Viagem ao Peru e Bolívia (20° Dia)

03/06/2012 

Huayana Potosi – 2° dia

Tive que ir de madrugada ao banheiro, que ficava do lado de fora do refugio. Fazia um frio de três graus. Na volta do banheiro parei para brincar com um cachorro que estava dormindo num canto da sala onde guardamos os equipamentos. Passei a mão nele, que não gostou e tentou me morder. O cachorro mesmo sendo pequeno era bastante bravo e se eu não fosse ligeiro tinha levado uma bela de uma mordida. Depois do susto voltei para a cama, olhei no relógio e vi que passava um pouco das cinco horas.

Levantamos cedo, tomamos café, arrumamos nossas coisas e saímos do abrigo. Seguimos montanha acima rumo ao segundo refúgio, de onde partiríamos para o ataque ao cume do Huayna Potosi. Foi complicado arrumar todas as minhas coisas e fazer caber tudo em minhas duas mochilas. Tive que amarrar fora da mochila a bota para gelo, que era bastante pesada. A trilha pela qual seguimos era a mesma que tinhamos percorrido no dia anterior, quando fomos até o Glaciar Velho. Antes de chegar ao cruzamento que leva ao glaciar, encontramos duas mulheres em uma mesa ao lado da trilha. Elas estavam ali para registrar os dados de quem estava seguindo para Huayna Potosi e cobrar uma taxa de manutenção no valor de $ 10,00 bolivianos. Após fazermos o registro e pagar a taxa, voltamos à trilha. Quando chegamos próximo ao Glaciar Velho, viramos a direita e seguimos por uma trilha que subia a montanha.

Conforme íamos subindo o ar ia ficando ainda mais rarefeito em razão da altitude. E com sol na cabeça e o peso das mochilas, o desgaste e o cansaço foram enormes. Caminhei o tempo todo junto com a Bruna, conversando com ela e incentivando-a a seguir em frente. Ela quando comprou o pacote para Huayana Potosi, não sabia o quanto difícil era chegar até o alto da montanha. E também não estava preparada fisicamente, então sofreu bastante para caminhar no ar rarefeito carregando sua mochila. A trilha no início era larga e conforme subia ia ficando estreita e cercada de pedras. Na parte final da trilha os guias seguiram na frente, pois iam preparar o almoço. O casal de suíços caminhava lentamente, fez várias paradas, mas seguiu em frente. Eu fiquei o tempo todo junto com a Bruna e quando ela parava eu parava, quando andava eu também andava. Ela estava muito cansada, mas foi guerreira e encontrou forças para seguir em frente.

Na parte final da trilha, alcançamos a parte da montanha onde tinha gelo. No início era pouco gelo, no meio das pedras. Conforme subíamos, o gelo ia aumentando e era sólido e liso, então tinhámos que tomar bastante cuidado para não escorregar. Não estavámos usando as botas para gelo, então todo cuidado era pouco. Já morreu gente ali, que escorregou e caiu montanha abaixo no meio das pedras. Na parte final da trilha a Bruna estava nas últimas, e para ajudar até carreguei algumas coisas dela. Após três horas de desgastante caminhada, finalmente chegamos ao segundo refugio de Huayna Potosi, chamado de Campo Alta Rocha (Rock Camp). Esse refugio é feito de pedra, uma bela construção situada a 5.130 metros de altitude. Ao ver o refugio fiquei imaginando o trabalhão que deu para construí-lo, levando o material nas costas montanha acima.

O refugio não era tão limpo e arrumado igual o refugio anterior, mas era aconchegante. Suas paredes internas eram revestidas de compensado e estavam cheias de inscrições, desenhos, mensagens e até algumas bandeiras deixadas por pessoas do mundo todo que passaram por aquele abrigo nos últimos anos. O dormitório era na parte de cima e para chegar até ele era preciso subir uma escada de madeira. Escolhi um colchão e ali estendi meu saco de dormir e deixei minhas mochilas ao lado. Na sala de refeições deixamos todo o equipamento de escalada sobre uma mesa e debaixo dela.

Pouco depois do meio-dia o almoço foi servido. Arroz, linguiça, tomate e pepino (que dispensei) era o cardápio. A comida estava boa, creio que mais em razão da fome que eu sentia do que em razão da qualidade culinária dos guias que a fizeram. Após comermos teve uma rápida reunião, onde o guia informou a programação do dia. Basicamente era descansar, dormir, comer, descansar mais, comer mais e dormir de novo. Saíriamos a uma da manhã para fazer o ataque ao cume do Huayna Potosi. A meia noite deveríamos nos reunir na sala de refeições para colocarmos as roupas e o equipamento. Fui para meu colchão e tentei dormir, mas não consegui. Resolvi sair e ver a vizinhança do abrigo. Mesmo com sol fazia frio e ventava, então não me demorei muito do lado de fora e voltei para minha cama. Conversei com a Bruna durante um longo tempo, ela estava achando que não conseguiria subir a montanha, pois a subida até o segundo abrigo tinha esgotada suas forças.

Fui ao banheiro, que ficava fora do refugio e no meio da neve. O banheiro era sinistro, feito com restos de madeira e ficava na borda da montanha. O vaso sanitário era um balde com um assento de privada, e o que se fazia dentro dele ali ficava até ele ficar cheio e algum guia levar o balde montanha abaixo para despejar seu conteúdo em algum canto. E eu que tinha achado ruim o banheiro do primeiro refugio! E chegar até o banheiro era complicado, principalmente a noite. Se o cara tivesse apurado ele podia pisar no gelo em volta do banheiro, escorregar e quebrar o pescoço! Tomei meu banho de gato, troquei a roupa e fui descansar mais um pouco.

As 17h00min a janta foi servida e o prato foi macarrão. Depois de comer saí com Bruna para tirar fotos do lado de fora do refugio. A noite estava chegando e junto com ela uma bela lua cheia. Estava muito frio do lado de fora e após tirar algumas fotos e admirar a vista, voltamos para nossas camas. A noite chegou de vez e junto com ela uma ventania que dava medo. Em alguns momentos o vento era tão forte, que fazia um barulho parecido com um uivo. Fiquei deitado em meu colchão, me aquecendo dentro do saco de dormir e pensando na insanidade que seria sair com aquele vento, no frio abaixo de zero que devia estar fazendo lá fora, para caminhar de madrugada rumo ao cume da montanha. Mas se eu tinha chegado até ali, não ia desistir. E sou insano o suficiente para encarar frio, vento, altitude e madrugada na montanha.

Conversei um tempo com Bruna e ela contou que estava decidida a não subir a montanha, que para ela tinha terminado ali. Quem ficaria feliz seria o guia dela, que poderia ficar dormindo em vez de passar horas caminhando no frio. Falei a Bruna que a escolha dela era sensata, pois mesmo eu tendo me preparado fisicamente e feito uma boa aclimatação para subir a montanha, eu não sabia se conseguiria chegar ao cume. Falei que ela era uma vencedora por ter chegado até onde chegou, pois conheço muito marmanjo que não teria a coragem e a força de vontade que ela teve em chegar até ali onde estavámos.

O interior do dormitório foi ficando cada vez mais frio e somado a falta de sono e a ansiedade, ficou difícil pegar no sono. Fiquei um longo tempo ouvindo o ruido assustador do vento do lado de fora e pensando na vida. Finalmente consegui adormecer, mas logo fui acordado pela Bruna que acendeu a lanterna e procurava algo em sua mochila. Consegui dormir novamente e mais uma vez fui acordado pela Bruna fazendo barulho, creio que procurando mais roupas para vestir, pois ela parecia sentir muito frio. Voltei a dormir novamente e dessa vez não fui mais acordado.

Trilha para o segundo refugio.
Bruna em uma de suas muitas paradas para descanso.
Abaixo a esquerda, o Glaciar Velho.
O casal de suíços e os guias.
A exausta Bruna.
Quase no final da trilha.
Refugio Alta Rocha (5.130 metros de altitude).
Almoço no segundo refugio.
Dois brasileiros e dois suíços partilhando a mesa no refugio.
Sob a mesa, parte de nosso equipamento.
O banheiro sinistro.
Interior do banheiro.
Entardecer no Campo Alto Rocha.
Descansando no dormitório.
Ao anoitecer surgiu a bela Lua Cheia.
Com Bruna, a corajosa gauchinha.
Vista que tinhamos de um dos lados do refugio.