“A motivação dos peregrinos foi sempre múltipla: prestar homenagem, pagar uma promessa, fazer uma purificação, cumprir uma pena ou rejuvenescer espiritualmente. A jornada começa por nosso desassossego, um estado de perturbação. Alguma coisa está faltando à vida. O ritual da peregrinação tenta preencher esse vazio.”
(Luiz Carlos Marques da Silva)
Acordei cedo e vi que a chuva não tinha parado, então voltei para a cama. Dormi mais um pouco e depois levantei e saí para a rua. Lanchei e logo voltei para o hotel, pois a chuva não dava trégua. Arrumei minhas coisas, paguei a conta do hotel, carimbei minha credencial do Caminho da Fé e fui pegar a bike no depósito. Estava arrumando ás coisas na bike quando apareceu uma funcionária do hotel e perguntou de onde eu era. Respondi e ela ficou toda contente em saber que sou do interior do Paraná, pois ela é de Maringá e vive faz muitos anos no interior de São Paulo.
Passava um pouco do meio dia quando subi na bike e peguei a estrada debaixo de muita chuva. Segui por algumas ruas dentro da cidade e logo cheguei numa grande ponte. Atravessei a ponte e logo visualizei pintadas em alguns postes de energia as setas amarelas que indicam a rota do Caminho da Fé. Nos dias seguintes tive que ficar sempre atento buscando as tais setas amarelas para não errar o caminho. Passei por um trevo e enfrentei a primeira subida do dia. Cheguei a uma rodovia, a qual atravessei com todo o cuidado, pois o movimento de veículos era grande. Entrei numa estrada estreita e vi uma placa informando que era proibido o tráfego de bicicletas. Ignorei tal placa e segui pedalando pelo cantinho da pista, bem por onde descia uma forte enxurrada. Logo saí dessa estrada, virei à esquerda e entrei numa estrada de terra. Foi então que as dificuldades começaram para valer. Tinha muitas poças d’agua na estrada e em alguns locais forte enxurrada e trechos de areia onde a bike quase parava atolada. Nas descidas era preciso frear, pois em alta velocidade a bike derrapava e o risco de sofrer uma queda era enorme.
A chuva não dava folga e logo cheguei numa subida onde tive que descer e empurrar a bike. Fui prestando atenção nas setas amarelas que indicavam o caminho e logo vi uma placa do Caminho da Fé que indica qual a distância que faltava até chegar a Aparecida. Percebi que ainda teria muito chão pela frente até chegar a Aparecida, mas isso não me desanimou. O que me desanimava era a chuva que não parava. Teve um trecho onde tive que atravessar uma enorme poça d’agua que tomava conta de toda a estrada. A poça era funda e ao atravessá-la a água chegou até meus pés e quase não consigo passar pedalando por ela. Tempos depois cheguei num local cheio de laranjais. As laranjas estava todas verdes. Andar por ali quando as laranjas estão maduras deve ser muito bonito. Após ter pedalado dez quilômetros foi que passou o primeiro carro por mim. Até ali não tinha visto nenhuma pessoa ou carro. Ao lado da estrada vi uma pequena capela e parei para tirar fotos e orar. Nos dias seguintes veria muitas capelas desse tipo ao lado da estrada. Bater fotos com chuva era uma operação complicada, pois não queria molhar a câmera nova. Após bater algumas fotos segui viagem e logo cheguei numa propriedade, onde de um lado da estrada havia duas casas e do outro lado um curral com bois. Fiquei com receio de ter errado o caminho e parei para pedir informação a um senhor que tratava os animais no curral. De onde ele estava respondeu que era para eu seguir em frente. E foi o que fiz, segui em frente, cada vez com a estrada mais enlameada.
Cheguei a uma subida e resolvi descer da bike. Empurrá-la era mais fácil no meio de tanto barro. Quando voltei a pedalar descobri que por culpa do excesso de água e de areia, o câmbio da bike se tornara totalmente automático, ou seja, trocava marchas sozinho, principalmente as marchas leves que utilizo nas subidas. Logo cheguei à primeira de muitas pequenas e grandes serras que encontraria pelo Caminho da Fé. Essa era uma serra pequena e enfrentei uma subida enorme empurrando a bike sob vento e chuva, tarefa que não foi das mais fáceis, pois eu escorregava no barro. Enquanto seguia empurrando a bike morro acima me lembrei da Trilha Inca e de sua suas muitas subidas, que enfrentei em janeiro último. A diferença era que dessa vez não carregava o peso nas costas, mas sim empurrava o peso. E o principal era o ar não ser rarefeito. Então eu estava no lucro! Quando cheguei ao final da subida encontrei um morador caminhando pela estrada. Começamos a conversar e segui empurrando a bike ao lado dele por um bom tempo. O nome do tal senhor era Pedro e ele foi me contando sobre sua vida e sobre alguns projetos ecológicos que estava desenvolvendo. A conversa estava interessante e ao chegarmos ao asfalto e trevo de acesso a cidade de Santa Rita do Passa Quatro, nos separamos. Ali nos despedimos e seu Pedro pediu que chegando a Aparecida eu fizesse uma oração por ele e pelos seus projetos.
A chuva voltou forte e segui pedalando pelo asfalto. A estrada não tinha acostamento, então segui pelo canto da estrada por razões de segurança. Peguei algumas descidas e atingi velocidades maiores, mas em contrapartida o vento e a chuva me fizeram sentir muito frio. Logo cheguei ao bonito portal de entrada da cidade de Santa Rita. Segui por uma avenida e logo cheguei à catedral da cidade. Tirei fotos e utilizando o guia encontrei um hotel próximo ao centro. Entrando no quarto do hotel tirei minhas coisas da bike e limpei o que estava sujo de barro. Depois tomei um longo banho quente e deitei para descansar. Tinha feito somente 20 quilômetros, mas levando em consideração que tinha começado a pedalar depois do almoço, que choveu o tempo todo e que ainda estava me adaptando a pedalar com peso, até que foi uma boa quilometragem. Meu cronograma de viagem já estava atrasado no segundo dia, mas diante das dificuldades que a chuva constante e o barro causavam, o jeito era seguir em frente com segurança, mesmo que de forma lenta.
No final da tarde saí dar uma volta pelo centro da cidade. Chamou-me atenção as várias casas e casarões antigos, tudo muito bonito e bem cuidado. Bati algumas fotos em frente à catedral e entrei para orar. A catedral é jesuíta e por dentro muito bonita, com belos vitrais. Saí dali e andei mais um pouco pelo centro da cidade. Encontrei a antiga estação de trem, onde atualmente funciona o “Museu Zequinha de Abreu”, em homenagem a um ilustre compositor da cidade cujo maior sucesso foi a marchinha de carnaval “Tico-tico no Fubá”. Algo que notei nas cidades por onde tinha passado foi que o trem, importante meio de transporte responsável por num passado não muito distante transportar o rico café da região, não passar mais por essas cidades. Nem mesmo os trilhos existem mais na maioria das cidades. Já as belas estações foram preservadas e para elas encontradas novas finalidades.
A chuva continuava e aumentou ainda mais. Então lanchei cedo e voltei para o hotel descansar. Antes de dormir olhei pela janela e vi que a chuva tinha parado e que surgira um denso nevoeiro. Isso me deu esperança de que o dia seguinte amanheceria com sol.