O Vampiro morreu

Hoje faleceu aos 99 anos, Dalton Trevisan, “O Vampiro de Curitiba”. Maior escritor paranaense, deixou muitas obras publicadas. Li algumas de suas obras e gosto de seu estilo literário. Vi ele na rua uma vez, em meados da década de 1990.

 

O paranaense Dalton Trevisan, um dos maiores escritores brasileiros do século XX, morreu nesta segunda-feira, 9, aos 99 anos. A informação foi confirmada pela agente do autor.

Conhecido pelo apelido de “Vampiro de Curitiba”, ele morreu em casa. Segundo a agente, informações sobre a causa da morte e o velório do autor não foram reveladas para manter a privacidade.

Nascido em Curitiba, no Paraná, em 14 de junho de 1925, filho de um proprietário de fábrica de vidros, Trevisan cresceu sonhando em ser atleta, mas se descobriu mesmo nos livros – e, em especial, no conto, gênero do qual é considerado um dos grandes mestres no país.

Em suas quase oito décadas de carreira, venceu todos os grandes prêmios da literatura brasileira (Jabuti, Machado de Assis, Biblioteca Nacional) e lusófona (como o prestigioso Camões, pelo conjunto da obra, em 2012). Entre 1945 e 2023, publicou cerca de 50 obras, marcadas pelas repetição de temas como a solidão, a angústia e a complexidade da vida urbana.

Em seus livros e em sua imagem pública, Trevisan construiu uma mitologia particular, que passa por uma Curitiba anacrônica e idealizada, um espaço em ruínas que já não existe nem mais nos cartões-postais. Assim como o autor que buscava a economia narrativa até o limite do desaparecimento, o homem Trevisan parecia desejar a invisibilidade.

Além do minimalismo, que podia se manifestar em microcontos de poucas linhas, suas marcas são o pastiche e a metaficção. Sua linguagem peculiar se apropria de termos populares e chulos, explorando artifícios como o kitsch e o grotesco. A obsessão pela síntese alcançou sua mais perfeita expressão na coletânea “Ah, é?”, de 1994. De tão reduzidos, os textos da publicação foram comparados a haikais pelo próprio autor. Trevisan, por sinal, costumava dizer que seu vocabulário não ultrapassava 80 palavras. Seu único romance publicado é “A polaquinha”, de 1985, sobre uma moça de classe média que se prostitui para pagar seus estudos.

Em 2025, ano de seu centenário, a Todavia passará a publicar toda a sua obra. Além disso, a editora prepara também uma antologia de contos, organizada por Felipe Hirsh e Caetano Galindo. O livro será lançado em junho e ainda não tem título.

O apelido “Vampiro de Curitiba” surgiu por conta de um de seus personagens, que aparece pela primeira vez em uma obra homônima publicada em 1965. Mas a alcunha também tem origem na sua personalidade folclórica, com aversão a fotos e entrevistas. Nos anos 1970, uma repórter de televisão tentou uma entrevista com o escritor e foi recebida por um senhor atencioso e gentil, que a mandou esperar por Trevisan. Durante a longa conversa com a jornalista, o homem sempre reforçava que o escritor estava a caminho. No fim, era o próprio Trevisan, pregando uma peça na imprensa.

Quando lançou “A trombeta do anjo vingador”, em 1977, Trevisan conversava com a jornalista paranaense Adélia Maria Lopes quando a orientou a não publicar nada do que estava dizendo. Para comprovar a seriedade do assunto, avisou que cortaria relações com quem descumprisse o seu pedido. “Não falo mais com quem trair o compromisso de não divulgar minhas conversas”, teria dito. Depois disso, os amigos mais fiéis passaram a dedurar os repórteres que tentavam se aproximar do autor através de sua “entourage”.

A distância da mídia alimentou a fama de “recluso”, sempre rechaçada por amigos e próximos. Trevisan circulava a pé pelas ruas de Curitiba. Alguns dizem que ele só andava em público disfarçado com boné e cavanhaque, mas há fotos em que ele aparece de cara limpa. O autor, por sinal, costumava espalhar pistas falsas sobre os seus hábitos, o que torna impossível dizer hoje se realmente almoçava em restaurantes vegetarianos ou se batia ponto no Clube de Xadrez da cidade. Seu endereço, por outro lado, era bem conhecido e frequentado por muitos amigos.

Durante 68 anos, viveu em uma casa centenária, simples e sem muros, no Centro da capital paranaense. O autor não gostava de fazer obras e não se preocupava sequer em camuflar as pichações na fachada. Nos anos 2000, ele protestou contra o barulho de uma sala gay que havia se instalado na vizinhança. O episódio inspirou o poema “Amintas 749”, do livro “Rita Ritinha Ritona”.

Apesar do aspecto decadente e das marcas do tempo, que davam ela uma aura de mistério, estava longe de ser uma fortaleza onde o “Vampiro” ia se esconder. Em 2021, Trevisan se mudou para um apartamento em uma área agitada do centro da capital paranaense.

Formado em direito pela Universidade Federal do Paraná, ele abandonou a profissão após sete anos e passou a trabalhar na fábrica da família. Liderou, entre 1946 e 1948, o grupo literário responsável pela publicação da revista “Joaquim”, que tornou-se símbolo e porta-voz daquela geração de artistas. O próprio Trevisan controlava a tipografia, a montagem e a distribuição da revista, que reunia escritos de autores como Antonio Cândido, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, além de ilustrações de Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres.

A publicação chegava por mala direta aos amigos de Trevisan no Rio de Janeiro, como Rubem Braga, Ledo Ivo e Vinicius de Moraes, tornando pela primeira vez Curitiba uma cidade conhecida no meio literária. Mais do que isso: graças a “Joaquim”, a cidade se tornou uma espécie de “meca da vanguarda” na época. Junto com outras publicações artesanais do gênero, como a carioca “Orpheu” e a paulista “Revista Brasileira de poesia”, consolidou a Terceira Geração Modernista, conhecida como “Geração de 45”.

Foi na “Joaquim” que Trevisan publicou seus dois primeiros livros (“Sonata ao luar”, de 1945; e “Sete anos de pastor”, de 1948), que depois foram renegados pelo autor. Sua estreia “oficial” seria em 1959, com a coletânea de contos “Novelas nada exemplares”, pela qual ganhou o Prêmio Jabuti, o mais tradicional do país, no ano seguinte. Ele venceria o Jabuti outras três vezes ao longo da carreira: em 1965 (“Cemitério de elefantes”), 1995 (“Ah, é?”) e 2011 (“Desgracida”).

Em 2012, o escritor foi eleito por unanimidade vencedor do Prêmio Camões. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/12/09/morre-o-escritor-dalton-trevisan-aos-99-anos.ghtml 

Dalton Trevisan.
Algumas obras de Dalton Trevisan. (Brazil Journal)

Cartas de Famosos

Na semana em que o mundo recebe boquiaberto a notícia da retomada das relações entre Cuba e Estados Unidos, depois de 53 anos, soa ainda mais curioso lembrar que um dia, quando nem sequer imaginava embrenhar-se na Sierra Maestra, Fidel Castro escreveu uma carta a um presidente americano pedindo uma nota de dez dólares. No dia 6 de novembro de 1940, quando contava viçosos 14 anos (e portanto 13 anos antes de liderar a Revolução Cubana), o rapazola Fidel mandou uma cartinha a Franklin Delano Roosevelt com o curioso pedido. Dizia ele, numa elegante caligrafia tombada à direita: “Meu bom amigo Roosevelt: não sei muito inglês, mas sei o bastante para escrever ao senhor. Eu gosto de ouvir rádio e estou muito contente, porque escutei que o senhor vai ser presidente por um novo período. Se for do seu agrado, mande-me uma nota verde americana de dez dólares, porque eu nunca vi uma nota verde americana e gostaria muito de ter uma. Muito obrigado, adeus, seu amigo, Fidel Castro”.

Encontrado em 1977 por pesquisadores do National Archives and Records Administration, o equivalente nos EUA ao nosso Arquivo Nacional, e citado em “Fidel Castro, uma biografia consentida” (2001), de Claudia Furiati, o documento é uma das centenas de cartas extraordinárias que o pesquisador americano Shaun Usher reúne desde 2009, quando fundou o “Letters of note”, uma espécie de museu on-line. O projeto fez tanto sucesso na internet (1,5 milhão de visitas por mês) que virou um livro homônimo, cuja edição brasileira acaba de chegar às livrarias com o título “Cartas extraordinárias: a correspondência inesquecível de pessoas notáveis”, pela Companhia das Letras. Nessa edição, tão caprichada quanto as maiúsculas de Fidel, Shaun seleciona as 125 que considera mais fascinantes. As que conseguiu autorização, publica em fac-símile, com um texto de introdução espirituoso para cada exemplo. O autor defende o valor histórico dos documentos: “Todas vão transportá-lo através do tempo com muito mais eficiência que o livro de história comum. Não imagino melhor maneira de conhecer o passado do que a correspondência geralmente sincera de quem viveu nele”, escreve.

Há cartas de anônimos, de personalidades históricas, de celebridades do showbiz, de personagens de desenho animado. Há cartas desconcertantes, como um bilhete de 1888 cheio de erros de ortografia enviado por Jack, o Estripador, ao delegado que tentava capturá-lo em Londres, dizendo que tinha acabado de fritar metade de um rim (e a outra metade ia numa caixinha junto à carta). Estão lá ainda o telegrama em que a empresa dona do Titanic afirma que não há risco de morte na viagem do navio, em 1912, e a carta a ser lida em rede nacional em 1969 caso o homem não voltasse da Lua.

É quase um romance epistolar involuntário. Na carta em que o gerente de produto das sopas Campbell agradece a “preferência” do artista plástico Andy Warhol pela marca, ele lamenta não ter dinheiro suficiente para comprar uma das obras do artista. Em 1996, o músico Nick Cave implorou que a MTV o retirasse de quaisquer listas de indicados a premiações, e o texto que escreveu para o canal é tão poeticamente turrão que também foi pinçado por Shaun: “Minha musa não é um cavalo e eu não estou em nenhum páreo”. Entre as mais curiosas, há uma do músico Louis Armstrong a um fã seu, um soldado americano que servia no Vietnã, contando como ouvia música em lugares menos distintos do que a guerra. Conta Armstrong, sem qualquer cerimônia, que um dos lugares preferidos para o deleite sonoro era o banheiro, “sentado no trono, sob efeito do ‘Swiss Kriss’” (uma marca de laxante).

Há missivas mais edificantes, como a do cientista Francis Crick explicando ao filho, de 12 anos, em 1953, que naquele dia em seu trabalho tinha descoberto a “linda” estrutura do DNA, “a molécula da vida”. O texto é tão comovente que a carta foi a mais cara a ser vendida em leilão, arrecadando US$ 5,3 milhões. Também estão lá cartas de amor cheias de tristeza: em junho de 1940, a mulher de Winston Churchill escolheu as palavras que tinha à mão para dizer ao marido que ele não era mais tão gentil como antes.

“PAPAI NOEL EXISTE?”

As mais improváveis são dirigidas a políticos: em março de 1961, o presidente americano Richard Nixon recebeu pelo correio um pedido inusitado de Elvis Presley, implorando por um distintivo do Departamento de Narcóticos e Drogas Perigosas para sua coleção. No ano seguinte, foi um menininho de 8 anos que escreveu a ele. Ao saber que estava internado no mesmo hospital do presidente, e que ambos tinham pneumonia, o moleque lhe enviou uma carta sugerindo que comesse verduras.

As cartas escritas por crianças, aliás, deviam ser compiladas num volume à parte. Em 1897, uma menininha enviou ao jornal “The Sun” a seguinte dúvida: “Tenho oito anos. Uns amiguinhos meus dizem que Papai Noel não existe. O papai diz que ‘se está no Sun é verdade’. Por favor, diga a verdade para mim, Papai Noel existe?”. O jornal garantiu a ela que sim, que Papai Noel existe. Algumas décadas antes, em 1860, uma menininha de 11 anos escreveu uma carta ao então candidato à Presidência dos EUA Abraham Lincoln sugerindo que ele usasse barba, “pois tinha o rosto muito magro”, para ganhar mais votos. A resposta de Lincoln é primorosa: “Querida mocinha, recebi sua amabilíssima carta no dia 15. Quanto à barba, como nunca usei, você não acha que as pessoas iriam dizer que é afetação de minha parte?”. Apesar da resposta, ele se rendeu à sugestão anos depois, adotando o clássico visual barbado com que se tornou conhecido. Entre as cartas-resposta, porém, a mais doce é a que escreveu o roteirista Pete Docter, da Pixar, a uma criança, em outubro de 2008: com um desenho, fingiu ser ele mesmo um dos “Monstros S.A.”.

Fonte: Mariana Filgueiras (O Globo – 19/12/2014)

Carta de Fidel Castro. (Terceiro/O Globo)
Carta de Fidel Castro. (Terceiro/O Globo)

 

Cartas Extraordinárias (organização de Shaun Usher) 

Companhia das Letras

Do comovente bilhete suicida de Virginia Woolf à receita que a rainha Elizabeth II enviou ao presidente americano Eisenhower; do pedido especial que Fidel Castro, aos catorze anos, faz a Franklin D. Roosevelt à carta em que Gandhi suplica a Hitler que tenha calma; e da bela carta em que Iggy Pop dá conselhos a uma fã atormentada ao genial pedido de emprego de Leonardo da Vinci – Cartas extraordinárias é uma celebração do poder da correspondência escrita, que captura o humor, a seriedade e o brilhantismo que fazem parte da vida de todos nós.

Livro: Cartas extraordinárias
Livro: Cartas extraordinárias