Essa semana eu estava na fila do caixa (não tão) rápido de um supermercado e fiquei ouvindo duas mulheres conversando. Uma delas, ao ver a imagem do Papai Noel em uma lata de Coca-Cola, começou a criticar como uma poderosa fabricante de bebidas norte-americana teria se apossado da imagem do Papai Noel, um dos símbolos mais conhecidos do Natal.
Não aguentei ver — ou melhor, ouvir — tanta ignorância e acabei me metendo na conversa. Contei a ela que, na verdade, o Papai Noel que conhecemos hoje, com roupa vermelha, é uma criação publicitária da Coca-Cola, de 1931. E ele usa vermelho justamente porque essa cor está profundamente ligada à identidade da marca. Disse também que, ao contrário do que ela pensava, não foi a Coca-Cola que se apropriou da imagem do Papai Noel; aconteceu o oposto: foi o “mundo” que se apropriou de um símbolo visual criado pela Coca-Cola.
Também contei às duas senhoras que, quando a Coca-Cola criou essa imagem gráfica do Papai Noel, o refrigerante sequer existia no Brasil. Ele só chegaria por aqui cerca de dez anos depois. A Coca-Cola chegou ao Brasil de forma informal em 1941, por meio das cidades de Recife (PE) e Natal (RN), onde foram montadas pequenas instalações de produção para atender principalmente os soldados norte-americanos estacionados no Nordeste durante a Segunda Guerra Mundial. Essas mini-fábricas produziam e distribuíam o refrigerante para as tropas como parte da logística americana.
A primeira fábrica “de verdade” da Coca-Cola no Brasil foi inaugurada no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, em abril de 1942. Essa instalação tinha maior capacidade de produção e marca o início formal da presença da marca no mercado brasileiro.
Como a Coca-Cola criou o Papai Noel que conhecemos hoje — e como a publicidade se apoderou dessa imagem:
Quando pensamos em Papai Noel, a imagem é quase universal: um senhor alegre, de barba branca, roupa vermelha, botas pretas e uma risada contagiante. O curioso é que essa figura, que hoje parece “eterna”, é na verdade resultado direto de uma das campanhas publicitárias mais bem-sucedidas da história.
Antes do século XX, o Papai Noel não tinha uma aparência padronizada. Inspirado em São Nicolau, um bispo do século IV, ele já foi retratado de várias formas ao longo do tempo:
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Magro ou robusto
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Vestindo roupas verdes, marrons, azuis ou até douradas
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Às vezes sério, outras vezes quase assustador
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Em alguns países, mais próximo de uma figura religiosa do que de um personagem infantil
Ou seja, o “Papai Noel” existia, mas não havia um consenso visual.
Em 1931, a Coca-Cola decidiu associar sua marca ao Natal para aumentar o consumo da bebida durante o inverno no hemisfério norte — justamente quando refrigerantes vendiam menos.
Para isso, a empresa contratou o ilustrador Haddon Sundblom, que criou um Papai Noel:
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Simpático e humano
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Gordo e bem-humorado
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Vestido de vermelho (cor da marca Coca-Cola)
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Próximo das pessoas, especialmente das crianças
Essas ilustrações foram usadas em anúncios, pôsteres e revistas por mais de 30 anos, sempre reforçando a mesma imagem. A repetição foi tão forte que o personagem se consolidou no imaginário coletivo. A partir desse momento, o Papai Noel deixou de ser apenas uma figura folclórica e passou a ser um símbolo publicitário global. O sucesso da Coca-Cola mostrou algo fundamental ao mercado: Quem controla os símbolos, controla as emoções.
Outras marcas rapidamente se apropriaram do Papai Noel para vender seus produtos:
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Lojas de departamento
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Brinquedos
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Alimentos
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Bebidas alcoólicas e não alcoólicas
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Campanhas de fim de ano em geral
O Papai Noel virou um “garoto-propaganda” universal, capaz de despertar nostalgia, felicidade, generosidade e consumo — tudo ao mesmo tempo.
Com o tempo, o Natal passou a ser menos sobre tradição religiosa e mais sobre experiência, presente e compra. A publicidade transformou o Papai Noel em:
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Um convite ao consumo emocional
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Um símbolo de recompensa e merecimento
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Uma figura que conecta infância, memória e desejo
O que antes era uma lenda regional se tornou um produto cultural global, impulsionado pela força do marketing. A Coca-Cola não “inventou” o Papai Noel, mas definiu sua forma final. A publicidade, por sua vez, percebeu que imagens bem construídas podem atravessar gerações e moldar comportamentos. Hoje, é quase impossível separar o Papai Noel do consumo natalino — e isso diz muito mais sobre o poder da propaganda do que sobre o personagem em si. Talvez a pergunta que fique seja: quantos outros símbolos que consideramos naturais também foram cuidadosamente desenhados por campanhas publicitárias?













