Hoje faz 20 anos que saí de casa. Foi num sábado à noite, em 11/02/1989, que embarquei num ônibus da Sul Americana com mais 41 rapazes, rumo a Curitiba. O ônibus havia sido fretado pelo Exército Brasileiro, e eu estava prestes a iniciar uma das maiores aventuras da minha vida: servir ao Exército.
Daquela noite lembro bem da despedida de minha mãe em casa. Ela chorava, mas não muito, acreditando que eu voltaria em uma semana. Minha irmã Vanerli e meu cunhado Clésio (já falecido) me acompanharam até os fundos da Prefeitura Municipal, onde funcionava a Junta do Serviço Militar. Lá, apresentei-me a um sargento e logo entramos em forma para ouvir algumas instruções. Em seguida, embarcamos no ônibus e seguimos viagem. Entre os recrutas, estavam vários amigos de escola e conhecidos da cidade.
Acomodei-me na última poltrona e comecei a conversar com quem estava por perto. O papo estava animado e ríamos bastante, até que um sargento veio até o fundo e mandou que eu calasse a boca, dizendo que eu estava “agitando demais” o ambiente. Ameaçou-me dizendo que, se não me calasse, me trancaria no banheiro durante toda a viagem. Diante da “singela” ameaça, resolvi ficar quieto e tentar dormir. Mas não consegui. A ansiedade era grande: pensava na família, no bom emprego que deixava para trás, nos amigos, em uma ex-namorada (Rosana P.), que me abandonara um ano antes e por quem ainda sofria. Sabia que, indo para Curitiba, nunca mais teria chance de voltar com ela. O que mais me afligia, porém, era o medo do desconhecido: não saber o que me aguardava nos próximos dias. Eu estava indo para o 20º BIB (Batalhão de Infantaria Blindado), conhecido por seu rigor e fama de ser o quartel mais duro do sul do Brasil, pela disciplina e grau de exigência. Histórias de amigos que haviam servido lá nos anos anteriores só reforçavam essa reputação. E foi em meio a lembranças, medos, saudade e esperanças que, enfim, adormeci.
Vale lembrar um fato histórico daquela noite: o ônibus em que embarquei foi o terceiro daquela semana a seguir para Curitiba — e também o último da história. Durante muitos anos, jovens de Campo Mourão e região serviam parte em Brasília e vários nos quartéis de Curitiba. Mas aquele ônibus de 11/02/1989 foi o último a sair de Campo Mourão para lá. No ano seguinte, os rapazes da região passaram a servir no quartel de Cascavel, que era mais próximo. Anos depois, abriu-se um Tiro de Guerra em Campo Mourão, e ninguém mais da cidade seguiu para Curitiba.
Sempre lembro que, naquela noite, ocupei o último banco do último ônibus que levou jovens mourãoenses a Curitiba — encerrando um ciclo de vários anos e centenas de rapazes que deixaram sua cidade e sua família para cumprir o dever constitucional e patriótico de servir à pátria. Muitos desses jovens, por diferentes motivos, jamais retornaram para viver em Campo Mourão. Eu fui um deles.
A partir daquela noite de 20 anos atrás, minha vida mudou completamente. Conheci muitas pessoas, vivi inúmeras experiências: sorri, chorei, sofri, me alegrei. Mas, como diz Roberto Carlos (de quem não sou fã), “o importante é que emoções eu vivi”. Às vezes tento imaginar como teria sido minha vida nesses últimos anos caso eu não tivesse embarcado naquele último ônibus… mas é um exercício inútil. Nunca saberei que rumo teria tomado. Prefiro pensar que, se não tivesse ido, talvez o destino tivesse me reservado um caminho ainda mais difícil — ou até a morte, naquela mesma semana de fevereiro de 1989.
A vida é feita de ações que provocam reações. Uma simples decisão — ficar ou partir, e o momento em que isso acontece — pode desencadear processos imprevisíveis. Por isso, sou grato a tudo o que vivi desde aquela noite em que embarquei naquele ônibus, especialmente pelos amigos maravilhosos que conquistei a partir dali.
E viva a Infantaria!
