Domingo eu pretendia subir o Pico Paraná, que é das montanhas mais conhecidas da Serra do Mar aqui no Estado, a única que falta no meu currículo. Um amigo que era para ir junto teve que trabalhar e o outro deu o cano. Como é perigoso subir o Pico Paraná sozinho, tive que mudar os planos. O dia estava bonito, com sol forte e fiquei pensando o que fazer. Então decidi fazer uma caminhada sozinho pela Estrada da Graciosa, no trecho que saí de Quatro Barras (cidade distante 21 km de Curitiba) e vai até o início da descida da serra, sentido Morretes. Peguei um ônibus no centro de Curitiba e desembarquei no centro de Quatro Barras, em frente a um Centro de Informações Turísticas. No Centro de Informações fui atendido por um rapaz cujo nome não recordo e que foi muito atencioso. Pedi algumas informações, ganhei um mapa da estrada e iniciei minha caminhada. O trecho que iria percorrer eu conhecia, já tinha caminhado por ele, mas tinha sido 20 anos antes, nos tempos de Exército, quando fazíamos marchas por esse trecho da estrada. Naquela época a estrada não era asfaltada, hoje está em obras, quase toda asfaltada. Imaginei que muita coisa tivesse mudado nesses 20 anos ao longo da estrada e fui descobrindo que quase tudo mudou, poucos foram os locais que reconheci daquela época e que se mantém intocados.
A Estrada da Graciosa foi concebida a partir de 1825 para ligar o litoral a Curitiba, subindo a Serra do Mar. Ela foi construída sobre o antigo Caminho da Graciosa, que juntamente com o Caminho do Itupava, ligava Curitiba ao litoral do Paraná, mais especificamente a Morretes, Antonina e Paranaguá. Construída entre 1854 e 1873, foi durante muitos anos a estrada mais importante do Paraná. O trecho que percorri é parte do traçado original e parte não. Esse trecho saí de Quatro Barras e muitos quilômetros depois vai encontrar o trecho mais conhecido da Estrada da Graciosa, que inicia no Portal da Graciosa, ao lado da BR 116 e desce até Porto de Cima e Morretes, atravessando a Serra do Mar.
Iniciei a caminhada ás 10h00min. O sol estava muito forte e fazia calor. Meu plano inicialmente era caminhar uns 13 quilômetros e retornar, para pegar o ônibus de volta para Curitiba. Na mochila levava dois litros de água, barrinhas de cereais, castanhas de caju e um pacote de biscoitos recheados. Ou seja, comida calórica para matar a fome e repor energia rapidamente. Os primeiros três quilômetros de caminhada foram dentro do perímetro urbano da cidade, passando em frente de residências e casas comerciais. Passei pelo Marco de Dom Pedro II, que marca a passagem do Imperador pela cidade, em 1880 a caminho de Curitiba. Nesse local existia um pinheiro e a comitiva do Imperador parou sob sua sombra. O pinheiro não existe mais, foi destruído por um raio há muitos anos. No local hoje existe um obelisco contando tal fato. Fiz uma breve parada para tirar fotos, pois como muitos sabem sou admirador de Dom Pedro II e estudo sua história. Como de costume quando passo por lugares históricos, fiquei parado tentando imaginar como era aquele local há 130 anos, quando Dom Pedro II passou por ali. Mas são tantas ás mudanças ocorridas ali desde aquela época, que fica impossível tal exercício. A única coisa que deve estar igual é o vento fresco vindo da serra e o barulho dos pássaros. Por sinal, durante toda a caminhada ouvi o canto de muitos pássaros. Segui com minha caminhada e fui descendo e subindo a estrada, por um trecho onde tanto as subidas quanto as descidas eram leves. Pela primeira vez eu estava caminhando com bota de caminhada. Sempre caminhei de tênis de caminhada ou tênis de corrida. Tenho a bota faz alguns anos, mas nunca caminhei com ela por achá-la pesada. Então os primeiros quilômetros foram de adaptação ao calçado. No fim gostei da experiência, o conforto é bom e não viro tanto o pé como de costume. E serviu para eu descobrir onde ela faz bolha no pé, pra que eu proteja o local em próximas caminhadas.
O mapa que ganhei era bem detalhado e mostrava a quilometragem dos trechos a percorrer, o que ajuda muito, principalmente para poder calcular minha velocidade de deslocamento e projetar a duração da caminhada. Ao meio dia fiz uma parada de dez minutos na Igreja do Bom Jesus, num local chamado Campininha. Sentei na escada da pequena igreja e ali fiz um lanche rápido. Não me demorei muito, pois não queria deixar meu corpo esfriar. Ainda não estou curado totalmente da hérnia de disco (na verdade nunca ficarei curado totalmente) e em razão disso sinto dores. Quando o corpo esquenta as dores diminuem e quando o corpo esfria eu meio que travo e sinto dores fortes. Então melhor me manter aquecido, sem dores e seguindo em frente. Continuei subindo e descendo pela estrada, sendo que poucos trechos de subida eram íngremes. O trecho que percorri estava todo asfaltado, o que facilitava a caminhada, pois caminhar por pedras soltas é mais complicado. Só precisava prestar atenção nos carros que passavam, pois alguns abusavam da velocidade. Minha segunda parada foi em um boteco ao lado da estrada, num trecho deserto. Tomei uma Coca-Cola estupidamente gelada e bati papo com o dono do boteco e um cliente. Logo retomei a caminhada e um cliente do boteco que mora pela redondeza me acompanhou por cerca de um quilômetro. Fomos conversando sobre como é viver num lugar deserto e tranqüilo como aquele, até que ele pegou uma estradinha à direita e foi para sua casa. A vantagem de andar a pé é o contato com as pessoas, que fica facilitado. Outra vantagem é ouvir o ruído dos pássaros, do vento soprando na mata, sentir o cheiro do mato, ouvir o ruído dos rios. Ou seja, sentir e ouvir tudo o que acontece ao seu redor enquanto caminha. Isso você não sente quando passa por um local de carro, ônibus ou moto. De bicicleta você sente um pouco, mas não é igual o que sente ao caminhar.
Pelo caminho pude observar muitas árvores que foram derrubadas, muitas construções novas. Em razão do asfaltamento da estrada, o progresso está chegando ao lugar e junto o capitalismo selvagem e a degradação do meio ambiente. Também vi muito lixo jogado na beira da estrada e era impressionante a quantidade de latinhas vazias de cerveja e refrigerante, que provavelmente foram arremessadas pela janela de carros. Será que esse povinho que joga lixo pela janela do carro não percebe que se todos que passarem por ali fizerem isso, em pouco tempo aquilo deixará de ser um local bonito para passear e se transformará um lixão? Cada vez mais tenho certeza de que existem muitas pessoas que não sabem e não merecem viver em sociedade, pois elas são prejudiciais ao meio que vivem. Mas não serei eu que vou mudar as coisas. Faço minha parte e sou chato com pessoas próximas que agem assim. Cabe a cada um ter consciência do que faz de errado e mudar suas atitudes.
Teve dois lugares que passei que merecem ser mencionados e onde parei mais demoradamente para tirar fotos. Um dos lugares foi a Ponte de Arco, sobre o rio Capivari Mirim. A ponte é bem antiga, não sei precisar a data. Nesse trecho a estrada mantém seu capeamento original, o que da um charme especial ao lugar. Outra parada mais demorada fiz no Oratório Anjo da Guarda. O Oratório é uma pequena capela que foi construída em 1957. Ao lado da capela tem uma espécie de estátua de anjos. Queria entrar no Oratório pra orar, mas tinham muitas abelhas na parte de cima da porta e achei mais prudente orar do lado de fora. Do outro lado da estrada tem um riacho de águas límpidas e um gramado com muitas árvores. Para tirar fotos do riacho, pulei uma cerca e torci para que não aparecesse o dono do terreno ou algum cachorro bravo. O oratório era o local escolhido para dar meia volta e retornar a Quatro Barras, para pegar o ônibus de volta a Curitiba. Pensei por uns minutos e não achei interessante a idéia de caminhar por onde tinha acabado de passar, pois isso é muito chato. Até ali tinha percorrido cerca de 15 quilômetros. Então achei mais sensato seguir em frente e caminhar mais 12 quilômetros até o Portal da Graciosa. Eu sabia que aos domingos saí de Morretes um ônibus no final da tarde, com destino a Curitiba e que esse ônibus faz uma rápida parada no Portal da Graciosa. Então eu seguiria em frente e tentaria pegar esse ônibus. O risco era perder o tal ônibus. Se isso acontecesse à solução seria tentar pegar carona.
Continuei minha caminhada e agora a paisagem ia ficando mais bonita, pois eu ia me aproximando cada vez mais da Serra do Mar e de seus morros. Logo passei por outra capela, a Capela São Pedro. Tirei algumas fotos meio de longe e segui em frente, preocupado com o horário do ônibus. Peguei um trecho forte de subida. O sol cada vez mais quente e uma bolha no calcanhar direito começando a incomodar. Mas segui firme em frente, pois se tinha chegado até ali não ia desistir. Cheguei na Ponte do Rio Taquari, que está sendo reformada. Por baixo da ponte passa um rio raso de água transparente. Parei alguns segundos para tirar uma foto e segui em frente. A água era convidativa, mas o receio de perder o ônibus me fez seguir em frente. Logo mais passei por uma entrada que leva a um trecho original do Caminho da Graciosa, trilha muito anterior a Estrada da Graciosa. Andei algum tempo ao lado de um rio num trecho sem asfalto e margeado pela Mata Atlântica. Cheguei ao entroncamento que leva a esquerda para o Portal da Graciosa e BR116, e a direita para Morretes, pelo trecho de paralelepípedos e de serra da Estrada da Graciosa. Do entroncamento até o Portal foram pouco mais de 3 quilômetros de caminhada, dessa vez por trechos de sombra, sob árvores. Dei uma parada pra tirar fotos em frente ao Campo de Instruções do 20 BIB. Freqüentei esse campo de instruções nos anos de 1989 e 1990, quando estava no Exército. Sei que deixei muito sangue, suor e lágrimas nesse local. Agora tantos anos depois era estranho estar ali, do lado de fora da cerca. Mais algumas dezenas de metros e finalmente cheguei ao Portal da Graciosa. Passava um pouco das 16h00min. Levei seis horas pra percorrer 27 quilômetros, sendo que de caminhada efetiva foram 04h42min, tempo que controlei parando o cronômetro do relógio toda vez que eu parava.
Me informei sobre o horário do ônibus e fiquei tranqüilo ao saber que ele ainda não tinha passado. Fui num bar tomar uma Coca-Cola e comer um pastel. Estava quase acabando de comer, quando parou um carro e desceu um casal e sua filha. O rapaz viu minha camiseta do Caminho de Peabiru e puxou conversa. Contei sobre a caminhada que tinha acabado de fazer, trocamos algumas informações e na hora de ir embora ele me ofereceu carona até Curitiba. Isso foi melhor do que a encomenda e aceitei na hora a carona. O nome do rapaz é Ézio e no carro fomos conversando sobre viagens, caminhadas e outros assuntos similares. Ficamos de combinar alguma caminhada qualquer dia desses. E foi assim que terminou meu domingo e minha caminhada, que foi muito prazerosa. E caminhar 27 quilômetros sob sol, serviu para mostrar que estou cada dia melhor fisicamente, até melhor do que estava antes de ter a hérnia de disco. Na verdade fazia muitos anos que não tinha um condicionamento físico igual tenho agora. A parte chata são as dores que me acompanham, mas terei que aprender a conviver com elas. Para ter qualidade de vida e não ficar travado pela hérnia de disco, sempre terei que fazer atividades físicas. E fazer atividades físicas me ajuda a curar de vez a depressão. Ou seja, não posso mais parar. Se quiser viver bem e com qualidade, terei que viver me exercitando, pedalando, correndo, caminhando. E isso me causa dores. Estou naquela de que se correr a dor me pega e se ficar a dor me come… Mas com dor ou sem dor, quero é voltar a ser feliz e isso a cada dia estou conseguindo mais e mais. Que venham outras caminhadas!!!