Caminho da Fé (11º dia)

“Peregrinar é respeitar o seu corpo, acariciar os seus pés todos os dias, deitar debaixo de uma árvore e se entregar. É tomar uma forte decisão: desistir, nunca.”

(Kátia Esteves) 

Levantei pouco depois das 8h00mim e não acreditei que tinha dormido por doze horas a fio. Minhas pernas doíam muito, em compensação a dor e o amortecido do pulso tinham desaparecidos. Arrumei minhas coisas, busquei as roupas no varal e desci tomar café na padaria que fica embaixo da pousada. Eram 9h45min quando parti. Atravessei a cidade e cheguei a uma passarela que passa por cima da rodovia Fernão Dias. Logo entrei numa estrada de terra e segui por várias descidas, em meio a muitas árvores. Depois cheguei a uma subida bastante íngreme e que foi difícil transpor. Quando cheguei ao alto dessa subida, olhei para trás e vi a cidade de Estiva, ao longe. Dali dava para ver muitos dos morros que tinha atravessado nos últimos dias. Era difícil acreditar que eu tinha superado toda aquela distância e aqueles morros. Do alto também dava para ver a chuva se aproximando. Logo começaram as descidas e corri bastante para fugir da chuva. Cheguei à pequena cidade de Consolação e parei numa pousada ao lado da igreja da cidade, onde carimbei minha credencial e aproveitei para almoçar. Durante o almoço era possível ouvir o som dos trovões e ver o tempo fechado. Fiquei parado na porta da pousada e um carro parou em frente. O motorista disse que estava vindo de Paraisópolis, meu próximo destino, e que estava chovendo muito por lá. Que era melhor eu esperar um pouco para pegar a estrada. Agradeci a informação e resolvi esperar. No fim das contas a chuva acabou não caindo em Consolação.

Quando o sol voltou, decidi que era hora de voltar a pedalar. Saí da pequena cidade e percorri três quilômetros por uma estrada asfaltada. Esse trecho asfaltado deve ser novo, pois não constava no guia. Logo entrei numa região muito bonita, com muitas retas e descidas discretas, passando por muitos pastos. Tive que passar por dentro de uma grande fazenda e próximo a uma casa um cachorro veio correndo em minha direção. Era uma pequena subida e não tinha como fugir do cachorro. Esperei pelo pior, imaginando uma forma de me defender. Ao chegar perto o cachorro saltou sobre a bike e para minha sorte ele só queria brincar. Foi um grande susto! Continuei seguindo por entre várias fazendas de gado, numa região bonita, onde aproveitei para tirar muitas fotos. No final do dia cheguei a uma subida íngreme e depois de passar por ela, teve um longa descida, bastante radical e cheia de buracos, onde precisei tomar bastante cuidado.

Cheguei à Paraisópolis bem no final da tarde e me hospedei na Pousada da Praça, ao lado da catedral da cidade. A dona da pousada, Jurema, foi muito simpática e me deixou a vontade. Até liberou uma mangueira para que eu lavasse a bike, que para variar estava toda embarreada. A pousada tinha um estilo todo especial, muito aconchegante e também foi um dos melhores lugares em que me hospedei durante a viagem pelo Caminho da Fé. Após limpar e arrumar minhas coisas, tomei banho e fui dar uma volta pela cidade. Lanchei e aproveitei para cortar o cabelo, que quanto mais curto, melhor fica para usar o capacete. Depois voltei para a pousada, onde coloquei o diário de viagem em dia, vi um pouco de tv e dormi cedo. Estava quase no fim da viagem. Se tudo corresse bem, faltavam apenas dois dias para chegar à Aparecida. Nos próximos dois dias pretendia fazer boas quilometragens, então era melhor descansar o maximo possível.

Primeiro trecho do dia.
Chegando ao alto de um morro.
A chuva surgindo ao longe.
Ao lado da igreja de Consolação.
Mais uma capelinha ao lado da estrada.
A chuva foi embora e o sol castigou.
O cachorro que só queria brincar.
Atravessando ponte dentro de uma fazenda.
Lugar tranquilo.
Note o passarinho sobre o cavalo.
Novas subidas a vista.
Pedalando sem parar…
Momento de descanso.
Vencendo mais uma subida.
Mais uma vaca pelo caminho.
Estrada que nunca acaba…
Outra capelinha.
Catedral de Paraisópolis.

Caminho da Fé (10º dia)

“Peregrinar é renunciar as vaidades e mordomias do cotidiano. É ir de peito aberto, ao encontro de pessoas de todas as nacionalidade, religiões e crenças. É a total falta de identidade que permite uma liberdade maior, sem máscaras. Não se sabe quem é pobre ou quem é rico. Isso não importa. Os julgamentos, comuns no dia-a-dia, são deixados de lado.” 

(Katia Esteves)

Levantei 8h30min, olhei pela janela e vi que fazia sol. Arrumei minhas coisas e fui tomar café. Perguntei sobre minhas três amigas e fiquei sabendo que elas tinham partido bem cedo. Não me demorei no café e logo parti. Atravessei a cidade e após uns dez minutos de pedalada cheguei numa estrada de terra. O sol estava forte, mas o barro era bastante, sinal de que tinha chovido muito durante a noite. Os primeiros quilômetros foram de curtas subidas e longas descidas. Após uma hora encontrei minhas três amigas, bem no início de uma longa subida. Subi junto com elas, empurrando a bike. Pegamos um trecho com bastante barro e passamos por um leiteiro, com sua caminhonete atolada ao lado da estrada. Ele pediu que avisássemos uma pessoa num sitio, um pouco a frente de onde estávamos, para que ela viesse o socorrer. E assim fizemos nossa boa ação do dia, parando no sítio e dando o recado.

Na metade da grande subida existia um local de descanso. Era um casa vazia, com uma gruta ao lado e ao lado da gruta uma torneira com água de bica. Eu e Vanda chegamos primeiro a essa casa e sentamos num banco, debaixo de uma árvore, onde ficamos ouvindo um “passo preto” cantando. Pouco tempo depois chegaram às outras duas. Fiquei uns minutos ali descansando, daí despedi-me das três e voltei a empurrar a bike pela estrada. A subida era enorme e parecia não ter fim, e caminhar sob o sol quente era bem desgastante. Cheguei à porteira de uma fazenda e tive que atravessar um pasto. Logo na entrada, debaixo de uma árvore muitas vacas estavam paradas a sombra, impedindo a passagem. Com bastante cuidado segui pelo canto da estrada e conforme avançava as vacas iam saindo da frente. Ao chegar perto de um bezerro, ele não saiu da estrada e sua mãe veio para cima de mim. Saí rapidamente de perto do bezerro e já estava quase subindo um barranco e deixando a bike para trás, quando a vaca brava desistiu de mim e parou ao lado do bezerro, numa posição de proteção. O susto foi grande e me afastei dali rapidinho. Segui mais alguns minutos pelo pasto, até que cheguei ao final da subida. Ao sair da fazenda tive certa dificuldade para passar com a bike por baixo de uma árvore que tinha caído sobre a porteira.

Cheguei a um local alto, no topo de um morro. A vista era muito bonita, dava para enxergar longe. Ali pude ver que o restante do dia seria subindo e descendo morros. Voltei a pedalar e após algumas retas longas, cheguei a uma grande e radical descida. Desci em boa velocidade e com todo o cuidado. Foi um trecho bastaste técnico, onde precisei aliar velocidade, equilíbrio e mãos no freio. Estou pegando prática em tais descidas, que já consigo descer em alta velocidade e com pouca margem de risco de queda. Passei pela placa que indicava que faltavam “apenas” 200 quilômetros até a cidade de Aparecida. Pouco depois cheguei a uma ponte caída, creio que por culpa das chuvas. Ao lado da ponte foi feita uma passagem provisória, uma estrutura de madeira não muito confiável e foi por ela que passei com todo o cuidado.

Às 13h00min em ponto cheguei à pequena cidade de Tocos do Mogi. Passei na Pousada da Dona Terezinha, para carimbar minha credencial e depois segui pela avenida principal da cidade. Parei em um bar e entrei para almoçar pastel de milho e Tubaína. O pastel era ainda melhor do que o da noite anterior. O recheio de queijo parecia requeijão. Paguei a conta e ao sair, um pessoal me chamou até uma mesa. Um dos rapazes, Nei, viu escrito Campo Mourão em minha camiseta e perguntou se eu era de lá. Então ele contou que tinha morado durante quase seis anos em Campo Mourão. Na mesa tinha um outro senhor, cuja prima mora em Cianorte. Sentei-me a mesa com eles e batemos um longo e animado papo. Todos foram muito simpáticos e ao tirarmos uma foto, chamaram até o dono do bar para se juntar a nós. Dentro do bar levei uma picada de marimbondo, que doeu muito. Daí lembrei-me do conselho do dia anterior e fiquei feliz por ter comprado uma caixa de antialérgico. Tomei um comprimido, despedi-me do pessoal e parti.

O sol estava ainda mais quente e minha vontade era de deitar debaixo de uma árvore e dormir. Mas não fiz isso, segui em frente e comecei a rodar por uma região muito bonita, uma serra com muito verde. Cheguei então ao início de uma descida bastante radical e longa. No fundo do vale era possível ver uma pequena comunidade e também a estrada. Respirei fundo, me enchi de coragem e desci a estrada feito louco, gritando muito, numa média de 40 km/h até chegar ao fundo do vale. Essa descida foi adrenalina pura, muito emocionante. No fundo do vale passei em frente de algumas casas e bares, cheios de pessoas. Não parei, segui em frente até chegar ao pé de uma grande subida. Essa região é conhecida por ser grande produtora de morangos. Levei um bom tempo subindo, e em alguns trechos mais íngremes a estrada possuía um calçamento, para possibilitar que os carros passassem nos dias de chuva. Fiz algumas paradas durante a subida, para descansar e também admirar a paisagem. Era possível ver a longa descida por onde eu tinha vindo e também parte da subida. Após o final da longa subida, passei por alguns trechos de retas e pequenas descidas.

Quase no final da tarde cheguei ao alto de um morro de onde era possível ver a cidade de Estiva, no fundo de um vale. Parei ao lado de uma cerca e fiquei alguns minutos admirando a vista do lugar. No meu caso, que não estava correndo contra o tempo, que não tinha pressa em chegar à Aparecida, eu podia me dar ao luxo de muitas vezes parar e curtir as belas paisagens do Caminho da Fé. Subi na bike e desci a longa estrada até chegar a Estiva. A cidade é pequena. Fui até uma pousada que constava no guia e chegando lá descobri que a mesma estava fechada. Felizmente existia outra e voltei alguns quarteirões até ela.

A Pousada da Poka fica em cima de uma padaria e é muito confortável. Foi um dos melhores lugares onde me hospedei durante a viagem. Depois de tomar banho, aproveitei para usar a lavandeira e lavei algumas roupas e meu tênis. Meu pulso estava muito dolorido e amortecido, por culpa da picada do marimbondo. Fui lanchar e ao voltar para a pousada encontrei um peregrino que também estava hospedado ali. Ele era apicultor e falei a ele sobre a picada de marimbondo que tinha levado e sobre meu pulso estar muito dolorido e amortecido. Ele me disse que algumas espécies de marimbondo tem a picada mais dolorida do que muitas espécies de abelhas. E que a dor e o amortecimento logo passariam. Fiquei mais tranqüilo com a informação e fui para meu quarto. Estava cansado e com o efeito do antialérgico, que provoca sono, fui dormir às 20h00min e só acordei doze horas depois.

O antigo Minas Hotel, em Borda da Mata.
Subida difícil, sob muito sol.
A bike estacionada em frente a porteira.
Casa vazia que virou ponto de descanso e água.
Local onde a vaca me atacou.
Faltando “apenas” 200 km para chegar em Aparecida.
Passagem ao lado da ponte que caiu.
No bar, em Tocos do Mogi.
Em Tocos do Mogi.
Pausa para descanso.
Estrada sem fim…
Passarinhos namorando.
Bela paisagem.
Saindo do “Vale dos Morangos”.
Admirando a paisagem pouco antes de chegar à Estiva.