Caminho da Fé (9º dia)

“Peregrinar é a decisão maior que o ser humano se permite, pois ele deve seguir em completa solidão, assim se encontrará consigo mesmo.” 

(Katia Esteves)

Acordei às 8h30min e fui arrumar minhas coisas. Tinha chovido a noite toda, sinal de que encontraria muito barro pelo caminho. Tomei o café da manhã, que é algo que nunca faço em casa. Durante a viagem sempre procurei tomar café da manhã, em razão do esforço físico que estava fazendo todos os dias. Saí à rua, fui levar a bike para consertar. Na bicicletaria tinha fila de espera, então deixei a bike lá e fui dar uma volta pela cidade. Queria conhecer melhor as antigas construções da cidade. Começou a cair uma garoa fina e mesmo assim continuei andando. Fui até a Catedral, que fica bem no alto da cidade. Depois fui a um Mercadinho, que o guia mencionava, e onde existia uma gruta com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Chegando ao Mercadinho descobri que a gruta estava desativada, passando por reformas. Conversei um pouco com o dono do Mercadinho, que é um entusiasta e apoiador do Caminho da Fé. Ele me contou sobre duas mortes de peregrinos, que aconteceram ano passado. Um deles era meio obeso e enfartou ao chegar a Aparecida, provavelmente por culpa do esforço físico e da emoção de chegar ao final do Caminho da Fé. A outra morte foi de um médico, picado por cinco abelhas e que por ser alérgico acabou falecendo ao dar entrada no hospital. O dono do Mercadinho perguntou se eu era alérgico a abelhas, pois existem muitas pelo caminho. Respondi que provavelmente não, pois já levei picadas de abelhas, vespas, marimbondos e nunca tive problemas. Então ele disse para eu comprar uma caixa de antialérgico, por precaução, já que estava viajando sozinho e em caso de ser picado por muitas abelhas e estando num local deserto, demoraria a conseguir socorro. Despedi-me, ganhei um carimbo na credencial e fui direto a uma farmácia comprar um antialérgico. Eu tinha decidido seguir os conselhos que me fossem dados, após os problemas com os pneus da bike.

Pouco antes do meio dia fui buscar a bike no conserto. Passei na pousada pegar minhas coisas e logo parti. Na saída da cidade entrei numa estrada de terra e segui por ela um bom tempo. O tempo estava nublado, o que era bom para pedalar, sem chuva ou sol quente. A estrada tinha bastante barro, nada que fosse problemático. Pretendia percorrer trinta quilômetros à tarde, até a cidade de Borda da Mata. Segundo o guia, o trecho era tranqüilo, com uma única subida grande. Após alguns quilômetros cheguei à pequena cidade de Inconfidentes. O guia dizia para parar no Bar do Maurão, para pegar o carimbo na credencial. O bar ficava na avenida principal e não tive dificuldade em encontrá-lo. No Bar do Maurão aproveitei para almoçar dois pastéis de queijo e tomar uma Tubaína. Depois fiquei conversando com o Maurão, que como todo mineiro é bom de conversa. Ele me contou algumas histórias sobre o Caminho da Fé e também sobre o médico que morreu em razão das picadas de abelha. Logo chegou a esposa do Maurão, que também entrou na conversa, contando fatos sobre peregrinos que por ali passaram. O papo estava bom, dava vontade de ficar mais tempo ali, mas eu precisava seguir em frente. Despedi-me e segui em frente.

Na saída de Inconfidentes, andei um pouco ao lado de uma estrada asfaltada. Logo voltei para uma estrada de terra e segui por ela um bom tempo. Pelo caminho passei por alguns locais com casas e alguns bares. Ao passar o pessoal ficava me olhando. Eu sempre cumprimentava todos que via, e as pessoas respondiam. Depois de quase uma hora cheguei a um local onde existia uma parada para descanso, debaixo de uma árvore, com bancos de madeira e uma torneira com água. Esse local tinha sido preparado pelo Seu Joaquim, um morador que tem apoiado o Caminho da Fé. Ali encontrei três senhoras, que estavam percorrendo o Caminho da Fé a pé, já fazia vários dias. Vanda, Adélia e Nair, eram de São Carlos – SP. Conversamos um pouco e descobri que elas eram nascidas em Goio-êre, uma cidade próxima a Campo Mourão e que viviam há muitos anos no interior de São Paulo. Quando nos preparávamos para partir, surgiu o Seu Joaquim, dono do lugar. Conversamos um pouco e logo minhas novas amigas partiram. Fiquei mais um tempo conversando com Seu Joaquim. Ele me contou sobre o início do Caminho da Fé, sobre como é bom viver num lugar tranqüilo igual aquele e sobre seus planos de construir uma lanchonete ao lado da estrada, como ponto de apoio aos peregrinos. Depois de um tempo despedi-me do Seu Joaquim e peguei a estrada.

Após pedalar uns dois quilômetros, encontrei as três peregrinas, no início de uma grande subida. Desci da bike e segui conversando com elas. Era a primeira vez que eu seguia pelo Caminho da Fé acompanhado por alguém. Conversamos sobre muitos assuntos. Diverti-me com algumas histórias que elas contaram e com as reclamações. Elas não tinham nenhum preparo físico quando iniciaram a peregrinação. Estavam seguindo na força de vontade, na fé. Fiquei admirado com a disposição delas. E achei engraçado quando paravam cansadas e fumavam um cigarro. Segundo elas, o cigarro era para dar uma força extra. Como não tinha pressa, acabei andando um bom tempo junto com as três. Chegamos a um lugar onde tinha alguns abacaxis ao lado da estrada. A Adele colheu um dos abacaxis e descascou para comer. As outras duas ficaram brincando que o abacaxi era venenoso. Foi me oferecido um pedaço, que educadamente recusei, não pelo medo de ser venenoso, mas sim por estar com aftas na boca desde o dia anterior e o abacaxi só pioraria a situação. Pouco antes das 17h00min me despedi das três e decidi voltar a pedalar. Ainda faltavam seis quilômetros até Borda da Mata. Segundo o guia, na cidade existiam dois hotéis, um novo e um antigo, de 1940. Eu queria ficar no hotel antigo e as três também. Então combinamos que ao chegar ao hotel eu reservaria um quarto para elas.

Os seis quilômetros até Borda da Mata foram tranqüilos, com duas subidas não muito fortes. Numa delas vi uma cobra atravessando a estrada. Com cuidado parei ao lado dela e tirei uma foto. A cobra era brava e tentou morder o pneu da bicicleta. Segui meu caminho e deixei a cobra seguir o dela. Não demorou muito e cheguei a Borda da Mata. Logo na entrada da cidade tinha uma subida pesada e desci da bike, passando a empurrá-la. Ao passar em frente a uma casa, um senhor que estava na varando perguntou se eu estava fazendo o Caminho da Fé sozinho. Respondi que sim e ele falou “Êita! Tem que ser muito corajoso para fazer isso!”. Ri do comentário e respondi que não precisava de coragem, mas sim de vontade e fé. Várias vezes durante o caminho, pessoas falaram que eu era corajoso em fazer o Caminho da Fé sozinho. Nunca me achei corajoso por isso. Apenas não tinha outra opção, já que não encontrei ninguém para viajar comigo. Então era viajar sozinho ou não viajar. E não via problema em seguir sozinho, apenas sabia que seria perigoso caso sofresse alguma queda, ou algum outro acidente e me machucasse seriamente. E também sabia que sozinho era mais vulnerável a assaltos. Mas nunca tive medo, sempre orava pedindo proteção e tinha certeza de que nada aconteceria comigo. Alguns chamam isso de fé…

Não foi difícil encontrar o Minas Hotel, que ficava numa esquina, no centro da cidade. Fui atendido pela Dona Maria, dona do local a quase cinqüenta anos. Ela me arrumou um quarto e depois reservou um para minhas três amigas. O hotel estava cheio naquele sábado. A Dona Maria foi à missa e me deixou encarregado de esperar minhas três novas amigas chegarem. Deixou-me a chave do quarto e me deu mais algumas coordenadas sobre o funcionamento do hotel. De repente me vi gerenciando o hotel. Mais uma vez alguém que nunca tinha me visto na vida, depositava confiança em mim. Ao entrar no quarto carregando o alforje da bike nas mãos, todo sujo de barro, me senti o verdadeiro “boiadeiro errante”, personagem de uma música do Sérgio Reis. Meu quarto era bem simples e antigo. Pelo visto não tinha mudado muito desde a construção do hotel. A única mudança era um banheiro que foi adaptado dentro do quarto, onde fizeram uma espécie de muro num canto e colocaram um chuveiro e um vaso sanitário. Deitei na velha cama e fiquei olhando para o teto e imaginando quantas pessoas já tinham dormido naquele quarto nos últimos setenta  anos. Muitos boiadeiros que chegavam em comitiva, com certeza dormiram ali.

Minhas amigas chegaram quando já estava escuro. As levei até o quarto delas e depois fui dar uma volta pelas proximidades do hotel. Na esquina oposta existiam duas praças, uma onde ficava a Catedral e outra com um chafariz. Em volta muitas lanchonetes e sorveterias. Parei numa sorveteria tomar um sorvete e depois entrei numa loja ao lado, que vendia produtos típicos de minas. Tinha muitas variedades de queijos e doces de leite. Deu vontade de comprar alguma coisa para levar para o pessoal de casa, mas como não podia carregar mais peso, achei melhor não comprar nada. Voltei ao hotel e descansei um pouco. Tinha combinado de jantar com as três peregrinas, mas no horário marcado somente a Vanda apareceu. Fomos em uma lanchonete próxima e fizemos um lanche. Então ela voltou para o hotel, levando lanche para as outras duas, que de tão cansadas que estavam, preferiram não sair do hotel. Dei algumas voltas pelo centro e depois sentei-me num banco da praça. Logo a praça começou a encher de pessoas. Muita gente bem vestida, passeando por ali. Sou do interior, conheço muitas cidades do interior, mas nunca tinha visto algo igual. Parecia que quase todos os moradores da cidade estavam passeando pela praça e arredores, e nem era noite de festa. Fiquei um bom tempo olhando o movimento, até que resolvi voltar ao hotel. No caminho passei em frente a uma pastelaria, que vendia “pastel de milho”. O guia dizia para provar essa iguaria local. Eu pensava que o recheio é que era de milho, mas na verdade é chamado de pastel de milho, porque a massa do pastel é feita com farinha de milho. Provei um com recheio de carne e outro com queijo. Era muito bom, uma delícia. Arrependi-me de ter lanchado antes. De barriga cheia fui para o hotel dormir. Ainda não tinha adormecido, quando começou a chover forte, sinal de estrada cheia de barro no dia seguinte.

Dia nublado, bom para pedalar.
Atravessando ponte.
Com o Maurão, em seu bar.
Adele, Vanda, Nair e eu.
Com Seu Joaquim.
Bem ao fundo aparece a cidade de Borda da Mata.
No pasto, uma antiga capela.
Adele e Nair, atravessando o barro.
Olha o abacaxi!
No meio do caminho tinha uma cobra…
Chegando a Borda da Mata.
Catedral de Borda da Mata.

Caminho da Fé (8º dia)

“Peregrinar é uma imagem de vida, encerrada em poucos dias, um tempo no qual tomamos verdadeiramente a consciência de nós mesmos.” 

(Anabela Coquenão)

Acordei às 8h00min, com muita dor no corpo e cogitei a possibilidade de tirar o dia para descansar. Logo mudei de idéia. Mesmo com dores o jeito era seguir em frente, sempre… Com muita preguiça levantei e arrumei minhas coisas, num passo de tartaruga. Antes de sair vi um Novo Testamento em cima de uma mesa e resolvi ler um trecho. Abri de forma aleatória e li um texto de Tiago, que falava sobre a paciência. Refleti um pouco sobre o que li, e entendi que devo continuar sendo paciente com a vida, pois dessa forma tudo vai se resolver. E essa viagem também está sendo um exercício de paciência, pois tenho seguido sem muita pressa, curtindo cada momento.

Ao pagar a conta do hotel, a moça que me atendeu disse que tinha me visto na rua no dia anterior. Saindo do hotel procurei uma bicicletaria para poder arrumar o freio. Também tinha um raio quebrado que tive que trocar. O cara que consertou a bike disse que seria bom eu trocar o pneu dianteiro, que não estava muito bom. Respondi a ele que já tinha trocado o pneu traseiro durante a viagem e que pretendia seguir até o final da viagem sem trocar o dianteiro. O cara da bicicletaria também disse que tinha me visto na rua no dia anterior. Pelo jeito estou ficando conhecido na cidade… rs! Saindo da bicicletaria parei fazer um lanche e peguei a estrada.

Após sair da cidade, entrei numa estrada de terra e segui por um longo trecho com bastante descidas. Mesmo com a forte chuva da noite anterior, não tinha muito barro na estrada. Talvez em razão do sol forte. Passei em frente uma escolinha, dessas de sítio, e os alunos ao me verem fizeram a maior festa, correndo para a cerca para falar comigo. Fui atencioso, mas preferi não parar. Cheguei a primeira subida do dia e depois dela novas descidas e retas, por uma região muito bonita. Então cheguei ao início da Serra dos Lima e teria que superar a segunda pior subida do Caminho da Fé. O sol do meio dia estava forte, a estrada com pedrinhas soltas que me faziam escorregar. Foi complicado percorrer esse trecho. Quase na metade da subida vi uma pequena capela e ao lado uma mina de água, fria. Parecia até uma miragem em meio ao deserto. Tirei as luvas para poder lavar o rosto. Sentei-me em frente a capela e fiquei um bom tempo ali, pensando na vida. Não tinha a mínima vontade de voltar a empurrar a bike morro acima, debaixo de sol. Mas tinha que seguir em frente e assim voltei para a estrada. Quase um quilômetro depois foi que dei falta das luvas, que ficaram ao lado da mina. Voltar para buscá-las seria complicado e achei melhor seguir em frente, sem as luvas. Se fosse algo de maior valor, até que valeria a pena voltar para buscar, mas as luvas já estavam bastante usadas e não valia o esforço de retornar. Nesse trecho passei a pendurar o capacete no guidão e a usar boné para me proteger do sol. Somente em trechos de descida é que colocava o capacete. Após chegar ao final da grade subida da Serra dos Lima, comecei a andar por um trecho com longas retas e descidas. Passei por um local onde estavam carregando um caminhão com batatas colhidas em uma plantação ao lado. Debaixo de uma árvore vi quatro moças sentadas. Elas estavam colhendo as batatas e vestidas igual bóias-frias, cheias de roupas. Ao passar por elas dei um ‘”boa tarde” e pude notar que as quatro eram muito bonitas, mesmo sujas e vestidas com roupa de trabalho. Segui pedalando e pensando na vida difícil que muitas pessoas levam. Logo comecei a descer novamente. As descidas eram tão íngremes que as mãos doíam de tanto apertar os freios. Em razão das pedras e buracos na estrada, não dava para correr muito, era mão nos freios o tempo todo. Cheguei num local de onde era possível ver a pequena cidade de Barra, no fundo de um vale. E do outro lado do vale dava para ver a estrada e as subidas que me esperavam mais tarde.

Na entrada de Barra, passei por algumas vacas soltas ao lado da estrada. Precisava passar por um mata burro, sobre um rio. E bem no meio do caminho tinha uma vaca enorme, grávida, possivelmente de gêmeos. Gritando tentei fazer a vaca sair da frente, mas isso a deixou brava e ela ficou me encarando com cara de poucos amigos, e nem arredava as patas de onde estava. Gritei mais um pouco, tentei falar com a vaca, até pensei em tacar alguma pedra nela. De repente, do nada chamei a vaca pelo nome de uma pessoa e a vaca saiu da estrada. Comecei a rir. Será que o nome da vaca era o mesmo dessa pessoa, que por razões obvias não vou citar aqui? De qualquer forma a vaca liberou o caminho e segui em frente.

Barra é uma cidade pequena e tranqüila, um lugar bucólico. Logo na entrada da cidade vi um monte de canarinhos numa cerca, uns vinte. Começou a cair uma garoa fina e parei num Mercadinho, com a intenção de comer alguma coisa. Acabei almoçando dois potes de sorvete. Sentei em frente a porta do Mercadinho e fiquei tomando o sorvete e curtindo o momento, a tranqüilidade do lugar. A sensação era de que naquela cidadezinha o tempo tinha parado. Acredito que passar uns dias ali cura qualquer estresse ou depressão. Senti-me feliz por estar ali, num lugar tranqüilo, no meio do nada, curtindo a vida, o momento. Algo bem diferente de minha vida um ano antes. Nada como um dia, uma semana, um mês, um ano após o outro… Fiquei quase uma hora sentado naquele Mercadinho, meditando sobre a vida. A única coisa que achei estranho foi o açougue que funcionava nos fundos. As carnes ficavam penduras, a mostra, sem preocupação com refrigeração.

Precisava seguir em frente e perguntei para a dona do Mercadinho, onde podia conseguir o carimbo para minha credencial do Caminho da Fé. Ela respondeu que seria na Pousada, que fica atrás da igreja, mas que não tinha ninguém lá aquela hora. Lamentei ficar sem o carimbo de Barra e então a dona do Mercadinho disse que eu podia ir até a Pousada e entrar, pois os donos deixavam o lugar aberto e o carimbo em cima da mesa. Fui até a Pousada, meio sem jeito entrei e fui até uma mesa onde encontrei o carimbo. Mais uma vez fiquei impressionado com a confiança que o pessoal deposita em estranhos. Saí rapidamente e resisti a tentação de pegar uns biscoitos que estavam sobre a mesa e tinham aspecto de serem apetitosos. Atravessei a cidade e logo cheguei num lugar, cuja foto estava no guia e que desde a primeira vez que li o guia, mais de uma ano antes, tinha sido a foto mais bonita que vi. Agora estava ali, em frente a paisagem da foto que admirei durante vários meses. Foi um momento gostoso, difícil de explicar.

Após tirar algumas fotos, saí de Barra e logo cheguei numa grande subida, com muito barro. Foi um esforço imenso empurrar a bike morro acima, com todo aquele barro. Após a subida entrei num trecho cercado de mata e atravessei dois riachos, dessa vez sem molhar os pés. Saindo da mata, entrei numa parte com muitas descidas. Em volta a paisagem era exuberante, com muito verde. Era possível enxergar a quilômetros de distância, uma paisagem de beleza tão grande que não é possível captar com a câmera, é o tipo de beleza que você guarda na mente. No final do trecho de descidas cheguei a uma pequena localidade que não recordo o nome. Passando em frente a uma escolinha, vi uma moça lavando a calçada com uma mangueira. Parei e pedi para encher minhas garrafinhas com água. Conversei um pouco com a moça, que fez perguntas sobre de onde eu era, sobre o Caminho da Fé. Despedi-me e segui em frente, passando ao lado de uma antiga casa de fazenda, muito bonita.

O restante da tarde fui alternando trechos de curtas subidas e descidas. Tudo ia bem, até que o pneu da frente esvaziou. Tentei encher com a bomba de ar e percebi que ele tinha um pequeno furo. Na hora lembrei-me do conselho do rapaz da bicicletaria em Andradas. Mais uma vez tinha ignorado um conselho sobre trocar pneu e fiquei na mão. Decidi que ia ouvir mais os conselhos que me dessem pelo caminho. Os quilômetros seguintes foram de muitas paradas para encher o pneu da bike e seguir pedalando, até parar novamente e encher o pneu.

Ás 17h00mim cheguei a cidade de Crisólia e parei no Bar da Zetti, para carimbar a credencial do Caminho da Fé. Aproveitei para tomar uma Tubaína gelada e descansar um pouco. Informei-me sobre a existência de algum lugar na pequena cidade, onde pudesse consertar o pneu, e a respostas foi que não existia nada. A Zetti me aconselhou a seguir pela estrada de asfalto, até Ouro Fino, meu próximo destino. Segundo ela, seriam somente quatro quilômetros, quase todo em descida. Já se eu fosse pelo Caminho da Fé, seriam sete quilômetros, com algumas pequenas subidas. Optei por seguir pelo Caminho da Fé, mesmo correndo o risco do pneu me deixar na mão de uma vez e eu ter que empurrar a bike. Despedi-me da Zetti e peguei a estrada.

Não demorou muito e passei por uma árvore onde estava pregada uma placa indicando que faltavam 250 quilômetros até a cidade de Aparecida, meu destino final. Ou seja, eu tinha atingido exatamente a metade do Caminho da Fé, o que me deixou bastante contente. O pneu colaborou e após parar umas três vezes para enchê-lo, finalmente cheguei à periferia de Ouro Fino. Ali passei por um momento delicado. Ao descer em alta velocidade por uma estrada asfaltada, na entrada da cidade, vi três rapazes e uma moça saírem do meio do mato, logo a minha frente. Como eu estava em alta velocidade, eles só me viram quando passei por eles, e se assustaram. Deu para sentir o cheiro da maconha que eles fumavam e imagino que se fosse num trecho de subida, ou então se tivessem me visto antes, eles teriam me assaltado. Nas pequenas cidades por onde passa o Caminho da Fé, não existe grande risco de assaltos. Já próximo às cidades maiores esse risco aumenta e li relatos de peregrinos que foram assaltados, quase sempre por usuários de drogas. Infelizmente o consumo de drogas e a violência que envolve esse consumo, está se transformando um problema muito grande em todo o Brasil. E nossas autoridades não dão muita bola a isso e continuam tratando os usuários como coitadinhos, nem para a cadeia vão. Na verdade se não existir o usuário, não existe o grande traficante. Então se deve coibir o uso da droga e punir os pequenos usuários, pois se continuar como está, a violência só vai aumentar, já que o consumo desenfreado de drogas fomenta cada vez mais a violência.

Ao entrar na cidade de Ouro Fino, o pedal esquerdo quebrou. Por sorte eu estava no final de uma pequena subida, a baixa velocidade. Se a quebra do pedal acontecesse quando eu estivesse correndo bastante, isso poderia ter causado um sério acidente. Parei na estátua do Menino da Porteira, para tirar fotos. A cidade de Ouro Fino ficou famosa em todo o Brasil, graças a música “O Menino da Porteira”, que foi gravada pelo cantor Sérgio Reis, em meados dos anos setenta. Um dos compositores dessa música possuía um sítio nos arredores da cidade, e talvez por isso tenha citado a cidade na música. A estátua é bonita, tem dez metros de altura e ao lado tem uma placa de bronze com a letra da música e embaixo a mão do Sérgio Reis moldada no gesso.

Quando deixei a estátua para trás e entrei na cidade, já estava escuro. Segui empurrando a bike com o pneu totalmente murcho, até chegar numa pousada bem no centro da cidade. A pousada era legal, mas estranhei pedirem o pagamento adiantado. Era a primeira vez que isso acontecia. Fui para o banho e ao sair vi que minhas pernas a cada dia tinham mais marcas de arranhões e de picadas de insetos. Estavam ficando feias com tantas marcas. Logo saí e dei uma volta pela cidade, que é bastante antiga, com muita história e que possui construções antigas e conservadas. Jantei em um restaurante simples, antigo e simpático. A comida era boa demais e acabei exagerando. Depois dei mais uma volta pelo centro, para fazer a digestão. Voltei para a pousada e fui direto para a cama. Mal deitei e começou a chover. Com o barulho da chuva foi ainda mais gostoso dormir.

Estrada poeirenta.
Capela onde esqueci minhas luvas.
Bela paisagem.
Mais uma igrejinha perdida.
Longa estrada…
Capelinha ao lado da estrada.
Região de serra.
No fundo do vale, a pequena cidade de Barra.
Vaca prenha no meio da estrada.
Mata burro sobre o rio.
Igreja de Barra.
Minha paisagem favorita.
Lugar bucólico.
Barro na subida.
Atravessando o pequeno riacho.
Antiga casa de fazenda.
Uma das muitas paradas para encher o pneu furado.
Em frente a estátua do Menino da Porteira. Ouro Fino – MG

Caminho da Fé (7º dia)

“Peregrinar é rezar com os pés.” 

(Autor Desconhecido) 

Acordei 8h30min, olhei pela janela e vi que o sol brilhava forte, mas mesmo assim fazia um friozinho. Da janela dava para ver um pouco distante a pequena São Roque da Fartura na encosta de uma morro, uma paisagem bonita. Estava todo dolorido do esforço do dia anterior e o jeito foi tomar um remédio para dor. Arrumei minhas coisas, tomei café na cozinha da Dona Cida e logo peguei a estrada, pois queria aproveitar o dia de sol e tentar chegar até a cidade de Andradas, já em território mineiro. Ou seja, pretendia fazer pouco mais de cinqüenta quilômetros naquele dia, então não podia perder tempo. Antes de partir confirmei com Dona Cida sobre a informação de que deveria seguir pela estrada asfaltada e não pela estrada de terra por onde passa o Caminho da Fé. Diante da resposta de que deveria seguir pela estrada asfaltada, despedi-me e parti. Até então não tinha usado capacete para pedalar. Em razão da chuva dos primeiros dias, tinha achado melhor não utilizar luvas e capacete, pois seriam mais coisas para molhar. No dia anterior, com sol, tinha usado luvas. Agora que passaria por trechos perigosos, era melhor usar equipamento completo, por segurança.

Logo ao sair da Pousada da Dona Cida andei alguns metros por uma estrada de terra e cheguei à estrada asfaltada. Próximo tinha a entrada de uma cachoeira, mas tinha tomado tanta chuva nos últimos dias que não fiquei com vontade de ver mais água. Comecei a pedalar pelo canto da estrada, pois a mesma não tinha acostamento. Fiquei preocupado com isso, pois sabia que seriam 22 quilômetros até chegar à próxima cidade, Águas da Prata. Se todo o trecho fosse naquela estrada, seria bastante perigoso. Não andei muito e cheguei numa grande subida, onde o jeito foi descer e empurrar a bike. Procurei ir bem no canto da estrada, mas mesmo assim os carros passavam bem próximos a mim. Felizmente a maioria dos carros ao passar por mim distanciavam-se, indo para a pista contrária. A subida parecia não ter fim, foram quase três quilômetros empurrando a bike, até que cheguei no alto de uma serra. Ali subi na bike e comecei a descer, descer e descer. Havia muitas curvas fechadas e buracos na pista, tive que tomar muito cuidado. Abusei do freio traseiro e ele logo começou a falhar, dando sinais de desgaste. Após uma das muitas curvas, tive que parar num local onde trabalhadores estavam consertando a estrada e o trânsito estava momentaneamente impedido. Um cara que cuidava do trânsito veio até mim e me deu uma bronca, dizendo para eu não correr tanto pois podia colocar em risco a vida de um dos operários que trabalhavam na estrada. Inicialmente achei que ele estava brincando e tinha até pensando em fazer uma piadinha, mas diante da cara amarrada dele vi que a bronca era séria e resolvi me calar. Depois de alguns minutos ele liberou a estrada e voltei a descer feito louco estrada abaixo, testando o freio traseiro e vendo que ele estava cada vez pior. Então em uma curva vi que estava chegando numa cidade, a qual não lembro o nome e que não constava em meu guia. Daí lembrei que estava fora do percurso original do Caminho da Fé e que por esse motivo a tal cidade não era mencionada no guia. Chegando no trevo da cidade descobri que a estradinha ruim que estava percorrendo terminava ali e que dali para frente eu deveria seguir por uma rodovia bastante movimentada. Seria serra abaixo o tempo todo. Ao menos o acostamento era bom.

Comecei a seguir pela rodovia, primeiro na contramão e depois pela mão correta, onde o acostamento era mais largo. Era descida o tempo todo e curvas bastante abertas onde dava para correr bastante. Eu não precisava pedalar, era só deixar a bike descer. A paisagem em volta era muito bonita, mas não dava para ficar apreciando. Logo o freio de trás parou de funcionar de vez. Parei para tentar consertar, mas não foi possível. Tive que tomar muito cuidado dali para frente, freando somente com o freio dianteiro. Logo descobri que em razão do peso da bike e da velocidade com que estava descendo, quando eu apertava o freio dianteiro, conseguia parar somente uns cinco metros depois. Isso poderia ser muito perigoso caso precisasse parar bruscamente por culpa de algum buraco, ou carro parado no acostamento. Passei a tomar ainda mais cuidado, observando bem a estrada à frente. Mesmo assim corri bastante e não demorou muito para chegar num trevo, sair da rodovia e entrar numa estrada menor. Mais alguns metros e cheguei numa ponte, que não tinha acostamento. Para piorar a situação, a ponte ficava numa curva em descida. Estudei a melhor forma de atravessar a ponte e resolvi empurrar a bike pela contramão. Logo nos primeiro metros sobre a ponte, notei que os carros que subiam em sentido contrário estavam bem devagar. Imagino que algum carro que estava descendo tenha dado sinal de luz avisando que tinha algum perigo (no caso eu) na pista e por isso os carros diminuíram a velocidade. Ou então foi a Providência Divina que mais uma vez me ajudou. Atravessando a ponte, subi na bike e voltei a pedalar pela contramão. Logo cheguei à cidade de Águas da Prata. Tinha percorrido vinte dois quilômetros em menos de duas horas, um recorde.

A cidade de Águas da Prata é uma conhecida estação termal, que recebe muitos turistas. Cidade antiga e simpática, foi ali que começou o movimento pela criação do Caminho da Fé e é nela onde fica a sede do Caminho da Fé. A cidade é pequena e logo estava pedalando pelo centro. Vi uma bicletaria e parei para regular o freio. O rapaz que fez o serviço não cobrou nada. Agradeci e ao sair da bicicletaria descobri que ela ficava ao lado da sede do Caminho da Fé, onde também funciona uma Pousada para os peregrinos. Fui até lá pegar o carimbo na credencial e conhecer o lugar. Ali fiquei sabendo que a informação sobre o trecho entre São Roque da Fartura e Águas da Prata estar intransitável era incorreta. Fora motivada por culpa de um peregrino meio enjoado que não deve ter gostado de atravessar trechos de muito barro e chegando na sede do Caminho da Fé passou a informação de que era impossível andar por aquele trecho. Eu tinha passado por trechos muito ruins e não teria tido problemas em passar por esse trecho. Foi uma pena ter sido vítima de uma informação errada, mas não dava mais para voltar atrás. O negócio era seguir em frente e foi o que fiz.

Na saída de Águas da Prata, parei fazer um lanche leve, numa lanchonete que fica em frente a antiga Estação de Trem, que foi inaugurada por Don Pedro II. Não me demorei muito e segui em frente. Andei cerca de um quilômetro pelo asfalto e entrei numa estrada de terra. O sol estava muito forte e fazia bastante calor. A estrada tinha subidas curtas e muitas retas o que fez render a pedalada. Passei por um igrejinha perdida no meio do mato e parei para descansar e tirar algumas fotos. Não me demorei e segui em frente.

Boa parte da tarde segui por meio de uma estrada deserta e fiquei um bom tempo sem ver ninguém. Passei por uma cachoeira no meio do mato e parei para descansar um pouco. Depois atravessei uma região de mata fechada, onde a sombra e a umidade davam a sensação de frio. Era como entrar num ambiente com ar condicionado ligado. Em alguns trechos no meio da mata, dava certo medo do silêncio do lugar ou então de ruídos estranhos que vinham do mato. Nessas horas a imaginação “viaja” um pouco e fiquei imaginando que a qualquer instante um onça surgiria no meio da estrada. Felizmente o único animal que surgiu foi um tatu, ao lado da estrada. Parei bem pertinho dele e fiquei em silêncio o observando. Até que em determinado momento ele começou a farejar o ar, sentiu meu cheiro e saiu correndo para o meio do mato. Confesso que meu cheiro não deveria ser dos melhores, sujo e suado como estava.

E finalmente numa curva da estrada cheguei num rio que não tinha ponte e que segundo informações era a divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais. Pensei que o rio era raso e fui tentar atravessá-lo pedalando. Quando chegou no meio do rio descobri que ele era um pouco fundo e por pouco não caio um tombo feio. Consegui descer da bike e atravessei caminhando. Mesmo num dia de muito sol eu consegui molhar os pés. Era o sétimo dia de viagem e o sétimo dia em que eu ficava com o tênis molhado. À noite no hotel ao olhar o guia, vi que o mesmo informava sobre uma pinguela no lado direito da estrada, que permitia atravessar esse rio sem se molhar. Confesso que não vi tal pinguela, isso se ela ainda existir.

Foi de certa forma algo marcante passar a pedalar em outro estado. Sabia que dali para frente o caminho ficaria mais difícil, pois em Minas Gerais tem muitas serras e trechos com pedras. No dia anterior, o Seu Francisco tinha me falado que em Minas o caminho seria bem mais “dificultoso”. Mas estava preparado para tudo e cada dia estava mais perto de meu destino final, o que era algo bastante motivador. Mais uma vez fiquei sem água e com o calor que fazia isso foi um complicador. Olhando no guia vi que passaria pela Pousada do Gavião, que ficava alguns quilômetros a frente de onde estava quando acabou minha água. Então passei a pedalar mais rápido, até que cheguei à pousada. Uma funcionária me atendeu e encheu minhas garrafinhas com água. Aproveitei para tomar um Guará Vita, uma espécie de refrigerante que só é vendido no Sudeste e que gelado é muito bom. Também ganhei mais um carimbo em minha credencial e segui em frente. Tinha um longo trecho até chegar em Andradas, onde passaria a noite. E não queria correr o risco de ficar na estrada à noite.

O trecho final antes de Andradas foi bastante difícil, pois tinha muitas pedras na estrada. O trecho era todo em descida, inclinadas demais. Tive que tomar muito cuidado para não derrapar nas pedras e cair. Qualquer descuido seria fatal. As mãos doíam de tanto apertar os freios. Mesmo sendo descida não dava para correr, tinha que seguir devagar em meio à estrada pedregosa e freiando sempre. Sofrer uma queda naquele lugar era fácil e como a região era deserta, caso eu caísse e me machucasse, ia demorar até conseguir algum tipo de socorro. Então segui com muito cuidado, atenção triplicada. Começou a escurecer e logo fiquei preocupado, pois não via mais nenhuma seta indicando o Caminho da Fé. Fiquei com receio de não ter visto alguma seta indicando que deveria seguir por outra  das estradinhas pelas quais passei. Concentrado como estava em olhar para o chão e evitar cair nas pedras, bem que podia ter deixado passar despercebido a sinalização. Comecei a ficar muito preocupado com a possibilidade de estar no caminho errado. Voltar para trás seria muito complicado, em razão das descidas íngremes e cheias de pedras se transformarem em subidas íngremes e cheia de pedras. Rodei mais uns dois quilômetros até encontrar uma seta amarela pintada em uma árvore, sinalizando que o caminho estava correto. Ver aquela seta me deu uma grande sensação de alívio.

Já no final do dia pude avistar a cidade de Andradas. Então começaram a passar alguns carros pela estrada que até então estava deserta, todos em alta velocidade e mal tomando conhecimento de minha presença na estrada. Passei a tomar ainda mais cuidado. Finalmente cheguei à periferia da cidade e seguindo a sinalização das setas amarelas pintadas em postes, fui me aproximando do centro da cidade. O trânsito era caótico, o fluxo de veículos intenso e por mais de uma vez quase fui atropelado. Nessa de tomar cuidado com os carros, acabei passando direto pelo hotel onde pretendia passar a noite e somente um quilômetro depois é que me dei conta disso. Então dei meia volta e segui empurrando a bicicleta pela calçada. Chegando no hotel tive que fazer um último esforço e subir uma enorme escadaria com a bike, até chegar no quarto. Tinha percorrido 54 quilômetros nesse dia, parte graças aos 22 quilômetros de descidas pela estrada asfaltada. Mesmo assim era uma quilometragem considerável e que me deixou feliz.

Com a bike dentro do quarto nem precisei tirar o alforje com minhas coisas, igual fizera em todos os dias anteriores. E como não tinha chovido, não tinha molhado nada. Era o primeiro dia sem chuva desde o início da viagem. Fui tomar banho e deitei para descansar um pouco. Logo começou a chover. Ao menos dessa vez eu não precisava me molhar na chuva. Quando a chuva parou, saí dar uma volta pelo centro da cidade. Lanchei e aproveitei para ir numa Lan House e ver meus emails. Fazia uma semana que não acessava a internet. Nos dois primeiros dias foi complicado ficar sem internet, quase tive crise de abstinência. Mas depois não fez falta. Essa viagem me fez ver que posso viver com pouca coisa, que tudo na vida é uma questão de se adaptar ao meio em que se vive. Logo voltei para o hotel e dormi cedo, cansado que estava.

São Roque da Fartura – SP.
Trevo.
Tentando consertar o freio.
Descanso e água.
Em frente a sede do Caminho da Fé.
Águas da Prata – SP.
Ao fundo a Estação de Trem que foi inaugurada por Don Pedro II.
Igrejinha ao lado da estrada.
Placa indicando a distância que ainda tenho que percorrer.
Descansando próximo a cachoeira.
Mais uma fazenda para atravessar.
Rio na divisa entre São Paulo e Minas Gerais.
Estrada mineira.
Tatu.
Trecho com muitas pedras.
Chegando à Andradas.

Caminho da Fé (6º dia)

“O ser humano é um peregrino. É só na aparência que ele tem uma geografia.”
(Nélida Pinon)

Levantei 08h30min, todo dolorido em razão de ter andado 22 km no dia anterior empurrando a bike. Saí a procura de uma bicicletaria. Tive que andar um monte até chegar a Bicicletaria do Feijão, na periferia da cidade. Ali troquei o pneu traseiro, colocando um pneu especial para estradas de terra. Também fiz uma revisão geral nos freios e nas marchas. O Feijão foi bastante simpático e deu algumas dicas sobre o trecho seguinte da viagem. Ele me aconselhou a seguir pelo asfalto naquele dia, pois segundo ele eu encontraria muito barro pelo caminho, se seguisse a rota original do Caminho da Fé. Voltei para o hotel, arrumei minhas coisas, paguei a conta e parti pouco antes das 11h00min. Atravessei o centro da cidade e parei em frente a catedral para tirar uma foto. Fazia sol forte, o primeiro dia de sol que eu pegava no Caminho da Fé.

Mesmo com sol forte havia muito barro na estrada. Os primeiros quiômetros pedalei por longas retas e subidas não muito íngrimes. Após quase uma hora de pedalada cheguei num local onde existia um trecho de muito barro. Parei e fiquei pensando qual seria a melhor maneira de atravessar todo aquele barro. Ao lado na estrada, dois caras descansavam em cima de um trator. Querendo me ajudar, disseram que seguindo por uma pequena estrada a esquerda e depois virando numa árvore grande que aparecia um pouco distante, eu desviaria do barro. Segui o conselho deles e fui por uma estradinha que seguia ao lado de uma cerca de arame farpado. Era tudo descida e após uns dois quilômetros cheguei na tal árvore. Virei a direita, atravessei um canavial e cheguei a um pasto, com porteira fechada e cheio de vacas. Não achei boa idéia atravessar tal pasto, pois vi dois touros com cara de poucos amigos. Dali resolvi retornar até onde tinha desviado da estrada. Sei que nessa brincadeira perdi quase uma hora e pedalei 5 km a toa. Quando cheguei novamente no local cheio de barro, os caras do trator não estavam mais lá. Fiquei na dúvida se a informação deles era com intenção de me ajudar ou de me sacanear. Prefiro pensar que queriam ajudar. Então o jeito foi atravessar o trecho cheio de barro. Foi a maior dificiculdade, não dava para passar pedalando e tive que empurrar a bike. O barro grudava nos pneus, nos freios e se acumulava entre o pneu traseiro e o bagageiro, fazendo com que o pneu travasse e ficasse pesado para empurrar a bike. Depois de atravessar esse trecho, ainda perdi um bom tempo para tirar o barro da bike.

Após sair do trecho com barro, passei a pedalar por uma estrada melhor. Logo avistei algumas araucárias, sinal de que estava entrando numa região de serra, com altitudes mais elevadas. Na verdade eu estava nos arredores da Serra da Mantiqueira e nos dias seguintes atravessaria várias regiões de serra, com muitas subidas. Mais um pouco de estrada e cheguei numa igrejinha simpática, num local chamado Santana. Parei para descansar e depois rezei um pouco aos pés de uma pequena imagem de Cristo. Acabei pisando num formigueiro e levei diversas picadas nas pernas. Minhas pernas que já estavam marcadas com cortes provocados por mato, picadas de mosquitos e arranhões diversos, ficou ainda mais cheia de marcas. O sol começou a sumir e nuvens de chuva surgiram. Então achei melhor pegar a estrada novamente. Comecei a subir e olhando no guia vi que essa seria umas das maiores subidas que encontraria pelo caminho. Tive que empurrar a bike e logo meu estoque de água acabou. Era o primeiro dia que pedalava sob sol e com calor forte, então consumi mais água do que nos outros dias. Sabia que quase no final dessa enorme subida ficava a Pousada da Dona Cidinha, onde encontraria água.

Após sofrer um monte empurrando a bicicleta morro acima e com a boca seca pela sede, finalmente cheguei a Pousada da Dona Cidinha, debaixo de uma garoa fina. A Dona Cidinha não estava, quem me atendeu foi o Seu Francisco, marido dela. Tomei dois Gatorade extremamente gelados e isso aliviou minha sede. Como almoço comi queijo caipira com docê de banana caseiro. Não queria comer muito, pois logo voltaria para a estrada, mas o queijo estava tão bom que comi a metade. Conversei mais um pouco com o Seu Francisco, que contou que o pai dele teve terras em Campo Mourão, nos anos cinquenta. Refiz meu estoque de água e aproveitei para levar as duas garrafinhas de Gatorade, também com água. O local da pousada é bonito, fica no alto e da para ter uma visão ampla da região. Ao longe dava para ver a chuva caindo e resolvi voltar logo para a estrada e tentar fugir da chuva. Despedi-me do Seu Francisco prometendo voltar ali um dia.

A enorme subida logo chegou ao fim e finalmente peguei algumas descidas e retas. Passei por uma pequena ponte onde a água estava quase passando por cima, em razão da quantida enorme de chuva dos últimos dias. Depois percorri uma região muito bonita, com pequenas descidas e subidas. Então vi um bando de papagaios numa árvore. Parei e contei, eram vinte e dois. Eles se assustaram e sairam voando em bando, fazendo a maior algazarra. Pouco mais a frente vi alguns tucanos e diversos outros passarinhos. Cheguei numa nova subida e um carro que vinha descendo parou ao meu lado e o motorista falou que eu teria muita dificuldade para passar por ali. Respondi que estava acostumado com as dificuldades do caminho e segui em frente. Mas a subida era bem pior do que eu esperava. Era quase uns quinhentos metros de muito barro, que além de ser escorragadio grudava na bike fazendo com que ela travasse. Tive que fazer muita força para seguir em frente. Chegou um momento em que eu olhava uns dez metros a frente, marcava mentalmente um ponto e fazia o maior esforço para chegar até  o tal ponto marcado. Tive que ter muita força de vontade para superar esse trecho. Não foi nada fácil, mas em nenhum momento me arrependi de estar ali. Igual na vida eu sabia que mesmo diante das maiores dificuldades, temos que ser fortes e seguir em frente custe o que custar. Atravessar aquele trecho de estrada foi uma grande lição para mim. Essa subida foi um dos piores momentos de toda a viagem pelo Caminho da Fé. Quando cheguei ao final da subida estava exausto, mal conseguia dar um passo mais. Descansei um pouco, subi na bike e reuni forças para continuar pedalando.

Pedalei mais um tempo por pequenas subidas e descidas, com curtas retas. Finalmente cheguei numa estrada asfaltada, no alto de uma serra, a Serra da Fartura. O guia dizia que dali para frente seria somente descida, até chegar a pequena cidade de São Roque da Fartura, onde passaria a noite. Mal comecei a pedalar pela estrada asfaltada e começou a chover. Desci a serra correndo muito, mesmo debaixo de chuva. Logo comecei a sentir muito frio, a chuva era gelada. Cheguei a atingir 50 km/h e tomei todo o cuidado para não derrapar nas curvas e cair. Quase chegando na cidade, o proteror solar que tinha passado no rosto, derretou com a chuva e foi parar nos meus olhos, ardendo muito e me deixando cego por alguns instantes. Eu vinha muito rápido e tive que parar sem enxergar nada, quase caindo num barranco. Lavei os olhos com água e voltei a pedalar. Ao chegar na entrada de São Roque da Fartura, a chuva parou e surgiu um belo arco-íris. A cidade é bem pequena, com poucas ruas e muita gente ficou me olhando passar. Parei em frente a igreja e me sentei na escadaria para descansar um pouco. Estava todo molhado, sujo e morrendo de frio. Olhei no guia e descobri que a pousada onde ia pernoitar era quase dois quilômetros depois da cidade. Então não perdi tempo e segui em frente.

Na saída da cidade peguei uma estrada de terra, numa região bonita, que com o arco-íris formava um quadro muito lindo. Para terminar bem o dia uma grande subida, onde empurrei a bike com as últimas forças que me restavam. Então finalmente cheguei a Pousada da Dona Cida. Ela estava sentada em frente sua casa e me recebeu muito bem. Mostrou-me onde ficava o quarto coletivo com vários beliches, me deu algumas dicas sobre o funcionamento da pousada e liberou um local para eu lavar a bike e minhas coisas, que estavam cheias de barro. Tirei tudo da bike, separei o que estava muito sujo e fui lavar tudo com um forte jato de água. A Dona Cida saiu para ir a igreja e me deixou sozinho na pousada, dizendo que se eu precisasse de algo podia entrar em sua casa e pegar. Fiquei admirado com a confiança depositada em uma estranho e fui terminar de lavar minhas coisas. Depois tomei um delicioso banho, tirei o barro acumulado em meu corpo, escolhi uma cama confortável e me deitei. Estava completamente exausto, nesse que tinha sido até então o dia mais difícil de toda a viagem.

Acordei um tempo depois com a Dona Cida me chamando para jantar. Fazia frio, pois a região é de serra e com a chuva que caiu a tarde, a temperatura despencou. Subi até a casa da Dona Cida e jantei em sua cozinha. Depois conversei um pouco com ela e seu marido. Ela me contou que tinha recebido uma ligação de Águas da Prata, da sede do Caminho da Fé e que tinham informado a ela que o trecho do caminho que eu teria que passar no dia seguinte estava impedido em razão das chuvas. Então o marido da Dona Cida me explicou o caminho que deveria fazer na manhã seguinte, todo ele em estrada asfaltada. Fiquei um pouco chateado em ter que sair do Caminho da Fé, principalmente em um trecho que dizem ser muito bonito e onde existe um conhecido mirante. Despedi-me dos dois e voltei para o quarto, onde logo me deitei. Estava muito cansado e com o frio que fazia peguei no sono rapidamente.

Finalmente o sol.
Barro e mais barro.
Barro grudado na bike.
No meio do caminho tinha uma árvore.
Conferindo o guia para não errar o caminho.
Igreja de Santana.
Momento de oração.
Pausa para descanso.
Com Seu Francisco, na Pousada da Dona Cidinha.
Mais uma subida.
Ponte quase submersa.
Chuva no horizonte.
Revoada de papagaios.
Na escadaria da igreja, molhado, sujo e com frio.
Arco-íris no final da tarde.
Tirando o barro da bike.

Caminho da Fé (5º dia)

“‘E que o peregrino, mesmo cansado, inquieto sempre, possa ser dos que seguem o caminho mais incerto e mais belo, mesmo que o horizonte seja longínquo.”

(Autor Desconhecido)

Acordei às 6h00min, quando meus companheiros de quarto levantaram para começar a caminhar. Despedi-me deles e voltei a dormir. Acordei novamente às 9h00min, chovia fino e resolvi dormir mais um pouco. Uma hora depois levantei e fui me arrumar para pegar a estrada. Foi então que descobri o pneu traseiro da bike furado. Na hora lembrei-me do que o dono da bicicletaria em Tambaú tinha me falado no dia anterior e lamentei não ter escutado o conselho dele e trocado o pneu. Eu tinha câmera nova e bomba para encher, mas trocar pneu traseiro não é meu forte, pois é mais complicado. Era feriado de carnaval e dificilmente encontraria algum lugar aberto onde pudesse trocar o pneu. Fui tomar café e fiquei pensando no que fazer. Uma opção era ficar ali mais um dia, onde aproveitaria para descansar e também participaria do retiro de carnaval, que estava sendo interessante. Conversei com algumas pessoas e fiquei um tempo sentado numa escada pensando no que fazer. Até que decidi pegar estrada, mesmo que empurrando a bike, e tinha esperança de que em algum lugar da cidade poderia encontrar ao menos uma borracharia aberta, onde pudesse consertar o pneu.

Eram 11h00min quando me despedi de algumas pessoas e saí empurrando a bike. A chuva tinha dado uma trégua quando saí do Santuário. Andei menos de dois quarteirões e um motoqueiro parou ao meu lado e perguntou se eu estava fazendo o Caminho da Fé. Ele disse que me viu saindo do Santuário com o pneu da bike furado e veio tentar ajudar. O nome dele era Carlos, ex-jogador de futebol e que agora trabalha como preparador físico em clubes profissionais. Ele saiu com a moto à procura de alguma borracharia aberta e eu continuei descendo uma rua. Logo passei em frente a um Lava Car, que era talvez o único comércio aberto naquele dia. O dono do Lava Car estava sentado na porta do estabelecimento e perguntou se eu tinha como consertar o pneu. Respondi que tinha uma câmera nova e ele se propôs a fazer o conserto. Logo o Carlos voltou e contou que tinha encontrado um local para consertar o pneu, mas já que eu tinha conseguido resolver o problema, estava tudo bem. Ele conhecia o Evandro, dono do Lava Car. Ficamos conversando os três, enquanto o Evandro realizava o conserto do pneu e ao terminar perguntei quanto era o serviço. A resposta do Evandro foi que não era nada. Perguntei se ele tinha certeza disso e ele respondeu que sim, que era cortesia. Agradeci, despedi-me dos dois e segui viagem, feliz por ter resolvido o problema e por mais uma vez ter encontrado pessoas boas que me ajudaram.

Atravessei o centro da cidade e logo cheguei a uma espécie de parque, bastante arborizado, o qual atravessei seguindo as setas amarelas de sinalização do Caminho da Fé. Depois atravessei uma rodovia e cheguei a um bairro periférico. Passando pelo bairro atravessei por baixo de um viaduto e entrei numa estrada de terra. Não percorri um quilometro pela estrada de terra e começou a chover. Parei para colocar a capa no alforje e a capa de chuva em mim. A chuva ficou muito forte. Segui pedalando e logo entrei por alguns carreadores e atravessei propriedades particulares por uma trilha estreita e cheia de mato. Meu freio ainda estava ruim e tive que tomar muito cuidado para não sofrer algum tipo de acidente e também utilizei muito a sola do pé como freio. Acabei passando por mais uma rodovia, atravessei mais uma propriedade e entrei numa rodovia maior. Fui pedalando pelo acostamento, na contramão e com chuva pela frente. Tinha percorrido dez quilômetros desde Casa Branca, quando o pneu traseiro furou novamente. Eu estava no meio do nada, numa rodovia, debaixo de muita chuva e não tinha como fazer novo conserto no pneu. Restavam-me duas opções; voltar 10 km até Casa Branca e esperar o dia seguinte para trocar o pneu, ou então empurrar a bike pelo próximos 22 km até a cidade de Vargem Grande do Sul, meu próximo destino. Escolhi a segunda opção e passei a empurrar a bike pelo acostamento, com chuva. Quem passava de carro devia pensar que eu era meio maluco ou então deviam ficar com pena de mim.

Empurrei a bike por quase uma hora, até que ao chegar a um pedágio, as setas indicavam que eu deveria virar a esquerda e seguir por uma estrada de terra. A chuva parou, mas mesmo assim a estrada estava bastante embarreada e empurrar a bike por ela não era tarefa fácil. E assim segui por vários quilômetros, no meio de canaviais. Até que cheguei a uma porteira e tanto as setas amarelas de sinalização, quanto o guia, diziam que eu devia atravessar um pasto e tomar cuidado com as vacas. Não gostei muito da idéia, principalmente quando vi a quantidade de vacas e a mistura de barro com bosta de vaca, por onde teria que passar. Mas o negócio era seguir em frente e foi assim que fiz. Tomei todo o cuidado para não assustar ás vacas e fui empurrando a bike pelo meio da grama e do barro misturado com bosta de vaca. Teve um momento que foi engraçado, quando umas vinte vacas ficaram enfileiradas ao lado do caminho me vendo passar. Conforme fui avançando pelo pasto pude perceber que o caminho ficava cada vez pior e logo a trilha desapareceu debaixo da água. Eu teria que passar por uma trilha cercada por dois lagos e um banhado, que com a chuva constante dos últimos dias deixou a trilha submersa. E ao lado, um pouco longe vi um touro com cara de poucos amigos. Fiquei de olho no touro e tomei cuidado para não entrar por engano em uma área onde o touro pudesse me alcançar. Sei que atravessar esse trecho de banhado foi um dos piores momentos de todo o Caminho da Fé. Em alguns trechos tive que levantar a parte traseira da bike, para que o alforje não fosse atingido pela água. Foi bastante cansativo e desgastante passar por esse local. Penso que deveria existir alguma outra opção de caminho para se evitar esse pasto cheio de vacas, principalmente em dias de chuva. Finalmente cheguei ao final do pasto e passei por outra porteira. Atravessei uma ponte rústica e passei a caminhar novamente pelo meio de um canavial.

A chuva ia e voltava, mas de forma fraca. E eu seguia empurrando a bike pelo meio do barro. Ao atravessar outro canavial vi dois animais pretos cruzarem a estrada logo a minha frente, mas foi tão rápido que não tive tempo de tirar uma foto. Não sei dizer que animais eram. Pareciam com ariranhas, mas como não tinha nenhum rio por perto, não posso afirmar que eram ariranhas. Um pouco mais a frente, ao entrar em mais um canavial, um urubu levantou vôo bem a minha frente e levei o maior susto. Devo ter xingado até a quinta geração do tal urubu. Mais um tempo e saí do meio dos monótonos canaviais, atravessei algumas porteiras de arame farpado e entrei numa propriedade particular. Tive que atravessar um longo pasto, onde quase não existia mais trilha e onde era difícil empurrar a bike com o pneu furado. Passei ao lado de algumas casas abandonadas e saí por nova porteira, seguindo então por uma estrada. A chuva voltou e passei ao lado de uma plantação de abobrinhas. Logo passei por algumas goiabeiras carregadas, bem ao lado da estrada. Como não gosto de goiabas, nem perdi tempo tentando colher alguma.

Passava um pouco das 17h00min quando cheguei à periferia da cidade de Vargem Grande do Sul. Tive que atravessar um lamaçal terrível bem na entrada da cidade. Logo entrei no asfalto e ficou mais fácil empurrar a bike. Passei por um Cristo, numa praça da cidade e parei para tirar fotos. Depois cheguei a um descida enorme, de onde se tinha uma visão muito bonita da cidade. Tirei a câmera para bater uma foto e ela escorregou de minhas mãos e saiu deslizando pelo asfalto molhado. Fui pegá-la achando que tinha quebrado, mas felizmente estava inteira, apenas com vários arranhões. Empurrei a bike por mais alguns quarteirões e finalmente cheguei à pousada que o guia indicava. Na verdade era um hotel e ficava dentro de um Posto de Gasolina. Eu estava todo molhado e embarreado quando entrei na recepção do hotel. O recepcionista deve estar acostumado a receber pessoas naquelas condições, pois nem ligou para meu estado e logo me arrumou um quarto e liberou a lavanderia do hotel para que eu guardasse a bike. Pedi permissão e aproveitei para utilizar o tanque e lavar meu tênis e a roupa cheia de barro. Minhas meias achei melhor jogar no lixo. Eram novas, sem furos, mas estavam tão encardidas que nem valia a pena lavar. Conversei um pouco com o recepcionista e ele me contou que os dois rapazes com quem dividi o quarto na noite anterior, tinham chegado ao hotel no meio da tarde e deviam estar dormindo. Ele também contou algumas histórias sobre os peregrinos que passam pelo hotel. O mais interessante foi saber que às mulheres, principalmente as de mais idade, quando chegam ao hotel, a primeira coisa que fazem é pedir uma cerveja.

Entrando no quarto tirei todas as coisas do alforje e a distribui pelo quarto. Então liguei o ventilador de teto bem forte para que o vento pudesse secar minhas coisas. Em seguida tomei um banho quente, onde pude tirar todo o barro acumulado, principalmente em minhas pernas. Já limpinho e cheirosinho caí na cama e dormi um pouco, pois empurrar a bike por 22 km tinha sido muito cansativo. Levantei duas horas depois e fui até uma lanchonete próxima ao hotel, onde jantei. A chuva tinha retornado e logo voltei para o hotel, para a cama e dormi cedo.

Pneu furado.
Mais um canavial.
Pasto para atravessar.
Criando coragem para “enfrentar” as vacas.
Mistura de barro e bosta de vaca.
Trilha submersa.
Atravessando o banhado.
Trilha sob a água.
Água e mais água.
Ponte não confiável.
Barreiro na entrada de Vargem Grande do Sul.
Em frente ao Cristo.

Caminho da Fé (3º dia)

“Fazer uma peregrinação é um modo de buscar respostas para nossas perguntas mais profundas. As respostas estão todas dentro de nós, mas é tão grande nossa tendência a esquecer que algumas vezes precisamos aventurar-nos a uma terra distante para despertar nossa memória. Nosso eu intuitivo se fechou; nossa luz para a transcendência se apagou.” 

(Luiz Carlos Marques da Silva)

Acordei cedo e para minha decepção o tão esperado sol não deu as caras. E para piorar ainda mais, chovia a cântaros. Virei de lado e voltei a dormir, pois não estava nem um pouco a fim de sair pedalar debaixo de chuva forte. Levantei pouco antes das 10h00min, tomei café e arrumei minhas coisas. Esperei mais um tempo e ao meio dia subi na bike e saí pedalando debaixo de uma chuva fina. Ao atravessar o centro da cidade uma caminhonete parou ao meu lado e o motorista perguntou se eu estava percorrendo o Caminho da Fé. Diante de minha resposta afirmativa, ele disse que já tinha feito o Caminho da Fé oito vezes, sempre a cavalo. Desejou-me sorte e foi embora. Não demorou muito e vi em um poste a primeira seta amarela indicando a direção que deveria seguir. Quase no limite da cidade segui por uma descida íngreme e no final dela descobri que o freio traseiro não estava funcionando. Com bastante dificuldade consegui parar a bike e fui checar o freio. Nesse momento passava um senhor com dois cachorros. Ele perguntou se eu estava fazendo o Caminho da Fé e qual era o problema com a bike. Diante de minha resposta ele convidou-me para ir até sua casa que era logo ao lado e na garagem da casa consertou o freio da bike. Sua esposa e seu pai vieram me falar um “oi” e fui convidado para o almoço. Recusei educadamente, agradeci pela ajuda, despedi-me de todos e peguei a estrada. Todos os dias ao levantar faço minhas orações e peço que somente pessoas boas cruzem meu caminho. Pelo visto meus pedidos estão sendo atendidos.

Logo ao sair da cidade o asfalto terminou e entrei em uma estrada de terra. A primeira subida não demorou a aparecer. Mesmo com as marchas leves falhando e trocando sozinhas, consegui subi-la pedalando. Os primeiros quilômetros foram alternando curtas retas, pequenas descidas e curtas subidas. Parei perto de uma fazenda para descansar e um cachorro com cara de poucos amigos veio correndo e latindo em minha direção. Protegi-me atrás da bicicleta e quando o cachorro vinha de um lado, eu ia para o outro lado da bicicleta. Até parecia que estávamos brincando de pega-pega. Comecei a conversar com o cachorro até ele se acalmar e parar de latir. Então ele virou-se e foi embora. Subi na bike e saí dali o mais rápido possível. A chuva voltou forte e segui pedalando no meio do barro, tomando cuidado para não cair.

Cheguei num trecho onde se iniciou uma grande seqüência de descidas. Arrisquei bastante descendo rapidamente e se meu freio não tivesse sido consertado pouco antes, teria tido sérios problemas nesse trecho. Acabei me animando com as descidas e exagerei na velocidade. Teve um final de descida que estava muito liso, com bastante barro e não deu para frear direito. Dessa vez pensei que ia cair, cheguei a gritar “vou cair!”. O coração disparou e mesmo derrapando muito consegui sair ileso e sem cair. Depois desse apuro resolvi ser menos audacioso.

Passei por uma bela fazenda, num trecho de muito barro. Não vi ninguém, era domingo e com chuva não se via ninguém fora das casas. Passei por um bambuzal e deparei-me com uma subida bastante íngreme. Mais uma vez tive que descer e empurrar a bike. Depois da subida peguei uma longa reta e atravessei dois mata-burros. Para quem não sabe, mata-burro é uma pequena vala, ou ponte de tábuas espaçadas, que serve para evitar a passagem de animais. Após passar pelo segundo mata-burro, parei e comi algumas frutas que tinha levado para o almoço. Mordi um caqui marrento e fiquei o resto do dia com gosto ruim na boca. Em frente do lugar que parei, tinha uma fazenda com construções bem antigas. A região onde estava pertenceu no passado a barões do café. Escravos trabalhavam nos cafezais e com o fim da escravidão no Brasil em maio de 1888, muitos imigrantes italianos vieram trabalhar nas lavouras da região. Hoje em dia o café e os barões do café fazem parte da história e onde se plantava café, atualmente se planta cana ou laranja. Senti vontade de ir até a fazenda e pedir para tirar fotos das construções antigas. Mas logo mudei de idéia, pois a chuva aumentou, não vi viva alma na fazenda e fiquei com receio de ter novo problema com cachorros, já que ouvia muitos latidos vindos da fazenda.

Segui em frente, atravessei um trecho muito bonito, cercado de palmeiras. Em seguida cheguei numa estrada asfaltada, onde tive que pedalar pelo canto da pista, pois a estrada não tinha acostamento. Menos de dois quilômetros pedalando pela estrada asfaltada e voltei para uma estrada de terra, seguindo as setas amarelas que indicavam o caminho. Esse trecho era bonito, alternava pequenas subidas com pequenas descidas. Numa reta vi ao lado da estrada uma garça branca, muito bela. Ela se assustou ao me ouvir se aproximar e não deu tempo de tirar uma foto dela. Mais um pouco pedalando na lama e cheguei novamente a uma estrada asfaltada. Olhei no guia e vi que o restante do caminho seria pela estrada asfaltada, o que não era má idéia com tanta chuva que estava caindo. Essa nova estrada asfaltada também não tinha acostamento e tive que seguir bem no cantinho da pista. O interessante foi que a maioria dos carros ao passar por mim mantinham uma boa distância. Muitos carros chegavam a invadir a pista contrária para ficar bem distantes de mim. Apenas um ou outro FDP é que passavam muito perto, mas eu estava esperto e em nenhum momento corri algum tipo de risco. Logo entrei em uma região de serra, com muitas descidas no início. Tomei cuidado para não correr muito, principalmente nas curvas, pois com a pista molhada seria fácil derrapar e cair. Desci o tempo todo com os olhos no odômetro e quando atingia a velocidade de 40 km/h, metia a mão no freio, pois 40 km/h era meu limite de segurança naquela estrada. Passei em um trecho que tinha tanta água na pista que a roda da frente jogava água em meu rosto, me obrigando a manter a boca fechada para não engolir água suja. Como tudo que desce tem que subir, logo cheguei a um trecho de muitas subidas. O jeito foi descer e empurrar a bike.

Terminando o longo trecho de subidas, surgiram novas retas e descidas. Ao longe avistei a cidade de Tambaú, meu próximo destino. Na parte final peguei chuva e vento de frente. Senti muito frio, pois estava completamente molhado. Para quem estava resfriado na semana anterior, chuva e frio não faziam nada bem. Cheguei à conclusão de que pedalar com a capa de chuva não resolve muito. Em vez da capa de chuva deveria ter levado um anorak ou então um casaco impermeável. Outro problema a resolver em futuras viagens de bike é a questão do calçado. Com chuva o tênis fica ensopado. Talvez um tênis ou sapatilha impermeáveis resolvam tal problema. De qualquer forma essa viagem é mais um aprendizado, visando viagens maiores no futuro.

Passava um pouco das 16h00min quando cheguei a Tambaú. As setas que indicavam o caminho, de repente seguiam por uma escada ao lado da estrada. Mesmo sendo poucos degraus, foi bastante sofrido subir pela escada com a bike carregada. Logo depois vi que o caminho seguia por uma rua paralela a estrada por alguns metros e depois virava em direção à cidade. Nessa hora xinguei o autor do guia. Bem que ele podia ter colocado isso no guia, que somente os caminhantes deveriam subir a escada e que os ciclistas deveriam seguir mais uns metros pela estrada e depois virar, seguindo em direção a cidade. Isso teria poupado um esforço enorme, principalmente no meu caso que tenho duas hérnias de disco. Em outros momentos da viagem também achei o guia falho. Ele deveria separar melhor as informações para ciclistas e caminhantes.

Segui pedalando pela periferia da cidade e logo cheguei à catedral. Tirei a já tradicional foto em frente à igreja e fui para um hotel ali perto. Estava morrendo de frio. No hotel me dediquei à rotina de tirar o equipamento da bike, limpar o barro e colocar o que estava molhado para secar. Em seguida banho quente e cama. No final da tarde saí debaixo de chuva à procura de um local para lanchar. Tive que andar um monte até encontrar um lugar aberto. Lanchei e voltei para o hotel, onde coloquei o diário de viagem em dia. Próximo ao hotel estava tendo carnaval de rua e o barulho estava incomodando. Fechei bem as janelas do quarto para não ouvir as horríveis músicas carnavalescas e fui dormir, mais uma vez sonhando com um amanhecer ensolarado no dia seguinte.

Partindo de Santa Rita, numa manhã de domingo.
Estrada enlameada.
No lado esquerdo da foto o cão que me atacou.
Bela estrada.
Passando pelo mata-burro.
Trecho bastante escorregadio.
Fim da terra e início do asfalto.
Longo trecho de asfalto.
Escada na chegada a Tambaú.
Catedral de Tambaú – SP.

Caminho da Fé (2º dia)

“A motivação dos peregrinos foi sempre múltipla: prestar homenagem, pagar uma promessa, fazer uma purificação, cumprir uma pena ou rejuvenescer espiritualmente. A jornada começa por nosso desassossego, um estado de perturbação. Alguma coisa está faltando à vida. O ritual da peregrinação tenta preencher esse vazio.”

(Luiz Carlos Marques da Silva)

Acordei cedo e vi que a chuva não tinha parado, então voltei para a cama. Dormi mais um pouco e depois levantei e saí para a rua. Lanchei e logo voltei para o hotel, pois a chuva não dava trégua. Arrumei minhas coisas, paguei a conta do hotel, carimbei minha credencial do Caminho da Fé e fui pegar a bike no depósito. Estava arrumando ás coisas na bike quando apareceu uma funcionária do hotel e perguntou de onde eu era. Respondi e ela ficou toda contente em saber que sou do interior do Paraná, pois ela é de Maringá e vive faz muitos anos no interior de São Paulo.

Passava um pouco do meio dia quando subi na bike e peguei a estrada debaixo de muita chuva. Segui por algumas ruas dentro da cidade e logo cheguei numa grande ponte. Atravessei a ponte e logo visualizei pintadas em alguns postes de energia as setas amarelas que indicam a rota do Caminho da Fé. Nos dias seguintes tive que ficar sempre atento buscando as tais setas amarelas para não errar o caminho. Passei por um trevo e enfrentei a primeira subida do dia. Cheguei a uma rodovia, a qual atravessei com todo o cuidado, pois o movimento de veículos era grande. Entrei numa estrada estreita e vi uma placa informando que era proibido o tráfego de bicicletas. Ignorei tal placa e segui pedalando pelo cantinho da pista, bem por onde descia uma forte enxurrada. Logo saí dessa estrada, virei à esquerda e entrei numa estrada de terra. Foi então que as dificuldades começaram para valer. Tinha muitas poças d’agua na estrada e em alguns locais forte enxurrada e trechos de areia onde a bike quase parava atolada. Nas descidas era preciso frear, pois em alta velocidade a bike derrapava e o risco de sofrer uma queda era enorme.

A chuva não dava folga e logo cheguei numa subida onde tive que descer e empurrar a bike. Fui prestando atenção nas setas amarelas que indicavam o caminho e logo vi uma placa do Caminho da Fé que indica qual a distância que faltava até chegar a Aparecida. Percebi que ainda teria muito chão pela frente até chegar a Aparecida, mas isso não me desanimou. O que me desanimava era a chuva que não parava. Teve um trecho onde tive que atravessar uma enorme poça d’agua que tomava conta de toda a estrada. A poça era funda e ao atravessá-la a água chegou até meus pés e quase não consigo passar pedalando por ela. Tempos depois cheguei num local cheio de laranjais. As laranjas estava todas verdes. Andar por ali quando as laranjas estão maduras deve ser muito bonito. Após ter pedalado dez quilômetros foi que passou o primeiro carro por mim. Até ali não tinha visto nenhuma pessoa ou carro. Ao lado da estrada vi uma pequena capela e parei para tirar fotos e orar. Nos dias seguintes veria muitas capelas desse tipo ao lado da estrada. Bater fotos com chuva era uma operação complicada, pois não queria molhar a câmera nova. Após bater algumas fotos segui viagem e logo cheguei numa propriedade, onde de um lado da estrada havia duas casas e do outro lado um curral com bois. Fiquei com receio de ter errado o caminho e parei para pedir informação a um senhor que tratava os animais no curral. De onde ele estava respondeu que era para eu seguir em frente. E foi o que fiz, segui em frente, cada vez com a estrada mais enlameada.

Cheguei a uma subida e resolvi descer da bike. Empurrá-la era mais fácil no meio de tanto barro. Quando voltei a pedalar descobri que por culpa do excesso de água e de areia, o câmbio da bike se tornara totalmente automático, ou seja, trocava marchas sozinho, principalmente as marchas leves que utilizo nas subidas. Logo cheguei à primeira de muitas pequenas e grandes serras que encontraria pelo Caminho da Fé. Essa era uma serra pequena e enfrentei uma subida enorme empurrando a bike sob vento e chuva, tarefa que não foi das mais fáceis, pois eu escorregava no barro. Enquanto seguia empurrando a bike morro acima me lembrei da Trilha Inca e de sua suas muitas subidas, que enfrentei em janeiro último. A diferença era que dessa vez não carregava o peso nas costas, mas sim empurrava o peso. E o principal era o ar não ser rarefeito. Então eu estava no lucro! Quando cheguei ao final da subida encontrei um morador caminhando pela estrada. Começamos a conversar e segui empurrando a bike ao lado dele por um bom tempo. O nome do tal senhor era Pedro e ele foi me contando sobre sua vida e sobre alguns projetos ecológicos que estava desenvolvendo. A conversa estava interessante e ao chegarmos ao asfalto e trevo de acesso a cidade de Santa Rita do Passa Quatro, nos separamos. Ali nos despedimos e seu Pedro pediu que chegando a Aparecida eu fizesse uma oração por ele e pelos seus projetos.

A chuva voltou forte e segui pedalando pelo asfalto. A estrada não tinha acostamento, então segui pelo canto da estrada por razões de segurança. Peguei algumas descidas e atingi velocidades maiores, mas em contrapartida o vento e a chuva me fizeram sentir muito frio. Logo cheguei ao bonito portal de entrada da cidade de Santa Rita. Segui por uma avenida e logo cheguei à catedral da cidade. Tirei fotos e utilizando o guia encontrei um hotel próximo ao centro. Entrando no quarto do hotel tirei minhas coisas da bike e limpei o que estava sujo de barro. Depois tomei um longo banho quente e deitei para descansar. Tinha feito somente 20 quilômetros, mas levando em consideração que tinha começado a pedalar depois do almoço, que choveu o tempo todo e que ainda estava me adaptando a pedalar com peso, até que foi uma boa quilometragem. Meu cronograma de viagem já estava atrasado no segundo dia, mas diante das dificuldades que a chuva constante e o barro causavam, o jeito era seguir em frente com segurança, mesmo que de forma lenta.

No final da tarde saí dar uma volta pelo centro da cidade. Chamou-me atenção as várias casas e casarões antigos, tudo muito bonito e bem cuidado. Bati algumas fotos em frente à catedral e entrei para orar. A catedral é jesuíta e por dentro muito bonita, com belos vitrais. Saí dali e andei mais um pouco pelo centro da cidade. Encontrei a antiga estação de trem, onde atualmente funciona o “Museu Zequinha de Abreu”, em homenagem a um ilustre compositor da cidade cujo maior sucesso foi a marchinha de carnaval “Tico-tico no Fubá”. Algo que notei nas cidades por onde tinha passado foi que o trem, importante meio de transporte responsável por num passado não muito distante transportar o rico café da região, não passar mais por essas cidades. Nem mesmo os trilhos existem mais na maioria das cidades. Já as belas estações foram preservadas e para elas encontradas novas finalidades.

A chuva continuava e aumentou ainda mais. Então lanchei cedo e voltei para o hotel descansar. Antes de dormir olhei pela janela e vi que a chuva tinha parado e que surgira um denso nevoeiro. Isso me deu esperança de que o dia seguinte amanheceria com sol.

Ponte na saída de Porto Ferreira.
Muito barro e poças d’agua.
Placa indicando a distância que faltava até Aparecida.
Atravessando laranjais.
Capela ao lado da estrada.
Pedalar sob chuva não era tarefa fácil.
Seu Pedro, morador com quem conversei muito.
Portal na entrada de Santa Rita do Passa Quatro – SP.
Catedral de Santa Rita do Passa Quatro.
Antiga estação e atual Museu Zequinha de Abreu.

Caminho da Fé (1º dia)

“Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir.”

(Amyr Klink) 

Fiquei dois dias em São Paulo resolvendo assuntos referentes ao visto canadense que solicitei. Passei a noite em um hotel no centro velho da cidade e ás 06h45min de uma sexta-feira nublada levantei bem disposto, arrumei minhas coisas, paguei a conta do hotel e fui pegar o Metrô na Estação República. Foi meio complicado carregar a mala bike e o alforje com minhas coisas. Tinha pesado tudo quando embarquei em um vôo da Gol em Maringá, dois dias antes e sabia que o peso total da bike e do equipamento era de 26 quilos. Ao entrar na estação do Metrô fiquei em dúvida se me deixariam embarcar com a mala bike, que é enorme e pesada. Fiz uma cara de coitadinho e segui em direção a catraca de entrada. Tinha dois seguranças e dois fiscais bem próximos da catraca. Evitei olhar para eles, imaginando que se não olhasse eles não me notariam. Inseri o tíquete de passagem, chutei o alforje por baixo da catraca e ao erguer a mala bike por cima da catraca, não agüentei o peso e bati com ela no visor de acrílico da catraca, fazendo o maior barulho e quase quebrando o mesmo. Achei que levaria uma bronca, mas ninguém falou nada, apenas me olharam com cara feia. Respirei fundo e segui em frente. Embarquei num vagão que felizmente não estava muito cheio e segui rumo á Rodoviária do Tietê.

Chegando a Rodoviária do Tietê fui até o guichê da Viação Danúbio Azul e retirei minha passagem, para a cidade de Descalvado. Depois fiquei por quase três horas esperando o horário de embarque. Optei por chegar mais cedo a rodoviária, para evitar o horário de maior movimento de pessoas no Metrô. Era final de semana de carnaval e o local estava cheio de pessoas embarcando para vários cantos do Brasil. Ás 10h00min embarquei no ônibus da Danúbio Azul. O pessoal foi bastante atencioso e não tive nenhum problema com o embarque da bike, já que a mesma estava devidamente desmontada e acondicionada numa mala apropriada. Mal saímos da rodoviária e começou a chover. Mal sabia eu que essa chuva só iria parar seis dias depois. Logo peguei no sono e fui acordar duas horas depois na rodoviária da cidade de Pirassununga, onde o ônibus fez uma rápida parada. Desci fazer um lanche e logo voltei para o ônibus. A chuva continuava e dormi mais um pouco. Acordei e fiquei pensando na vida, olhando a paisagem pela janela. O ônibus fez paradas em algumas cidades, onde desceram e subiram pessoas. Finalmente ás 14h30min chegamos a Descalvado. Desembarquei, peguei minhas coisas, me informei sobre onde encontrar uma bicicletaria e saí caminhando pela cidade, sob chuva.

Na bicicletaria desembalei minha bike e conferi para ver se estava tudo em ordem. Descobri que tinha apenas uma raio quebrado. Para chegar até ali minha bike tinha viajado cerca de mil quilômetros. Ela andou de carro, avião, taxi, metrô e ônibus. Levou muitas pancadas e chacoalhou bastante. Diante disso tudo, ter apenas um raio quebrado era lucro. Quando falei ao Mauricio, o rapaz que ia montar a bike, que eu faria o Caminho da Fé, ele e um cliente que estava na bicicletaria me deram dicas sobre o caminho. Depois da bike montada coloquei o alforje com minhas coisas, a bolsa de guidão e troquei de roupa. Dei uma olhada no guia sobre o Caminho da Fé que tinha levado e pouco depois das 15h00min subi na bicicleta e dei as primeiras pedaladas até a catedral da cidade. Ao lado da catedral entrei em um hotel e fiz minha credencial do Caminho da Fé. Pelas cidades onde passaria pelo caminho deveria colher carimbos que comprovariam que realizei o Caminho da Fé. E ao chegar a Aparecida entregaria a credencial na secretária da Basílica de Aparecida e receberia um certificado de peregrinação pelo Caminho da Fé. Chovia bastante e o bom senso mandava passar a noite em Descalvado e iniciar a viagem na manhã seguinte. Mas bom senso nunca foi uma de minhas características mais marcantes. Para mim era importante iniciar logo o Caminho da Fé. Bem sei que o mais difícil é dar o primeiro passo, no caso a primeira pedalada, então estava ansioso para iniciar logo minha viagem de bike. Esperei mais de um ano para chegar a Descalvado e iniciar o Caminho da Fé, então não queria esperar mais um dia.

Descalvado é o inicio do ramal oeste do Caminho da Fé e dali até Aparecida (que não é e nunca foi Aparecida do Norte) seriam quase 500 quilômetros. O primeiro trecho do caminho, que vai de Descalvado até a cidade de Porto Ferreira é de 20 quilômetros. Em vez de fazer esse trecho pela rota original do Caminho da Fé que é quase toda em estrada de terra, resolvi seguir o conselho do pessoal da bicicletaria e seguir pelo asfalto. Chovia muito, faltava somente duas horas para escurecer, portanto a melhor opção era ir pela estrada asfaltada. Não era a opção mais segura, mas sim a mais rápida. Informei-me sobre como sair da cidade e finalmente parti. Num trevo logo na saída da cidade vi que o hodômetro da bike marcava um quilômetro percorrido, o primeiro quilômetro da viagem. Daí comecei a chorar… de alegria. Numa viagem, mais difícil do que chegar ao final é iniciar a viagem, percorrer o primeiro quilômetro. A chuva e o vento estavam de frente, o que dificulta muito pedalar. Outra dificuldade que enfrentei foi meu óculos molhado e embaçado, que me fazia seguir quase às cegas. Em alguns momentos achei melhor seguir sem óculos. A chuva aumentou mais e logo descobri que a capa de chuva não protegia muito. O pneu da frente jogava água por baixo da capa e logo fiquei encharcado. Segui sempre pelo acostamento, na contramão. Acho mais seguro ver os carros vindo próximos a mim de frente do que pelas costas.

Felizmente as subidas da estrada não eram muito pesadas e consegui passar por todas pedalando, sem precisar descer da bike e empurrá-la. Na metade do caminho tinha um pedágio e fiquei na dúvida sobre como passar por ele. Acabei encontrando uma passagem entre alguns cones e segui em frente. Ao sair do pedágio tive o único momento de real perigo desse primeiro trecho de viagem. Um motoqueiro invadiu uma área que era proibida para ele trafegar e quase me atingiu. Ainda bem que pedalo sempre na defensiva e quando vi o motoqueiro imprudente fui rapidinho para fora do acostamento, indo parar em um gramado. Após 1h40min de pedal ininterrupto cheguei à cidade de Porto Ferreira. Pedi informação de como chegar ao centro da cidade e minutos depois estava em frente à catedral da cidade, onde tirei algumas fotos e utilizando o guia encontrei um hotel bom e barato para passar a noite.

No hotel me cederam um depósito para guardar a bike. Retirei o alforje e fui para o quarto. Ao retirar minhas coisas do alforje, descobri que mesmo com a capa para chuva o alforje molhou por dentro. A parte interna do alforje fica próxima as rodas e não é protegida e nem impermeável. Felizmente tinha acondicionado minhas coisas em sacos plásticos e nada se molhou. Tomei um delicioso banho quente e fui me deitar, pois sentia fortes dores nas pernas. Por culpa de uma inflamação no tendão do pé direito, nos últimos doze dias anteriores a viagem não pratiquei nenhuma atividade física. Logo não estava cem por cento preparado fisicamente e senti bastante os 20 quilômetros que tinha pedalado sob chuva, com os músculos gelados de frio. Descansei um pouco e saí dar uma caminhada pelo centro da cidade. Tinha levado somente um par de tênis, que ficará encharcado após pedalar na chuva. O jeito foi sair de chinelo, mesmo estando frio e chovendo. Fui até a catedral que estava aberta e orei um pouco. Em seguida parei numa lanchonete e fiz um lanche. Voltei ao hotel e cansado como estava, com o barulho da chuva e fazendo frio, logo peguei no sono. Nem dei atenção ao carnaval de rua, ao desfile que estava acontecendo próximo ao hotel. Detesto carnaval e minha preocupação era outra. Sei que dormi feliz, tinha iniciado minha tão sonhada e esperada primeira longa viagem de bike.

Em São Paulo, embarcando no ônibus da Danubio Azul.
Iniciando a viagem de bike ao lado da catedral de Descalvado – SP.
Catedral de Porto Ferreira – SP.

Percorrendo o Caminho da Fé

peregrino

adj. s. m.

1. Que ou o que anda em peregrinação.

2. Viajante, romeiro.

3. Estrangeiro.

4. Que está nesta vida para passar à eterna.

5. Raro, singular, essencial, que é poucas vezes visto.

A primeira vez que ouvi falar sobre o Caminho da Fé foi em 2007, quando percorria o Caminho de Peabiru e meu amigo Pierin falou sobre esse caminho, contou que já o tinha percorrido. Os anos passaram, fui pegando gosto por caminhadas, por peregrinações. Limitava-me a peregrinações de final de semana, de no maximo 55 quilômetros. Percorrer os quase 500 quilômetros do Caminho da Fé era um sonho meio distante. O tempo foi passando e em janeiro de 2010 vi numa livraria um guia sobre o Caminho da Fé, escrito pelo Antonio Olinto, um cicloturista que já percorreu boa parte do mundo sobre uma bicicleta e de quem tenho um livro contado essa história. Comprei o guia e planejei fazer o Caminho da Fé em maio, durante minhas férias. Mas planos nem sempre dão certo. Fiquei doente menos de um mês após comprar o guia e todos os meus planos mudaram do dia para a noite.

Quase no final de março de 2010 estava estirado sobre uma cama, muito doente, mal conseguia respirar sem sentir dor. E numa bela tarde vi o guia sobre o Caminho da Fé em minha estante. Peguei o guia, comecei a ler e ao chegar ao final falei em voz alta que quando ficasse curado eu faria a peregrinação pelo Caminho da Fé. Foi algo mais em tom de desabafo do que uma promessa, mas o fato foi que meses depois fiquei curado. Muitas coisas me motivaram a seguir a risca o tratamento, a suportar o sofrimento, a repousar, tomar remédios, me cuidar. E fazer o Caminho da Fé foi um desses motivadores. E com o passar do tempo o desejo de ficar bom e depois percorrer o Caminho da Fé acabou virando então uma promessa.

O Caminho da Fé é mais percorrido por católicos, pois leva até a cidade de Aparecida. Eu nasci numa família católica, fui batizado, fiz primeira comunhão, crisma, participei de Grupo de Jovens e ia à missa de vez em quando. Aos 21 anos mudei de religião, entrei para uma igreja protestante, fui batizado novamente, e durante muitos anos deixei o catolicismo de lado. Mas os anos foram passando, fui amadurecendo e chegou um momento em minha vida que o tema religião ficou meio confuso. Não conseguia seguir uma determinada religião somente, pois para mim todas possuíam imperfeições. Então passei a seguir cada vez mais a Deus e menos a determinada religião. Para quem perguntava minha religião, muitas vezes eu respondia que era um “protestante católico” ou então um “católico protestante”. Depois de um tempo passei a me definir como “ecumênico”, que numa definição especificamente religiosa significa a unidade da igreja de Cristo que vai além das diferenças geográficas, culturais e políticas entre as diversas igrejas. Resumindo, sou cristão, freqüento qualquer igreja sem problema algum, sem preconceito, fanatismo ou achando que uma igreja é melhor que a outra. Por experiência própria sei que nenhuma igreja é perfeita, que todas possuem falhas. Não posso afirmar que essa minha forma de encarar a religião esteja certa. E com certeza não cabe a você me julgar com relação a isso!

Desde o final de 2010 estou curado de meus problemas de saúde e comecei a lembrar da tal promessa que fizera meses antes, de percorrer o Caminho da Fé. Acabei fazendo outras viagens e chegou um momento que achei melhor fazer o que tinha prometido. Não fiz muitos planos, não defini bem uma data. Segui um conselho de meu irmão que me disse que quando planejamos muito uma viagem ela acaba não acontecendo. Que a partir do momento que resolvermos viajar, todo o restante se resolve por si só, sem muitos planos. E foi assim que fiz. Queria fazer o Caminho da Fé a pé, mas devido à longa distância do mesmo, não era aconselhável fazer dessa forma, pois minhas hérnias de disco necessitam de um certo cuidado. Então resolvi fazer a viagem de bicicleta. Eu tinha todo o equipamento para realizar tal viajem. Já tinha planejado anteriormente fazer uma viagem de bicicleta, comprei o equipamento necessário e no fim a viagem não aconteceu. Fisicamente estava bem preparado, tendo pedalado quase toda semana nos últimos meses. Foi só arrumar minhas coisas, desmontar a bike, colocá-la na mala bike, pegar o guia sobre o Caminho da Fé, me despedir do pessoal e pegar a estrada.

Resolvi iniciar pelo ramal oeste do Caminho da Fé, iniciando a viagem de bike na cidade de Descalvado, interior de São Paulo. Imaginava percorrer os quase 500 km (que com alguns perdidos que dei se transformaram em 501 km percorridos) entre sete ou dez dias. Em razão das chuvas que não deram folga, acabei percorrendo o Caminho da Fé em treze dias. No fundo para mim não importava a duração. Importava era percorrer o caminho e curtir tudo o que fosse possível. E foi isso que fiz. Teve dias que pedalei mais quilômetros, outros menos. Parei muito para tirar fotos, observar animais, ouvir passarinhos cantando, admirar paisagens e principalmente conversar com as pessoas. Então a duração foi o que menos contou nessa viagem.

Sei que foram treze dias inesquecíveis. Passei frio, fome, sede, sofri com o calor. Pedalei sete dias debaixo de chuva, todo molhado e embarreado. Empurrei a bike morro acima muitas vezes. Atravessei rios, matas, barreiros onde quase não tinha forças mais para empurrar a bike. Tive problemas de freio, pneu furado mais de uma vez. Levei picada de marimbondo, mosquito, formigas. Ralei braços e pernas no mato, no pedal e na coroa da bike diversas vezes. Levei carreirão de cachorro, de boi e de vaca. Mesmo assim em nenhum momento pensei em desistir, ou então me perguntei o que estava “fazendo ali”. Tive problemas, muitos até, mas em compensação tive mais alegrias. Vi paisagens incríveis, conheci pessoas maravilhosas, apreendi muitas lições, principalmente nos momentos de dificuldade. E consegui encontrar respostas para muitas perguntas que tinha ao iniciar o Caminho da Fé. Também voltei com novas perguntas, as quais preciso encontrar respostas. E o principal foi que voltei a acreditar no ser humano. Fazia tempo que por vários motivos eu andava descrente com a raça humana. E percorrendo lugares distantes e quase perdidos no interior do Brasil, conheci pessoas boas, simples, de coração enorme, que sempre tinham uma palavra ou um gesto de incentivo. Em nenhum momento durante toda a viagem fui maltratado, ofendido ou ameaçado por alguém. Ao contrário, só tive ajuda, mesmo quando não precisava ou pedia. Na verdade nunca pedi ajuda, pois não era preciso. Antes de abrir a boca para pedir ajuda, alguém se antecipava e me ajudava. Pessoas surgiam do nada para me ajudar nos momentos complicados. Recebia convites para almoçar na casa de pessoas que nunca vi antes na vida. E muita coisa mais…

Nos próximos dias postarei aqui no blog sobre essa mágica viagem. Vou transcrever para o blog as anotações que fiz num caderno, que foi meu diário de viagem. Mesmo assim muita coisa ficará faltando, pois não saberei descrever fielmente a beleza de muitos lugares por onde passei, a bondade e amizade de pessoas que conheci e principalmente muitas das emoções que senti.  Me acompanhe nessa viagem a partir de hoje. Serão treze postagens, treze capítulos dessa maravilhosa aventura.

O guia que utilizei.
Minhas coisas ainda embaladas, ao chegar a Descalvado – SP.

Ciclismo no Caminho do Vinho

Na sexta-feira vi a previsão do tempo e nela  dizia que faria um sábado de sol e calor. Então resolvi fazer algo que há tempos queria fazer, ir de bike até o Caminho do Vinho. Convidei dois amigos, mas ambos não podiam ir, então decidi ir sozinho.

O sábado amanheceu com um sol maravilhoso e muito quente, sai de casa ás 09h30min e segui com destino a São José dos Pinhais. Fui pela Avenida Salgado Filho, que é menos movimentada. Os primeiros quilômetros são os mais difíceis, pois os músculos ainda não estão aquecidos e as pernas doem. Mas depois de um tempo pedalar se torna algo agradável. A pior parte foi atravessar o viaduto que divide Curitiba e São José. A mureta está toda destruída e tive que pedalar numa passarela de um metro sem nenhuma proteção lateral. Qualquer desequilíbrio e eu poderia cair lá embaixo, onde passa uma avenida movimentada e o trilho do trem. E pra quem tem labirintite, que é o meu caso, o risco de desequilíbrio era ainda maior. Mas no fim correu tudo bem, logo atravessei a cidade de São José dos Pinhais e segui em direção as colônias italianas de Muricy e Mergulhão.

Após 23 km de pedalada cheguei ao portal que dá inicio ao Caminho do Vinho. Esse caminho é formado por vários sítios, onde se plantam frutas, verduras e também uva. Existem muitos restaurantes de comida típica, café colonial e venda de queijos e vinhos. É Um típico roteiro gastronômico. Pedalei 4,5 km pelo caminho e parei num restaurante onde já tinha almoçado uns meses antes. O restaurante tem em frente um gramado com árvores e um lago, um local muito bonito.

Estava faminto e me fartei com a comida do local, feita em fogão a lenha. Tinha polenta branca com molho, polenta frita , frango, risoto, lingüiça e muito mais. E de sobremesa sagu e pudim de leite. Só não comi mais, com receio de passar mal na volta para casa. Depois de comer deitei num gramado debaixo de uma árvore e tirei um cochilo. Depois de um tempo calculei que já tinha feito a digestão e peguei o caminho de volta pra casa.

A volta foi mais cansativa, pois já tinha pedalado um monte, o sol estava muito quente e a pança estava cheia. Segui num ritmo lento e constante e pouco antes das 17h00min estava em casa. No meio da caminho parei na casa da Claudinha, minha grande amiga e quase prima, para reabastecer minha garrafinha com água. Foram 55 km pedalados e meu marcador indicava que tinham sido 04h30min de efetiva pedalada. Ou seja, o marcador anota somente o tempo em que estive andando com a bike, quando eu parava o marcador também parava. Somente em casa é que percebi que parte de minhas pernas que ficavam mais expostas ao sol e que a bermuda não cobria, estavam vermelhas, queimadas de sol. Na hora do banho é que senti o quanto estas queimaduras ardiam, mas tudo bem, no final das contas foi um passeio gostoso e aos poucos estou conseguindo fazer maiores quilometragens de bike. A idéia é cada vez fazer percursos maiores, pois desta forma vou melhorando meu condicionamento físico e queimando calorias.

Portal que marca o inicio do "Caminho do Vinho".
Portal que marca o início do “Caminho do Vinho”.
Pedalando pelo "Caminho do Vinho".
Pedalando pelo “Caminho do Vinho”
Merecido descanso após o almoço.
Merecido descanso após o almoço.
Uma das muitas antigas casas preservadas.
Uma das muitas antigas casas preservadas.
Com Claudinha, pit stop para beber água.