Viagem ao Peru e Bolívia (18° Dia)

01/06/2012 

Chacaltaya

Nesse dia levantei um pouco mais tarde, pois a saída para o Chacaltaya e Valle de La Luna estava marcada para as 8h00min. Minha garganta estava quase curada, tinha desinchado totalmente, não doía e sumiu a tosse e as secreções. Creio que o responsável pela rápida melhora foi o antibiótico que tomei. Me arrumei, coloquei algumas coisas na mochila e fui para a frente do hostal. Lá encontrei o Enrico e Olivia. Eles não estavam mais hospedados no El Solário, tinham ido para outro hostal ali perto. Logo a van e o guia que nos acompanharia no passeio chegaram. Embarcamos e o guia avisou que passaria em outros hostals para pegar mais pessoas. Na primeira parada embarcaram três gurias que pouco depois descobri serem brasileiras, cariocas de Niterói. Em outro hostal embarcaram dois caras que pareciam ser israelenses. Mais outra parada e embarcou um casal brasileiro. E na última parada embarcou um oriental, que não sei de que país era. Com a van cheia, pegamos o caminho em direção à periferia de La Paz. Comecei a conversar com o Enrico e a Olivia e logo o outro casal brasileiro também entrou na conversa. Álvaro e Ellen eram paranaenses, mas viviam no interior de São Paulo. A família da Ellen era de Campo Mourão. Mundo realmente pequeno esse nosso!!!

Nos afastamos do centro e atravessámos alguns bairros pobres e isolados, com ruas poeirentas. Depois pegamos uma estrada de terra que seguia em direção as montanhas. Passamos em um local onde um rebanho de lhamas cruzava a estrada a nossa frente. Descemos da van e nos aproximamos para tirar fotos. Logo reembarcamos e seguimos pela estrada. A nossa frente surgiu o Chacaltaya e a sua esquerda o Huayna Potosi. Contei para o Enrico e a Olivia que a montanha de Huayna Potosi seria meu próximo destino. E daí eles perguntaram como tinha sido o downhill de bicicleta no dia anterior. Uma das cariocas, Natalia, ao ouvir sobre o downhill se virou e começou a fazer perguntas, pois tinha vontade de fazer tal passeio. Seguimos conversando na van e nos aproximando cada vez mais das montanhas. Começamos a subir por uma estrada estreita e cheia de curvas, onde o motorista passava bem próximo a beira do abismo e a visão do precipício lá embaixo era um pouco assustadora. Ao meu lado estava sentada uma das cariocas, Meire, que ficou bastante assustada e um pouco nervosa em passar por aquela estrada. Vimos algumas espécies de pequenas cabanas cheias de fios, espalhadas ao lado da estrada quando estávamos quase chegando ao Chacaltaya. Perguntamos ao guia o que era aquilo e ele respondeu que eram equipamentos utilizados em estudos climáticos. Ali funciona o Observatório Astrofísico de Chacaltaya, que durante muitos anos foi um dos principais colaboradores do esforço internacional para estudos de raios cósmicos.

O Chacaltaya é uma montanha que faz parte da Cordilheira dos Andes. Ela tem 5.421 metros de altitude e fica cerca de 30 quilômetros de distância do centro de La Paz. É uma montanha bastante visitada por turistas, em razão de se conseguir chegar de carro até cerca de 200 metros abaixo de seu cume. E se tratando de uma montanha com mais de cinco mil metros, não é em qualquer lugar do mundo que se consegue chegar de carro tão próximo do cume assim tão alta. Ali funciona uma estação de esqui, que está semi desativada em razão de ter pouca neve por culpa das mudanças climáticas que ocorreram no planeta nos últimos anos. E o curioso é que o maior volume de neve no Chacaltaya ocorre no verão. É que no verão chove na região e isso faz com que caía neve. Já o outono e inverno é época de seca e a neve existente no alto da montanha vai derretendo com o sol constante. A estação de esqui do Chacaltaya é a estação de esqui de maior altitude no mundo, ficando a 5.395 metros acima do nível do mar.

Desembarcamos da van ao lado de um prédio onde funciona a administração do lugar, e também uma pequena lanchonete e algumas lojinhas que estavam fechadas. Fui usar o banheiro e me assustei com suas condições. Nem tem como descrever o estado deplorável e de abandono em que ele estava. Realmente o lugar está decadente e meio abandonado. Olhei no meu termômetro e estava fazendo 4 graus, no sol. Dei uma volta pelo local, tirei algumas fotos e gostei de uma construção antiga feita em madeira, que fica numa das extremidades do morro. Ela estava fechada, então não pude entrar e ver como era por dentro.

Começamos a subir em direção ao cume. Existia um caminho que levava para o alto da montanha e que não era muito extenso. Mas subir ali não era tão fácil, pois devido à alta altitude o ar era rarefeito e por menor que fosse o esforço feito, você sentia falta de ar e ficava cansado. Logo no início da subida uma das cariocas começou a se sentir mal e desistiu de subir. O Enrico não gosta de altura e resolveu ficar sentado numa pedra e curtir a vista que se tinha dali. O Álvaro estava com dificuldades para respirar, mas logo percebeu que se não falasse e desse passadas curtas, ele conseguia subir. Os estrangeiros do grupo seguiram na frente, junto com o guia boliviano. Eu fiquei junto com a Olivia, Meire, Álvaro, Ellen e Natalia. Subimos juntos até o cume, conversando. Em alguns momentos eu apertava um pouco o passo, pois queria sentir como estava minha aclimatação com relação à altitude. Descobri que eu estava bem, pois não me cansava muito e não tive dor de cabeça ou tonturas. Não tinha neve nesse trecho final e só fomos encontrá-la no cume, sendo que em pouca quantidade e muito dura, mais parecendo gelo compacto. No cume estava fazendo 10 graus. Eu imaginei que estaria mais frio lá em cima, mas me enganei. Mas embaixo na montanha estava ventando um pouco e talvez por essa razão que estava mais frio. Eu bati novamente meu recorde de altitude ao chegar ao cume do Chacaltaya.

A vista lá do alto do cume era muito bonita. Víamos a estrada cheia de curvas por onde tínhamos passado para chegar ali e também algumas pequenas lagoas. Dava para ver La Paz ao longe e bem próximo o Huayana Potosi, que é uns setecentos metros mais alto que o Chacaltaya. Fiquei um longo tempo olhando para o Huayna Potosi e pensando se eu conseguiria chegar até o seu cume dali uns dias. O guia nos mostrou algumas pedras que tinha encontrado no chão e no meio delas dava para ver fósseis de conchinhas. Aquela montanha com mais de cinco mil metros já tinha sido fundo de oceano milhares de anos antes.

Nosso grupo de brasileiros ficou o tempo todo junto no cume do Chacaltaya. Eu conversei bastante com a Natalia, com quem descobri muitas afinidades. Peguei bastante no pé dela, pois ela ficou o tempo todo segurando uma garrafa de água de 2 litros. Mesmo nas fotos ela ficava com a garrafa de água nas mãos. Tiramos fotos, admiramos mais um pouco a vista e chegou a hora de voltar. Dias antes eu tinha visto algumas fotos do Chacaltaya que minha amiga Renata Melo tinha postado no Facebook. As fotos dela tinham sido tiradas alguns meses antes, com neve cobrindo toda a montanha. Inclusive ela pegou uma nevasca quando estava no alto do Chacaltaya. A visão que eu estava tendo da montanha era totalmente diferente do que eu tinha visto nas fotos da Renata. Sem neve a montanha fica muito diferente, parece ser outra.

Na hora de embarcar na van, eu e o Álvaro conversámos sobre a fragilidade daquela van. Ela era antiga, com pneus pequenos e possivelmente sua manutenção devia ser precária. Uma van daquela, cheia de gente, andando pela estrada estreita e sinuosa que leva até o Chacaltaya, era o convite para um acidente grave. Mas como não adiantava reclamar ou ficar com medo, o jeito for entrar na van e procurar curtir a paisagem. E achei estranho os vidros da van estarem lacrados, não dava para abrir. A descida foi mais tranquila do que a subida e até mesmo a Meire estava relaxada e disse não estar com medo. Os brasileiros do grupo já tinham ficado amigos e a conversa rolou solta. Os três estrangeiros acabaram ficando de lado.

Valle de La Luna

Atravessámos La Paz de um lado ao outro, levamos pouco mais de uma hora rodando pela cidade. Passamos pela parte sul e rica da cidade. Nessa região existiam casas, prédios e carros bonitos, não tinham vendedores nas ruas. De tão perfeito e bonito, essa parte da cidade me pareceu sem graça. Finalmente chegamos ao Valle de La Luna, que é uma formação rochosa que lembra um pouco a paisagem lunar. Na verdade são arenitos, que com o passar do tempo foram sendo esculpidos pela ação da chuva e do vento. Eu não tinha nenhuma expectativa com relação a esse passeio, mas acabei gostando. O lugar era interessante e acabou sendo um passeio agradável. Fiquei o tempo todo caminhando e conversando com os demais brasileiros do grupo. Após uma hora caminhando pelo Valle de La Luna, embarcamos na van e seguimos em direção ao centro da cidade. As três cariocas logo desembarcaram, pois pretendiam passear pela região sul da cidade. Fui um dos últimos a desembarcar, numa rua próxima ao hostal e junto com os dois casais de brasileiros. Despedi-me do Álvaro e da Ellen e saí caminhar com Olivia e Enrico. Diferente de mim que sou enjoado e evito as comidas locais, eles gostavam de provar tudo o que era novo. Contei a eles sobre o abacaxi enorme que vi sendo vendido na rua e eles disseram que já tinham provado e que era muito bom. Eu que adoro abacaxi, tinha ficado com vontade de provar, mas achei as condições higiênicas bastante precárias. Acabamos indo até a rua paralela ao hostal, onde duas mulheres vendiam os tais abacaxis. Elas vendiam copos de suco por $ 1,00 boliviano e fatias de abacaxi por $ 3,00. Acabei provando uma fatia e gostei, foi o melhor abacaxi que já provei. Ao lado de onde era vendido o abacaxi, funciona uma espécie de padaria na calçada. Algumas mulheres tinham bancas onde vendiam pão, e a todo momento pessoas paravam para comprar variados tipos de pão. Voltamos aos nossos hostals e combinamos de sair mais tarde para jantarmos juntos.

Ao entrar no hostal a moça da agencia de viagens me chamou dizendo que tinha novidades. Ela disse que surgiu um casal de suíços que queriam ir para Huayna Potosi, partindo no dia seguinte. Acabei fechando o pacote para ir junto com eles. Os três dias na montanha, com refeição, guia, equipamento, roupas e transporte, custava $ 930,00 bolivianos. Eu não tinha todo esse valor em bolivianos e pensei em pagar em dólares, mas o cambio ali era baixo demais. Então saí cambiar dólares numa agencia ali perto. No Brasil as agencias de cambio funcionam cheias de cuidados, com seguranças, portas com detector de metal, vidros blindados. Na Bolívia não tinha nada disso, as agencias funcionavam sem nenhum tipo de segurança ou cuidado. Nessa agencia que troquei os dólares, o balcão ficava quase na rua e em frente todos que passavam viam que eu estava trocando dinheiro e onde eu guardei o dinheiro. E voltei tranquilamente até o hostal sem ter qualquer tipo de problema. Fazer algo parecido no Brasil é pedir para ser assaltado. Mais uma vez cheguei à conclusão que o culpa pela violência no Brasil não é a pobreza.

Fechei a compra do pacote para Huayna Potosi, fui apresentado ao guia e ele me levou para provar roupas e equipamento. As botas não me serviram, elas apertavam meus dedos. O guia falou que tinha em sua casa uma bota tamanho 43, que certamente me serviria. Eu calço 41 e precisava de uma bota maior, pois teria que usar três pares de meia para aquecer os pés. Tudo resolvido e saí à rua para usar a internet numa lan house e também telefonar para casa. Eu sabia que subir Huayna Potosi teria certo risco, que gente já morreu por lá. Então achei melhor ligar para casa e depois deixei um recado no Facebook, que no caso de eu morrer serviria como uma espécie de despedida. E no meio dessas coisas todas que fiz, acabei perdendo o horário de encontrar o Enrico e a Olivia. Voltei para o hostal e fiquei lá na frente uns quinze minutos, até que eles apareceram. Já tinham jantado, pois cansaram de me esperar no horário marcado. Saímos juntos, eu precisava comprar pilhas para minha lanterna e uma meia de lã. Em La Paz o comércio informal domina a cidade, o que mais existe são bancas e vendedores pelas ruas, onde você encontra de tudo. Demos uma volta pela vizinhança e logo encontrei as pilhas e um meia de lã bem quentinha (e zebrada). Eu não tinha jantado e fui num outro restaurante que servia a refeição comum da cidade; frango, arroz e batata frita. Meus amigos me acompanharam e enquanto eu comia ficamos conversando descontraidamente. Eu tinha visto um prato de nome Salchipapas (batata frita e salsicha) e mesmo já tendo comido, pedi o tal prato. E Enrico também pediu um, o qual dividiu com a Olivia. O Salchipapas era saboroso, mas no dia seguinte eu me arrependeria amargamente por tê-lo comido. Saímos do restaurante, demos mais uma volta pela rua olhando as bancas de produtos a venda e entramos no hostal do meu casal de amigos. Conversamos, trocamos endereços e nos despedimos. Na madrugada seguinte eles seguiriam para Buenos Aires e eu me aventuraria na nevada e gelada montanha de Huayna Potosi.

Fui para o hostal e logo que entrei vi que numa sala na parte de baixo estava rolando uma festa. Quando comecei a subir a escada para meu quarto, uma guria me parou e perguntou em espanhol de onde eu era. Respondi que era do Brasil e então ela se apresentou e disse ser francesa. Ela me convidou para a festa e eu não tive como dizer não. Fui com ela até o local onde o pessoal estava reunido e vi que tinha muita bebida, três caras tocando violão e muita fumaça, pois quase todos estavam fumando. Fiquei uns cinco minutos ali e falei para a francesinha ao meu lado que ia até o meu quarto e logo voltaria. E saí sabendo que não ia voltar, principalmente em razão da fumaça, pois detesto cigarro, cheiro de cigarro, fumaça de cigarro. No quarto arrumei minhas coisas, separarei na mochila grande tudo o que ia deixar guardado no depósito do hostal, e na mochila média e na pequena, separei o que levaria para a montanha. Era quase meia noite quando me deitei para dormir e levei algum tempo para pegar no sono. Fiquei pensando como seriam os próximos três dias na montanha, o frio intenso, a falta de banho, a comida ruim e principalmente os perigos de subir uma montanha nevada e com alta altitude. E no meio de tais pensamentos dormi, aproveitando a cama confortável e quente, da qual eu sentiria saudade na duas noites seguintes.

A esquerda Huayna Potosi e em frente o Chacaltaya.
Rebanho de lhamas cruzando a estrada.
A sinuosa e perigosa estrada que leva ao Chacaltaya.
Construção de madeira que estava fechada.
Ao fundo Huyana Potosi.
Subindo o Chacaltaya.
Cume do Chacaltaya.
Vista do alto do Chacaltaya.
Gelando a bunda.
Olivia, Álvaro, Ellen, Vander, Natalia e Meire.
Descendo do cume do Chacaltaya.
Nossa frágil van.
Com Olivia e Enrico.
Eu e Natalia.
Valle de La Luna.
No Valle de La Luna.
Valle de La Luna.
Com Natalia no Valle de La Luna.
O saboroso abacaxi boliviano.
Enrico e Olivia, com o enorme abacaxi.
A padaria que funcionava na calçada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *