Carta ao meu pai

Oi, velhinho!

Hoje faz seis meses que o senhor se foi. Às vezes parece que foi ontem; outras, parece que já faz tanto tempo… Seis meses, 180 dias, meio ano… Não importa como eu conte, a saudade é a mesma. Antes, eu achava que sabia o que era sentir saudade, mas descobri que não sabia nada. Não sabia sobre a falta que dói no peito, nem sobre como é perder para sempre alguém que amamos tanto. É uma dor parecida com a de amor, mas, ao mesmo tempo, diferente. Tem suas semelhanças, como lembrar da pessoa em momentos aleatórios, quando uma música, um filme ou uma comida trazem de volta tantas memórias.

Nunca imaginei que sentiria tanto a sua falta. O que me consola é saber que fiz a escolha certa anos atrás, quando decidi não sair de Campo Mourão novamente. Escolhi ficar porque sabia que o senhor e a mãe não viveriam muitos anos mais, e eu queria aproveitar esse tempo perto de vocês. Queria compensar os vinte anos que fiquei longe, perdendo festas, comemorações em família e o convívio diário.

Quem mais sofre com sua ausência é a Dona Vanda. Para ela, não tem sido fácil, principalmente porque está cercada de lembranças suas. Ela tentou se desfazer rapidamente de muitas das suas coisas. Talvez tenha sido uma maneira de aliviar um pouco a dor. Mas seu sofá continua vazio. Ninguém mais senta nele — nem os gatos. Às vezes, vejo um deles parado perto do sofá, olhando fixamente para o cantinho onde costumavam ficar com o senhor. Parece que eles também sentem sua falta e tentam entender por que o senhor não voltou mais para casa.

Sua TV nunca mais foi ligada. Seu carro continua exatamente no mesmo lugar e do jeito que o senhor deixou há seis meses. Quando vou à sua casa, evito entrar na sala ou olhar para o sofá. Foi nele que te vi pela última vez bem, sentado com um dos gatos no colo, conversando comigo. Mas também foi nesse sofá que te vi após o AVC, numa agonia que nunca vou esquecer.

Na noite de Natal, entrei na sala cheio de saudade e, ao ver o sofá vermelho, não resisti: me deitei nele. Foi impossível conter as lágrimas. Senti sua presença de alguma forma.

Aqui seguimos a vida, tentando cuidar da Dona Vanda da melhor forma possível. Tem dias que são difíceis. Dia dos Pais, seu aniversário, Natal, Ano Novo… Foram datas especialmente dolorosas porque a saudade apertou ainda mais.

O Tande continua fujão, mas a Dona Vanda está tentando segurá-lo um pouco. Ele, que não gostava de mim, agora vem pedir carinho e colo quando me vê. Talvez eu lembre o senhor de alguma forma, e isso o ajude a matar a saudade.

Às vezes, sinto sua presença. Sei que a mãe e meus irmãos também já passaram por situações parecidas. Dentro do que acredito, sei que o senhor pode nos visitar. Espero estar certo nas minhas crenças.

A maior dor não foi te ver nos seus últimos dias, agonizando até partir. Não foi te ver na UTI dentro de um saco plástico, escolher seu caixão, participar do velório ou do enterro. A maior dor acontece no dia a dia, de forma aleatória. É quando vejo algo que o senhor gostava, como uma comida, ou quando algo acontece e eu quero te contar — e aí lembro que o senhor não está mais aqui.

Fiquei com sua camisa do Santos, mesmo não sendo santista. Guardei como lembrança, porque sei o quanto o senhor gostava dela. Também fiquei com a camisa verde do grupo de caminhadas. Lembro de quando comprei aquela camisa e o senhor gostou tanto que acabei te dando a minha, pois não tinha mais delas a venda. Brinquei que era para cuidar bem dela, porque quando o senhor morresse, eu queria ela de volta. Nunca imaginei que isso realmente aconteceria, e que seria tão cedo. Na última terça-feira, usei a camisa e senti algo estranho que não consigo explicar.

Desde que o senhor partiu, tentamos resolver tudo que ficou pendente. Pagamos as contas, fomos às lojas onde o senhor tinha costume de assinar notas. Não queríamos que nada ficasse para trás. Se o senhor manteve o nome limpo em vida, não seria depois da morte que isso mudaria. Ainda falta cumprir uma promessa sua: levar uma muda de fruta-do-conde para sua otorrino. Em breve faremos isso.

Lembrei que, há quase um ano, o senhor veio me visitar pela última vez (foto no final da carta). Sentou ao meu lado, aqui onde estou escrevendo agora, e ficamos conversando. Não imaginei que seria sua última visita. Da mesma forma, não sabia que nossa conversa na sala de sua casa, no dia do AVC, seria a última. Agora percebo que, de alguma forma, o senhor sabia, pois não queria me deixar ir embora. Se pudesse imaginar que seria nossa última conversa, teria me sentado e passado a tarde contigo, conversando e vendo futebol na TV.

Não sei se um dia nos encontraremos novamente. Talvez sim, talvez não. Espero que o que acredito sobre espiritualidade seja verdade, mas não tenho certeza. Se eu demorar muito para partir, talvez o senhor já não esteja mais aí. Pode ser que tenha retornado ao mundo dos vivos, talvez até na mesma cidade ou na mesma família. Mas o que acredito pode estar completamente errado, porque ninguém sabe exatamente como são as coisas depois que morremos. O que temos são suposições e crenças, mas a verdade permanece desconhecida. Um dia eu vou saber. Mais cedo ou mais tarde, também terei que partir, e então descobrirei se existe um reencontro ou não. Seja como for, foi um privilégio te encontrar nesta vida.

Quero te agradecer por tudo, especialmente pela minha vida. Tivemos nossas diferenças, mas as resolvemos. Nos últimos anos, nossa convivência foi harmoniosa e amorosa. Conversando com a mãe e meus irmãos, percebemos que, nos últimos meses, o senhor parecia saber que sua hora estava chegando. Agora, algumas coisas que o senhor me falou e pediu nas suas duas últimas semanas de vida, fazem todo sentido.

Acredito que o senhor tenha visto, aí do outro lado, que não consegui chorar ao saber da sua morte. Também não chorei no velório nem no enterro. Eu queria chorar, mas não conseguia. De alguma forma, me fechei para encontrar forças e superar aquele momento de extrema dor. Só consegui chorar 29 dias depois, justamente no dia do seu aniversário. E foi assistindo a um filme! Não poderia ser diferente, já que os filmes, por alguma razão que desconheço, sempre foram a maneira mais fácil de me fazer chorar. Depois daquele primeiro choro, as lágrimas não pararam mais. Choro sempre que lembro do senhor ou vejo algo que me traz sua memória. Outro dia, chorei no Paraguai, ao olhar para um pacote de balas da marca que o senhor gostava e que eu sempre lhe trazia quando ia até lá.

Estou chorando agora, enquanto escrevo esta carta. Mas não me importo. Chorar é a minha forma de mostrar o quanto o senhor foi importante para mim.

Sinto muito a sua falta.

Até um dia (ou não)!

JVD

José Amilton e Vander (25/01/2024).

Adeus ao meu pai!

A partir de hoje minha vida mudou, pois, meu pai faleceu e nada será como antes. Vivi minha vida toda tendo um pai e agora ele se foi… A preocupação maior no momento é cuidar da minha mãe, que não está bem de saúde. E tentar seguir a vida com esse vazio que nunca será preenchido. Essa semana foi uma das mais difíceis de minha vida, pois vi e fiz coisas, passei por situações para as quais não estava preparado. Mas consegui ser forte e dei conta de tudo. E tudo o que vivi nesses últimos dias, me ajudaram a amadurecer e a rever certas coisas em minha vida, certos conceitos e opiniões.

No passado eu e meu pai tivemos sérios problemas de relacionamento, que felizmente nos últimos anos foram resolvidos, pois nos perdoamos, deixamos o passado no passado. Hoje entendo que o furacão que aconteceu em minha vida em 2010 e que me fez voltar para minha cidade natal e viver perto da minha família, tinha muitas razões e uma delas era para eu viver os últimos anos de qualidade de vida de meu pais, junto com eles. Eu tinha ficado 20 anos distante e perdi muitos aniversários, natais, dia das mães, dia dos pais e uma infinidade de momentos em família. E nos últimos 14 anos pude compensar os 20 anos de ausência e participei de tudo o que foi importante junto de minha família.

Nos últimos dois anos fiz muitas viagens para consultas médicas e exames, levando meus pais. E nessas viagens pude saber de histórias da vida deles que eu jamais tinha ouvido. As duas últimas noites que meu pai passou sedado num quarto de hospital, dormi numa cama ao lado da cama dele. Eu ouvia a respiração dele ao meu lado, e isso me fez lembrar de quando era criança e viajava com ele de caminhão e dormíamos lado a lado no sofá cama do caminhão. Fiquei ao lado de meu pai quase todas as últimas horas de vida dele e só não pude ficar o tempo todo ao lado dele quando ele foi transferido para a UTI. Eu que nunca tinha entrado numa UTI, de repente fiz várias visitas ao meu pai, vendo ele conectado a uma infinidade de aparelhos. E o pior momento foi quando ele faleceu e ao entrar na UTI vi ele dentro de um saco plástico. Esse foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Depois tive que passar pela desgastante função de avisar sobre a morte dele, ir no cemitério providenciar o enterro, ir no Prever escolher caixão, no cartório fazer a certidão de óbito. Meu irmão me ajudou, pois acho que sozinho não teria dado conta.

E então veio o velório, algo que não gosto e procuro nunca ver a pessoa falecida dentro do caixão. Muitas pessoas se fizeram presentes, sendo familiares, amigos de meu pai, de minha mãe, de meus irmãos e meus. Alguns amigos passaram a noite toda no velório me fazendo companhia. Nem sei como agradecer todo esse carinho. Recebi dezenas de abraços e palavras de carinho. E me mantive forte, preocupado em cuidar de minha mãe. Quase no final do velório uma amiga usou as palavras certas e me convenceu a ver meu pai no caixão. Toquei na mão dele e baixinho falei as últimas palavras de despedida. Fiquei um longo tempo ali ao lado do caixão e finalmente perdi minha fobia de ver as pessoas dentro de um caixão.

Ver o sepultamento foi outro momento muito difícil. E dizer que uma semana antes eu tinha ido ao cemitério visitar o túmulo da Família Dissenha. Naquela visita eu jamais podia imaginar que uma semana depois meu pai estaria sepultado naquele túmulo. O que mais me incomodou nisso tudo, foi que não consegui chorar. O tempo todo não derramei nenhuma lágrima. Eu queria chorar, pois sentia algo me sufocando, mas não consegui chorar. Isso não significa que eu não amo meu pai, que não tenho sentimentos. Sempre tive grande dificuldade para exteriorizar sentimentos, falar o que sinto. Tive problemas em relacionamentos passados, por culpa disso, pois nunca conseguia demonstrar o que sentia pela companheira. Ainda não chorei pela morte do meu pai e não sei se vou chorar. Mas sei que a dor que sinto é enorme, é intensa e só vai diminuir com o tempo. O que conforta é saber que ele morreu sabendo que eu o amava e eu sabendo que ele me amava. Nos perdoamos pelo passado. A última lembrança que vou levar dele é de horas antes do AVC que o levou a morte, quando na tarde de domingo me despedi dele, que estava sentado no sofá da sala de sua casa, com seu gato favorito ao seu lado, repousando a cabeça em sua perna. Os dias seguintes, as imagens dele sofrendo no hospital, morrendo aos poucos, essas quero apagar da minha mente.

E a vida não pode parar… Minha preocupação agora é cuidar e apoiar minha mãe, pois ela perdeu o grande amor de sua vida, o homem que entre altos e baixos dividiu o mesmo teto com ela nos últimos 58 anos. A saúde de minha mãe está frágil, mas vou cumprir uma promessa que fiz ao meu pai ao lado de seu caixão, que é cuidar e proteger ela até os seus últimos dias.

Vai em paz meu pai!

A útima foto com a família toda reunida. (28/04/2024)