Sábado, 18/04/2009:
Acordei ás 06h00min, com o despertador do celular gritando ao meu lado. Já dava pra ouvir os ruídos do pessoal se ajeitando para o café. Com muito custo sai da barraca, fazia frio e a vontade era de dormir mais um pouco. Logo lavei o rosto, escovei os dentinhos e fiz aquele xixi básico. Em seguida desmontei a barraca, esvaziei o colchão de ar e fui dar um oi para o pessoal. Vi muitas caras novas e entre elas também tinham alguns conhecidos das peregrinações anteriores de que tinha participado em 2007 e 2008. Dei uma olhada no café e mesmo não tendo o hábito de comer pela manhã, não resisti e fui fazer uma boquinha. Depois estacionei o carro dentro da escola e prometi ao vigia que até domingo a noite voltaria para buscá-lo.
Pouco depois das 07h00min embarcamos num ônibus e fomos até em frente á Igreja, bem no centro da pequena cidade. Éramos umas 60 pessoas entre peregrinos, equipe de apóio e pessoas da cidade que acompanhariam somente o inicio de nossa jornada. Após alguns curtos discursos, teve sessão de alongamento, oração e iniciamos nossa caminhada. Pela rua encontramos alguns moradores acordados, que nos olhavam com ar de curiosidade. Alguns foguetes foram disparados pelo pessoal da Prefeitura e isso deve ter acordado muita gente. O chato é que o os caras soltam o foguete e depois jogavam o foguete usado no chão, no mato. Conscientização ecológica igual a zero. Essa primeira caminhada não foi muito longa, paramos em uma espécie de pracinha onde existe uma gruta com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Após sessões de fotos embarcamos no ônibus e seguimos alguns quilômetros por estrada de terra até um distrito de nome Santo Rei. Paramos na pracinha em frente á Igreja e a Professora Sinclair contou a história do local para alguns moradores que se juntaram para ver o que estava acontecendo. Confesso que não prestei muita atenção no que ela contou, pois me afastei a procura de um banheiro e aproveitei para rezar um pouco na Igreja.
Não demorou muito e iniciamos efetivamente nossa peregrinação. Antes parei para fotografar alguns garotos que estavam de pé no chão e casas antigas de madeira. Então me coloquei a caminhar e tentava avistar algum conhecido para caminhar junto quando ao passar por algumas pessoas, uma moça perguntou por que estavam carregando mochila e cajado e eu não carregava nada? Então expliquei que o pouco de que precisava estavam nos bolsos da calça e que não gostava de caminhar utilizando o cajado, que preferiria seguir de mãos livres. Quem tinha feito a pergunta era a Zilma, que é de Campo Mourão e que mais tarde descobri ser prima da esposa de um primo e que conhece alguns membros de minha família. Outra que participava da conversa era a Christine, que veio de Joinville para participar da peregrinação. Ela já fez várias peregrinações em vários lugares, inclusive a mais famosa, o Caminho de Santiago. E assim foi seguindo a manhã e no grupo com o qual fiquei caminhando sempre aparecia alguém pra caminhar junto por um tempo, que depois de afastava para frente ou para trás. Logo aparecia outra pessoa e dessa forma ia conhecendo todo mundo. O trecho da manhã foi por um lugar bonito, com muitas montanhas e com muitos pastos repletos de bois. Também teve muitas subidas e conforme a manhã avançava o friozinho foi embora e esquentou.
Caminhamos uns 14 km e na hora do almoço paramos em uma pequena localidade chamada Cateto. Ali estavam preparando o almoço, cujo prato principal seria “Porco no Tacho”. Os pedaços de carne eram cozidos em tachos de latão, que estavam sobre tijolos no chão. A fome era imensa e a comida estava boa, mas não exagerei pois a caminhada da tarde seria longa e com o calor não era interessante comer muito porco, pois poderia ocorrer alguma reação inesperada. Eu já tinha estado nessa localidade com meu pai há uns 30 anos e pelo que vi ela não mudou nada nesse tempo todo. De interessante foi usar um banheiro sem porta, que apesar dessa particularidade não provocou nenhum incidente. Antes de partir ainda sobrou tempo de deitar num gramado e descansar um pouco.
Pouco depois das 13h00min retomamos nossa caminhada. A paisagem foi se modificando aos poucos, os pastos foram desaparecendo e começaram a surgir plantações entrecortadas por algumas matas. Até inicio dos anos 70 quase todo aquele lugar era coberto por matas de Araucária. A fronteira agrícola e as plantações de soja tomaram o lugar dos pinheirais. Hoje pouco coisa sobrou, existe uma ou outra pequena reserva espalhada. No meio da tarde eu já estava arrebentado e começou uma série de subidas infinitas. Era uma subida atrás da outra, onde você olhava pra frente e não via o final da subida. Comentei com o pessoal que estava “seco” por uma Coca-Cola gelada e que seria uma boa encontrar um vendinha pelo caminho. Mas logo lembrei que não carregava nenhum dinheiro. Não encontramos nenhuma vendinha, mas ao passar por uma pequena localidade tinha um local de festas ao lado de uma igrejinha, onde estavam vendendo refrigerante e cerveja. A Christine veio em minha salvação e me emprestou uma grana pra comprar minha sonhada Coca-Cola. Ela estava deliciosa e serviu para limpar a poeira da garganta. Antes de partirmos um senhor apareceu com uns espetos de madeira com churrasco daqueles de festa de igreja. Ele fez questão que o pessoal levasse o churrasco e assim os espetos seguiram em cima da Toyota da equipe de apoio.
O restante da tarde foi puxado, as subidas se juntavam uma a outra e logo chegamos numa estrada de terra larga que era movimentada e por essa razão muito empoeirada. Cada vez que passava um carro levantava muita poeira e íamos ficando imundos. Nessa parte andei quase o tempo todo junto com a Zilma e com o Professor Emerson. Ele é mineiro, vive no Rio de Janeiro, onde faz doutorado e veio fazer uma palestra sobre cultura indígena em Campo Mourão. O cara é gente boa e engraçado, ia contando piadas pelo caminho. Algumas vezes fizemos as paradas básicas ao lado do carro de apoio, para beber água e comer uma banana ou barrinha de cereal. Mas o cansaço era tanto e as energias estavam indo embora que logo me atraquei ao churrasco frio que tínhamos ganhado. E estava uma delícia, dei uma revigorada. Uma outra parada interessante foi em frente a um pequeno Cemitério, onde nos sentamos em umas pedras enfileiradas e pintadas de cal. Íamos pernoitar em uma fazenda e por mais que a equipe de apoio falasse que estávamos perto, essa fazenda nunca chegava. A Zilma não agüentou as dores no pé e seguiu no carro de apoio. Então seguimos eu e Emerson, mas logo ele resolveu andar mais rápido e decidi não acompanhar, pois estava com medo de meu problema no tendão começar a incomodar. Então na última hora de caminhada segui com duas novas companheiras, a Carmen que é de Campo Mourão e a Juliane, enfermeira que acompanhava a peregrinação e que se cansou de seguir de carro e decidiu caminhar um pouco. Ela acabou gostando da coisa e resolveu seguir caminhando até o fim. Era até engraçado vê-la de guarda-pó branco caminhando no meio da poeira.
Já estava escurecendo quando chegamos na fazenda do Sr. Miguel Burak. Boa parte do pessoal já estava lá se ajeitando. Alguns iam dormir em barracas, outros num barracão que ficava nos fundos da casa. Além dessas duas instalações existiam a Casa da Fazenda, um local coberto onde eram realizadas festas e uma igreja de madeira construída nos anos cinqüenta. Acabei decidindo por armar a barraca ao lado da igreja, num ponto estratégico próximo ao banheiro, ao local onde seria o jantar e onde estava claro pelas luzes, pois não tinha levado lanterna. Próximo acenderam um enorme fogueira.
O banho era na casa do Seu Miguel, onde existiam quatro banheiros com chuveiro elétrico. Tinha fila, mas dei sorte e quando fui tomar banho só tinha um na minha frente. Nada mais revigorante do que um banho quente após um dia puxado. Foi difícil tirar todo o pó do corpo e minha camisa que era branca tinha ficado marrom. Depois do banho fui para o social com o pessoal. Ficamos batendo papo, bebendo e ouvindo as cantorias de uma dupla sertaneja e um sanfoneiro que animavam o local. Logo começaram umas músicas gauchas e alguns foram dançar. Não resisti e mesmo com dores pelo corpo todo dancei um pouco. Em seguida teve a janta, cujo prato principal era Galinhada. Me acabei de tanto comer e depois fiquei batendo papo com o pessoal. Muitos foram dormir cedo, mas fiquei com uma turminha de umas dez pessoas conversando até 01h30min. Desligamos todas as luzes e ficamos ao lado da fogueira conversando e contando histórias. Terminei a noite deitado no chão, olhando para o céu com milhões de estrelas. Não tinha lua e estava tudo muito escuro, um céu maravilhoso. Acabei vendo cinco estrelas cadentes, nunca tinha visto tantas assim. Quando fui pra barraca e entrei no saco de dormir, simplesmente desmaiei e dormi o sono dos justos. Ao todo tinha caminhado por volta de 35 km.