Caminho de Peabiru – 2011

No sábado dia 16/04, aconteceu a 2ª PEREGRINAÇÃO NA ROTA SIMBÓLICA E TURÍSTICA DOS CAMINHOS DE PEABIRU NA COMCAM. Dessa vez foi uma caminhada de apenas um dia, onde percorremos cerca de dezesseis quilômetros a pé e mais alguns quilômetros de ônibus. Passamos por um trecho já conhecido, o mesmo que foi percorrido em outubro último. Saímos da periferia de Campo Mourão, almoçamos na Comunidade do Barreiro das Frutas e de lá fomos de ônibus até a Comunidade Boa Esperança. Então caminhamos até a cachoeira do Boi Cotó.

Quase que não participo dessa peregrinação, pois estava gripado e com fortes dores em minhas costas e perna, por culpa da hérnia de disco. Mas como participei de forma consecutiva das últimas cinco peregrinações, fiz um esforço para participar dessa. Encontrei o pessoal logo cedo, na Associação da Coopermibra, que fica perto de casa. Reencontrei muitos amigos de outras peregrinações, o que é sempre agradável. Também tinha um pessoal novo, do curso de Turismo da Fecilcam.

A caminhada iniciou na frente da Associação do Coopermibra e seguimos por estrada de terra, passando ao lado de uma mata e por terra recém arada. Depois andamos pela margem de uma estrada asfaltada, no Anel Viário da cidade, local por onde costumo andar de bike. Saindo da margem da estrada seguimos mais alguns quilômetros por uma estrada de chão, até chegar a Comunidade do Barreiro das Frutas, onde seria servido o almoço. Para mim não foi muito fácil caminhar, pois o mal estar provocado pela gripe me deixou muito cansado. Antes do almoço teve uma palestra com um casal de índios guarani: Mbei Mbei Tupã e Jaxy. Os temas da palestra eram TERRITORIALIDADES INDÍGENA GUARANI e EDUCAÇÃO INDÍGENA. Eu estava tão mal que abdiquei das palestras, e fiquei deitado atrás do pessoal que estava sentado prestando atenção nos palestrantes. Sei que dormi tão profundamente que cheguei a sonhar e depois me contaram que ronquei. Sei que não foi legal ter dormido, que perdi uma boa palestra, mas ou fazia isso, ou então não teria forças para caminhar durante a tarde.

Depois da palestra e do almoço, descansamos um pouco e embarcamos no ônibus da Fecilcam. Então seguimos até a Comunidade Boa Esperança. Desembarcamos, tiramos uma foto com todo o grupo e voltamos a caminhar. Nesse trecho o sol logo foi embora e acabou não sendo muito cansativo a caminhada. Passamos por dentro de uma reserva ecológica. Foi bem legal esse trecho, caminhar por dentro do mato é sempre interessante. Pouco depois das 16h00min chegamos à cachoeira do Boi Cotó. Mesmo gripado, não resisti e entrei na água. Senti frio e a noite mal conseguia falar de tão rouco que fiquei, mas mesmo assim valeu a pena entrar na água. Após o banho de cachoeira teve janta, onde foi servido “porco no tacho”. Jantar às 17h30min é muito cedo para mim e não consegui comer muito. Depois do jantar teve mais uma foto em grupo e retornamos para Campo Mourão, aonde chegamos quando já estava escuro.

Reencontrando amigos.
Caminhando sob sol.
Hora do almoço.
Comunidade Boa Esperança.
Santuário Ecológico.
Caminhando na mata.
Barro e mais barro.
Último quilômetro da caminhada.
Cachoeira do Boi Cotó.
Grupo reunido no Boi Cotó.

Caminho da Fé (13º dia)

“Pior que não terminar uma viagem é nunca partir.” 

(Amyr Klink) 

Acordei às 6h00mim e vi que ainda chovia e continuava frio. Sabendo que os setenta quilômetros que faltavam até Aparecida seria todo em asfalto, com muitas retas e descidas, resolvi voltar a dormir, pois não teria grande dificuldade para percorrer esse trecho final. Acordei novamente as 9h00min. Ainda chovia e o frio diminuiu um pouco. Arrumei minhas coisas, tomei um rápido café e me despedi da Bianca, agradecendo o bom atendimento. Os três peregrinos tinham saído bem cedo, seguiriam pelo caminho de terra, então não nos veríamos mais. Ao sair à rua, com chuva e frio, respirei fundo e lembrei da cama quentinha que tinha deixado há pouco. Cheguei até cogitar a possibilidade de ficar aquele dia na cidade, descansar, passear e fazer umas comprinhas. Mas logo mudei de idéia, pois até então não tinha parado nenhum dia e não queria fazer isso justamente no último dia. Sem contar que a ansiedade por chegar em Aparecida era enorme. Então melhor pegar a estrada e acabar logo.

Atravessei parte da cidade pedalando por uma ciclovia. Depois segui por uma rua até chegar ao famoso e belo portal da cidade. Após passar o portal, parei para tirar uma foto, da mesma posição de onde tirará uma foto meses antes. Alguns funcionários da Coca-Cola, que estavam do outro lado da estrada, gritaram para mim desejando boa sorte. Agradeci e segui em frente. O início da pedalada foi em subida, mas logo cheguei na parte de descida e comecei a descer a serra de Campos do Jordão. Segui pelo acostamento, pela mão correta. Eu não precisava pedalar, era só deixar a bike seguir no embalo. A estrada era bastante movimentada e perigosa. Meu maior problema era quando passava algum caminhão e jogava água em mim. Segui descendo a serra, com todo cuidado. No meio do caminho fiz uma parada num mirante ao lado da estrada. Descansei um pouco, bebi água e ia comer uma banana que tinha pegado na pousada antes de sair. Então surgiram dois cachorros, com cara de famintos. Fiquei com dó e dei minha banana a eles, que comeram e ficaram com cara de quero mais. Voltei à estrada e tive que atravessar um viaduto. Segui ao lado da mureta, que era baixa e qualquer descuido eu podia cair no precipício. Quando passava algum caminhão, dava o maior medo. Foi assustador passar por esse viaduto. Segui serra abaixo e a chuva não dava folga. Passei por um túnel e pouco depois cheguei ao final da serra. A chuva finalmente parou e o frio também.

Parei num trevo para tirar fotos e descansar um pouco. Daí voltei a pedalar e segui vários quilômetros por uma estrada reta e com curvas e descidas suaves. Após uma hora de pedal, cheguei a Pindamonhangaba e atravessei a periferia da cidade. Parei em uma padaria lanchar e voltei para a estrada. Era o trecho final, então o cansaço tinha ido embora e a ansiedade dominava. Percorri vários quilômetros por uma larga ciclovia que passa ao lado da estrada. Esse trecho é muito habitado e famoso pelos assaltos a peregrinos. Então evitei fazer paradas e não tirei fotos. Em trechos assim é melhor não mostrar objetos de valor. Segui numa velocidade constante, percorrendo grandes retas. Chegava a ser monótono passar por esse trecho. Quando a ciclovia acabou, passei a pedalar pela lateral da estrada, tomando cuidado com os carros. Pouco antes das 14h00min cheguei à Aparecida.

Em setembro do ano passado estive rapidamente na cidade de Aparecida, quando seguia viagem para o estado do Rio de Janeiro. Então algumas ruas por onde estava passando eram-me familiares. Fui seguindo as setas do Caminho da Fé e quando vi uma placa num poste informando que faltavam somente dois quilômetros para terminar o Caminho da Fé, o coração bateu mais forte. Mais alguns minutos pedalando e finalmente avistei o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. De meus lábios saíram um “Eu consegui!”. Era o último quilômetro a ser percorrido, e igual ao primeiro quilômetro que percorri, treze dias antes, lágrimas desceram pelos olhos. Não demorou muito e entrei no estacionamento do Santuário. Tinha percorrido setenta quilômetros nesse dia. Meu odômetro indicava que eu tinha percorrido 501 quilômetros pelo Caminho da Fé, um feito e tanto para mim. Parei no estacionamento, em frente ao Santuário e tirei algumas fotos. Então sentei no chão, sob uma fina garoa e ali fiquei durante muitos minutos, curtindo aquela sensação boa de dever cumprido. Fiquei curtindo o momento e lembrei-me de muita coisa que tinha acontecido nos últimos dias. Lembrei dos momentos de dificuldade, do cansaço, das pessoas que me ajudaram, dos amigos que fiz, dos cachorros que correram atrás de mim. Estava envolto por diversos sentimentos que não dá para explicar aqui, pois certas coisas a gente sente, não explica. Essa viagem foi uma grande aventura, um desafio, um exercício de fé, um feito extraordinário para mim. Algo para lembrar pelo resto da vida, e um dia na velhice contar para os netos.

Em Campos do Jordão.
Portal de Campos do Jordão.
Os cachorros famintos que encontrei na estrada.
Viaduto que foi dureza atravessar.
Trevo.
Quase lá…
Em frente ao Santuário de Aparecida.
Treze dias e 501 km percorridos.
Fim de viagem, momento de ralaxar.

Caminho da Fé (12º dia)

“Quanto mais simples a casa, mais sincero é o bom dia.”

 (Pato Fu)

Levantei bem cedo, pois nesse dia pretendia dormir em Campos do Jordão, distante 60 km. E nesse dia também passaria pela pior subida do Caminho da Fé. Arrumei minhas coisas, tomei um café da manhã reforçado e parti, pouco depois das 7h30min. Na periferia da cidade quase fui atropelado. Estava subindo uma rua tranqüila, quando um carro saiu da garagem de uma casa dando ré e atravessou a rua de uma vez. Por muito pouco a motorista do carro não me acertou em cheio. Total barbeiragem dela.

Saindo da cidade segui durante três quilômetros por uma estrada asfaltada, com ótimas descidas. Daí entrei numa estrada de terra e segui por grandes retas e muitas descidas. Com uma hora de pedal eu já tinha percorrido oito quilômetros, o que era uma boa quilometragem. Mas logo as descidas terminaram e cheguei à parte das subidas. Na primeira subida encontrei um boiadeiro tocando algumas cabeças de gado e tive que me espremer no canto da estrada para não ser atropelado. Vencida a primeira subida do dia, que não foi das maiores, passei a seguir por uma longa reta e cheguei a uma pequena comunidade, chamada Cantagalo. Vi uma faixa informando que no Bar do Alfredo, tinha carimbo para a credencial. Parei no bar, ganhei o carimbo, tomei uma Tubaína para matar a sede e conversei um pouco com o Alfredo, pessoa bastante simpática. Despedi-me e segui em frente.

Entrei numa região de mata fechada, um lugar bonito. Então passei por uma placa informando que estava na divisa de Minas Gerais com São Paulo. Após alguns dias eu voltava ao estado de São Paulo. Ao sair da área de mata, vi no fundo de um vale a cidade de Luminosa. Até a cidade seria uma grande descida, com várias curvas e onde eu sairia de São Paulo e voltaria para Minas Gerais. Luminosa é uma cidade mineira. A descida foi meio complicada, pois passei por um trecho com muitas pedras na estrada e tive que tomar bastante cuidado. Ao entrar na pequena cidade de Luminosa, parei para tirar algumas fotos e ao tirar a foto de uma égua parada em frente a uma casa, o dono dela fez questão que eu tirasse uma foto montado na égua. Seu Juca, o dono da égua, era um típico mineiro do interior, simpático e conversador. Montei na égua e tirei a foto. Depois sentei ao lado do Seu Juca e fiquei conversando com ele e com seu sobrinho, Elias, que estava na cidade a passeio. Seu Juca me convidou para almoçar em sua casa. Agradeci o convite e expliquei que precisava pedalar muito naquele dia e era melhor não almoçar, apenas faria um lanche leve. Despedi-me e segui em frente. Antes de sair da cidade, parei em uma pousada para pegar o carimbo na credencial.

Após sair de Luminosa segui por um reta longa e depois comecei a subir. Em algum lugar dessa subida devo ter voltado ao estado de São Paulo, mas não tinha nada sinalizando. Era o começo da maior subia do Caminho da Fé. Eu subiria cerca de novecentos metros de altitude e para isso percorreria uns sete quilômetros, sempre subindo. O jeito era empurrar a bike e sob o sol do meio dia a tarefa não era das mais fáceis. Minha água ficou quente e logo comecei a sentir fome. Arrependi-me de não ter aceitado o convite do Seu Juca, e também de não ter feito um lanche na cidade. Passei por uma pousada meio que perdida no alto da estrada. Como não vi ninguém, não parei para ver se vendiam comida. Entrei no meio de uma plantação de bananas e algumas bananeiras estavam com cachos de bananas maduras. Teve um momento em que senti vontade de pular a cerca e roubar algumas bananas. Mas roubar não é comigo, então desisti da idéia. Não andei cinqüenta metros e vi dois homens com enormes facões, no meio do bananal, colhendo bananas. Fiquei imaginando o que teria acontecido se eu tivesse invadido a plantação para roubar bananas e eles me vissem. Em meio a esses pensamentos segui em frente e numa curva, onde as bananeiras ficavam no alto, ao lado da estrada, vi algumas bananas boas caídas na estrada. Recolhi as bananas, verifiquei se estavam boas e as comi. Foram as melhores bananas que comi na vida e dessa forma matei minha fome sem precisar roubar. A subida foi ficando cada vez mais inclinada e não demorou para eu passar por uma porteira e entrar num pasto. Cheguei em uma pequena curva, muito inclinada e sofri para passar por ela. Depois cheguei a uma pequena reta e me sentei numa pedra ao lado da estrada para descansar um pouco. Dali a vista era muito bonita e alcançava muitos quilômetros de distância. Era possível ver a cidade de Luminosa ao longe e também parte da estrada que tinha percorrido durante a manhã. Após descansar alguns minutos segui em frente e logo encontrei um monte de vacas deitadas na estrada, impedindo minha passagem. Havia alguns bezerros e tomei bastante cuidado ao passar por eles. Felizmente não tive problemas e segui em frente.

A subida parecia não ter fim e quando cheguei ao final dela foi um grande alivio. Segui por uma pequena descida e algumas curtas retas, logo chegando a uma nova subida. Minha água acabou e sob o sol forte isso foi um enorme problema. Segui empurrando a bike e cheguei numa região com bastante araucárias. Em uma curva dei de frente com um monte de bois e vacas que estavam mais uma vez parados no meio da estrada. Ao tentar passar pela lateral, um boi partiu para cima de mim. Quase me joguei por cima de uma cerca de arame farpado. Tentei tocar o gado, mas eles nem se mexiam. Fui andando centímetro por centímetro, bem devagar ao lado da estrada e assim consegui passar por eles. Mais um susto sem conseqüências, felizmente. Algumas curtas retas e cheguei a uma região de mata fechada. Andar pela sombra era um alivio, pois o sol estava muito quente. Tive que enfrentar uma grande subida, com pedras soltas que me faziam escorregar. Não foi nada fácil passar por esse trecho, mas a recompensa veio quase no final da subida, quando encontrei uma fonte de água. Pude matar minha sede com uma água maravilhosamente gelada. Enchi minhas garrafinhas de água e segui em frente.

No meio da tarde finalmente cheguei ao final das grandes subidas e passei a percorrer uma região mais plana, onde em volta existiam muitas araucárias. Entrei em um trecho de mata fechada e segui por ele durante algum tempo. Depois cheguei a um trecho de descida e curvas, ainda no meio da mata. Passei por uma placa do Caminho da Fé que indicava que faltavam cem quilômetros até Aparecida. Continuei descendo pela estrada de terra no meio da mata e alguns minutos depois cheguei num cruzamento e a partir dali comecei a subir por uma estrada asfaltada. A estrada não tinha acostamento e possuía muitas curvas. Tive que tomar cuidado nas curvas, para não ser atropelado. O sol que tinha me castigado durante todo o dia, foi embora. Surgiu uma névoa e depois uma garoa fina. Empurrei a bike por cerca de meia hora, até chegar ao final do trecho de subida. Finalmente atingi a altitude máxima naquele dia e passei a percorrer uma longa descida, num trecho com muitas curvas. O tempo fechou de vez e começou a fazer frio. Para quem tinha passado calor a maior parte do dia, agora passava a sentir frio. Desci em alta velocidade, em alguns trechos cheguei a atingir 60 km/h. Fui tomando bastante cuidado nas curvas fechadas, e por sorte poucos carros passaram por mim. Passei pela entrada que leva ao complexo da Pedra da Baú, ponto turístico de Campo do Jordão e onde estive em setembro do ano passado. Por culpa da névoa não foi possível ver a Pedra do Baú. Desci tão embalado que acabei não parando na pousada que fica pouco antes da localidade de Campista. Essa pousada era ponto para carimbar a credencial. Parei somente no final da grande descida.

Eram pouco mais de 16h00min quando parei em um bar ao lado da estrada. Fiz um rápido lanche e conversei com o dono do bar. Estava sentindo muito frio e fiquei analisando minhas opções. Podia voltar três quilômetros e passar a noite na pousada que vi ao lado da estrada. Ou então seguir mais alguns quilômetros por estrada de terra, até Campos do Jordão. Escolhi a segunda opção, que era meu plano original. Ao lado do bar o Caminho da Fé seguia por uma estrada de terra, passando pelo meio de uma floresta. Tinha percorrido pouco mais de dois quilômetros pelo meio do mato, quando começou a chover forte. A estrada virou um lamaçal e nos trechos de subida, quando tinha que empurrar a bike, a situação piorava, pois o chão ficava escorregadio. Não tinha outra opção, era seguir em frente a qualquer custo. Eu estava muito cansado e sentindo cada vez mais frio. Teve um trecho no meio da mata, onde dava medo passar. Segui por mais de uma hora nessa estrada até que cheguei a um local sem mata, onde existiam retas e descidas e pude voltar a pedalar.

Cheguei às imediações da cidade e passei a pedalar no asfalto. Não demorou muito e voltei a percorrer uma estrada de chão, com muito barro. Depois de alguns minutos voltei a um trecho de asfalto, mais uma vez no meio do mato e foi aí que passei por um grande susto. Uma moto passou por mim, e na curva seguinte vi a moto parada ao lado da estrada, e o motoqueiro em pé no meio da estrada. Ao passar por ele, fui encarado de uma forma estranha e ao olhar para trás vi que o motoqueiro tinha subido na moto. Fiquei com a sensação de que seria assaltado e passei a pedalar rápido, com todas as minhas forças. Para minha sorte era uma longa descida e quando a moto me alcançou eu estava numa região com casas em volta e pessoas próximas, num ponto de ônibus. O motoqueiro passou por mim bem devagar, me encarando. Reduzi a velocidade e parei perto das pessoas no ponto de ônibus. Esperei alguns minutos e voltei a pedalar, ainda ressabiado. Finalmente cheguei efetivamente á cidade de Campos do Jordão e logo estava na avenida principal. Campos do Jordão era a primeira cidade na rota do Caminho da Fé, onde eu já estivera antes. A cidade é muito bonita e famoso ponto turístico do estado de São Paulo. No inverno a cidade é invadida por paulistanos de média e alta classe. É uma cidade cara, e por essa razão que em minha visita anterior fiquei hospedado em uma cidade próxima, onde as pousadas eram mais baratas.

Andei alguns quarteirões por uma avenida movimentada, sob chuva. Virei duas vezes à esquerda e cheguei à pousada que constava no guia. Por ser ponto de parada de peregrinos que percorrem o Caminho da Fé, essa pousada não é cara como as demais pousadas da cidade. Já estava escuro quando toquei a campainha da pousada. Eu estava cansado, molhado, cheio de barro e tremendo de frio. Quem me atendeu foi a Bianca, uma moça bastante simpática. Guardei a bike num depósito e levei minhas coisas até um quarto coletivo, cheio de beliches. Em seguida fui tomar um banho quente. Debaixo do chuveiro foi que me dei conta de que havia percorrido sessenta quilômetros, passando por trechos muito difíceis. Estava exausto, todo dolorido, mas feliz. No dia seguinte chegaria à Aparecida, finalizando minha viagem pelo Caminho da Fé.

Fui para o quarto, onde escolhi uma beliche inferior, num canto e me deitei. Descansei um pouco e fiquei pensando no que fazer. Precisava achar um local para comer e também queria comprar alguns chocolates, que são uma das especialidades da cidade. Mas estava frio, chovia e eu teria que sair de chinelos. Pensando no que fazer fui até uma sala, onde três peregrinos conversavam. Apresentei-me a eles e conversamos um pouco. Marcos e Marcelo, dois primos e outro senhor, de nome Serafim, estavam percorrendo o Caminho da Fé a pé. Eles tinham se conhecido pelo caminho, e estavam caminhando juntos. Um dos primos tinha machucado o joelho e daí pegaram carona no trecho final até Campos do Jordão. Serafim foi o único que atravessou o trecho final no meio do mato, e disse que também teve medo de passar por ali. Chegou o dono da pousada, Edson, e entrou na conversa. Daí a Bianca falou que faria janta, o que agradou a todos, pois não precisaríamos sair à rua para comer. Enquanto a janta era feita, engatamos um gostoso papo. Uma hora depois a janta foi servida, e comi bastante. Depois ficamos batendo papo por mais um tempo e o Edson chegou a cantar algumas músicas ao violão. Conversei um pouco com a Bianca e ela contou parte de sua vida, sobre ter morado no México e de como começou a trabalhar na pousada. Ela estava fazendo um trecho do Caminho da Fé, quando se hospedou na pousada e depois recebeu o convite para morar e trabalhar ali. Conversei com o Edson e ele me aconselhou a fazer o trecho entre Campos do Jordão e Pindamonhangaba, pelo asfalto e não pelo Caminho da Fé. Dei uma olhada no guia e ali também dizia que em dias de chuva não era para fazer esse trecho de bike, pois seria intransitável. Mais um pouco de papo com o pessoal, algumas fotos e todos foram dormir. Eu estava exausto e uma cama confortável era tudo o que queria. Somando-se a isso, o frio e o barulho da chuva, o sono veio logo, de forma intensa.

Saindo da Pousada da Praça, em Paraisópolis.
Boiadeiro que encontrei na estrada.
Com Seu Alfredo, em frente ao seu bar.
Últimas retas da manhã.
Divisa Minas Gerais – São Paulo.
Chegando à Luminosa.
Em Luminosa – MG.
Montado na égua do Seu Juca.
Com Seu Juca e Elias.
Passando pelo bananal.
Pausa para descanso.
Bela vista, de onde tinha passado.
Vacas na estrada.
Numa região cheia de araucárias.
Faltando 100 km.
Descida sem fim…
Marcelo, Marcos, Serafim, Edson e Vander.
Nessa foto a Bianca se juntou ao grupo.

Caminho da Fé (11º dia)

“Peregrinar é respeitar o seu corpo, acariciar os seus pés todos os dias, deitar debaixo de uma árvore e se entregar. É tomar uma forte decisão: desistir, nunca.”

(Kátia Esteves) 

Levantei pouco depois das 8h00mim e não acreditei que tinha dormido por doze horas a fio. Minhas pernas doíam muito, em compensação a dor e o amortecido do pulso tinham desaparecidos. Arrumei minhas coisas, busquei as roupas no varal e desci tomar café na padaria que fica embaixo da pousada. Eram 9h45min quando parti. Atravessei a cidade e cheguei a uma passarela que passa por cima da rodovia Fernão Dias. Logo entrei numa estrada de terra e segui por várias descidas, em meio a muitas árvores. Depois cheguei a uma subida bastante íngreme e que foi difícil transpor. Quando cheguei ao alto dessa subida, olhei para trás e vi a cidade de Estiva, ao longe. Dali dava para ver muitos dos morros que tinha atravessado nos últimos dias. Era difícil acreditar que eu tinha superado toda aquela distância e aqueles morros. Do alto também dava para ver a chuva se aproximando. Logo começaram as descidas e corri bastante para fugir da chuva. Cheguei à pequena cidade de Consolação e parei numa pousada ao lado da igreja da cidade, onde carimbei minha credencial e aproveitei para almoçar. Durante o almoço era possível ouvir o som dos trovões e ver o tempo fechado. Fiquei parado na porta da pousada e um carro parou em frente. O motorista disse que estava vindo de Paraisópolis, meu próximo destino, e que estava chovendo muito por lá. Que era melhor eu esperar um pouco para pegar a estrada. Agradeci a informação e resolvi esperar. No fim das contas a chuva acabou não caindo em Consolação.

Quando o sol voltou, decidi que era hora de voltar a pedalar. Saí da pequena cidade e percorri três quilômetros por uma estrada asfaltada. Esse trecho asfaltado deve ser novo, pois não constava no guia. Logo entrei numa região muito bonita, com muitas retas e descidas discretas, passando por muitos pastos. Tive que passar por dentro de uma grande fazenda e próximo a uma casa um cachorro veio correndo em minha direção. Era uma pequena subida e não tinha como fugir do cachorro. Esperei pelo pior, imaginando uma forma de me defender. Ao chegar perto o cachorro saltou sobre a bike e para minha sorte ele só queria brincar. Foi um grande susto! Continuei seguindo por entre várias fazendas de gado, numa região bonita, onde aproveitei para tirar muitas fotos. No final do dia cheguei a uma subida íngreme e depois de passar por ela, teve um longa descida, bastante radical e cheia de buracos, onde precisei tomar bastante cuidado.

Cheguei à Paraisópolis bem no final da tarde e me hospedei na Pousada da Praça, ao lado da catedral da cidade. A dona da pousada, Jurema, foi muito simpática e me deixou a vontade. Até liberou uma mangueira para que eu lavasse a bike, que para variar estava toda embarreada. A pousada tinha um estilo todo especial, muito aconchegante e também foi um dos melhores lugares em que me hospedei durante a viagem pelo Caminho da Fé. Após limpar e arrumar minhas coisas, tomei banho e fui dar uma volta pela cidade. Lanchei e aproveitei para cortar o cabelo, que quanto mais curto, melhor fica para usar o capacete. Depois voltei para a pousada, onde coloquei o diário de viagem em dia, vi um pouco de tv e dormi cedo. Estava quase no fim da viagem. Se tudo corresse bem, faltavam apenas dois dias para chegar à Aparecida. Nos próximos dois dias pretendia fazer boas quilometragens, então era melhor descansar o maximo possível.

Primeiro trecho do dia.
Chegando ao alto de um morro.
A chuva surgindo ao longe.
Ao lado da igreja de Consolação.
Mais uma capelinha ao lado da estrada.
A chuva foi embora e o sol castigou.
O cachorro que só queria brincar.
Atravessando ponte dentro de uma fazenda.
Lugar tranquilo.
Note o passarinho sobre o cavalo.
Novas subidas a vista.
Pedalando sem parar…
Momento de descanso.
Vencendo mais uma subida.
Mais uma vaca pelo caminho.
Estrada que nunca acaba…
Outra capelinha.
Catedral de Paraisópolis.

Caminho da Fé (10º dia)

“Peregrinar é renunciar as vaidades e mordomias do cotidiano. É ir de peito aberto, ao encontro de pessoas de todas as nacionalidade, religiões e crenças. É a total falta de identidade que permite uma liberdade maior, sem máscaras. Não se sabe quem é pobre ou quem é rico. Isso não importa. Os julgamentos, comuns no dia-a-dia, são deixados de lado.” 

(Katia Esteves)

Levantei 8h30min, olhei pela janela e vi que fazia sol. Arrumei minhas coisas e fui tomar café. Perguntei sobre minhas três amigas e fiquei sabendo que elas tinham partido bem cedo. Não me demorei no café e logo parti. Atravessei a cidade e após uns dez minutos de pedalada cheguei numa estrada de terra. O sol estava forte, mas o barro era bastante, sinal de que tinha chovido muito durante a noite. Os primeiros quilômetros foram de curtas subidas e longas descidas. Após uma hora encontrei minhas três amigas, bem no início de uma longa subida. Subi junto com elas, empurrando a bike. Pegamos um trecho com bastante barro e passamos por um leiteiro, com sua caminhonete atolada ao lado da estrada. Ele pediu que avisássemos uma pessoa num sitio, um pouco a frente de onde estávamos, para que ela viesse o socorrer. E assim fizemos nossa boa ação do dia, parando no sítio e dando o recado.

Na metade da grande subida existia um local de descanso. Era um casa vazia, com uma gruta ao lado e ao lado da gruta uma torneira com água de bica. Eu e Vanda chegamos primeiro a essa casa e sentamos num banco, debaixo de uma árvore, onde ficamos ouvindo um “passo preto” cantando. Pouco tempo depois chegaram às outras duas. Fiquei uns minutos ali descansando, daí despedi-me das três e voltei a empurrar a bike pela estrada. A subida era enorme e parecia não ter fim, e caminhar sob o sol quente era bem desgastante. Cheguei à porteira de uma fazenda e tive que atravessar um pasto. Logo na entrada, debaixo de uma árvore muitas vacas estavam paradas a sombra, impedindo a passagem. Com bastante cuidado segui pelo canto da estrada e conforme avançava as vacas iam saindo da frente. Ao chegar perto de um bezerro, ele não saiu da estrada e sua mãe veio para cima de mim. Saí rapidamente de perto do bezerro e já estava quase subindo um barranco e deixando a bike para trás, quando a vaca brava desistiu de mim e parou ao lado do bezerro, numa posição de proteção. O susto foi grande e me afastei dali rapidinho. Segui mais alguns minutos pelo pasto, até que cheguei ao final da subida. Ao sair da fazenda tive certa dificuldade para passar com a bike por baixo de uma árvore que tinha caído sobre a porteira.

Cheguei a um local alto, no topo de um morro. A vista era muito bonita, dava para enxergar longe. Ali pude ver que o restante do dia seria subindo e descendo morros. Voltei a pedalar e após algumas retas longas, cheguei a uma grande e radical descida. Desci em boa velocidade e com todo o cuidado. Foi um trecho bastaste técnico, onde precisei aliar velocidade, equilíbrio e mãos no freio. Estou pegando prática em tais descidas, que já consigo descer em alta velocidade e com pouca margem de risco de queda. Passei pela placa que indicava que faltavam “apenas” 200 quilômetros até a cidade de Aparecida. Pouco depois cheguei a uma ponte caída, creio que por culpa das chuvas. Ao lado da ponte foi feita uma passagem provisória, uma estrutura de madeira não muito confiável e foi por ela que passei com todo o cuidado.

Às 13h00min em ponto cheguei à pequena cidade de Tocos do Mogi. Passei na Pousada da Dona Terezinha, para carimbar minha credencial e depois segui pela avenida principal da cidade. Parei em um bar e entrei para almoçar pastel de milho e Tubaína. O pastel era ainda melhor do que o da noite anterior. O recheio de queijo parecia requeijão. Paguei a conta e ao sair, um pessoal me chamou até uma mesa. Um dos rapazes, Nei, viu escrito Campo Mourão em minha camiseta e perguntou se eu era de lá. Então ele contou que tinha morado durante quase seis anos em Campo Mourão. Na mesa tinha um outro senhor, cuja prima mora em Cianorte. Sentei-me a mesa com eles e batemos um longo e animado papo. Todos foram muito simpáticos e ao tirarmos uma foto, chamaram até o dono do bar para se juntar a nós. Dentro do bar levei uma picada de marimbondo, que doeu muito. Daí lembrei-me do conselho do dia anterior e fiquei feliz por ter comprado uma caixa de antialérgico. Tomei um comprimido, despedi-me do pessoal e parti.

O sol estava ainda mais quente e minha vontade era de deitar debaixo de uma árvore e dormir. Mas não fiz isso, segui em frente e comecei a rodar por uma região muito bonita, uma serra com muito verde. Cheguei então ao início de uma descida bastante radical e longa. No fundo do vale era possível ver uma pequena comunidade e também a estrada. Respirei fundo, me enchi de coragem e desci a estrada feito louco, gritando muito, numa média de 40 km/h até chegar ao fundo do vale. Essa descida foi adrenalina pura, muito emocionante. No fundo do vale passei em frente de algumas casas e bares, cheios de pessoas. Não parei, segui em frente até chegar ao pé de uma grande subida. Essa região é conhecida por ser grande produtora de morangos. Levei um bom tempo subindo, e em alguns trechos mais íngremes a estrada possuía um calçamento, para possibilitar que os carros passassem nos dias de chuva. Fiz algumas paradas durante a subida, para descansar e também admirar a paisagem. Era possível ver a longa descida por onde eu tinha vindo e também parte da subida. Após o final da longa subida, passei por alguns trechos de retas e pequenas descidas.

Quase no final da tarde cheguei ao alto de um morro de onde era possível ver a cidade de Estiva, no fundo de um vale. Parei ao lado de uma cerca e fiquei alguns minutos admirando a vista do lugar. No meu caso, que não estava correndo contra o tempo, que não tinha pressa em chegar à Aparecida, eu podia me dar ao luxo de muitas vezes parar e curtir as belas paisagens do Caminho da Fé. Subi na bike e desci a longa estrada até chegar a Estiva. A cidade é pequena. Fui até uma pousada que constava no guia e chegando lá descobri que a mesma estava fechada. Felizmente existia outra e voltei alguns quarteirões até ela.

A Pousada da Poka fica em cima de uma padaria e é muito confortável. Foi um dos melhores lugares onde me hospedei durante a viagem. Depois de tomar banho, aproveitei para usar a lavandeira e lavei algumas roupas e meu tênis. Meu pulso estava muito dolorido e amortecido, por culpa da picada do marimbondo. Fui lanchar e ao voltar para a pousada encontrei um peregrino que também estava hospedado ali. Ele era apicultor e falei a ele sobre a picada de marimbondo que tinha levado e sobre meu pulso estar muito dolorido e amortecido. Ele me disse que algumas espécies de marimbondo tem a picada mais dolorida do que muitas espécies de abelhas. E que a dor e o amortecimento logo passariam. Fiquei mais tranqüilo com a informação e fui para meu quarto. Estava cansado e com o efeito do antialérgico, que provoca sono, fui dormir às 20h00min e só acordei doze horas depois.

O antigo Minas Hotel, em Borda da Mata.
Subida difícil, sob muito sol.
A bike estacionada em frente a porteira.
Casa vazia que virou ponto de descanso e água.
Local onde a vaca me atacou.
Faltando “apenas” 200 km para chegar em Aparecida.
Passagem ao lado da ponte que caiu.
No bar, em Tocos do Mogi.
Em Tocos do Mogi.
Pausa para descanso.
Estrada sem fim…
Passarinhos namorando.
Bela paisagem.
Saindo do “Vale dos Morangos”.
Admirando a paisagem pouco antes de chegar à Estiva.

Dia de aniversário

Hoje fiz 41 anos… Tô ficando velho, ou melhor, ficando experiente. Diferente do ano passado quando meu aniversário foi meio estranho, esse ano foi um dia muito gostoso. Eu que nunca gostei de aniversários, que sempre detestei meu dia de aniversário, dessa vez curti a data. Passei parte do dia em Cianorte, com a Andréia e o restante do dia em Campo Mourão, com a família. A comemoração foi simples, em família, com direito a jantar fora, e depois comer bolo em casa. Durante todo o dia recebi muitas ligações, emails, mensagens via SMS, Orkut, Facebook e MSN. Foram pouco mais de cem pessoas me desejando feliz aniversário e muitas coisas mais. Então meu muito obrigado a todos que se lembraram dessa data e também para aqueles que esqueceram ou então lembraram e preferiram ignorar a data por algum motivo.

Vander e Andréia.
Jantar de aniversário.
Família comendo bolo.

Caminho da Fé (9º dia)

“Peregrinar é a decisão maior que o ser humano se permite, pois ele deve seguir em completa solidão, assim se encontrará consigo mesmo.” 

(Katia Esteves)

Acordei às 8h30min e fui arrumar minhas coisas. Tinha chovido a noite toda, sinal de que encontraria muito barro pelo caminho. Tomei o café da manhã, que é algo que nunca faço em casa. Durante a viagem sempre procurei tomar café da manhã, em razão do esforço físico que estava fazendo todos os dias. Saí à rua, fui levar a bike para consertar. Na bicicletaria tinha fila de espera, então deixei a bike lá e fui dar uma volta pela cidade. Queria conhecer melhor as antigas construções da cidade. Começou a cair uma garoa fina e mesmo assim continuei andando. Fui até a Catedral, que fica bem no alto da cidade. Depois fui a um Mercadinho, que o guia mencionava, e onde existia uma gruta com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Chegando ao Mercadinho descobri que a gruta estava desativada, passando por reformas. Conversei um pouco com o dono do Mercadinho, que é um entusiasta e apoiador do Caminho da Fé. Ele me contou sobre duas mortes de peregrinos, que aconteceram ano passado. Um deles era meio obeso e enfartou ao chegar a Aparecida, provavelmente por culpa do esforço físico e da emoção de chegar ao final do Caminho da Fé. A outra morte foi de um médico, picado por cinco abelhas e que por ser alérgico acabou falecendo ao dar entrada no hospital. O dono do Mercadinho perguntou se eu era alérgico a abelhas, pois existem muitas pelo caminho. Respondi que provavelmente não, pois já levei picadas de abelhas, vespas, marimbondos e nunca tive problemas. Então ele disse para eu comprar uma caixa de antialérgico, por precaução, já que estava viajando sozinho e em caso de ser picado por muitas abelhas e estando num local deserto, demoraria a conseguir socorro. Despedi-me, ganhei um carimbo na credencial e fui direto a uma farmácia comprar um antialérgico. Eu tinha decidido seguir os conselhos que me fossem dados, após os problemas com os pneus da bike.

Pouco antes do meio dia fui buscar a bike no conserto. Passei na pousada pegar minhas coisas e logo parti. Na saída da cidade entrei numa estrada de terra e segui por ela um bom tempo. O tempo estava nublado, o que era bom para pedalar, sem chuva ou sol quente. A estrada tinha bastante barro, nada que fosse problemático. Pretendia percorrer trinta quilômetros à tarde, até a cidade de Borda da Mata. Segundo o guia, o trecho era tranqüilo, com uma única subida grande. Após alguns quilômetros cheguei à pequena cidade de Inconfidentes. O guia dizia para parar no Bar do Maurão, para pegar o carimbo na credencial. O bar ficava na avenida principal e não tive dificuldade em encontrá-lo. No Bar do Maurão aproveitei para almoçar dois pastéis de queijo e tomar uma Tubaína. Depois fiquei conversando com o Maurão, que como todo mineiro é bom de conversa. Ele me contou algumas histórias sobre o Caminho da Fé e também sobre o médico que morreu em razão das picadas de abelha. Logo chegou a esposa do Maurão, que também entrou na conversa, contando fatos sobre peregrinos que por ali passaram. O papo estava bom, dava vontade de ficar mais tempo ali, mas eu precisava seguir em frente. Despedi-me e segui em frente.

Na saída de Inconfidentes, andei um pouco ao lado de uma estrada asfaltada. Logo voltei para uma estrada de terra e segui por ela um bom tempo. Pelo caminho passei por alguns locais com casas e alguns bares. Ao passar o pessoal ficava me olhando. Eu sempre cumprimentava todos que via, e as pessoas respondiam. Depois de quase uma hora cheguei a um local onde existia uma parada para descanso, debaixo de uma árvore, com bancos de madeira e uma torneira com água. Esse local tinha sido preparado pelo Seu Joaquim, um morador que tem apoiado o Caminho da Fé. Ali encontrei três senhoras, que estavam percorrendo o Caminho da Fé a pé, já fazia vários dias. Vanda, Adélia e Nair, eram de São Carlos – SP. Conversamos um pouco e descobri que elas eram nascidas em Goio-êre, uma cidade próxima a Campo Mourão e que viviam há muitos anos no interior de São Paulo. Quando nos preparávamos para partir, surgiu o Seu Joaquim, dono do lugar. Conversamos um pouco e logo minhas novas amigas partiram. Fiquei mais um tempo conversando com Seu Joaquim. Ele me contou sobre o início do Caminho da Fé, sobre como é bom viver num lugar tranqüilo igual aquele e sobre seus planos de construir uma lanchonete ao lado da estrada, como ponto de apoio aos peregrinos. Depois de um tempo despedi-me do Seu Joaquim e peguei a estrada.

Após pedalar uns dois quilômetros, encontrei as três peregrinas, no início de uma grande subida. Desci da bike e segui conversando com elas. Era a primeira vez que eu seguia pelo Caminho da Fé acompanhado por alguém. Conversamos sobre muitos assuntos. Diverti-me com algumas histórias que elas contaram e com as reclamações. Elas não tinham nenhum preparo físico quando iniciaram a peregrinação. Estavam seguindo na força de vontade, na fé. Fiquei admirado com a disposição delas. E achei engraçado quando paravam cansadas e fumavam um cigarro. Segundo elas, o cigarro era para dar uma força extra. Como não tinha pressa, acabei andando um bom tempo junto com as três. Chegamos a um lugar onde tinha alguns abacaxis ao lado da estrada. A Adele colheu um dos abacaxis e descascou para comer. As outras duas ficaram brincando que o abacaxi era venenoso. Foi me oferecido um pedaço, que educadamente recusei, não pelo medo de ser venenoso, mas sim por estar com aftas na boca desde o dia anterior e o abacaxi só pioraria a situação. Pouco antes das 17h00min me despedi das três e decidi voltar a pedalar. Ainda faltavam seis quilômetros até Borda da Mata. Segundo o guia, na cidade existiam dois hotéis, um novo e um antigo, de 1940. Eu queria ficar no hotel antigo e as três também. Então combinamos que ao chegar ao hotel eu reservaria um quarto para elas.

Os seis quilômetros até Borda da Mata foram tranqüilos, com duas subidas não muito fortes. Numa delas vi uma cobra atravessando a estrada. Com cuidado parei ao lado dela e tirei uma foto. A cobra era brava e tentou morder o pneu da bicicleta. Segui meu caminho e deixei a cobra seguir o dela. Não demorou muito e cheguei a Borda da Mata. Logo na entrada da cidade tinha uma subida pesada e desci da bike, passando a empurrá-la. Ao passar em frente a uma casa, um senhor que estava na varando perguntou se eu estava fazendo o Caminho da Fé sozinho. Respondi que sim e ele falou “Êita! Tem que ser muito corajoso para fazer isso!”. Ri do comentário e respondi que não precisava de coragem, mas sim de vontade e fé. Várias vezes durante o caminho, pessoas falaram que eu era corajoso em fazer o Caminho da Fé sozinho. Nunca me achei corajoso por isso. Apenas não tinha outra opção, já que não encontrei ninguém para viajar comigo. Então era viajar sozinho ou não viajar. E não via problema em seguir sozinho, apenas sabia que seria perigoso caso sofresse alguma queda, ou algum outro acidente e me machucasse seriamente. E também sabia que sozinho era mais vulnerável a assaltos. Mas nunca tive medo, sempre orava pedindo proteção e tinha certeza de que nada aconteceria comigo. Alguns chamam isso de fé…

Não foi difícil encontrar o Minas Hotel, que ficava numa esquina, no centro da cidade. Fui atendido pela Dona Maria, dona do local a quase cinqüenta anos. Ela me arrumou um quarto e depois reservou um para minhas três amigas. O hotel estava cheio naquele sábado. A Dona Maria foi à missa e me deixou encarregado de esperar minhas três novas amigas chegarem. Deixou-me a chave do quarto e me deu mais algumas coordenadas sobre o funcionamento do hotel. De repente me vi gerenciando o hotel. Mais uma vez alguém que nunca tinha me visto na vida, depositava confiança em mim. Ao entrar no quarto carregando o alforje da bike nas mãos, todo sujo de barro, me senti o verdadeiro “boiadeiro errante”, personagem de uma música do Sérgio Reis. Meu quarto era bem simples e antigo. Pelo visto não tinha mudado muito desde a construção do hotel. A única mudança era um banheiro que foi adaptado dentro do quarto, onde fizeram uma espécie de muro num canto e colocaram um chuveiro e um vaso sanitário. Deitei na velha cama e fiquei olhando para o teto e imaginando quantas pessoas já tinham dormido naquele quarto nos últimos setenta  anos. Muitos boiadeiros que chegavam em comitiva, com certeza dormiram ali.

Minhas amigas chegaram quando já estava escuro. As levei até o quarto delas e depois fui dar uma volta pelas proximidades do hotel. Na esquina oposta existiam duas praças, uma onde ficava a Catedral e outra com um chafariz. Em volta muitas lanchonetes e sorveterias. Parei numa sorveteria tomar um sorvete e depois entrei numa loja ao lado, que vendia produtos típicos de minas. Tinha muitas variedades de queijos e doces de leite. Deu vontade de comprar alguma coisa para levar para o pessoal de casa, mas como não podia carregar mais peso, achei melhor não comprar nada. Voltei ao hotel e descansei um pouco. Tinha combinado de jantar com as três peregrinas, mas no horário marcado somente a Vanda apareceu. Fomos em uma lanchonete próxima e fizemos um lanche. Então ela voltou para o hotel, levando lanche para as outras duas, que de tão cansadas que estavam, preferiram não sair do hotel. Dei algumas voltas pelo centro e depois sentei-me num banco da praça. Logo a praça começou a encher de pessoas. Muita gente bem vestida, passeando por ali. Sou do interior, conheço muitas cidades do interior, mas nunca tinha visto algo igual. Parecia que quase todos os moradores da cidade estavam passeando pela praça e arredores, e nem era noite de festa. Fiquei um bom tempo olhando o movimento, até que resolvi voltar ao hotel. No caminho passei em frente a uma pastelaria, que vendia “pastel de milho”. O guia dizia para provar essa iguaria local. Eu pensava que o recheio é que era de milho, mas na verdade é chamado de pastel de milho, porque a massa do pastel é feita com farinha de milho. Provei um com recheio de carne e outro com queijo. Era muito bom, uma delícia. Arrependi-me de ter lanchado antes. De barriga cheia fui para o hotel dormir. Ainda não tinha adormecido, quando começou a chover forte, sinal de estrada cheia de barro no dia seguinte.

Dia nublado, bom para pedalar.
Atravessando ponte.
Com o Maurão, em seu bar.
Adele, Vanda, Nair e eu.
Com Seu Joaquim.
Bem ao fundo aparece a cidade de Borda da Mata.
No pasto, uma antiga capela.
Adele e Nair, atravessando o barro.
Olha o abacaxi!
No meio do caminho tinha uma cobra…
Chegando a Borda da Mata.
Catedral de Borda da Mata.

Caminho da Fé (8º dia)

“Peregrinar é uma imagem de vida, encerrada em poucos dias, um tempo no qual tomamos verdadeiramente a consciência de nós mesmos.” 

(Anabela Coquenão)

Acordei às 8h00min, com muita dor no corpo e cogitei a possibilidade de tirar o dia para descansar. Logo mudei de idéia. Mesmo com dores o jeito era seguir em frente, sempre… Com muita preguiça levantei e arrumei minhas coisas, num passo de tartaruga. Antes de sair vi um Novo Testamento em cima de uma mesa e resolvi ler um trecho. Abri de forma aleatória e li um texto de Tiago, que falava sobre a paciência. Refleti um pouco sobre o que li, e entendi que devo continuar sendo paciente com a vida, pois dessa forma tudo vai se resolver. E essa viagem também está sendo um exercício de paciência, pois tenho seguido sem muita pressa, curtindo cada momento.

Ao pagar a conta do hotel, a moça que me atendeu disse que tinha me visto na rua no dia anterior. Saindo do hotel procurei uma bicicletaria para poder arrumar o freio. Também tinha um raio quebrado que tive que trocar. O cara que consertou a bike disse que seria bom eu trocar o pneu dianteiro, que não estava muito bom. Respondi a ele que já tinha trocado o pneu traseiro durante a viagem e que pretendia seguir até o final da viagem sem trocar o dianteiro. O cara da bicicletaria também disse que tinha me visto na rua no dia anterior. Pelo jeito estou ficando conhecido na cidade… rs! Saindo da bicicletaria parei fazer um lanche e peguei a estrada.

Após sair da cidade, entrei numa estrada de terra e segui por um longo trecho com bastante descidas. Mesmo com a forte chuva da noite anterior, não tinha muito barro na estrada. Talvez em razão do sol forte. Passei em frente uma escolinha, dessas de sítio, e os alunos ao me verem fizeram a maior festa, correndo para a cerca para falar comigo. Fui atencioso, mas preferi não parar. Cheguei a primeira subida do dia e depois dela novas descidas e retas, por uma região muito bonita. Então cheguei ao início da Serra dos Lima e teria que superar a segunda pior subida do Caminho da Fé. O sol do meio dia estava forte, a estrada com pedrinhas soltas que me faziam escorregar. Foi complicado percorrer esse trecho. Quase na metade da subida vi uma pequena capela e ao lado uma mina de água, fria. Parecia até uma miragem em meio ao deserto. Tirei as luvas para poder lavar o rosto. Sentei-me em frente a capela e fiquei um bom tempo ali, pensando na vida. Não tinha a mínima vontade de voltar a empurrar a bike morro acima, debaixo de sol. Mas tinha que seguir em frente e assim voltei para a estrada. Quase um quilômetro depois foi que dei falta das luvas, que ficaram ao lado da mina. Voltar para buscá-las seria complicado e achei melhor seguir em frente, sem as luvas. Se fosse algo de maior valor, até que valeria a pena voltar para buscar, mas as luvas já estavam bastante usadas e não valia o esforço de retornar. Nesse trecho passei a pendurar o capacete no guidão e a usar boné para me proteger do sol. Somente em trechos de descida é que colocava o capacete. Após chegar ao final da grade subida da Serra dos Lima, comecei a andar por um trecho com longas retas e descidas. Passei por um local onde estavam carregando um caminhão com batatas colhidas em uma plantação ao lado. Debaixo de uma árvore vi quatro moças sentadas. Elas estavam colhendo as batatas e vestidas igual bóias-frias, cheias de roupas. Ao passar por elas dei um ‘”boa tarde” e pude notar que as quatro eram muito bonitas, mesmo sujas e vestidas com roupa de trabalho. Segui pedalando e pensando na vida difícil que muitas pessoas levam. Logo comecei a descer novamente. As descidas eram tão íngremes que as mãos doíam de tanto apertar os freios. Em razão das pedras e buracos na estrada, não dava para correr muito, era mão nos freios o tempo todo. Cheguei num local de onde era possível ver a pequena cidade de Barra, no fundo de um vale. E do outro lado do vale dava para ver a estrada e as subidas que me esperavam mais tarde.

Na entrada de Barra, passei por algumas vacas soltas ao lado da estrada. Precisava passar por um mata burro, sobre um rio. E bem no meio do caminho tinha uma vaca enorme, grávida, possivelmente de gêmeos. Gritando tentei fazer a vaca sair da frente, mas isso a deixou brava e ela ficou me encarando com cara de poucos amigos, e nem arredava as patas de onde estava. Gritei mais um pouco, tentei falar com a vaca, até pensei em tacar alguma pedra nela. De repente, do nada chamei a vaca pelo nome de uma pessoa e a vaca saiu da estrada. Comecei a rir. Será que o nome da vaca era o mesmo dessa pessoa, que por razões obvias não vou citar aqui? De qualquer forma a vaca liberou o caminho e segui em frente.

Barra é uma cidade pequena e tranqüila, um lugar bucólico. Logo na entrada da cidade vi um monte de canarinhos numa cerca, uns vinte. Começou a cair uma garoa fina e parei num Mercadinho, com a intenção de comer alguma coisa. Acabei almoçando dois potes de sorvete. Sentei em frente a porta do Mercadinho e fiquei tomando o sorvete e curtindo o momento, a tranqüilidade do lugar. A sensação era de que naquela cidadezinha o tempo tinha parado. Acredito que passar uns dias ali cura qualquer estresse ou depressão. Senti-me feliz por estar ali, num lugar tranqüilo, no meio do nada, curtindo a vida, o momento. Algo bem diferente de minha vida um ano antes. Nada como um dia, uma semana, um mês, um ano após o outro… Fiquei quase uma hora sentado naquele Mercadinho, meditando sobre a vida. A única coisa que achei estranho foi o açougue que funcionava nos fundos. As carnes ficavam penduras, a mostra, sem preocupação com refrigeração.

Precisava seguir em frente e perguntei para a dona do Mercadinho, onde podia conseguir o carimbo para minha credencial do Caminho da Fé. Ela respondeu que seria na Pousada, que fica atrás da igreja, mas que não tinha ninguém lá aquela hora. Lamentei ficar sem o carimbo de Barra e então a dona do Mercadinho disse que eu podia ir até a Pousada e entrar, pois os donos deixavam o lugar aberto e o carimbo em cima da mesa. Fui até a Pousada, meio sem jeito entrei e fui até uma mesa onde encontrei o carimbo. Mais uma vez fiquei impressionado com a confiança que o pessoal deposita em estranhos. Saí rapidamente e resisti a tentação de pegar uns biscoitos que estavam sobre a mesa e tinham aspecto de serem apetitosos. Atravessei a cidade e logo cheguei num lugar, cuja foto estava no guia e que desde a primeira vez que li o guia, mais de uma ano antes, tinha sido a foto mais bonita que vi. Agora estava ali, em frente a paisagem da foto que admirei durante vários meses. Foi um momento gostoso, difícil de explicar.

Após tirar algumas fotos, saí de Barra e logo cheguei numa grande subida, com muito barro. Foi um esforço imenso empurrar a bike morro acima, com todo aquele barro. Após a subida entrei num trecho cercado de mata e atravessei dois riachos, dessa vez sem molhar os pés. Saindo da mata, entrei numa parte com muitas descidas. Em volta a paisagem era exuberante, com muito verde. Era possível enxergar a quilômetros de distância, uma paisagem de beleza tão grande que não é possível captar com a câmera, é o tipo de beleza que você guarda na mente. No final do trecho de descidas cheguei a uma pequena localidade que não recordo o nome. Passando em frente a uma escolinha, vi uma moça lavando a calçada com uma mangueira. Parei e pedi para encher minhas garrafinhas com água. Conversei um pouco com a moça, que fez perguntas sobre de onde eu era, sobre o Caminho da Fé. Despedi-me e segui em frente, passando ao lado de uma antiga casa de fazenda, muito bonita.

O restante da tarde fui alternando trechos de curtas subidas e descidas. Tudo ia bem, até que o pneu da frente esvaziou. Tentei encher com a bomba de ar e percebi que ele tinha um pequeno furo. Na hora lembrei-me do conselho do rapaz da bicicletaria em Andradas. Mais uma vez tinha ignorado um conselho sobre trocar pneu e fiquei na mão. Decidi que ia ouvir mais os conselhos que me dessem pelo caminho. Os quilômetros seguintes foram de muitas paradas para encher o pneu da bike e seguir pedalando, até parar novamente e encher o pneu.

Ás 17h00mim cheguei a cidade de Crisólia e parei no Bar da Zetti, para carimbar a credencial do Caminho da Fé. Aproveitei para tomar uma Tubaína gelada e descansar um pouco. Informei-me sobre a existência de algum lugar na pequena cidade, onde pudesse consertar o pneu, e a respostas foi que não existia nada. A Zetti me aconselhou a seguir pela estrada de asfalto, até Ouro Fino, meu próximo destino. Segundo ela, seriam somente quatro quilômetros, quase todo em descida. Já se eu fosse pelo Caminho da Fé, seriam sete quilômetros, com algumas pequenas subidas. Optei por seguir pelo Caminho da Fé, mesmo correndo o risco do pneu me deixar na mão de uma vez e eu ter que empurrar a bike. Despedi-me da Zetti e peguei a estrada.

Não demorou muito e passei por uma árvore onde estava pregada uma placa indicando que faltavam 250 quilômetros até a cidade de Aparecida, meu destino final. Ou seja, eu tinha atingido exatamente a metade do Caminho da Fé, o que me deixou bastante contente. O pneu colaborou e após parar umas três vezes para enchê-lo, finalmente cheguei à periferia de Ouro Fino. Ali passei por um momento delicado. Ao descer em alta velocidade por uma estrada asfaltada, na entrada da cidade, vi três rapazes e uma moça saírem do meio do mato, logo a minha frente. Como eu estava em alta velocidade, eles só me viram quando passei por eles, e se assustaram. Deu para sentir o cheiro da maconha que eles fumavam e imagino que se fosse num trecho de subida, ou então se tivessem me visto antes, eles teriam me assaltado. Nas pequenas cidades por onde passa o Caminho da Fé, não existe grande risco de assaltos. Já próximo às cidades maiores esse risco aumenta e li relatos de peregrinos que foram assaltados, quase sempre por usuários de drogas. Infelizmente o consumo de drogas e a violência que envolve esse consumo, está se transformando um problema muito grande em todo o Brasil. E nossas autoridades não dão muita bola a isso e continuam tratando os usuários como coitadinhos, nem para a cadeia vão. Na verdade se não existir o usuário, não existe o grande traficante. Então se deve coibir o uso da droga e punir os pequenos usuários, pois se continuar como está, a violência só vai aumentar, já que o consumo desenfreado de drogas fomenta cada vez mais a violência.

Ao entrar na cidade de Ouro Fino, o pedal esquerdo quebrou. Por sorte eu estava no final de uma pequena subida, a baixa velocidade. Se a quebra do pedal acontecesse quando eu estivesse correndo bastante, isso poderia ter causado um sério acidente. Parei na estátua do Menino da Porteira, para tirar fotos. A cidade de Ouro Fino ficou famosa em todo o Brasil, graças a música “O Menino da Porteira”, que foi gravada pelo cantor Sérgio Reis, em meados dos anos setenta. Um dos compositores dessa música possuía um sítio nos arredores da cidade, e talvez por isso tenha citado a cidade na música. A estátua é bonita, tem dez metros de altura e ao lado tem uma placa de bronze com a letra da música e embaixo a mão do Sérgio Reis moldada no gesso.

Quando deixei a estátua para trás e entrei na cidade, já estava escuro. Segui empurrando a bike com o pneu totalmente murcho, até chegar numa pousada bem no centro da cidade. A pousada era legal, mas estranhei pedirem o pagamento adiantado. Era a primeira vez que isso acontecia. Fui para o banho e ao sair vi que minhas pernas a cada dia tinham mais marcas de arranhões e de picadas de insetos. Estavam ficando feias com tantas marcas. Logo saí e dei uma volta pela cidade, que é bastante antiga, com muita história e que possui construções antigas e conservadas. Jantei em um restaurante simples, antigo e simpático. A comida era boa demais e acabei exagerando. Depois dei mais uma volta pelo centro, para fazer a digestão. Voltei para a pousada e fui direto para a cama. Mal deitei e começou a chover. Com o barulho da chuva foi ainda mais gostoso dormir.

Estrada poeirenta.
Capela onde esqueci minhas luvas.
Bela paisagem.
Mais uma igrejinha perdida.
Longa estrada…
Capelinha ao lado da estrada.
Região de serra.
No fundo do vale, a pequena cidade de Barra.
Vaca prenha no meio da estrada.
Mata burro sobre o rio.
Igreja de Barra.
Minha paisagem favorita.
Lugar bucólico.
Barro na subida.
Atravessando o pequeno riacho.
Antiga casa de fazenda.
Uma das muitas paradas para encher o pneu furado.
Em frente a estátua do Menino da Porteira. Ouro Fino – MG