Há exatos sete anos, encontrei em frente ao colégio de padres onde eu trabalhava em Curitiba, uma ninhada de cachorros. Eles tinham nascido debaixo de uma passarela, ao lado da movimentada BR116. Eram seis filhotes e um estava morto, com uma marca funda na testa, que parecia ter sido causada por uma pedrada. A mãe dos cachorrinhos era uma vira-latas arisca e brava. Durante uma semana cuidei da mãe e dos filhotes no local onde os tinha encontrado, mas eles começaram a caminhar e iam até perto da BR, o que era perigoso. Teve um dia que ouvi latidos fortes da cachorra e fui ver o que era. Me deparei com dois caras tacando pedras na cachorra, que tentava proteger os filhotes. Fiquei revoltado com a agressão gratuita aos cachorros e dei uma bronca nos caras. Um deles subiu até o alto da passarela e de lá tacou um tijolo que passou a poucos centímetros de minha cabeça. Fiquei tão bravo com os caras que fui atrás deles, sem me preocupar se ia apanhar ou ia bater. Mas eles foram covardes mais uma vez e correram feito gazelas medrosas. Depois disso achei melhor levar os cachorrinhos para casa. Deu trabalho retirar eles de onde estavam e tive que esperar a mãe deles ir dar uma voltinha, para retirar os filhotes sem ganhar alguma mordida.
Eu morava em frente ao meu trabalho, do outro lado da BR. O problema é que no prédio onde eu morava era proibido ter animais. Conversei com o dono do prédio, com quem eu tinha boa relação e ele me autorizou a ficar com os cachorros durante uma semana, até eu conseguir doá-los. Em casa dei banho neles e matei dezenas de pulgas. A noite o filho do dono do prédio veio ver os cachorros e ficou um tempão brincando com eles. A primeira noite foi um terror e quase não dormi, pois os filhotes choravam o tempo todo. E também por que eu ouvia a mãe deles uivando de longe, em frente a passarela a procura de seus filhotes.
No dia seguinte o filho do dono do prédio veio fazer uma visita aos cachorrinhos e trouxe sua namorada, que era voluntária em uma Ong que cuidava de animais de rua. Ela trouxe cobertinha e comida para eles. Daí tirou fotos para anunciar a doação na internet. A segunda noite não foi muito diferente da primeira, e os filhotes choraram muito. Como eu precisava dormir, dissolvi no leite deles um comprimido de um remédio para dormir. Todos nós dormimos muito bem nessa noite! Mas ao acordar vi que eles estavam dormindo ainda e por um momento achei que os tinha matado com o remédio. Felizmente foi apenas um susto!
Fui trabalhar e deixei eles trancados no banheiro, para amenizar o barulho que faziam e que não incomodasse os demais moradores do prédio. Quando voltei para casa na hora do almoço, uma vizinha do andar de baixo me chamou e perguntou se eu estava com cachorrinhos. Contei toda a história a ela achando que ela ia reclamar do barulho e para minha surpresa ela se ofereceu para cuidar dos filhotes na minha ausência, pois estava de férias. Nesse mesmo dia no final da tarde, a mãe dos filhotes mostrou ser muita esperta e descobriu onde eu estava. Ela entrou no colégio e se enfiou debaixo de uma escada em frente à janela de minha sala de trabalho. Para todos que passavam perto ela avançava. O padre diretor do colégio na época, que não era muito cristão com relação a animais, queria pegar um pedaço de pau e matar a cachorra. Fui me intrometer para defender a cachorra e por pouco não perdi o emprego ou taquei o pedaço de pau na cabeça do padre. Ele me deu uma hora para sumir com a cachorra, senão matava ela… Liguei para um veterinário e foram buscar a cachorra. Foi preciso sedá-la para conseguir pegá-la e levar para internar. Nessa de tentar pegar a cachorra, ganhei uma bela mordida. No fundo acho que o padre é que merecia tal mordia…
A cachorra ficou duas semanas internada, pois estava muito doente. Nesse período ela foi castrada e tratada, tendo ganho alguns quilos. Quem pagou a conta sozinho fui eu, mas fazer o que? A vizinha e o marido cuidaram muito bem dos cachorrinhos enquanto eu ficava fora de casa. Até remédio e comida compraram para eles. Consegui doar uma fêmea através de um anúncio na internet. Os demais consegui doar no final de semana durante uma feira de filhotes. Teve um deles que teve até lista de espera, pois três pessoas queriam ficar com ele. Fiquei muito contente em ter conseguido um lar para todos eles.
Agora tinha que cuidar da mãe dos cachorrinhos, pois com relação a ela eu me sentia meio em dívida, por ter tirado os filhotes dela. Infelizmente nesse período fiquei doente, tive mais alguns problemas pessoais e tudo isso virou minha vida de ponta cabeça meio que de um dia para o outro. Estes acontecimentos somados fizeram eu sair de Curitiba meses depois, para não mais voltar a morar lá. A mãe dos filhotes não conseguia conviver com humanos e o jeito foi soltá-la na rua. Eu mal estava conseguindo cuidar de mim, então não podia cuidar de um cachorro. Quando a soltei em um bairro calmo da vizinha cidade de São José dos Pinhais, ela estava castrada, gorda e saudável. Dessa forma seria mais fácil ela sobreviver nas ruas, pois era o ambiente em que ela estava acostumada.
Os cachorrinhos não vi mais e nem tive notícias. Ás vezes me pergunto se algum deles ainda está vivo e se tiveram uma vida boa. Acredito que sim, pois no dia da doação na feirinha de animais, conversei bastante com as pessoas que estavam adotando eles e todos me pareceram gostar de animais e serem pessoas de bem. A mãe dos cachorrinhos vi uma única vez cerca de dois meses depois que a soltei na rua. Eu estava saindo do aeroporto e a vi num canteiro em uma avenida próxima. Ela parecia bem! Acredito que não esteja mais viva, pois é muito difícil um cachorro viver sete anos nas ruas de uma movimentada cidade. Mas com certeza teria sido muito mais difícil para ela sobreviver na rua com os cinco filhotes.
E com relação ao padre que queria matar a cachorra, não sei por onde anda e nem tenho interesse em saber…