ia enganar a moça! Ela acabou topando o negócio e depois que embarquei no ônibus ainda ficou me dando tchauzinho.
Minha poltrona era na parte de cima do ônibus, do lado direito e sozinha, quase na frente. Era um poltrona larga e confortável e a frente ficava uma espécie de mesa que serviu para eu colocar os pés durante a viagem. Consegui a muito custo encaixar minha mochila grande em frente a poltrona e estava pronto para enfrentar 14 horas de viagem até La Paz. Descobri que eu era o único “diferente” no ônibus, ou seja, o único não boliviano embarcado, o mais branquinho a bordo. O ônibus partiu com 40 minutos de atraso e resolvi jantar logo meus bolinhos, enquanto ainda estavam quentes e cheirosos. Mesmo parecendo pão de queijo e sendo feitos com queijo, o sabor era bem diferente do sabor do pão de queijo, mas não era ruim. No pacote vinham dez bolinhos e logo descobri que tinham dois que não eram frescos, que de tão duros que estavam deviam ser de um ou dois dias atrás. Eu tinha sido enganado pela bela e simpática vendedora de bolinhos que ficou me dando tchauzinho. Paciência, ninguém está livre de ser passado para trás vez ou outra na vida! Após jantar os oito bolinhos comíveis, tirei meu saco de dormir da mochila e me ajeitei dentro dele, pois a noite prometia ser fria. Coloquei os fones do MP4 e comecei a ouvir alguns sertanejões. Logo peguei no sono, pois vinha de uma noite em claro.
Fui acordar três horas depois, em um local estranho no meio do nada. Fiquei sabendo que teríamos uma parada de 30 minutos para janta. Ao descer do andar de cima e passar pela porta do banheiro, descobri que o mesmo não funcionava. O local de parada para janta era uma barraquinha na beira da estrada, um local feio e sujo. E nem banheiro existia ali. Vi que os homens seguiram para um lado e as mulheres para outro. Um matinho ao lado os homens utilizaram como banheiro. Já algumas mulheres acho que tinham medo de escuro, não se distanciaram muito e logo abaixaram para fazer suas necessidades. Aquilo tudo era ao mesmo tempo surreal e curioso. Como não tinha outra opção, também fui no “matinho masculino” fazer meu xixizinho. Depois fiquei encostado no ônibus observando o pessoal comer. Confesso que nem que eu estivesse com muita fome eu comeria naquele local. Pode ser frescura, mas já disse que sou fresco com comida e ainda lembro dos apuros que passei no ano anterior no Peru por culpa da comida que me fez mal. Então melhor ser um fresco bom do estômago, do que um não fresco com enjôo e diarréia. Passado trinta minutos embarcamos no ônibus e seguimos viagem. Eu voltei a dormir, mas não demorou muito tempo e paramos num posto policial. Após uns minutos um oficial de Polícia entrou no ônibus e queria saber quem eram os donos de tais e tais malas. Daí os donos tiveram que descer para dar explicações sobre o conteúdo das mesmas, que pelo que entendi eram produtos para serem vendidos em La Paz, produtos que iam desde sapatos até roupas para crianças. Foi aí que entendi o conselho do vendedor de passagens que disse para eu não colocar minha mochila embaixo. Ele sabia que as bagagens seriam revistadas e que eu poderia ter que dar explicações sobre o conteúdo de minha mochila caso algum agente da Lei resolvesse implicar com ela. Após uma meia hora parado ali, o pessoal que tinha descido voltou com a cara amarrada. Só não sei se perderam alguns produtos ou tiveram que pagar propina para terem suas malas liberadas. Voltei a dormir e não vi mais nada da viagem.