Estrada Real – 9° Dia

Passa Quatro/Lorena/Guaratinguetá/Aparecida

(Resumo)

Segui cinco quilômetros por dentro da cidade, por uma rua ao lado do trilho do trem. Depois entrei na rodovia e de cara enfrentei uma longa subida. O sol estava forte e o dia bonito. Pedalei por mais algumas subidas, atravessando uma pequena serra. A paisagem era muito bonita e isso ajudava no esforço de pedalar forte para vencer as subidas em sequência. E como na maior parte das estradas mineiras, não tinha acostamento. Eu seguia pelo canto da pista e em algumas curvas tive que seguir por dentro da canaleta existente em alguns trechos, quase sempre nas curvas. O trânsito não era muito intenso, e não corri grandes riscos. Levei pouco mais de uma hora para vencer a serra e suas subidas. Parei em um posto de gasolina na beira da estrada e bebi uma Guaranita estupidamente gelada. Esse refrigerante estava virando o meu novo vício!

Voltei a pedalar e após algumas retas e subidas, cheguei na divisa dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. Ao lado da estrada tinha um monumento em homenagem aos mortos em uma batalha da Revolução de 1932, que tinha ocorrido ali perto. Tirei algumas fotos do monumento e depois empurrei a bicicleta alguns metros até a placa que indicava a divisa dos dois Estados. Fiz algumas fotos em frente a placa e em um marco da Estrada Real que ficava perto da placa. Me despedi de Minas Gerais e empurrei a bicicleta até um monumento existente do outro lado da estrada, já no Estado de São Paulo.  Esse monumento também era em homenagem a Revolução de 1932. E nele tinha uma imagem enorme de Nossa Senhora Aparecida. No local existia um mirante de onde era possível ver muitos quilômetros ao longe. A vista era bonita!

Descansei um pouco, bebi água quente de minha garrafa e segui viagem. O pedal ficaria mais fácil, pois seria descida serra abaixo e no lado paulista a estrada tinha acostamento. E bem conservado por sinal! Seriam aproximadamente 14 quilômetros de descidas e muitas curvas. Desci pelo acostamento, tomando cuidado e com a mão no freio, até pegar o jeito da descida e das curvas e me sentir seguro para correr um pouco mais. Por segurança resolvi seguir pelo acostamento, pouco atrás de um caminhão carregado que descia a serra. Depois de alguns quilômetros cansei do barulho do caminhão e resolvi ultrapassa-lo. Foram muitos quilômetros divertidos em alta velocidade serra abaixo. Quando não ouvia o barulho de veículos, eu seguia pela estrada. Seguia com a cabeça um pouco virada, para poder ouvir melhor o ruído de veículos vindo por trás de mim. As mãos começaram a doer de tanto apertar os freios. Mesmo freando eu seguia veloz serra abaixo e nas curvas tinha que frear ainda mais forte. O peso do alforje traseiro tira a estabilidade da bike na descida e todo cuidado era necessário para não cair. Em uma curva muito fechada tomei um susto ao ver um carroceiro seguindo pelo acostamento a minha frente. Quase bati na traseira da carroça, pois o mato ao lado da estrada estava alto e atrapalhava a visão.  Fiquei com receio de algum carro bater na carroça e fiquei parado no acostamento sinalizando para os carros que vinham para que diminuíssem a velocidade. Depois de alguns minutos voltei a pedalar e não demorei para ultrapassar o carroceiro, que parecia ter tomado umas a mais. Cheguei muito rápido ao final da serra e durante a viagem esse foi o trecho onde obtive a maior velocidade média.

Vencida a serra passei a andar por longas retas. O acostamento era lisinho e segui num ritmo forte e constante. Passei por um rio de água cristalina, mas não senti vontade de ir até a água. Continuei pedalando forte e fui parado por duas cariocas em um carro, que queriam informação. Como eu não era dali não pude ajudá-las e cada um seguiu seu caminho. Mais alguns quilômetros e parei para um rápido descanso na beira da estrada. Olhei para trás e ao longe podia ver os morros da serra que tinha descido cerca de uma hora antes. Eram lindos e assustadores. Penso que os ciclistas que fazem o Caminho Velho no sentido contrário ao meu, seguindo de Paraty para Ouro Preto, devem se sentir intimidados quando enxergam ao longe a serra que vão ter que transpor.

Cheguei na cidade de Cachoeira Paulista e atravessei parte da cidade até parar em uma padaria. Ali almocei pão de queijo e Guaranita. Comprei uma garrafa grande de água mineral gelada e segui viagem. Terminei de atravessar a cidade e na saída parei pedir informação sobre o caminho para Lorena, meu próximo destino. Me ensinaram um caminho mais seguro, onde existia um longo trecho com ciclovia ao lado da estrada. Segui pedalando forte, pois o trecho era quase todo de retas e pequenas descidas. Logo cheguei na ciclovia, que era pintada de vermelho e bem sinalizada. Parei tomar água, que ainda estava gelada e segui em frente. Entre Cachoeira Paulista e Lorena foram 14 quilômetros de um pedal meio monótono, mas que rendeu bem. Ao lado da estrada via muitas casas e empresas.

Levei uma hora para percorrer o trecho entre Lorena e Guaratinguetá. A estrada era boa, a ciclovia era segura, bem sinalizada e sem buracos. E quase todo o trecho era de retas e descidas. Só teve uma subida mais puxada. E em muitas partes tinha sombra, o que ajudou a refrescar do sol escaldante. Só passei um perrengue quando um cara mal encarado começou a pedalar colado em mim. Diminuí a velocidade para deixar ele passar e ele diminuiu também. Daí quando eu aumentava a velocidade ele também aumentava. Andamos alguns quilômetros assim, até que reuni minhas últimas forças e pedalei bem forte. Ele não aguentou o ritmo e ficou para trás. Cheguei em Guaratinguetá esbaforido, mas inteiro e ainda disposto. Já tinha pedalado 72 quilômetros e faltavam mais 10 quilômetros para eu encerrar a dia de pedal. Estes 10 quilômetros seriam um desvio fora do Caminho Velho da Estrada Real. Eu seguiria até a cidade de Aparecida e lá passaria a noite em algum hotel.

Muitos romeiros chamam a cidade de “Aparecida” pelo nome de “Aparecida do Norte”. É comum ainda verificarmos em algumas publicações, referências à cidade com a expressão “do Norte”. Segundo a escritora Zilda Ribeiro, em seu livro “História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida e de seus escolhidos”, durante muito tempo o povo nomeou a terra da Padroeira como Aparecida, seu verdadeiro nome. Mais tarde passaram a chamá-la de “Capela de Aparecida”.  Com a inauguração da estrada de ferro, os devotos passaram a viajar de trem. E embarcavam na Estação do Norte, em São Paulo. E diziam que seu destino era Aparecida da Estação do Norte. Com o passar dos anos, por um processo linguístico coletivo, chamado braquilogia, eliminaram a palavra “Estação” restando Aparecida do Norte. Ainda hoje, muitos anos depois, passeando pelos corredores do Santuário Nacional ou pelas ruas da cidade de Aparecida, ouvimos romeiros chamarem a cidade por “Aparecida do Norte”, sendo o verdadeiro nome da cidade Aparecida, sem o do Norte.

Não foi difícil encontrar o caminho para Aparecida. Era uma larga avenida, onde em boa parte dela existia uma ciclovia pintada de vermelho. Infelizmente algumas vezes eu tinha que sair da ciclovia, pois tinham carros estacionados nela. Teve até carro de polícia parado em cima da ciclovia, obrigando os ciclistas a pararem e descerem até a avenida para então poderem seguir em frente. Fazer o que? Pessoas mal educadas e que não respeitam a Lei existem em todos os lugares e em todas as profissões. Pouco depois das 16h30min cheguei em Aparecida e ao longe conseguia ver uma parte do Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Aparecida era a primeira e única cidade da viagem pela Estrada Real, onde eu já tinha estado antes. Em 2011 minha viagem de bike pelo Caminho da Fé acabou em Aparecida. E em 2010 eu tinha visitado pela primeira vez a cidade, quando seguia de carro de São Paulo para o Rio de Janeiro, junto com uma namorada paulistana que eu tinha na época. Era bom voltar ali, mesmo não sendo um católico praticante ou devoto de Nossa Senhora Aparecida. E as duas visitas anteriores me fizeram bem. Visitar a Basílica de Nossa Senhora Aparecida e ver a imagem da Santa, foi uma experiência de paz. Nas duas visitas anteriores me emocionei e não consegui segurar as lágrimas.

Em poucos minutos entrei pedalando na enorme área de estacionamento do Santuário. Minha terceira vez ali, e a segunda vez de bike. Parei em frente a Basílica para tirar algumas fotos. Depois segui empurrando a bike até uma rampa que leva para dentro da Basílica e que passa embaixo da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Perguntei a uma senhora em um balcão de informações se eu podia entrar na Basílica com a bike. Ela disse que eu podia deixar a bike encostada no balcão de informações que ela cuidava para mim. Argumentei que era importante para mim entrar com a bike e ela me mandou falar com o segurança da entrada. Falei com o segurança e ele disse que eu podia entrar com a bike, apenas pediu que eu seguisse pela passagem mais larga, que é para cadeirantes.  Subi a rampa empurrando a bike e fui sentindo uma emoção muito forte. Era o Dia Internacional do Ciclista e estar ali nesse dia, após vários dias de viagem foi muito legal e uma enorme coincidência. Parei debaixo da imagem de Nossa Senhora Aparecida e rezei bastante. Acabei não segurando a emoção e chorei um monte. Lembrei de tudo o que aconteceu para mim desde que estivera ali pela primeira vez, numa época muito complicada em minha vida. Lembrei do acidente de bike que sofri uma ano e meio antes e de toda a dor e esforço para me recuperar e voltar a pedalar. E agora estava ali de bike, em perfeita saúde física e mental. Foi um momento inesquecível e difícil de explicar, de contar. Na saída deixei algumas fotos num local destinado a votos e ex-votos e fiz um pedido especial, o qual não posso contar. Mas se meu pedido for atendido, volto lá um dia para agradecer.

Saí do Santuário e subi a longa rampa que leva até a parte alta da cidade, onde fica o centro e a Basílica Velha. O dia estava chegando ao fim, eu estava muito cansado e em vez de voltar para Guaratinguetá e dormir por lá, resolvi pernoitar em Aparecida. Andei um pouco pelo centro a procura de um hotel. Tinham muitos hotéis, mas os preços eram salgados para uma noite somente. Ali funcionava na base do pacote para final de semana, incluindo duas noites e as refeições. Resolvi voltar para a parte baixa da cidade, próximo a Basílica. Atravessei a passarela empurrando a bicicleta e parei numa mureta na lateral da Basílica.

O quarto era simples, mas limpo. De uma pequena janela eu conseguia ver a Basílica, distante uns 300 metros. Tinha um ar condicionado barulhento, mas que foi bem aproveitado, pois fazia muito calor. Tirei minhas coisas do alforje e espalhei pelo chão e pela cama. Em seguida lavei meias e cuecas na pia do banheiro e tomei um banho demorado. Bem próximo ao meu quarto tinha uma pequena piscina, mas não me senti disposto a entrar nela. Optei por ficar no frescor do quarto e dormir um pouco. Acordei uma hora mais tarde e desci jantar no restaurante do hotel. A comida era boa, mas não exagerei. Depois de comer voltei para o quarto e coloquei o diário de viagem em dia. Pelo celular fiz a reserva para as duas próximas noites em um hostel de Paraty. Liguei para casa e depois estudei o roteiro do dia seguinte, que seria o último dia da viagem de bike. Agora faltava pouco para terminar minha aventura pela Estrada Real. Mas o pouco que faltava era uma serra bem difícil…

*Para ler o relato completo sobre esse dia de viagem, ou sobre toda a viagem pela Estrada Real, adquira o livro “Estrada Real Caminho Velho”, autor Vander Dissenha.

À venda a partir de 01/11/2016 

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Versão impressa: Clube de Autores

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