As peripécias de Henrique Schmidlin sobre as montanhas começaram bem cedo. O menino, nascido em 1930, costumava passar as férias escolares na casa da família de sua mãe, na região de Bocaiúva do Sul. Lá, por horas admirava o sobe e desce que os morros faziam ao redor do terreno da propriedade. Um dia seu tio resolveu levá-lo até um deles. A subida exigente para as pernas de 8 anos, a possibilidade de encontrar algum bicho no caminho, a luta por entre a vegetação para alcançar o ponto mais alto, todo o percurso foi fascinante. Era apenas um morro, mas para Henrique, admirador dos aventureiros personagens dos livros do alemão Karl May, parecia um gigante desafio. Depois da primeira subida, as férias do menino passaram a ser uma alegria só. Henrique gastava todo o tempo que podia explorando cada morro que encontrava na região. Mas, ao voltar para Curitiba, onde morava, limitava-se a alguns passeios com a família, além disso, era preciso se dedicar aos cadernos e livros do colégio católico em que estudava. E foi lá que Henrique, na década de 1940, viu algo que mudaria sua vida
Um dia, em um quadro no colégio, viu pendurada uma folha que estampava a figura de uma montanha. O menino parou, encantado com aquele desenho: no mesmo instante em que seus olhos se fixaram sobre a imagem, ele soube que precisava subir aquela montanha. Em cima do cartaz havia um nome:
“Marumby”, na grafia da época. Com o sangue aventureiro pulsando forte, Henrique, com um amigo, embarcou em um trem em Curitiba, para descer na estação Marumbi. Lá, os dois pegaram uma trilha e alcançaram o cume do Olimpo, na época, considerada a montanha mais alta do Sul do Brasil, com uma altitude atribuída de 1.810 metros, numa região não muito distante da capital. A mesma sensação encontrada nos morros, quando mais novo, capturou Henrique, mas de uma maneira tão maior quanto a montanha que havia agora encarado. Fim de semana após fim de semana, o jovem voltou a subir as elevações. Pelas trilhas do conjunto Marumbi, conheceu ilustres montanhistas, muitos deles que haviam, inclusive, sido os primeiros homens a tocarem o alto das elevações daquele conjunto.
Simpático e falante, Henrique logo já era amigo de todos, e, seguindo a tradição da época, ganhou o apelido que deixaria seu nome completo sempre em segundo plano. Em uma época na qual sardinha e carne eram os alimentos preferidos de muitos brasileiros, o jovem de descendência alemã levava para todos os seus passeios uma mochila farta de frutas e verduras, ricas em vitamina.
Pertencendo agora a um grupo de montanhistas que era motivado por aventuras e conquistas, Vitamina participava de desafios inventados pelo engenhoso colega de montanha Rudolfo Stamm. As propostas incluíam ver quem subia mais montanhas, quem conseguia subir por uma trilha, voltar por outra, escalar as paredes rochosas, entre outras aventuras. Um grande alvo surgiu quando o geógrafo Renhard Maack descobriu outro ponto culminante na serra, mais alto do que o Olimpo, e lhe deu o nome de Pico Paraná. Com altitude inicial calculada de 1.979 metros, o pico foi conquistado por uma expedição que contava com Reinhard Maack, Rudolfo Stamm, Alfredo Mysing, Josias Armstrong e Benedito Lopes de Castro, em 1941, e logo viraria febre entre os outros montanhistas, que lutavam para chegar ao cume, em uma época em que se aproximar da região daquelas montanhas já era uma aventura. Outras competições surgiram para tentar chegar aos cumes da Serra da Graciosa, Serra da Farinha Seca e da Serra da Prata. Em 1947, Rudolfo Stamm e outros montanhistas fundaram o famoso Círculo de Marumbinistas de Curitiba (CMC) e o nome de Vitamina aparecia como um dos primeiros integrantes.
Aos poucos, com a maioria das montanhas já conquistadas, o interesse começou a se voltar para os paredões rochosos, convidativos à prática da escalada. As primeiras subidas surgiram com a Via dos Bandeirantes e a Chaminé do Gavião, essa última considerada o marco inicial da escalada em rocha no Marumbi. Vitamina, os irmãos Curial, Tarzan e Sobanski logo foram enfeitiçados pela grandiosa parede norte da montanha Esfinge. Ali, passaram quase quatro anos investindo em escaladas para abrir uma via. Como se já não bastasse a imensidão daquela rocha, primeiro, era necessário caminhar por uma trilha durante quase duas horas para chegar até o início da parede. Sem esquecer de levar nas costas os pesados equipamentos para a escalada, que incluíam talhadeira, grampos e outros aparatos para abertura da via, além da corda de sisal, pesada, que fazia a “segurança” do escalador. A parede começou a ser desbravada em fevereiro de 1950, por Orisel e Osires Curial. No dia 26 de fevereiro de 1954 lá estavam Vita e Tarzan, ainda investindo nessa via. Os dois iniciaram as grampeações já a noite, com a ajuda de um precário lampião que a certa altura os deixou na mão. Mesmo assim prosseguiram, agarrando a parede, juntando[1]se a ela até tornar-se um só na imensa escuridão. Na metade da madrugada resolveram descansar, dormiram sobre as rochas. Com o despontar forte do sol, retomaram o trabalho, com pouca reserva de água potável. A cada grampo fixado ao grande paredão, um sentimento de vitória, a cada esforço que o braço já cansado lutava para fazer, os montanhistas ficavam mais próximos de concluir a via. Com sede e um grande cansaço de repente avistaram o cume da montanha e, finalmente, puderam nela pisar a partir de um caminho até então inexplorado. Até hoje, os 230 metros desse pare[1]dão são respeitados como uma escalada de dificuldade técnica ainda alta, mesmo com o uso de equipamentos mais modernos.
Não contente em subir e escalar as elevações rochosas, Vita também promovia diversas atividades pela região da Serra do Mar, para atrair as pessoas para perto das montanhas e da natureza. A tão famosa descida de boia realizada ainda hoje pelo curso do rio Nhundiaquara teve uma de suas primeiras edições com o “boia-cross” de Vitamina — um evento idealizado por ele que separou 400 boias para os participantes. No dia programado para a descida mais de mil pessoas compareceram. A descida com carrinho de rolamento pelas belas curvas da estrada da Graciosa também era outra tradição, que Vita organizou durante nove anos. Além disso, pescas, passeio de caiaque, prova de mergulho, de orientação e até corrida pelas montanhas ele inventou.
Chamadas quase todo fim de semana para resgatar novatos que se perdiam na mata. Para dar um fim ao problema, ele começou a pintar as trilhas do conjunto Marumbi, mas, a força da floresta logo fazia questão de sumir com a tinta. Quando um amigo lhe trouxe fitas de plástico, o montanhista encontrou a solução para sinalizar o caminho. Escolheu uma cor para simbolizar cada trilha, amarrou as fitas em árvores ao longo dos percursos e seus serviços como “socorrista de montanha”, para seu alívio, foram se tornando desnecessários. Curador do patrimônio natural do Paraná, logo na criação do cargo, nele permaneceu por quase 20 anos, ajudando a preservar, não somente as montanhas, como também outras belezas naturais do estado. São muitas as histórias desse inquieto aventureiro, mas elas ainda não terminaram. Aos, 84 anos, em 2014, ele continua ativo, desbravando as elevações que tanto o fascinam, trilhando novos caminhos, fazendo jus ao apelido que a montanha carinhosamente o deu.
O incansável Vitamina também prestou socorro a muitos que se perdiam pelas trilhas. Muito antes do Cosmo (Corpo de Socorro em Montanha) chegar ao Marumbi, o montanhista recebia chamadas quase todo fim de semana para resgatar novatos que se perdiam na mata. Para dar um fim ao problema, ele começou a pintar as trilhas do conjunto Marumbi, mas, a força da floresta logo fazia questão de sumir com a tinta. Quando um amigo lhe trouxe fitas de plástico, o montanhista encontrou a solução para sinalizar o caminho. Escolheu uma cor para simbolizar cada trilha, amarrou as fitas em árvores ao longo dos percursos e seus serviços como “socorrista de montanha”, para seu alívio, foram se tornando desnecessários. Curador do patrimônio natural do Paraná, logo na criação do cargo, nele permaneceu por quase 20 anos, ajudando a preservar, não somente as montanhas, como também outras belezas naturais do estado. São muitas as histórias desse inquieto aventureiro, mas elas ainda não terminaram. Aos, 84 anos, em 2014, ele continua ativo, desbravando as elevações que tanto o fascinam, trilhando novos caminhos, fazendo jus ao apelido que a montanha carinhosamente o deu.
Texto do livro: O Chamado da Montanha (Letícia Toledo)
PS: O Vitamina está com 90 anos, e junto com o Cesar Fiore acaba de lançar o livro Puro Montanhimo – Os Conquistadores.