Viagem ao Peru e Bolívia (3° Dia)

17/05/2012

Acordei às 5h42min quando o ônibus fez uma parada na estrada, para o pessoal fazer um xixizinho. Desci do ônibus também e o local da parada era ao lado de um precipício. Homens de um lado, mulheres do outro, tudo muito organizado, um não olhava para o outro. Também que graça tem ver alguém fazendo xixi? Fazia muito frio, quando voltei para minha poltrona olhei no meu termômetro e fazia 7 graus. Me ajeitei dentro do saco de dormir e logo fiquei aquecido novamente. Fiquei um tempo vendo o sol nascer por trás de umas montanhas, uma imagem muito bonita. Logo peguei no sono.

Às 8h20min nova parada, dessa vez numa pequena cidadezinha a beira da estrada. Ao lado tinham alguns banheiros, onde se pagava $ 1,00 boliviano para usar. A descarga nos banheiros era despejar um balde com água após fazer o “serviço”. Tal método acabei vendo muitas outras vezes na Bolívia. Alguns passageiros ou por falta de dinheiro, ou por não se importarem em utilizar algum banheiro, foram fazer suas necessidades num terreno baldio ao lado. Algumas cholas (indígenas bolivianas que usam roupas típicas) tinham um método interessante, pois como usam grandes saias, elas se abaixavam em qualquer lugar para fazer suas necessidades e seguravam a saia de uma forma que ninguém visse o que estavam fazendo agachadas. Dei uma olhada no local onde o pessoal tomava café, mas não deu coragem de entrar, era muito sujo. Se bem que não costumo tomar café da manhã, então aproveitei o tempo de parada para me aquecer ao sol.

Quando comprei a passagem o vendedor disse que chegaríamos a La Paz às 8h00min em ponto. Falei com o motorista e ele me disse que o horário de chegada seria ao meio dia. Bem que eu tinha desconfiado que o vendedor estivesse mentindo em alguma coisa. Nas horas seguintes o ônibus se transformou numa espécie de pinga-pinga, parando em muitos lugares e gente embarcando. Quem embarcava ia sentando nas escadas, no chão dos corredores. Fui observando a paisagem pela janela do ônibus. Tudo era meio deserto, com muitas pedras e poeira. Algumas pequenas casas, bem simples feitas de barro era o que diferenciava um pouco a paisagem. Conforme fomos nos aproximando de La Paz, foram surgindo casas simples, lojas, algumas fábricas. A periferia de La Paz era suja, feia.

La Paz era a sexta capital de país que fico conhecendo. O detalhe é que não conheço Brasília, a capital do meu país. E não faço questão de conhecer, acho Brasília uma cidade feia e não curto arquitetura moderna. Se for a Brasília um dia será meramente por questões profissionais ou outras, mas a turismo para conhecer a capita brasileira, jamais. La Paz é a capital em altitude mais alta no mundo. Na verdade a cidade foi construída num canyon, um verdadeiro buraco. A parte alta da cidade, El Alto fica pouco acima dos 4.000 mil metros e a parte baixa fica a 3.700 metros. Chegamos pela parte alta e logo começamos a descer e descer. É impressionante essa diferença de altura dentro da mesma cidade. Em volta da cidade, numa distância não muito grande é possível ver o Illimani, uma montanha nevada com mais de 6.000 metros. La Paz foi fundada em 1548 e sua população atual é de pouco mais de um milhão de habitantes, sendo quase metade de origem indígena.

Desembarcamos em frente à rodoviária, o que confirmou minha suspeita de que a empresa pela qual viajei era pirata e não tinha autorização para entrar na rodoviária fazer o desembarque dos passageiros. Peguei minhas coisas e logo entrei na rodoviária. Estava começando a sentir os sintomas do soroche, o mal de altitude. Quanto maior a altitude, menos oxigênio temos para respirar e em conseqüência sentimos dor de cabeça, tontura, enjôo, ficamos ofegantes por qualquer esforço que fazemos, por menor que seja.  Eu já conhecia esse mal da viagem no ano anterior ao Peru. Comecei a sentir muita dor de cabeça e resolvi tomar uma das soroche pills que tinha levado e também algumas aspirinas. Isso aliviou um pouco a dor.

Dei uma volta pela rodoviária pesquisando preço de passagens até Cusco. Achei um local para trocar dólares por bolivianos. O câmbio ali também estava bom, U$ 1,00 valia $ 6,95 bolivianos. Acabei encontrando meus amigos japoneses. Eles precisavam ir até um determinado endereço no centro da cidade para alterar algumas passagens aéreas. Negociei com um taxista para levá-los até o tal endereço por $ 10,00 bolivianos. Nos despedimos, tiramos uma foto juntos e voltei para dentro da rodoviária. Fui dar mais uma pesquisada nos preço das passagens e acabei encontrando um brasileiro, Tiago, carioca de Niterói. Conversamos um pouco, ele também ia para Cusco e acabamos comprando passagem na mesma empresa. Pagamos $ 150,00 bolivianos na passagem. O Tiago saiu dar uma volta e eu fui procurar algo para comer. Dei uma volta fora da rodoviária, mas não encontrei nada que desse coragem de comer. Voltei para a rodoviária e depois de olhar todos os pequenos botecos e lanchonetes, resolvi comer um sanduíche de queijo e presunto. Até que estava gostoso acompanhado de uma Coca Cola sem gelo. Tanto na Bolívia quanto no Peru é raro encontrar refrigerante gelado, eles costumam servir o refrigerante a temperatura ambiente.

Comprei dois sanduíches onde tinha lanchado, eles seriam minha janta na viagem. Reencontrei o Tiago e logo fomos para o embarque. Antes tive que ir comprar um tíquete que é a taxa de embarque da rodoviária. Essa prática de descobrir na hora de embarcar que você tem que comprar tal tíquete se tornaria comum tanto na Bolívia quanto no Peru. O embarque foi rápido, o ônibus não era dos melhores, mas as poltronas era confortáveis. Não estava cheio e os passageiros eram todos estrangeiros, aquilo parecia uma Babel. Teve serviço de bordo, mas não encarei o sanduíche que serviram, fiquei apenas com um saquinho de suco de maçã.

Como o ônibus estava vazio arrumei uma poltrona para ir sozinho, pois seria mais confortável. Conversei um bom tempo com o Tiago, ele contando como tinha sido sua visita à região do salar. Logo começou a escurecer e pela janela do ônibus foi possível ver um belo pôr do sol. Um tempo depois paramos num posto de fiscalização e um policial subiu no ônibus e perguntou de quem era a mala com número tal (que estava no tíquete de embarque) e o dono da mala teve que descer e acompanhar a revista da mala. Tal procedimento se repetiu mais duas vezes e felizmente não fui um dos sorteados para ter a bagagem revistada. A viagem seguiu e depois de duas horas nova parada, dessa vez na fronteira com o Peru. Desembarcamos do ônibus e seguimos a pé, passamos pela fiscalização boliviana e atravessamos a fronteira caminhando. O local era numa pequena cidade, muito feia e suja. Na fiscalização peruana um cara veio com a guia obrigatória para preenchimento e pediu meus dados para preencher. Eu mesmo podia preencher tal guia, mas resolvi deixar o tal cara preencher, pois vi que aquele era o ganha pão dele. Pelo serviço lhe dei $ 5,00 bolivianos. Passaporte carimbado e saí com o Tiago à procura de nosso ônibus. Tinha orientação de amigos para tomar cuidado com os guardas peruanos, pois se der bobeira do lado de fora eles chamam você para entrar na salinha deles e tentam te extorquir, principalmente se você tiver dólares. E se for brasileiro pior ainda, pois são as vitimas preferências dos guardas. Encontramos nosso ônibus e ficamos perto da porta esperando a ordem de embarque. Daí vimos que um cara entrou no bagageiro e meio que se trancou lá dentro. Ficamos assustados, achando que era algum guarda ou outra pessoa mexendo nas bagagens para furtar alguma coisa. Depois ficamos aliviados quando descobrimos que era um outro motorista e que tinha entrado no bagageiro para trocar de roupa.

Seguimos viagem e optei por ir sentado na última poltrona. Peguei uma das mantas que estavam disponíveis para os passageiros, meu MP4 e fiquei ouvindo música e olhando o céu. A noite estava bonita, cheia de estrelas. Fiquei um bom tempo assim, olhando o céu, ouvindo música e pensando na vida. Passamos por algumas pequenas cidades e fiquei observando as casas, lojas, as pessoas na rua… E logo adormeci, em terras peruanas, em minha segunda vez no país.

Parada para o café da manhã.
Paisagem vista pela janela do ônibus.
Em La Paz com meus amigos japoneses.
Rodoviária de La Paz.
Almoço na rodoviária.
Pronto para o embarque.
Belo pôr do sol visto pela janela do ônibus.

Em Cuzco

Caminhando sob chuva e a cada minuto mais aliviado por ter recuperado minha mochila, fui seguindo meio sem rumo pelas ruas da cidade. Resolvi entrar numa lan house para fugir da chuva e também pra dar notícias ao pessoal de casa. Perguntei onde ficava a Plaza de Armas, que é o centro da cidade e em cuja região pretendia me hospedar. E junto perguntei sobre a rua onde ficava a agência onde eu devia fazer o pagamento da segunda parcela do pacote para a Trilha Inca. No Brasil eu havia pago 50% do valor para a empresa Brasil de Mochila e agora deveria quitar o restante junto a agencia local e obter informações para a partida rumo a Trilha Inca no dia seguinte. Descobri que estava bem próximo de ambos os endereços que procurava, então resolvi seguir a pé. Primeiro passei na agencia do senhor Rimber, mas o mesmo não estava. Então resolvi seguir para a Plaza de Armas. Após caminhar alguns metros senti uma forte tontura e então me lembrei do mal de altitude, mais conhecido como soroche. Os sintomas do soroche são: dor de cabeça, tontura, dores de estômago e cansaço. A cidade de Cuzco fica a 3.400 metros acima do nível do mar, nessa altitude o ar tem baixa pressão atmosférica e conseqüentemente menos oxigênio. Com baixa pressão de oxigênio, os glóbulos vermelhos (hemácias) não conseguem pegar a quantidade mínima de oxigênio para o correto funcionamento do metabolismo e não “rendem” o que deveriam. Resumindo, fiquei com dor de cabeça e dificuldade para respirar, no popular, me faltava ar. Também fiquei meio tonto, parecia que minha antiga labirintite tinha vindo fazer uma visita. Diante de tal quadro acabei não conseguindo encontrar o hotel que tinha visto na internet e acabei entrando em um que achei simpático e cujo preço era igual ao que pesquisei na net. O hotel estava bem localizado, muito próximo a Plaza de Armas, que é o point da cidade.

Fiz os tramites burocráticos e me hospedei no Hotel Sol Plaza Inn. O hotel era simpático e mais tarde descobri que o local tinha sido o antigo Palácio Qasana, residência do Inca Pachacuteca. Descansei um pouco e logo saí para comprar alguns itens que faltavam para levar para a Trilha Inca. Também aproveitei para passar em uma farmácia e comprar algumas Sorojchi Pills, pílulas que ajudam a combater o mal de altitude. Não precisei comprar uma caixa, me venderam quatro pílulas a granel. Liguei para o dono da agência e ele mandou uma funcionária até o hotel receber o restante do pagamento pela Trilha Inca e também me explicar os detalhes finais do que estava contratando. Voltando para meu quarto, no caminho vi duas moças e notei sobre uma mesa onde uma delas separava alguns papéis, uma identidade brasileira. Puxei conversa e descobri que eram quatro amigas viajando juntas, todas do Rio de Janeiro. Três estava fazendo aniversário meio juntas e me convidaram pra mais tarde comer o bolo. Saí mais algumas vezes do hotel para conhecer as redondezas e também para comprar água e um bastão para caminhada, o que seria muito útil na trilha.

Sentia-me cada vez mais tonto e tomei um pouco de chá de coca e masquei algumas folhas de coca. O gosto era horrível, mas deu uma boa aliviada na tontura. Andei mais um pouco pelas proximidades do hotel, comprei água, chocolate e um casaco. Estava fazendo frio em Cuzco e fiquei com receio de que na Trilha Inca estivesse muito frio e os casacos que trouxera do Brasil não fossem suficientes. Voltei ao hotel e encontrei ás quatro cariocas: Renata, Alessandra, Patrícia e Fabiana. Cantamos parabéns, comemos bolo e conversamos um pouco. Elas iam embora de Cuzco naquela noite, rumo à cidade de Puno. Despedi-me delas, deixei o endereço do blog e fui para o quarto descansar e arrumar minha mochila para no dia seguinte encarar a Trilha Inca. Arrumar a mochila foi complicado, pois não podia levar muito peso pra carregar na trilha, pois além do peso tornar a caminhada mais difícil, venho de duas hérnias de disco e não posso arriscar a exagerar no peso e machucar minha coluna novamente. Sei que fiquei um longo tempo colocando e tirando coisas da mochila, até que cheguei numa definição do que levaria. No final a mochila pesava uns 12 quilos e como nesse peso estavam computados duas garrafas de água e alguns biscoitos e chocolate, a tendência era que o peso da mochila fosse ficando menor a cada dia de caminhada. Levei água suficiente para o primeiro dia e meio e algumas pílulas bactericidas para colocar na água que pegaria nas montanhas após meu estoque de água engarrafada acabar.

Antes de ir dormir resolvi ir fazer um lanche e como não sou fã de comidas locais, me garanti indo no único McDonalds da cidade, que ficava a pouco mais de 100 metros do hotel. Na fila do caixa um cara ficou me olhando e perguntou se eu era brasileiro ao me ouvir falar “obrigado” e não “gracias” para a atendente do caixa. Esse brasileiro estava com mais quatro amigos e fiquei um pouco conversando com eles. Na hora de sair vi minhas quatro amigas cariocas numa mesa e fui me sentar com elas. Elas iam pegar o ônibus para Puno, na praça em frente ao Mac. Fui com elas até o local do embarque, nos despedimos e voltei para o hotel dormir. Os próximos dias seriam difíceis, três noites dormindo em barraca, comida que não seria das melhores, frio, chuva, calor, mosquitos, altitudes acima de três, quatro mil metros. Resumindo, um grande desafio, uma grande aventura, ao mesmo tempo que era excitante pensar nos próximos dias, dava um certo frio na barriga ao pensar em tudo o que poderia acontecer. Mas ia fazer algo que desejava fazer havia vários anos, realizar uns dos sonhos pendentes de minha lista de sonhos e vontades a realizar antes de morrer. E nesse turbilhão de pensamentos adormeci. Acordei algumas vezes com falta de ar e tive uma noite horrível sofrendo com o mal de altitude.

Chegando em Cuzco, com frio e chuva, e eu de chinelo...
A fachada e a rua do hotel onde me hospedei.
Na esquina do hotel fotografei essas estátuas.
Catedral na Plaza de Armas, no final da tarde e a noite com lua cheia.
Uma das praças do centro de Cuzco.
Comendo bolo com ás novas amigas cariocas.
Fabiana, Renata, Alessandra, Patricia e Vander, no MacDonalds.