Caminho da Fé (4º dia)

“O verdadeiro peregrino sabe por que caminha, mas pensa que não sabe. E por ser chamado à peregrinação, acaba identificando o que já sabia, pois tinha na mente e veio à luz, na poeira do caminho.” 

(Luiz Carlos Marques da Silva)

Acordei ás 07h00min com o barulho de uma mensagem chegando pelo celular. Era minha amiga Liliam me mandando tomar cuidado, pois tinha tido um sonho ruim comigo. Confesso que isso me deixou preocupado, mas mesmo assim voltei a dormir. Levantei tarde, com preguiça, talvez por ser segunda-feira. Arrumei minhas coisas e desci para a garagem do hotel pegar a bike. O dono do hotel foi junto e me ajudou a colocar as coisas na bike. Saindo do hotel pedalei 200 metros e parei numa bicicletaria. Comprei óleo para lubrificar a corrente e pedi para o dono da bicicletaria regular o freio e as marchas que estavam escapando. Ele regulou tudo e não cobrou pelo serviço. Então ele disse que seria bom eu trocar o pneu traseiro, que estava meio ruim para enfrentar trechos com muita pedra que viriam pela frente. Agradeci o conselho e respondi que trocaria o pneu mais para frente.

Parei na igreja do Padre Donizete, um milagreiro local que está em processo de canonização para virar santo. Tirei algumas fotos e peguei água para a viagem num local com gamelas estilizadas, algo muito bonito. Precisava pegar o carimbo em minha credencial do Caminho da Fé, pois no hotel não tinham o carimbo. O local onde encontraria o carimbo seria na Secretaria de Turismo, que ficava ao lado da igreja. Era segunda-feira de carnaval e seria esperar demais encontrar uma repartição pública aberta. Então entrei na igreja pedir informação sobre o carimbo e fui recebido de forma muito atenciosa por um padre. Ele me deu um forte abraço e disse para eu ir até uma loja que vende artigos religiosos, no outro lado da rua, que o carimbo estava lá. Fui até a loja e uma moça muito simpática carimbou minha credencial. Ela me deu de presente duas relíquias do Padre Donizete. Na verdade trata-se de um santinho plastificado, onde de um lado tinha duas orações e do outro lado a imagem do Padre Donizete e um pedacinho de pano, que fazia parte do pano que envolveu os ossos do Padre Donizete quando o mesmo foi exumado e teve seus ossos transferidos do cemitério da cidade, para a igreja que leva seu nome. É uma exigência do Vaticano que pessoas em processo de santificação tenham seus restos mortais sepultados dentro de igrejas. Ainda na loja duas senhoras vieram perguntar se eu estava fazendo o Caminho da Fé. Daí disseram que eu era corajoso por fazer o caminho sozinho, me desejaram sorte e pediram que orasse por elas em Aparecida. Coloquei um dos santinhos do Padre Donizete na bolsa de guidão, sob um plástico transparente o que tornava o santinho visível para todos. Esse santinho ficou ali até o final da viagem.

Saindo da loja atravessei a praça da igreja e do outro lado da rua parei numa lanchonete fazer um lanche, que seria meu almoço naquele dia. Pouco depois do meio dia iniciei minha pedalada do dia. O tempo estava nublado e sem chuva. Pedalei por cerca de um quilômetro pela cidade e ao passar em frente ao cemitério fiquei curioso para ver o antigo túmulo do Padre Donizete. Entrei no cemitério, o segurança da entrada ficou cuidando de minha bike e após caminhar poucos metros vi o túmulo do padre, que se destacava entre os demais. O túmulo é todo em vidro e mesmo com os restos mortais do padre não estando mais ali, o túmulo foi mantido como era e recebe muitos visitantes. O lugar onde ficava o corpo está vazio e coberto com uma tampa de vidro. A tampa estava toda embaçada, úmida por dentro. Pensei que o motivo seria a chuva dos últimos dias, mas depois fiquei sabendo que tal fenômeno é permanente. Mistério? Causa física? Não sei! Tem certas coisas que prefiro não saber os motivos. Saí do cemitério e voltei a pedalar.

Logo na saída da cidade tem uma ponte e ao lado um pequeno portal do Caminho da Fé. O caminho segue por um pinguela, que estava bastante escorregadia. Olhei no guia, que dizia que era para atravessar o rio pela pinguela e seguir pela direita dentro da propriedade ao lado da plantação e paralelo a estrada de terra. Foi o que fiz e ao atravessar a pinguela quase que a bicicleta fica entalada entre dois tocos, por culpa dos alforjes laterais. Comecei a percorrer um trilha tomada pelo mato e com muito barro. Tive que empurrar a bike e conforme avançava a vegetação ia ficando mais densa e empurrar a bike foi ficando difícil. Ao lado tinha um rio com muita vegetação e diversas espécies de pássaros, algo muito bonito. A trilha foi desaparecendo no meio da vegetação. Para um caminhante passar ali era interessante, já para um ciclista era terrível. Tentei seguir pelo lado do canavial que ficava próximo, mas logo me cortei com folhas da cana e fulo da vida decidi parar. Peguei o guia, li e reli para ver se tinha pegado o caminho errado. Pelo guia eu tinha seguido pelo caminho correto, mas não dava para seguir em frente. Raciocinei um pouco e resolvi voltar até a pinguela e tentar seguir pela estrada de terra paralela a plantação. Com muito esforço atravessei o mato e cheguei até a pinguela. Dali passei por um barreiro e alcancei a estrada de terra. Então vi as setas amarelas que indicam o Caminho da Fé pintadas em um poste e numa cerca. Ali entendi que não daria para confiar cem por cento no guia e também que o portal e a pinguela são bonitinhos, mas inúteis. Devia ter algum aviso informando que somente caminhantes deveriam seguir pela pinguela e entrar na propriedade ao lado, e que ciclistas deveriam seguir pela ponte ao lado e virar a direita na estrada de terra. Isso teria me poupado meia hora de tempo perdido e esforço físico inútil. Sem contar que me cortei e ganhei vários arranhões nos braço e pernas por andar pelo mato e no canavial. E parar piorar ainda mais as coisas, entrou mato na coroa e catraca da bike. Levei meia hora par conseguir tirar o mato. No final das contas tinha perdido uma hora e me ferrado um monte por culpa da sinalização equivocada naquele trecho e do guia que não foi nada prático nas informações.

Ainda bravo subi na bike e comecei a pedalar. Não andei 300 metros e começou a chover. Coloquei a capa de chuva e segui em frente, ainda bravo. Logo cheguei a umas subidas com muita lama. Numa delas o pneu traseiro patinou dando um giro de 360 graus sobre o eixo. Desde criança ando de bicicleta e nunca tinha visto um pneu girar dessa forma. Segui em frente e logo descobri que estava juntando lama em várias partes da bike, inclusive no sistema de freios, que passou a não funcionar corretamente. Logo tive outro problema com o guia, que dizia sobre uma cerca a direita, quando eu só via uma cerca a esquerda e na frente dela uma placa do Caminho da Fé com uma seta amarela. Fiquei um tempo lendo as instruções no guia e entendi que logo mais a frente o caminho retornaria a estrada em que eu estava. Para não me meter em outra furada, resolvi ignorar o guia e não entrar pela tal cerca. Segui pela estrada e cada vez surgia mais lama e poças d’agua. Com o freio ruim, nas descidas todo cuidado era pouco. Comecei a utilizar uma técnica do MotoCross, usando uma perna como apoio e equilíbrio, tocando o pé no chão. Com o cambio regulado as marchas não escapavam mais e dessa forma conseguia pedalar em subidas leves que nos dias anteriores eu teria que descer da bike e seguir a pé.

A chuva foi aumentando e a estrada ficando cada vez mais intransitável. Em dado momento entrei muito veloz em uma curva cheia de lama e fui derrapando lateralmente de um lado ao outro da estrada, sem conseguir parar. Até agora não entendo como não caí. Por sorte não vinha nenhum carro, senão seria acidente na certa. Segui mais um tempo por essa estrada ruim e de repente numa curva me deparei com uma estrada asfaltada. E para melhorar ainda mais a situação, a chuva parou. Não fiquei pedalando muito tempo no asfalto e logo após atravessar uma ponte a setas indicavam para virar a esquerda e descer por uma estrada de terra, no meio de um canavial. Na verdade não era terra, mas sim areia vermelha, areião.

Estava seguindo tranquilamente pela estrada e dessa vez sentindo calor, pois com o fim da chuva ficou muito abafado, sinal de que até o final do dia choveria forte novamente. Passei ao lado de uma fazenda e vi na estrada um cachorro enorme. Ao me ver, o cachorro se espreguiçou e ficou parado. Quando passei por ele o cão começou a latir e a correr atrás de mim. Levantei a perna esquerda do pedal e coloquei sobre o guidão como forma de proteção. Então ouvi latidos vindos da fazenda, do outro lado e quando olhei vi um cachorro ainda maior passar pela cerca de arame farpado e vir correndo atrás de mim. Tirei a outra perna do pedal e tentei me equilibrar sobre a bike. Era descida, a velocidade era alta e a bike seguiu derrapando na lama. O coração estava na boca e a única coisa que consegui pensar foi que se eu caísse fatalmente seria devorado pelos cães ferozes. Por sorte eles logo desistiram da caçada. Então olhei para o lado e vi logo a frente uma pequena igrejinha ao lado do canavial. Resolvi parar ali e após me certificar que os cachorros tinham ido realmente embora, sentei-me na porta da igreja para descansar, beber água e me recuperar do cagaço pelo qual tinha acabado de passar.

Logo voltei a pedalar e comecei a ver ao longe a chuva caindo. Saí do meio do canavial e entrei numa região de mata. O calorão desapareceu e passei a sentir frio no meio da mata. Não demorou muito e a chuva caiu forte. E para variar ela sempre vinha de frente, dificultando ainda mais o pedalar. Andei vários quilômetros sob chuva e logo entrei numa larga estrada de terra, cheia de poças d’agua. Andei um longo tempo por essa estrada e finalmente a chuva parou e o sol surgiu. Era a primeira vez que eu via o sol desde que iniciará o Caminho da Fé. O sol não durou nem cinco minutos e desapareceu. Começou a cair uma chuva fina e finalmente cheguei ao fim daquela estrada monótona e cheia de buracos. Ela terminava numa estrada asfaltada e as setas indicavam para eu seguir pela esquerda, por uma descida. De repente vi surgir no meio da chuva e das nuvens a cidade de Casa Branca, no alto de um morro. Esse seria meu destino final naquele dia. Aquela foi uma bela visão para um ciclista molhado, cansado e com frio.

Segui pela estrada asfaltada, numa descida longa e em curva, seguida por mais uma curva. Desci embalado e quando estava a 42 km/h descobri que os freios não estavam funcionando. Consegui não me apavorar e na hora lembrei-me de meu amigo Lucas Pierin e de tê-lo visto meses antes freando uma bike sem freio, com o pé. Na hora meti a sola do pé esquerdo no asfalto e assim consegui reduzir a velocidade e terminar a descida em segurança. Logo veio uma extensa subida, uma curva a direita e cheguei a Casa Branca. E foi chegar à cidade para cair um semi dilúvio. Fui seguindo a sinalização das setas amarelas pintadas em postes. Logo comecei a subir por um rua bastante íngreme, empurrando a bike. Ao lado da calçada descia tanta água que mais parecia uma cachoeira. Parei e lavei a bike na enxurrada, tirando todo o barro acumulado durante o dia, Também lavei meu tênis e pernas. Segui em frente e logo cheguei ao Santuário do Desterro, local onde passaria a noite. Tinha percorrido 33 difíceis quilômetros nesse dia.

Logo na entrada do Santuário existe uma igreja com uma bonita fachada, onde um mosaico mostra a fuga de Maria e José rumo ao Egito. Entrei no Santuário e logo uma pessoa veio me atender e me levou até um quarto coletivo. La já estavam dois caminhantes, Vinicius e Aluan, que faziam uma parte do Caminho da Fé a pé. Guardei a bike dentro do quarto, tomei um delicioso banho quente e arrumei e limpei minhas coisas. Depois fui andar pelo Santuário. Estava sendo realizado ali um retiro de carnaval com cerca de 150 pessoas, jovens em sua maioria. Fui até a igreja, rezei um pouco e depois fiquei olhando o local. Num canto fica a sepultura do Coronel João Gonçalves dos Santos, sua esposa e filhas. O Coronel, muitos anos antes construiu uma capela no local em pagamento a uma promessa. Com o tempo muitas pessoas iam até o local rezar e em 1936 no ali foi construído Santuário, onde no passado funcionou um Seminário. No altar da igreja está sepultado o Irmão Roberto Giovanni, ao qual são atribuídos diversos milagres e que se encontra em processo de canonização. Em uma sala próxima ao altar fica um armário onde guardam objetos e roupas que pertenceram ao Irmão Roberto, bem como objetos deixados pelos devotos como forma de agradecimento. Achei tudo aquilo muito curioso. Para quem não sabe, na Igreja Católica, Irmão é aquele que estuda, faz os votos igual um padre, mas não se torna padre, não reza missa. Após o curto passeio voltei para o quarto e dormi até a hora do jantar.

Pouco antes das 20h00min fui jantar em companhia do Aluan e do Vinicius. Jantamos com os participantes do retiro e aproveitei para conversar com algumas pessoas. A comida estava muito boa e eu com fome não me fiz de rogado e repeti duas vezes. Fui convidado para participar de uma celebração que aconteceria logo após o jantar. Aceitei o convite. Foi uma celebração interessante, com canções e uma pregação via telão, tudo muito espiritual. Teve um intervalo e fiquei conversando com uma moça chamada Michele, que me contou um pouco da história da cidade. Logo voltamos para a celebração, que terminou por volta da meia noite. Então fui dormir e lembrei-me do sonho de minha amiga Liliam, que felizmente não se concretizou, mas tinha sido por pouco, pois naquele dia eu tinha passado por vários apuros.

Igreja do Padre Donizete, Tambaú – SP.
Local para pegar água na  Igreja do Padre  Donizete.
O túmulo vazio do Padre Donizete.
Atravessando pinguela na saída de Tambaú.
Portal do Caminho da Fé. Tambaú – SP.
Trilha tomada pelo mato.
Estrada escorregadia.
Atravessando ponte sobre linha férrea.
Igrejinha perdida ao lado do canavial.
Descansando em frente a igrejinha.
Do lado direito, seta indicando o caminho.
Sujinho…
Mosaico da Igreja do Santuário do Desterro.
A bike guardada no quarto.
Túmulo do Irmão Roberto Giovanni.
Armário com objetos do Irmão Roberto.

CAMINHO DE PEABIRU

Galera reunida pouco antes de iniciar a caminhada no dia 11/10.
Galera reunida pouco antes de iniciar a caminhada no dia 11/10.
Manhã do segundo dia de peregrinação, partindo de Canjarana.
Manhã do segundo dia de peregrinação, partindo de Canjarana.

A peregrinação desse ano pelo Caminho de Peabiru foi ainda melhor do que a do ano passado. Pude rever amigos, fazer novas amizades e dessa vez o clima ajudou, pois não tivemos chuva. No primeiro dia o tempo estava nublado e caíram algumas gotas de chuva. Já no segundo dia o sol estava alto e fazia muito calor.

Todos esperavam que a exemplo do ano passado, nas refeições teríamos porco ou leitão, ou leitão e porco, mas por incrível que pareça não teve porco (e nem leitão) em nenhum das refeições. Comida foi o que não faltou e vale á pena destacar o “Boi na Brasa” que foi servido na primeira noite, em Campina do Amoral e a “Vaca Atolada” servida na segunda noite, em Canjarana. Em ambas as refeições repeti três vezes e achei que ia passar mal.

Não vou contar os detalhes da peregrinação segundo minha visão, mas vou contar utilizando o relatório oficial que foi publicado no site do Necapecan.

PROGRAMAÇÃO:

Simpósio – 10/10/2008

Horário: 20h30min.
Local: Associação Comunitária de Campina do Amoral/Luiziana
Jantar: Prato Típico:  boi na brasa
Pouso: Associação Comunitária de Campina do Amoral

Peregrinação 1º dia – 11/10/2008

6h às 6h45min – café da manhã – Associação Comunitária
6h45m. – exercícios de aquecimento e início caminhada
12h – almoço – cidade de Mamborê
14h – reinício caminhada
18h – Comunidade de Canjarana – Mamborê
20h  – Jantar – Vaca atolada
Pouso – Salão comunitário e acampamento no mesmo local

Peregrinação 2º dia – 12/10/2008

7h às 8h15m. – exercíco de aquecimento, dança guarani, escolhe-um, chuá, café-da-manhã  e  início caminhada
14h – almoço no município de Farol

Campo Mourão, dia  10 de outubro de dois mil e oito.

“Abra a janela ó querida
Venha ver o luar cor de prata…”

São mais ou menos quatro horas da tarde e um grupo de peregrinos, acompanhados do Ademar, da Regional de Turismo sediada em Cascavel, se dirige ao Parque do Lago. É ali já onde começa, então, a doce aventura da oitava peregrinação no Caminho de Peabiru da COMCAM. Em torno do totem guarani envelhecido, os peregrinos ouvem a história da cultura guarani na sua mística procura pela Terra Sem Mal. Conhecem-se. Ouvem-se nas histórias desconhecidas que trazem de distintos recantos, às vezes até nem tanto…

O totem foi implantado pelos próprios guaranis vindos da aldeia Araribá, município de Bauru, estado de São Paulo no dia 09 de outubro de 2004, por volta das dezoito horas pelo vice-cacique Marcílio, sua mãe e com toda a clã, finalizando o I Simpósio do Caminho de Peabiru da COMCAM. Ele marca o início do projeto na COMCAM. Traz a cor guarani vermelha do urucum. O traçado é em sapé guaimbê e em sua arte e estética é entalhado em quatro lados apontando para quatro direções: Norte, Sul, Leste e Oeste. Um lado protege as águas e a mata. Outro a estrada, outro o nascer e outro o pôr do sol. Representa o Pai de todos. Em cada peregrinação, em respeito e homenagem à tradição guarani da “busca da Terra Sem Mal” peregrinos se juntam ao Totem orientados pelo NECAPECAM.

Na seqüência, todos se preparam para a ida a Campina do Amoral, onde se realizará o VIII Simpósio  do Caminho de Peabiru da COMCAM. O ônibus sai da praça da Catedral, mas antes os peregrinos são chamados pelo Padre para que recebam a bênção da partida.

São  por volta de trinta quilômetros até Campina do Amoral, que levam o tempo suficiente para que a interação se inicie. Afinal, é mais um grupo novo, embora muitos já sejam peregrinos cativos. A volta é sempre gratificante, como é bom ver cada um que retorna!

Em Campina do Amoral já estão mais peregrinos, de Santa Catarina. Vêm trazer sua história, experiência do Peabiru como “o caminho que leva à montanha do sol”, conforme dirão mais tarde na oportunidade que terão para  transmitirem sua importante mensagem. A comunidade trabalha e o “boi na brasa” já invade o barracão num aroma irresistível. Mas, é preciso antes conhecer sobre Luiziana, o hospitaleiro município que tão bem recebe a caravana. Também conhecer um pouco mais sobre o Caminho de Peabiru da COMCAM, sobre o Caminho de Peabiru de Santa Catarina.

Professor José, líder da cultura luzinense conduz a cerimônia, acompanhado de Fátima, a Secretária de Educação e Cultura de Luiziana, do vereador local, reeleito, e do líder da anfitriã Campina do Amoral. Apresentam seu município, suas belezas naturais e oferecem a hospitalidade da comunidade da COMCAM, já tão peculiar e conhecida de grande parte dos peregrinos.

Na continuidade, Jefferson, da Secretaria de Meio Ambiente de Maringá fala da importância de se recuperar o eco-sistema no entorno do Caminho de Peabiru. Agora se junta ao grupo, contribuindo com seus conhecimentos e traduzindo a mensagem que repassa aos ouvintes: consciência e ação para uma mudança dignificante no sofrido ambiente em que vivemos. Bom lembrar que muitos peregrinos do Caminho de Peabiru se juntam a movimentos de “cura da Terra”, orientados pela nação indígena guarani, pelo desgaste que o planeta vem sofrendo desde as desenfreadas expansões colonialistas do século XVI. Jefferson foi capaz de demonstrar, de forma clara e segura, como contribuir para o resgate do eco sistema no entorno do Caminho de Peabiru. Obrigada, amigo! Quando as mensagens se encerram, o jantar é servido. Obrigada, José, Fátima, Marilene, Marius e Ricardo! O delicioso “boi na brasa” é prato típico de Luiziana e foi ali mesmo “engenhado”, atraindo centenas de visitantes no mês do aniversário do município, em outubro. Ricardo e Marius vêm de Santa Catarina e apresentam seu projeto do Caminho de Peabiru. Para eles, por causa do Monte Cristo, o projeto ganha o lema “Caminho da montanha do sol”.É muito prazeroso ouvi-los. Sejam bem-vindos, de agora em diante, seremos parceiros!

Gratos pela calorosa recepção, os peregrinos se  preparam para o pouso da primeira noite  no evento da VIII Peregrinação no Caminho de Peabiru. A noite não quer silenciar:  é o silo da COAMO que ininterruptamente alardia seu trabalho; e ó galo, imponente, majestoso, anunciando e   tecendo não só a  manhã, mas também a madrugada toda.  É a chuva que cai mansa, mas sem parar,  no telhado de prata da Associação.

São seis horas da manhã e num repente a luz quebra o sono de todos: Jaurita dá bom dia e começam os preparativos para o primeiro dia de caminhada. A equipe de apoio se movimenta, a comunidade mais uma vez prestigia os caminheiros com um reforçado café-da-manhã. Chegam novos peregrinos, na verdade, velhos e  esperados amigos. È hora do alongamento, depois da foto de todo o grupo, conforme sugere Porfírio, companheiro peregrino da Chapada dos Guimarães.

Os campos exibem o trabalho humano no capim seco e podado dos trigais, nas mudas viçosas dos milharais, do azevem . Aqui e ali se movimentam solitários trabalhadores na ininterrupta paisagem agrícola que expulsou a densa floresta dos pinheirais, das perobas. Uma e outra árvore denunciam aqui e lá a antiga floresta.

A frescura da limpa manhã saúda o peregrino. Por ele passam os amigos da equipe de apoio: a água, o cereal, a fruta, o remédio para os pés cansados. Aqui e ali também as águas límpidas de riachos escondidos pela parca vegetação ciliar são um convite para se refrescar,  para admirar…

As crianças completam a paz da paisagem na sua espontaneidade e graça. São filhos de peregrinos que compartilham da venturosa marcha que lembra a “busca da Terra Sem Mal” dos guaranis. Como essas crianças dignificaram e embelezaram  a VIII Peregrinação! Também há muitos jovens na caminhada, jovens que trazem a esperança de um futuro melhor, tão diferentes da juventude-massa que tristemente desfila diante de nós, na mídia cotidiana, que assiste à vida passar, jovens perdidos nos apelos consumistas da sociedade moderna e de seus efeitos desastrosos para a humanidade! Como é bom conhecer uma juventude sadia e sábia!

Ricardo e Marius procuram não perder nada de significativo, filmando, conversando, e acompanham passo a passo com o cachorro Muki a VIII peregrinação.

E a curiosidade se aguça na água de Sant’Ana. Professor José, no Simpósio, falara do olho da Santa, dos milagres daquele lugar. Os peregrinos ali banham seus cabelos, nutrem-se da milagrosa seiva.

Revigorados, continuam a caminhada rumo ao município de Mamborê.  Na paisagem, intercalam-se trigais e milharais, que hora descem, ora sobem movimentando o solo dadivoso de Luiziana, o maior município em extensão da COMCAM ( são 908.604 km2 com uma população média de 7.000 habitantes). Luiziana se destaca pela fanfarra que tem merecido os melhores prêmios do Brasil, pelas cavalgadas, pelas trilhas e cachoeiras.

Em Mamborê os peregrinos são recebidos pelos prefeito e vice-prefeito, pela comunidade, na Praça das Flores. Ali está um marco das peregrinações que a cidade recebeu tão acolhedoramente.  Seguem para o CTG, onde lhes é servido um delicioso almoço acompanhado das palavras amigas dos anfitriões e de intenso calor humano.

Após um breve descanso, o ônibus devolve os peregrinos ao seu itinerário. Rumo à Canjarana, cada um se encanta nas lembranças que deixaram os amigos mamborenses. A hospitalidade desse município será eternalizada nos corações peregrinos de muitas partes do Brasil.

A chegada a Canjarana é festiva. Distrito muito bem cuidado, possui uma lindíssima igreja, cujo padroeiro  é São Roque e amplo pátio onde se localizam o barracão de festa, os banheiros, tudo muito bem organizado. As belas jovens desfilam seus encantos enquanto mães e crianças se divertem na confraternização coletiva pelo Dia da Criança. Os peregrinos descansam no gramado. Banham-se e logo já estão  revigorados: o jantar é preparado pelo próprio vice-prefeito, Dominguinhos, que recebe os peregrinos como uma família. Dominguinhos traz sua família, o ambiente é acolhedor e solidário. Ao final, agora já com ainda mais visitantes, inclusive  o prefeito e sua família, o som gostoso da viola invade o barracão trazendo alegria e graça.

Mais uma noite desce. Os peregrinos, já cansados, quase que desmaiam. A noite os acolhe exaustos,  com uma lua escandalosamente bela.

Manhã se desenhando, os galos  preparam  a cantoria matinal, mas um outro  som mavioso  os supera:

Abre a janela, ó querida

Venha ver o luar cor de prata
Venha ouvir o som deste meu pinho
Na canção de uma serenata
Sei que dorme sonhando com outro
Desprezando quem é teu amor
Quem tu ama de ti nem se lembra
Quem te quer você não dá valor
 
Só a lua de mim tem piedade
Porque nunca me deixa sozinho
E não sabe fazer falsidade
Ilumina sempre meu caminho
E o sereno nas folhas da mata
Como o sol vai caindo no chão
Vai sumindo como o nosso amor
Foi se embora no teu coração
 
Como as nuvens que passa depressa
Foi assim que passou nosso amor
Só te peço que nunca se esqueça
Tudo aquilo que você jurou
E quem falta com o juramento
Com o tempo vai se arrepender
Porque o mundo é uma grande escola
Pra ensinar quem não sabe viver

Toninho da Gaita, Luiz Gonzaga, Noel Leotério, João Ribeiro, Luiz e Luizinho… eternamente grata a todos! È indescritível o sentimento que toma conta de cada peregrino nessa toada santa! Melodias que acompanharão com certeza muitas, senão todas as manhãs desses peregrinos…

É doze de outubro, dia da Padroeira do Brasil e há devotos de Nossa Senhora da Aparecida entre os peregrinos. Ela é homenageada pelos seresteiros, assim como Nossa Senhora do Rocio, padroeira de Paranaguá e do Paraná. Em meio à cantoria, dançam peregrinos. Depois de um belo repertório, lá se vão nossos encantadores pássaros mamborenses…

É hora de alongamento, de preparação para a caminhada do dia. Serão por volta de vinte quilômetros.

Moray Luza reúne os peregrinos na dança guarani, na brincadeira inocente de se olhar e se escolher, no energético chuá.

O chuá é uma criação de Moray Luza na primeira peregrinação. Vindo de São Paulo, capital, esse peregrino possui amplo conhecimento cultural e místico das tradições andinas, tendo sido um grande líder para os estudiosos do Caminho de Peabiru. Sua mensagem é de amplitude da compreensão humana, planetária, da paz mundial. Chuá lembra e representa as águas, o seu batismo e pureza.

Chega o café-da-manhã. Chega a hora de partir para o último trecho da peregrinação. Trinca-ferros, bem-te-vis,  curiós, pardais, quero-queros, anus, azulões e outros cantores encantam a natureza  e continuam a cantoria não deixando sós os peregrinos.

O olhar peregrino vê que a terra vai clareando, os pés vão pisando mais fofa e lentamente o solo, o relevo vai se aplainando… De repente é só  areia, mas é ainda o trigal, o milharal. Vêem-se pés de café, eucalipto para lenha, azevem, algum gado, ovelhas.

No meio da caminhada, já em Farol, outra fonte milagrosa: agora, as águas de João Maria…João Maria, o “Monge da Lapa” teria percorrido o Paraná, ajudando os necessitados, em diferentes épocas. Há quem diga que foram dois, três monges. Que todos os monges benzedeiros chamavam-se por força João Maria. Mas, há quem diga que é o mesmo, envelhecido a cada fase, naturalmente. Eram comuns as benzedeiras na época. João Maria seria apenas um benzedeiro? Em meados do século XIX o Paraná vivia intensos movimentos de colonização, de conflitos de posses, com intensas manifestações de cunho popular, religiosas. O místico João Maria surge nesse contexto.

Os peregrinos também ali banham seus cabelos, bebem de sua água e oram. Depois, debaixo das poucas árvores, sombra suficiente para acolher os corpos já meio cansados, divagam… Mas ainda falta mais da metade do percurso… é bom pôr os pés na estrada!

Muita areia, muda o vento, o sol se impõe bem mais forte. Os passos são mais lentos, mas o conforto da água, do cereal ajuda a continuar…

De repente, as vozes dos pássaros se perdem no som barulhento dos rojões que vêm da cidade: é a tradição dos fogos do Dia de Nossa Senhora Aparecida. É meio-dia e o ritual se estende até meio-dia e quinze. Silêncio novamente. Os primeiros peregrinos alcançam a sede do município. No estádio municipal a acolhida final do município mais jovem da COMCAM. Uma deliciosa refeição, antecedida de falas que agradecem, oram, saúdam…

Pierim e Amani conduzem as preces. Lembram da importância do dia para a cultura brasileira – dia da padroeira do Brasil- lembram do momento singular que nos reúne à volta da refeição tão carinhosamente oferecida pelos farolenses…

Esta VIII peregrinação marcou pelo apelo à harmonia, à união, com peregrinos trazendo suas famílias, filhos, numa convivência de ricas experiências e diálogo, o que muito ensinou a todos, com certeza. Lembrou a santidade e pureza das águas – duas fontes visitadas por crentes de toda a parte do Brasil e rios de águas límpidas… Lembrou a linguagem universal, a música, presente nos caminhos de Peabiru de Mamborê pelos seus encantadores cantores que definitivamente se fizeram presentes, pela sua melodia, nos corações de todos os peregrinos. Lembrou por tudo isso, a fé e a esperança num mundo melhor. A Terra Sem Mal  tem que ser possível.

É hora de partir, não sem antes, abraçar, fotografar. Os corpos estão cansados, mas as almas fortalecidas, já aguardando a nova aventura da nona peregrinação. Promessa de volta.

Obrigada, amigos peregrinos!

Obrigada a todas as autoridades municipais que tão bem acolheram a caravana!

Obrigada a todos que tornaram possível mais uma poderosa experiência de buscas e de encontros!

 

PEREGRINOS – 8ª PEREGRINAÇÃO NO CAMINHO DE PEABIRU

Peregrino

Cidade e Estado de Origem

Alexandra Y. Fernandes Brescansin

Maringá – PR

Antonio Porfírio da Silva

Chapada dos Guimarães – MT

Amani Spachisnki

Campo Mourão – PR

Celso Amâncio de Mello

Maringá – PR

Claudemir Pierin

Cambé – PR

Cristina Lidia Pienaro

Campo Mourão

Daniel Alexandre Moray Luza

São Paulo – SP

Danielli Salete Pereira

Cascavel – PR

Daisy Fontan Santiago

Maringá – PR

Edson Roberto Brescansin

Maringá – PR

Eliana Jacovós

Maringá – PR

Fabio Alexandro Sexugi

Peabiru – PR

Izalino Inácio Paixão

Ubiratã – PR

Jair Avelino Jacovós

Maringá – PR

Jeferson

Maringá – PR

Jeferson R. Spode Flores

Cascavel – PR

José Vanderlei Dissenha

Curitiba – PR

Lorenilda Oliveira

Campo Mourão-PR

Luciane Zuanazzi

Cascavel – PR

Lucas Santos Pierin

Cambé – PR

Marius Bantati

Joinvile – SC

Rafael

Maringá

Raquel Egidio Leal e Silva

Maringá – PR

Roberto Takechi Hirai

Maringá – PR

Rodrigo Zonta

Maringá – PR

Rosalindo Crepaldi

Maringá

Ricardo Gomes Moreira

Joinvile – SC

Sidnei Peres Junior

Maringá – PR

Sinclair Pozza Casemiro

Campo Mourão – PR

Valter Ferreira de Araujo

Maringá – PR

Zélia B. Braz Hirai

Maringá – PR

 Cavaleiros

Neuso de Oliveira

Mamborê

Neno Picinin

Mamborê

João Paulo

Mamborê

Luizinho

Mamborê

Felipe Moraes

Mamborê

Cavaleiros anônimos

Equipe de Apoio

Antonio Gancedo

NECAPECAM

Antonio

IAP

Cristina

Professora Educação Física

Darcy Deitos

Hotel Paraná Palace

Edson Battilani

IAP

Jairo Aloisio Araujo

NECAPECAM

Jaurita Machado Lessak

NECAPECAM

Maria Luiza da Silva

NECAPECAM

Manoel Sirino dos Santos

NECAPECAM

Marilene Celant Miranda da Silva

NECAPECAM

Silvio Cezar Walter

NECAPECAM

Vanessa

NECAPECAM

Enfermeiras e motoristas

Municípios de: Luiziana, Mamborê e Farol

Cozinheiros e cozinheiras

Municípios de: Luiziana, Mamborê e Farol

Fonte: http://www.caminhodepeabiru.com.br/