De volta ao Caratuva

No feriado de 15 de novembro, estive pela segunda vez no cume do Pico Caratuva, que é a segunda montanha mais alto do sul do Brasil, com 1.860 metros de altitude. A outra vez que estive nessa montanha foi em novembro de 2008. Na época eu ainda morava em Curitiba, então era mais fácil ir até a Fazenda Pico Paraná e iniciar a subida da montanha, pois a distância da fazenda até minha casa era de apenas 50 quilômetros. Atualmente moro a 500 quilômetros de distância, então a ida até lá demandou uma certa organização, tempo e gastos.

Saímos de Campo Mourão em dois carros, com quatro ocupantes cada um. Pegamos estrada no início da tarde de sábado, com um calor na casa dos 30 graus. Chegamos na Fazenda Pico Paraná a noite e com uma temperatura de 14 graus. Nós ficaríamos alojados em um chalé na Chácara Rio das Pedras, que fica ao lado da Fazenda Pico Paraná. Lá nos esperavam mais dois caras de Joinville – SC, que subiriam a montanha conosco e um amigo deles que não subiria. A viagem foi cansativa e após ajeitarmos as coisas e comermos, fui dormir.

Acordei às 02h30min, após ter dormido pouco mais de três horas. Fiz uma descoberta nem um pouco agradável. Cometi um erro de iniciante, esquecendo minhas botas. Tinha levado apenas um tênis velho, cujo solado estava completamente liso. Subir com aquele tênis por trilhas molhadas e cheia de barro era algo perigoso. Por alguns momentos cogitei desistir de subir o Caratuva, mas resolvi arriscar, sabendo que sofreria muitos escorregões com aquele par de tênis liso e teria que tomar muito cuidado para não sofrer nenhuma queda.

Fazia ainda mais frio. Rapidamente me arrumei e saí com os outros nove integrantes do grupo, rumo a montanha. O plano era ver o sol nascer lá do alto. O início da caminhada sempre é difícil, pois o corpo está meio frio e travado. Tinha chovido durante a semana naquela região e encontramos muito barro pelo caminho. Após duas horas de caminhada, um dos companheiros desistiu, devido a dores no joelho e deu meia volta. Começou a ventar forte e cair uma fina garoa.

A subida não foi das mais fáceis, mas seguimos em frente e nosso grupo acabou se separando, pois alguns seguiam mais rápidos e outros menos. Eu era um dos que ficou no grupo mais lento, pois desde o início vinha fechando o grupo. Devido a trilha ruim que encontramos, logo que o dia começou a clarear percebemos que não conseguiríamos chegar ao cume antes do nascer do sol. Logo baixou uma neblina densa o que era sinal de que no alto da montanha devia estar com o tempo fechado e não seria possível ver o sol nascer.

Quase que exatamente às 07h00min, atingimos o cume do Caratuva. Lá em cima estava tudo branco pela neblina, ventava e fazia muito frio. Após 13 anos eu voltava ao cume e encontrava o tempo igual da vez anterior. A vista lá do alto quando o dia está limpo é muito bonita, mas com o tempo fechado como estava não dava para ver nada. Estranhamos em não ter encontrado no cume quatro companheiros que tinham seguido na frente. Será que se perderam pelo caminho?

Ficamos uma hora no cume esperando para ver se o tempo limpava e que no mínimo pudéssemos ver o Pico Paraná lá do alto. Mas nada de o tempo limpar e ficar parado causava frio, então resolvemos descer. Na parte de trás da montanha, pelo caminho onde tínhamos subido, o tempo estava limpando e era possível ver a bela paisagem onde se destaca a Represa do Capivari. Ficamos alguns minutos admirando a paisagem e nos aquecendo ao sol.

Começamos a descer, o que teoricamente é mais fácil. Mas devido a trilha molhada e enlameada, não foi tão fácil a descida. Sem contar que ela estava mais perigosa. Era muito fácil escorregar e sofrer uma queda. Após pouco mais de uma hora de iniciarmos a descida, escorreguei e ao tentar me segurar numa árvore um pedaço de pau atravessou um dedo de minha mão esquerda. Saiu muito sangue e senti uma dor terrível. Fui socorrido pelos amigos Welison e Paulo, sendo que esse improvisou um curativo. Se a descida já estava difícil, com uma mão imobilizada e sentindo dor, o resto da descida foi ainda mais complicado. Mas ficar parado não era uma opção e o jeito foi seguir em frente.

Começamos a encontrar muita gente na trilha. Em razão do feriado, muitas pessoas tinham optado em seguir para as montanhas. Após passar frio de madrugada e no início da manhã, agora era vez de sofrer com o sol quente quando chegamos na região do Getúlio, onde a maior parte da trilha não é protegida pela sombra das árvores. Pouco antes do meio dia chegamos na Fazenda Pico Paraná e seguimos para nosso chalé. Me sentia muito cansando, com muita dor nas pernas e no dedo machucado.

Chegando no chalé, descobrimos que o Roberto, Ronaldo, Vitor e André, tinham errado a trilha e foram parar na montanha errada. Eles acabaram indo parar no Taipa. Tal erro foi motivo de muita zoação, principalmente com o Ronaldo e o André, que já tinham o histórico de ter tido problemas no Pico Paraná. Eles foram considerados pé frios de montanha.

Tomei um longo banho quente, limpei o dedo ferido e fiz um curativo mais caprichado. Fiz um lanche rápido e fui dormir. Dormi o resto do dia e a noite levantei para comer e conversar um pouco com o pessoal. O dedo machucado tinha inchado e estava latejando. Cogitei ir até um hospital em Curitiba, para dar uma olhada melhor no ferimento. Meu receio era de que alguma sujeira ou pedaço de madeira tivesse ficado dentro do dedo.

Nessa viagem o Roberto, que está fazendo um curso noturno de cozinha no Senac, foi nosso cozinheiro. Ele caprichou nas refeições e confesso que nunca comi tanto e tão bem durante uma viagem as montanhas. Ele se mostrou bem preocupado com meu dedo machucado e a noite tive tratamento vip por parte dele. A todo momento ele vinha me trazer churrasco e refrigerante, queria saber como estava meu dedo, perguntava se eu queria ir para um hospital e muita coisa mais.

Dormi cedo, tinha esfriado bastante e meu saco de dormir colocado em cima de um colchão no chão, estava bastante acolhedor. No dia seguinte levantamos cedo, arrumamos nossas coisas e pegamos a estrada de volta para casa. Meu dedo estava ainda mais inchado e doendo, o que me fez tomar alguns comprimidos para dor. Não vi necessidade de parar num hospital em Curitiba. Só fui buscar tratamento médico no dia seguinte, quando já estava em minha cidade e acordei com o dedo roxo, muito inchado e ainda mais dolorido. Tive que tomar antibióticos durante uma semana e também tomar vacina para tétano. A vacina (pra variar) me deu reação e fiquei um dia e meio muito mal, com dores pelo corpo, febre e desanimo. Mas no fim tudo deu cedo e o dedo está curado.

Essa foi uma viagem e uma aventura muito legal e nosso grupo se mostrou divertido e a parceria foi total. Agora que venham as próximas montanhas…

 

 

Vitor, Ronaldo e Cris.
Ao fundo a Represa do Capivari.
André, Vander, Roberto e Welison.

 

Aventuras & Aventuteiros – Travessias Serra do Mar Paraná

O programa Aventuras & Aventureiros de hoje, teve a participação do turismólogo Marcelo Knieling. E o tema do programa foram travessias na serra do mar parananese. O progama também teve a participação via live do experiente montanhista Paulo Weber.

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Marcelo Knieling, Vander Dissenha e Paulo Weber.

Abaixo o link para assistir ao programa na íntegra:

Freya Kreiling

Freya Kreiling era uma estudante de Santa Catariana, que morreu afogada aos 16 anos, na Serra do Mar paranaense. O acidente fatal aconteceu em 12 de março de 1944. Para comemorar sua formatura, Freya foi com alguns amigos percorrer trilhas na Serra do Mar. Ao atravessar o rio Ipiranga próximo ao Salto do Feitiço, ela caiu no rio. Devido a calça comprida que usava ter “inflado” com a água, ela com vergonha, largou a corda de segurança para segurar a calça e foi arrastada pela correnteza. Seu corpo foi encontrado somente quatro dias após o acidente. A operação de resgate do corpo mobilizou militares e experientes montanhistas, e foi destaque nos jornais da época. No local próximo onde encontraram o corpo, foi colocada uma cruz e uma placa, que até hoje estão lá e lembram a tragédia. A Cruz está próxima a um local conhecido como Salto Inferno.

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Freya Kreiling

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Esse postal antigo mostra Freya  Kreiling e outro turista que também morreu na Serra do Mar.

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Cruz em homenagem a Freya Kreiling.

De volta ao Pico Paraná – Parte 2

“Depois de termos conseguido subir a uma grande montanha, só descobrimos que existem ainda mais grandes montanhas para subir.”

NELSON MANDELA

O pessoal levantou pouco depois das quatro da manhã e partiu rumo ao cume do Pico Paraná, pois queriam ver o sol nascer lá do alto. Resolvi dormir mais meia hora e depois seguir sozinho, pois não teriam pessoas na trilha e isso evitaria filas em alguns pontos, e consequentemente a lentidão. E também estaria menos frio e mais claro, eu não precisaria utilizar lanterna na trilha e isso seria mais seguro. Eu já tinha visto o sol nascer uma vez no alto do Pico Paraná, então não fazia questão de ver novamente, podia fazer o ataque ao cume mais tarde. Dormi mais um pouco e quando acordei o dia estava começando a clarear. Me arrumei rapidamente e saí da barraca. Não fazia tanto frio igual na noite anterior. Vi que um companheiro também tinha ficado dormindo e fui chamá-lo para subir comigo. Ele disse que não dava, que sentia muita dor no joelho e se tentasse ir até o cume, talvez não tivesse condições físicas para fazer a trilha de volta mais tarde. Então subi sozinho!

No inicio senti fortes dores nas costas, culpa da noite dormida no chão duro. Mas felizmente, conforme o corpo foi esquentando, as dores sumiram. O que incomodava muito desde a metade do dia anterior, era meu joelho esquerdo, que carece de cirurgia há tempos. Evitei ao máximo forçar tal joelho. O caminho até o cume era basicamente de subida, e segui rápido, tendo encontrado apenas cinco pessoas pelo caminho. Acabei errando a trilha e fui parar num canto do paredão da montanha, um lugar com a vista muito bonita. Tirei algumas fotos no exato momento que o sol surgiu e retornei em busca da trilha correta. Passaram alguns minutos e pouco antes de chegar ao facãozinho, que é uma parte da trilha ao mesmo tempo bonita e perigosa por ser estreita, encontrei três membros do meu grupo. Eles tinham desistido de tentar o cume e estavam voltando ao acampamento. Tentei argumentar que estavam bem próximos, mas os três estavam decididos a desistir e achei melhor não insistir. Segui em frente e após quatorze minutos cheguei ao cume do Pico Paraná, pela segunda vez em minha vida. Encontrei o restante do meu grupo lá em cima, todos radiantes de alegria.

No cume ventava e fazia um pouco de frio, mas nada comparado ao frio que encontrei da outra vez que lá estivera, seis anos antes. Curti um pouco do visual em volta, tirei fotos sozinho e com o pessoal, e depois de quase uma hora começamos a descida. Vim no final do grupo, curtindo ainda a paisagem. Ao passar numa parte estreita da trilha, deixei minha mochila de hidratação cair debaixo de umas pedras. Fiquei na dúvida se seria possível resgatar a mochila. Acabei encontrando um caminho para descer, mas antes pedi para um cara do grupo de Florianópolis esperar eu voltar. Quando cheguei ao lugar onde a mochila estava, olhei em volta e no meio das pedras estava cheio de buracos. Fiquei com receio de que fossem tocas de cobra e dei um jeito de pegar a mochila e sair dali o mais rápido possível. A rapidez e medo foi tanta, que ao sair do buraco onde estava, bati forte com o joelho machucado numa pedra, e descolei uma unha da mão esquerda. Acho que esse foi o pior momento do final de semana, por culpa do medo e das dores que senti. E o jeito foi seguir em frente, morro abaixo. Trinta minutos depois estava de volta ao acampamento e comecei a desmontar a barraca.

Iniciamos a descida com sol a pino e bastante calor. Nem parecia que há poucas horas fazia um frio medonho. Na descida demoramos um pouco para passar pela carrasqueira, pois mesmo com sol, tinha muito barro nos degraus. A partir dali foi mais tranquilo e seguro a caminhada e logo entramos no primeiro trecho de mata. O calor fez todos consumirem muita água, e logo tivemos que racionar. Pouco antes de chegarmos ao acampamento A1, ouvimos o helicóptero dos bombeiros, que tinha vindo resgatar a garota de Florianópolis que se machucou no dia anterior. Por muito pouco não presenciamos o resgaste.

Após uma parada mais longa antes de entramos na parte mais extensa da mata, lanchamos e tiramos fotos do Pico Paraná ao longe. No dia anterior ele estava encoberto pelo nevoeiro quando passamos por esse local. De onde estávamos também era possível ver o mar, distante alguns quilômetros. Entramos na mata, e mais uma vez foi difícil vencer esse trecho cheio de galhos, troncos e barro. Meu joelho esquerdo doía muito, e tive que tomar cuidado em não forçar ele. Procurava sempre colocar a perna direita primeiro como apoio. Isso dificultou bastante a caminhada e também me cansou muito. Quase no final da mata paramos numa mina d´água e ali bebi quase dois litros de água. Seguimos em frente, saímos da mata e passamos pelo Morro do Getúlio. Depois a maior parte da trilha foi de descida. Mas o sol e o calor judiaram bastante, bem como a ansiedade de terminar logo a descida. A mochila nas costas parecia estar cada vez mais pesada.

No fim tudo deu certo e todos chegaram bem na Fazenda Pico Paraná. Depois foi hora de tomar banho, lanchar e arrumar as coisas para a longa viagem de volta para casa. Alguns diziam que nunca mais subiriam outra montanha, outros já queriam marcar uma data para subir nova montanha. No geral todos estavam cansados, um pouco doloridos, mas felizes pela aventura e conquista. Com certeza todos lembrarão por muitos anos desse final de semana, onde o grupo todo se uniu em torno de um objeto comum. E muitos membros do grupo tiveram que superar seus medos, limitações físicas e encontrar forças para seguir em frente… Valeu pessoal!

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O sol nascendo.

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Facãozinho.

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Meditando no cume.

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No cume do Pico Paraná. (03/11/2019)

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Bando de loucos!

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Lucas Spider-Man.

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Contemplação…

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Vander e Roberto.

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Descendo a carrasqueira.

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Pico Paraná e a direita o mar…

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Com a Amanda, que foi guerreira…

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Vander, Taise e Ronaldo, quase do fim da aventura.

 

De volta ao Pico Paraná – Parte 1

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Com 1.877 metros de altitude, o Pico Paraná é a montanha mais alta da Região Sul do Brasil. Está situado entre os municípios de Antonina e Campina Grande do Sul, no conjunto de serra chamado Ibitiraquire. Foi descoberto pelo pesquisador alemão Reinhard Maack que entre 1940 e 1941, efetuou diversas incursões à Serra do Ibitiraquire com o objetivo de obter medições e anotações sobre a fauna e a geomorfologia da região. Maack juntamente com os alpinistas Rudolf Stamm e Alfred Mysing e com auxílio de tropeiros da região, partiu em 28/06/1941 com o objetivo de conquistar o cume da montanha. Rudolf Stamm e Alfred Mysing conseguiram chegar ao cume da montanha no dia 13/07/1941.

Após pouco mais de seis anos, voltei ao Pico Paraná. Fomos num grupo de 12 pessoas, onde o único que já tinha subido uma montanha antes, era eu. Nosso grupo era composto por nove homens e três mulheres. Quarenta dias antes tínhamos iniciado o projeto de subir o Pico Paraná. Nesses 40 dias algumas pessoas entraram e outras saíram do grupo. O pessoal também aproveitou para treinar, pois desde o início deixei claro que a empreitada não era nem um pouco fácil. Também treinei bastante, e só não treinei ainda mais, por culpa de dores no meu joelho esquerdo bichado e da tendinite no pé direito, que trato há quase um ano e não quer sarar. Mesmo com as limitações causadas pelas dores físicas, cheguei bem fisicamente no dia de subir o Pico Paraná. E eu podia contar com algo que os demais não tinham, que era a experiência.

Após uma longa noite de viagem numa van não muito confortável, chegamos em Curitiba e já começou a chover. Felizmente a chuva durou pouco e quando chegamos na Fazenda Pico Paraná, o sol estava alto e quente no céu. Tivemos um pouco de dificuldade para encontrar a entrada da Fazenda, mas no fim deu tudo certo. Logo que desembarcamos, já começamos a nos preparar para subir o morro. Cerca de uma hora depois já nos encontrávamos em fila indiana subindo os primeiros metros da trilha. Nosso grupo era formado por: Vander, Krisley, Igor (irmão do Krisley), Marilda (tia do Krisley e do Igor), Roberto, Lucas, Wellison, André, Amanda, Sidinei, Ronaldo e Taise (noiva do Ronaldo). O grupo era bastante heterogêneo, com idades que iam dos 17 aos 49 anos. Mas mesmo com suas diferenças, desde o início nosso grupo foi bastante unido e aguerrido. O tempo todo um ajudava ao outro, e essa união fez nossa jornada ser muito mais fácil.

Sempre achei o início da caminhada a parte mais difícil, pois o corpo está frio, a mochila parece mais pesada do que realmente está, e o lado psicológico joga contra nós. Você se sente mal e extremamente cansado logo no início, então acaba achando que não vai conseguir caminhar por várias horas e quer desistir logo no início. Tivemos tal problema com um integrante de nosso grupo, mas com a união de todos e um pouco de conversa, o problema se resolveu e ninguém desistiu. Felizmente o sol deu uma trégua após meia hora de caminhada e isso facilitou as coisas. Pelo caminho encontramos um grupo de 17 pessoas, vindas de Florianópolis, e nas horas e no dia seguinte, tivemos contato mais próximo com muitas pessoas pertencentes a esse grupo de catarinenses. Após quase duas horas de caminhada chegamos ao Morro do Getúlio e ali fizemos uma longa parada para lanche. Depois seguimos em direção a mata fechada e boa parte da tarde ficamos subindo e descendo morro em meio a galhos, raízes de árvores, rochas, riachos e muita lama. Tinha chovido na mata e a trilha ficou lisa e perigosa. Quando saímos da mata, não era possível ver o Pico Paraná, pois ele estava encoberto por um denso nevoeiro.

Ainda no meio do nevoeiro, iniciamos a parte mais complicada e perigosa da subida, que é superar a carrasqueira, um longo paredão de rocha, com degraus e correntes que ajudam a subida. Como estava tudo molhado, os degraus ficavam com um pouco de barro que tinha soltado dos calçados do que passaram antes por ali, então isso aumentava o perigo. Qualquer descuido poderia causar algum acidente grave. No fim tudo correu bem, os que tiveram mais dificuldade em subir esse trecho, foram auxiliados pelos demais. A união do grupo fez uma enorme diferença nessa parte da subida. Depois tivemos mais um longo trecho de caminhada e finalmente chegamos ao A2, acampamento onde passaríamos a noite.

Tinham mais pessoas acampadas no A2, então o lugar onde montamos nossas barracas não era dos melhores. Alguns saíram buscar água numa mina próxima e a maioria preferiu descansar. Após tomar um banho de gato utilizando lenços umedecidos e colocar roupas limpas, aproveitei para dormir um pouco. Tinha dormido pouco na viagem e depois do esforço do dia ao percorrer quase nove quilômetros com mochila nas costas, eu estava exausto. No final da tarde vimos um helicóptero dos bombeiros passar pelo acampamento. Depois ficamos sabendo que ele tinha tentado resgatar uma moça do grupo de Florianópolis, que machucou o pé gravemente e estava esperando resgate no A1. Por culpa do mal tempo, não conseguiram realizar o resgaste, o que só foi feito no final da manhã do dia seguinte.

A noite chegou no acampamento e com ela o frio e muito nevoeiro. Aproveitei para “jantar” uma lata de salsichas e mais algumas guloseimas. Fui fazer xixi num matinho ao lado da barraca, e deu para ter noção do quanto tinha esfriado. O nevoeiro deixava o acampamento com um visual incrível, mas achei melhor voltar logo para a barraca e tentar me aquecer. Tinha gente no grupo passando frio, pois é natural que algumas pessoas sintam mais frio que outras. Como tenho boa resistência ao frio, talvez por já ter passado muito frio na vida e também por ter quase certeza de que fui um urso polar em outra encarnação (detesto calor e amo o frio!), emprestei minha blusa para a Amanda. Mesmo sentindo um pouco de frio, e com o desconforto da barraca, pois para eliminar peso optei por não levar saco de dormir e isolante térmico, consegui dormir muitas horas. O plano era levantar pouco antes do sol nascer e partir para o ataque ao cume do Pico Paraná.

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Em pé: Wellison, Vander, Ronaldo, Taise, Marilda, Igor, Amanda e Roberto. Agachados: Krilsley, Lucas, Sidinei e André.

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Primeira longa parada para descanso.

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Almoço no Getúlio.

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Começando a difícil parte da floresta.

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Kit alimentação.

 

Túnel do Tempo: Primeiros Socorros

A foto desse Túnel do Tempo é de novembro de 1998. Ela foi tirada no trem que seguia de Paranaguá a Curitiba. Uma funcionária da Serra Verde Express estava limpando meus ferimentos e fazendo curativos em mim. Eu tinha subido pela primeira vez o Pico do Marumbi e na descida errei a trilha, escorreguei e caí nas pedras, ficando pendurado na borda de um penhasco. Consegui evitar de cair no precipício, me arrastando pelas pedras e segurando em alguns pequenos galhos.

Evitei um acidente mais grave, mas me cortei e me esfolei bastante, inclusive tendo parte de minha roupa rasgada. Após o susto consegui descer o restante da trilha e pegar o trem rumo a Curitiba. Ao me ver todo ensanguentado e machucado, a moça da foto veio prestar os primeiros socorros. Não lembro o nome da moça e nem lembro do rosto dela. Mesmo assim serei eternamente agradecido pelos cuidados que teve comigo.

Primeiros socorros no trem. (novembro/1998)
Primeiros socorros no trem. (novembro/1998)

Pico Paraná (Parte I)

Fazia alguns anos que eu queria chegar ao cume do Pico Paraná, mas sempre acontecia algo e eu tinha que adiar. Cheguei a subir o Caratuva em 2008 e o Itapiroca em 2009, que são duas montanhas próximas ao Pico Paraná. Mas quando chegou a vez de subir o PP (apelido carinhoso dado ao Pico Paraná) me machuquei um pouco antes e levei meses para ficar bom e em forma novamente. Daí quando estava novamente planejando subir o PP, tive dois problemas sérios de saúde e em seguida me mudei de Curitiba. Três anos se passaram e o PP continuava em minha lista de locais onde queria colocar os pés.

Atualmente estou morando cerca de 500 quilômetros do Pico Paraná e sem tempo para arrumar um amigo e planejar a ida até o PP, achei melhor procurar uma agência de turismo que fizesse o serviço de guia. De início pensei que não existissem agências que levassem clientes até o PP, mas acabei encontrando a Ana Wanke Turismo e Aventura (http://www.anawanke.com.br/). Entrei em contato, troquei algumas informações com a Ana e logo fechei o pacote, que incluía transporte, alimentação, barracas e guias. Achei essa ser e melhor opção no momento, pois não estava a fim de ir sozinho e também não queria que mais uma vez acontecesse algum problema e eu tivesse que desistir de tentar subir o Pico Paraná.

Tudo pago e acertado, agora era torcer para o tempo ajudar e não chover no final de semana marcado para subida do PP. E uma coisa a fazer era melhorar o condicionamento físico! Eu não estava muito mal fisicamente, mas precisava melhorar, pois o Pico Paraná é a montanha mais alta da região sul do Brasil e para evitar problemas e acidentes era melhor estar bem fisicamente. E também precisava perder dois ou três quilos extras adquiridos nas comilanças de inverno. Tinha exatamente um mês para me preparar e foi justamente o que fiz. Caminhei e corri, fiz reforço muscular para as pernas e duas vezes por semana aula de spinning. Também fechei um pouco a boca e reduzi drasticamente o meu maior vicio, que é refrigerante. Mas na segunda semana de treinamento tive um problema de tornozelo e tive que diminuir um pouco o ritmo dos treinamentos. Mesmo assim cheguei tinindo fisicamente no dia do embarque rumo à Curitiba.

Encontrei o pessoal numa madrugada gelada em Curitiba e fomos de van até a Fazendo Pico Paraná, distante uns 40 quilômetros da cidade, no sentido São Paulo. Na van já tive o primeiro contato com o pessoal que fazia parte do grupo. O grupo seria formado por mim e mais sete pessoas. A Ana seria a guia principal, auxiliada pelo Rodrigo e pelo Gustavo. E de caminhantes tinham as curitibanas Andy e Maristela, o gaúcho Eduardo e o pernambucano Jorge. Se eu vinha de longe, o Eduardo e o Jorge vinham de ainda mais longe!

Chegando na Fazenda Pico Paraná tomamos o café da manhã, onde foi servido um delicioso chocolate quente que serviu para esquentar um pouco. Em seguida fomos nos arrumar e nos preparar para iniciar a caminhada. E logo de cara descobri que tinha esquecido de trazer minha calça de caminhada. Não acreditei que tinha deixado para trás um item tão importante. A opção seria caminhar de calça jeans, mais isso limitaria muito meus movimentos. Já estava ficando desanimado, quando lembrei que tinha levado minha calça de ciclismo, a qual costumo usar para dormir em acampamentos, pois ela é bem confortável e quente para utilizar dentro do saco de dormir. O problema é que ela é bastante justa e achei que pagaria um grande mico ao usá-la. Fiquei uns dois minutos pensando em qual calça utilizar e nisso dei uma olhada para o lado e vi que tanto o Rodrigo, quanto o Gustavo estavam utilizando uma calça de ciclismo. Então vi que não seria mico nenhum colocar minha calça de ciclismo para caminhar no mato e foi assim que fiz.

Todos prontos, mochilas nas costas, uma breve reunião para que fossem dados alguns avisos e iniciamos a caminhada. Eu conhecia boa parte do caminho a ser percorrido, pois parte do caminho que leva até o Pico Paraná é o mesmo caminho que percorri anos antes para ir ao Caratuva e depois ao Itapiroca. Segui quase no final da fila, pois queria sentir o ritmo de caminhada dos demais e saber como seria o meu ritmo comparado a eles. Nos primeiros minutos de caminhada aconteceu um incidente com a Maristela, que ao tentar pular de uma pedra a outra em um trecho de lama, escorregou e caiu no barro. Felizmente ela não se machucou (talvez o orgulho tenha ficado um pouco ferido) e assim seguimos em frente. O primeiro trecho é pelo meio do mato, subindo alguns degraus esculpidos na terra e depois seguimos por uma trilha relativamente tranquila, mas sempre subindo. Fizemos algumas breves paradas no início e logo resolvi ir mais para frente na fila, seguindo pouco atrás da Ana, que ia sempre na frente.

Levamos cerca de uma hora para chegar ao morro do Getúlio, que é um local descampado, cheio de pedras e de onde se tem uma bela visão para todos os lados. A visão mais bonita é da represa Capivari, alguns quilômetros abaixo. Ali fizemos uma longa pausa, ajeitamos as mochilas, tiramos fotos e seguimos em frente. Foi a partir do Getúlio que nosso grupo se dividiu, formando dois. No grupo que estava mais rápido seguiam a Ana, Andy, eu e Eduardo. Me sentia muito bem fisicamente e não tive nenhum problema em acompanhar o ritmo mais forte do pessoal da frente. De tempos em tempos fazíamos alguma parada para descanso e a Ana aproveitava para falar pelo rádio com o Gustavo, que seguia fechando a fila do segundo grupo. Caminhamos um bom tempo assim até que chegamos no cruzamento das trilhas que levam ao Pico Paraná e ao Caratuva. Ali ficamos esperando o restante do grupo. Eu conhecia o caminho até esse local, então a partir dali tudo ficaria mais interessante para mim, pois o caminho a seguir seria inédito.

Após descansar e tirar fotos, voltamos a caminhar e o grupo continuou dividido. A trilha seguia quase sempre pelo meio do mato, em um terreno cheio de raízes. Vez ou outra tinha algum trecho onde era preciso fazer uma pequena escalada segurando nos galhos e raízes de árvores e em alguns casos em cordas estrategicamente amarradas nos locais de mais difícil acesso. Tinham alguns trechos de rocha que eram bastante lisos e era preciso tomar cuidado para não cair. Num trecho de mata fechada e cheia de raízes eu seguia no final do meu grupo e acabei sofrendo um pequeno acidente. Ao pisar ao lado de um galho enorme, meu pé afundou no barro e virou. Para não torcer o pé, fiz um movimento brusco virando o corpo rapidamente e nisso bati muito forte com a canela num galho. A pancada foi forte e senti muita dor. Soltei alguns palavrões e me sentei para olhar o estrago. No local da pancada tinha levantado um caroço e a dor era forte. Por alguns momentos achei que minha caminhada tinha terminado ali, que eu não conseguiria pôr o pé no chão por culpa da dor e teria que desistir de chegar ao PP. Meus olhos se encheram de lagrimas por culpa da dor e da decepção e quando vi o pessoal voltando para ver o que tinha acontecido comigo, segurei as lágrimas e contive a vontade de chorar. O Eduardo é médico e a Andy é dentista e os dois se encarregaram de ver o estrago em minha canela e logo a Andy me deu uma pomada para passar no local da pancada. Fiquei em pé e vi que mesmo sentindo muita dor dava para seguir em frente, o que me deixou bastante aliviado. Voltamos a caminhar, mas a dor ainda era forte e comecei a achar que não conseguiria chegar até o fim do dia caminhando. Logo fizemos uma parada em um pequeno córrego para pegar água e ali a Andy me deu um remédio para dor. Aproveitei para colocar uma mochila com água (que ali era bem fria) na canela e isso aliviou a dor quase por completo.

Na parada que fizemos no córrego aproveitei para comer um dos sanduiches naturais que faziam parte do kit lanche entregue pela Ana. O sanduiche era muito saboroso e ajudou a levantar meu animo que tinha ficado um pouco baixo após a canelada que dei um pouco antes. Voltamos a caminhar e não demorou muito para sairmos do trecho de mata fechada e chegarmos em um trecho mais aberto e termos a primeira visão do Pico Paraná. A visão era maravilhosa, pois mostrava a enorme montanha imponente em meio a algumas nuvens. Olhando dali parecia ser meio que impossível atingir seu cume. Fiquei pensando nos primeiros montanhistas que passaram por ali, abrindo caminho pela mata em busca da melhor rota que os levassem até o cume. Esses caras eram valentes e persistentes, pois se hoje em dia com a rota conhecida e demarcada, bem como a facilidade que alguns equipamentos modernos dão aos montanhistas não é muito fácil chegar ao cume do Pico Paraná, no passado devia ser muitas vezes mais difícil.

Depois de passar pelo trecho de mata aberta, que era quase que completamente formado por uma planta chamada caratuva (o mesmo nome da montanha próxima dali), caminhamos mais um pouco e chegamos ao acampamento número um (A1). Ali encontrei um pessoal de Londrina, que fazem parte do grupo de caminhadas Londrinapé. Nesse grupo estavam o Arnaldo, amigo de outras caminhadas pelo interior, e também o Berti, que é guia de caminhadas na cidade de Faxinal, local famoso por suas cachoeiras. Conversei um pouco com o pessoal, tiramos fotos e logo retomamos a caminhada. Dessa vez a trilha era em descida, o que era menos cansativo, mas que exigia mais cuidado para não cair. Não demorou muito e chegamos a famosa “carrasqueira”, um paredão de rocha com escadinhas, que é considerado o trecho mais difícil para se chegar até o cume do Pico Paraná.

Com bastante cuidado meu grupo subiu a “carrasqueira”. A Ana foi na frente, seguida pela Andy. No meio da subida a alça da mochila da Andy arrebentou e quase provoca um acidente. Por sorte foi somente um susto e conseguimos chegar são e salvos no alto da “carrasqueira”. Dali para frente a trilha era tranquila. Logo chegamos em algumas rochas enormes, próximas ao acampamento dois (A2). A Andy adora tirar fotos sentada em pedras e quando a Ana mostrou a ela uma pedra enorme, ela não se conteve e correu para tirar muitas fotos. Essa pedra acabou sendo batizada como “Pedra da Andy”. Após muitas fotos seguimos mais um pouco morro acima, até o A2, local onde montaríamos nosso acampamento. Lá nos esperava o Silvio, um cara digamos meio exótico, mas muito prestativo e gente finíssima. Ele é gerente da loja Território Mountain Shopping, em Curitiba. Ele costuma dar suporte a algumas expedições promovidas pela Ana e nesse dia não foi diferente. Como ele chegou de manhã no A2, ele reservou o melhor lugar para que montássemos nossas barracas. Era uma pequena clareira, cercada por arbustos altos que protegiam do vento, que ali no alto costuma ser forte.

Foram montadas três barracas, com ajuda do Silvio e depois fizemos um lanche. A Ana falou pelo rádio com o pessoal do grupo que vinha mais atrás e as notícias não eram nada boas. O Gustavo tinha torcido o pé e ficaria acampado sozinho no A1. O restante do grupo seguiria ao nosso encontro no A2. Tínhamos levado seis horas para chegar até o A2. Segundo a Ana chegamos super rápidos, pois ela tinha previsto que levaríamos de dez a doze horas para chegar ali. Então ficou a dúvida se partiríamos dali para o ataque ao cume, o que levaria mais uma hora morro acima, ou se esperaríamos o restante do grupo e faríamos o ataque ao cume todos juntos de madrugada. Acabou ficando decidido que esperaríamos os demais membros do grupo.

Eu, Ana e Andy, descemos até a “Pedra da Andy” e lá ficamos esperando o restante de nosso grupo. A Ana ficou em comunicação via rádio com o Gustavo, que ficou no A1. Enquanto esperávamos ficamos admirando a paisagem e tirando algumas fotos. Abaixo de nós existia um verdadeiro mar de nuvens, que ao mesmo tempo que não nos permitia admirar por completo a paisagem, era um espetáculo à parte. As nuvens se moviam com o vento, hora cobrindo parte de algumas montanhas menores que estavam abaixo de nós, hora escondendo partes do cume do Pico Paraná, que estava acima de nós. O Pico Paraná fica numa região onde existe uma pequena cadeia de montanhas, sendo que ele é a maior montanha dessa cadeia. Então de onde estávamos era possível ver várias montanhas próximas, bem como o Conjunto Marumbi, bem mais distante dali, no meio da Serra do Mar.

Após um tempo de espera, a Ana resolveu descer até a “carrasqueira” para auxiliar o pessoal de nosso grupo quando eles lá chegassem. Eu e Andy ficamos na “Pedra da Andy” com o rádio. Logo a Andy resolveu explorar algumas pedras abaixo de onde estávamos e que ficavam na beira do abismo. Acabei indo atrás dela, em parte com receio de que ela pudesse se meter em encrenca e em parte por que ficar parado olhando a paisagem estava me dando sono. Sei que acabamos encontrando um local muito legal, uma espécie de janela entre as rochas e ali ficamos vendo a paisagem e tirando fotos. Comentei com ela que poucas pessoas deveriam ter estado naquele local antes de nós. E isso me atrai muito, estar em locais onde poucas pessoas colocaram o pé antes! Resolvemos parar com nossa pequena exploração no meio das pedras, com receio de encontrar alguma cobra e voltamos para o alto da “Pedra da Andy”. Tiramos mais algumas fotos e logo vimos a Ana chegando a frente do restante de nosso grupo.

Cumprimentamos o pessoal e eles pararam na “Pedra da Andy” para tirar fotos. Logo todos seguimos para o local onde estava montado nosso acampamento. A segunda parte do grupo, formado pelo Jorge, Maristela e Rodrigo, chegou no A2 duas horas e quinze minutos depois da chegada da primeira parte do grupo. Achei sensata a forma como a Ana conduziu a expedição, quando deixou que os dois grupos, que tinham preparo físico e velocidade diferentes, se separassem. Se ela mantivesse o grupo sempre junto, estaria fazendo o pessoal mais veloz ir lentamente, o que não seria legal, ou então faria que o grupo mais lento andasse num ritmo mais forte, o que poderia desgastar demais o pessoal. Tal divisão só foi possível graças ao grupo ter três guias. Mesmo com a contusão do Gustavo, foi possível manter os dois subgrupos com um guia cada, o que tornou a subida até o A2 bastante segura.

Antes de escurecer fui com a Ana e a Andy até um mina próxima buscar água. No caminho paramos na “Casa de Pedra”, que é a ruína de uma construção feita de pedras. Não sei o motivo da construção em tal local, nem sua datação e muito menos o motivo de estar em estado de abandono. Me ocorre que no momento não tive a curiosidade de perguntar isso a Ana ou alguma outra pessoa que estivesse pelas imediações. De lamentável é a quantidade de lixo deixado pelas imediações da Casa de Pedra. Parece que muita gente que sobe até o Pico Paraná, não tem nenhuma consciência ecológica e na descida resolve aliviar um pouco do peso da mochila, deixando no A2 muito lixo, bem como toalhas, mantas, pedaços de lona plástica e diversas garrafas pet. E como não existe nenhum tipo de controle por parte do IAP (Instituto Ambiental do Paraná) ou dos proprietários da Fazenda Pico Paraná (que cobram para permitir o acesso até o Pico), cada dia que passa vai ficando mais lixo acumulado. Infelizmente existe muita falta de educação por parte das pessoas, que costumam jogar lixo na rua e deixar lixo no alto de um morro. Lá não tem coleta de lixo, não existe caminhão de lixo passando toda semana.

O sol foi embora e a noite chegou com muito vento e frio. Fui para a barraca e lá tomei meu banho de gato, utilizando uma pequena toalha molhada e lenços umedecidos. Em seguida coloquei roupa limpa e me senti um novo homem. Não consigo ficar sem banho, não importa onde eu esteja! A Ana começou a preparar o jantar, cujo cardápio consistia de estrogonofe, arroz e purê de batata. A comida era liofilizada, que resumindo quer dizer que era um tipo de comida que foi desidratada e depois reidratada ao ser adicionada água quente nela. Durante o preparo da comida quase todos ficaram ao redor da Ana, vendo ela preparar o delicioso jantar e também ajudando. A ajuda consistia de ficar chacoalhando os envelopes com comida liofilizada após a Ana colocar água quente neles. O resultado foi muito bom, pois a comida ficou saborosa.

Após jantar fui escovar os dentes e achar um banheiro. Ventava muito e fazer as necessidades no meio do mato, com vento e escuridão não era das tarefas mais agradáveis. Mas em minhas aventuras já passei por situações mais difíceis ao ter que usar banheiros, então não tive grandes problemas. Antes de ir dormir fui dar uma volta e fiquei olhando o céu. O céu estava limpo e com muitas estrelas. Consegui até mesmo ver uma estrela cadente! Fiz um pedido a ela, mas até agora tal pedido não se realizou…

Encontrei a Ana pelo caminho e fomos nos juntar a Andy, Rodrigo e Maristela, que estavam do outro lado de nosso acampamento. Ficamos um tempo deitados no chão, conversando e vendo o céu estrelado. O frio aumentou e como estava muito cansado, achei melhor ir para a barraca. Eu dividiria a barraca com o Rodrigo. Me ajeitei dentro do saco de dormir e logo fiquei quentinho. Olhei no relógio e passava um pouquinho das 21 horas. Estava dormindo cedo para um sábado à noite, mas isso não importava. O que importava é que dali poucas horas eu estaria pisando no cume do Pico Paraná, realizando mais um sonho, mais um item da lista de realizações que formulei há pouco mais de três anos. ZZZZZZZZZZZzzzzzzz…

Com 1.877 metros de altitude, o Pico Paraná é a montanha mais alta da Região Sul do Brasil. Está situada entre o município de Antonina e Campina Grande do Sul, no conjunto de serra chamado Ibitiraquire. Foi descoberto pelo pesquisador alemão Reinhard Maack. Entre 1940 e 1941 Maack efetuou diversas incursões à Serra do Ibitiraquire com o objetivo de obter medições e anotações sobre a fauna e a geomorfologia da região. Maack juntamente com os alpinistas Rudolf Stamm e Alfred Mysing e com auxílio de tropeiros da região, partiu em 28/06/1941 com o objetivo de conquistar o cume da montanha. Stamm e Mysing conseguiram o intento em 13/07/1941.

Rodrigo, Andy, Vander, Ana, Eduardo, Gustavo, Maristela e Jorge.
Rodrigo, Andy, Vander, Ana, Eduardo, Gustavo, Maristela e Jorge.

Descanso no Getúlio.
Descanso no Getúlio.

Cruzamento de trilhas: Pico Paraná e Itapiroca.
Cruzamento de trilhas: Pico Paraná e Caratuva.

Subindo com ajuda da corda.
Subindo com ajuda da corda.

Primeira visão completa do Pico Paraná.
Primeira visão completa do Pico Paraná.

Com o pessoal de Londrina e Faxinal.
Com o pessoal de Londrina e Faxinal.

No meio das caratuvas.
No meio das caratuvas.

Subindo a carrasqueira.
Subindo a carrasqueira.

Na Pedra da Andy.
Na Pedra da Andy.

Acampamento.
Acampamento.

Observando a paisagem.
Observando a paisagem.

Lanche no A2.
Lanche no A2.

O Eduardo admirando a paisagem.
O Eduardo admirando a paisagem.

O jantar...
O jantar…

Livro: As Montanhas do Marumbi

Para aqueles que gostam de montanhas e principalmente para aqueles que conhecem as montanhas do Paraná, segue a dica de um livro que fala sobre o tema. O livro As Montanhas do Marumbi é muito bem escrito e possui belas fotos. Tenho o livro há pouco mais de três anos e através dele aprendi muitas coisas sobre um dos locais que mais gosto no Brasil.

Aos cinco anos de idade vi pela primeira vez as montanhas da Serra do Mar paranaense, ao descer de caminhão com meu pai pela BR-277, para descarregar uma carga de soja no porto de Paranaguá. Fiquei encantando ao ver as altas montanhas cobertas pela mata e fiquei me perguntando como seria estar no alto de uma montanha daquelas. Levei vinte e três anos para saber a resposta! Em novembro de 1998 cheguei pela primeira vez ao cume do Olimpo, no Marumbi. Na descida sofri uma queda e me ralei todo, tendo que ser socorrido pela enfermeira do trem, na volta à Curitiba. Mas isso não me assustou e acabei voltando muitas outras vezes a região e subindo outras vezes ao cume do Olimpo, bem como outras montanhas menores. Na região do Marumbi passei muitos momentos bons, tanto sozinho, quanto na companhia de amigos e de amores. Namorar dentro de uma barraquinha montada no camping do Marumbi, numa noite fria de inverno e ouvindo o apito do trem é uma experiência surreal e inesquecível.

As Montanhas do Marumbi, de Nelson Luiz Penteado Alves, o Farofa, é um dos livros mais importantes do Paraná lançados neste ano (2008). E pode figurar, com certeza, entre os melhores, mais ricos e bem fundamentados livros sobre o montanhismo de todo o planeta.

É uma obra exemplar, porque representa, diante da extensão da pesquisa histórica, da preciosa documentação fotográfica e do cuidado técnico-científico, o esforço, o ideal e o amor de várias gerações pela prática deste esporte. Foi nestas célebres montanhas paranaenses, com a primeira conquista liderada por um farmacêutico nascido na baía de Antonina, Joaquim Olympio “Carmeliano” de Miranda, em 21 de agosto de 1879, que nasceu o montanhismo brasileiro.

O livro é igualmente importante por revelar muitas qualidades da natureza humana, hoje cada vez mais escassas e difusas. Que podem se traduzir de muitas maneiras, mas, do modo marumbinista, pelo desafio da conquista, o prazer juvenil da aventura, o estímulo do espírito de irmandade e pelo respeito voluntário à natureza.

Não é por nada que Farofa levou 40 anos para escrever e publicar este livro. Na acepção da palavra, ele disseca as montanhas do Marumbi e sua história. Tudo com o entusiasmo do montanhista iniciante, o fôlego de um maratonista e a preocupação do professor catedrático. Sem deixar de ser espontâneo e didático e mediar os 12 capítulos com histórias alegres e as minúcias de um ourivesador.

Compartilha as conquistas, na escrita, com seus companheiros de jornadas e outros amantes do Marumbi e da exuberante natureza da Serra do Mar. Este olhar especializado, abordando áreas como geologia, clima, rios, orquídeas, samambaias, bromélias, mamíferos, aves, anfíbios e répteis, amplificam o livro, mostrando toda a riqueza deste fantástico microcosmo natural, hoje felizmente preservado como Parque Estadual Pico do Marumbi (1990), numa área de 2,3 mil hectares.

Figuras humanas de todo o tipo e de todas as classes sociais subiram o Marumbi. Mas, no momento de percorrer as trilhas, escalar os monumentais paredões de pedra, transpor a bruma e enfrentar o perigo e as intempéries, Farofa mostra que as diferenças tão complexas e peculiares de cada indivíduo tornam-se secundárias. Na busca dos desafios, dos mistérios da montanha e do desfrute da natureza, prevalece um objetivo muito acima das idiossincrasias humanas. Esta é uma grande lição deste livro.

Além do pioneiro “Carmeliano”, Farofa revela muitos personagens marcantes dessa história. Como Rudolfo Augusto Stamm (1910-1959), eletricista de profissão, natural de Joinville (SC), que viveu toda a sua vida num quarto da Pensão Otto, em Curitiba. Desde que pisou pela primeira vez na Serra do Mar, em 1935, este célebre montanhista parece que viveu só pelo Marumbi. Em 1950, completou a sua centésima escalada ao Olimpo, o pico mais alto.

As suas extraordinárias contribuições como desbravador e os registros precisos e abrangentes que deixou mostram que o gosto pelo desafio e o prazer de estar junto à natureza também revelam grandes homens.

Outro deles é Henrique Paulo Schmidlin, o Vitamina, que continua liderando empreitadas aos cumes da Serra do Mar, em dias de sol ou chuva, e emprestando o seu carisma e experiência para as causas marumbinista e da natureza.

Organizador dedicado de caminhadas na floresta e de escaladas na montanha, incentivador nato das boas companhias e cantorias, Vitamina, com sua energia e crença fervorosa nesse estilo de vida, é um exemplo emocionante da tão necessária preocupação com a ligação social e cultural entre as gerações do passado e do presente, pensando no futuro.

O trem! Seriam muito diferentes as montanhas do Marumbi sem esta incrível linha férrea, que desafiou a Serra do Mar. Obra de arte da engenharia da era do vapor, ponto privilegiado de visão e instigador de sonhos românticos e juvenis, o trem cativou milhares de adeptos para este esporte e lazer, ao apresentá-los às montanhas, na Estação do Marumbi, por muitos e muitos anos, nas alegres manhãs ensolaradas dos sábados.

Farofa consegue transmitir justamente este estado de espírito em seu trabalho, que até pode parecer um pouco nostálgico, mas é essencial para a alma humana, em todos os tempos. Suas fotos preciosas e mesmo o sintético registro histórico sobre o trem não deixam de ser eloqüentes. Quem sabe, sem a maria-fumaça, Alfredo Andersen (1860-1935) e outros pintores paranaenses com o gabarito de Theodoro de Bona (1904-1990) não tivessem eternizado as paisagens e as montanhas nos seus óleos sobre tela.

Neste aspecto, cabe uma menção muito especial ao lendário Erwin Gröger, o Professor, próximo de completar 100 anos de idade, que Farofa também dá o merecido destaque no livro. Marumbinista também pioneiro, o Professor tem se dedicado a pintar as cálidas montanhas do litoral paranaense há décadas, tanto em óleos como em aquarelas.

Apaixonado orquidófilo, é um mestre que registra principalmente em aquarelas estas belas e exóticas plantas. Erwin Gröger é uma dessas figuras raras que, pelo seu elevado espírito humano e simplicidade, é merecedor de grande admiração.

O paranaense Waldemar Niclevicz, o maior montanhista brasileiro, primeiro a levar a bandeira do Brasil aos sete cumes do mundo, é seguidor desta geração. Conquistou o Everest porque aprendeu com os mais antigos escaladores da Serra do Mar a sempre persistir.

Henrique Paulo Schmidlin, o Vitamina, aos 78 anos, diz: “o mais importante de tudo é que o Marumbi o ensinou a nunca desistir. Tanto na luta pela natureza como (e muito mais) pelas causas da justiça e da dignidade do ser humano”.

Nelson Luiz Penteado Alves deixou registrado, para todos nós, este e outros testemunhos históricos de muito valor.

Eduardo Sganzerla (Gazeta do Povo – 26/10/2008)

Livro: AS Montanhas do Marumbi
Livro: As Montanhas do Marumbi

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Mapa

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Marumbi

Parque Estadual do Marumbi

Todos nós temos nossos locais preferidos, seja um restaurante, um bar, um cinema, uma praça. No meu caso, um dos lugares que mais gosto no  mundo (e olha que conheci muitos lugares!!) é o Parque Estadual do Marumbi, uma cadeia de montanhas na Serra do Mar paranaense. A primeira vez que passei por esse lugar foi em 1989, de trem. E a primeira vez que coloquei os pés na região do Marumbi foi em 1995. A partir daí voltei várias vezes ao lugar e subi algumas vezes até o topo do Olimpo, que é um dos picos do conjunto Marumbi.

Acampei muitas vezes no camping próximo a Estação Marumbi, e passei ali a virada de ano de 1999 para 2000. Era a virada do milênio, todo mundo querendo festar e eu preferi me isolar e passei o réveillon sozinho no Marumbi, com muita chuva e frio. Foi um réveillon inesquecível em vários aspectos!

E além de meus momentos solitários no Marumbi, também tive momentos acompanhados por lá. Levei meu irmão e alguns amigos até o alto da montanha, com direito a muitas risadas e também alguns sustos. O Luis Cesar que o diga, pois ele quase morreu por lá!! E também levei alguns amores, com os quais passei momentos agradáveis e inesquecíveis tendo como testemunha o Marumbi. Mas sobre isso é melhor não contar aqui, pois esses amores hoje em dia estão casadas e são mães…

Atualmente vivendo no interior do Paraná, distante da Serra do Mar e das montanhas que tanto gosto, sinto falta de passar alguns momentos naquele lugar paradisíaco. Mas tenho certeza de que voltarei muitas vezes lá, pois quando gostamos de algo ou de alguém, sempre achamos um jeito de ficar perto do que gostamos.

Marumbi.

Estação Marumbi.

Sede do Parque Estadual do Marumbi.

Vander, tendo ao fundo o Marumbi.

IAP e ao fundo o Marumbi.

Estação Marumbi, vista do alto do Rochedinho.

Subindo o Rochedinho.

Mapa do Conjunto Marumbi.

Subindo o Olimpo.

Descansando na subida do Olimpo.

Camping do Marumbi.

Camping.

Fazendo almoço no camping.

Estação Marumbi.

Litorina chegando na Estação Marumbi.

Reveillon no Marumbi, 01/01/2000.

No alto do Olimpo, em 07/01/2001.

Casa do Ipiranga

A Casa do Ipiranga foi construída na época da abertura da estrada de ferro Paranaguá/Curitiba. Era residência do Engenheiro Fiscal do Trafego e também posto de telégrafo. O local onde ela foi construída, próximo ao Rio Ipiranga, no cruzamento com o Caminho do Itupava, tinha sido utilizado no inicio das obras da estrada de ferro, como acampamento de operários. Anos depois ela foi utilizada como clube de lazer pelos engenheiros da rede ferroviária, até a privatização da estrada de ferro em 1997. Antes da privatização a Casa do Ipiranga era preservada pela RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima. Após 1997, quem ficou responsável pela Casa do Ipiranga foi a FSA – Ferrovia Sul Atlântico, posteriormente tendo seu nome mudado para ALL – America Latina Logística. Após essa mudança de controle, infelizmente a Casa do Ipiranga foi sendo abandonada e aos poucos foi destruída por vândalos. Dessa forma uma construção de rara beleza e de importância histórica para o Paraná, acabou sendo destruída. Diferente da RFFSA, que além do lucro visava também á preservação do patrimônio da ferrovia, a ALL parece visar tão somente o lucro. Exemplo disso é que além da Casa do Ipiranga, várias outras casas de menor importância e beleza, que eram utilizadas por trabalhadores da rede ferroviária, estão abandonas ao longo da estrada de ferro, sendo depredadas e consumidas pelo mato.

Na Casa do Ipiranga viveu durante algumas temporadas um dos maiores pintores paranaenses, Alfredo Andersen, que era norueguês, mas passou a maior parte de sua vida no Paraná. Nessas breves temporadas Andersen registrou as lindas paisagens da Serra do Mar em suas telas a óleo.

A Casa do Ipiranga foi construída em alvenaria de tijolos sobre uma base de pedras. Ela possuía sala de estar com lareira, cozinha, sala de jantar e banheiro no térreo. No pavimento superior tinha três dormitórios e outro banheiro. Já no porão ficavam armazenadas ferramentas e outros materiais. Nos fundos foi posteriormente construído um apêndice, onde ficava uma sala de jogos toda envidraçada. Também nos fundos existia uma grande piscina com fundo em declive, alimentada de água corrente. Próximo a casa ainda existia uma pequena estufa construída com trilhos e a residência do caseiro.

Acho interessante contar que no inicio a estrada de ferro se chamava Paranaguá/Curitiba, pois a cidade de Paranaguá era mais antiga e importante comercialmente em razão do seu porto. Anos depois Curitiba acabou crescendo e ficando mais importante, então a estrada de ferro passou a ser conhecida como Curitiba/Paranaguá.

A Casa do Ipiranga quando ainda estava inteira. (fonte da foto: http://itupava.altamontanha.com/ipiranga.asp)
A Casa do Ipiranga quando ainda estava inteira. (fonte da foto: http://itupava.altamontanha.com/ipiranga.asp)

A Casa do Ipiranga em 11/04/2009.
A Casa do Ipiranga em 11/04/2009.

Lareira, piscina, fundos e laterais da Cada do Ipiranga nos dias atuais.
Lareira, piscina, fundos e laterais da Casa do Ipiranga nos dias atuais.

Pintura de Alfredo Andersen.
Pintura de Alfredo Andersen.

Caminho do Itupava

No sábado pela manhã, eu e Hiroo, meu vizinho, fomos fazer o Caminho do Itupava. Esse caminho foi aberto entre os anos de 1625 e 1650. Por quase três séculos foi o único caminho entre o litoral paranaense e a região de Curitiba. Algumas fontes contam que ele foi aberto pelos portugueses, outras dizem que foi por caçadores indígenas. Boa parte do caminho é calçado com pedras e alguns registros dizem que esse calçamento foi feito pelos Jesuítas, outros dizem que foi por escravos. A caminhada se inicia a 1.000 metros de altitude, sendo que o final está praticamente ao nível do mar. Nos últimos anos o caminho passou por algumas modificações, como a colocação de pontes por sobre os rios que cortam o caminho, mas a maior parte permanece da mesma forma como na época em que os primeiros viajantes a subir a Serra do Mar trafegavam por ali. Já percorri o caminho uma vez em 2002, mas seguindo um pouco pela estrada de ferro e atravessando a Represa da Copel que existe logo no inicio da Serra. Dessa vez seguimos pelo caminho original, sem atalhos.

Fomos de carona com o pai do Hiroo, até o ponto inicial do caminho, na cidade de Borda do Campo. Após preencher um cadastro obrigatório do Posto do IAP, iniciamos a caminhada ás 08h00min. O clima estava bom para caminhar, fazia sol e um friozinho simpático. Nossa meta era percorrer os 16,3 km do Caminho do Itupava e depois seguir mais 3,7 km até a Estação de trem do Marumbi, para pegar o trem de passageiros que segue para Curitiba quase no final da tarde. Caso ocorresse algum imprevisto e perdêssemos o trem, nossa meta seria andar mais 8 km até Morretes e voltar de ônibus para Curitiba.

No inicio da caminhada imprimimos um ritmo forte, que serviu para esquentar o corpo. Eu estava caindo de sono, pois tinha saído na noite anterior e dormido menos uma hora e meia. Ou seja, era algo insensato fazer uma caminhada tão longa após uma noite mal dormida. Mas resolvi arriscar, confiando em minha raça e força de vontade. Meu único receio continuava sendo o tendão do pé direito, que não está cem por cento.

O trecho inicial do caminho passa por uma pedreira abandonada e por algumas trilhas de terra em meio á mata. Alguns trechos de subida não muito forte se alternavam com descidas. Somente após uma hora de caminhada é que passamos a caminhar pelo trecho de pedras original do Caminho do Itupava. Daí o cuidado tinha que ser redobrado, pois estava tudo úmido e escorregadio. Ao chegar no primeiro rio, atravessamos pela ponte que foi colocada no local. Da outra vez que passei por ali, tinha atravessado o rio com água no meio da coxa. Era mais emocionante atravessar pelo rio, mais como a água estava gelada, resolvi deixar a emoção de lado e atravessar pela ponte. Nossa primeira parada foi na Casa Ipiranga (em outro post conto a história desse local). Tiramos algumas fotos, demos uma olhada pelo lugar, ou melhor, pelo que sobrou do lugar, e subimos alguns metros pelo trilho do trem até onde existe uma pequena cachoeira e uma roda d’agua. Tinha uma porção de gente acampada ali e ficamos um tempo descansando e conversando com dois caras que estavam totalmente bêbados e drogados. Os caras eram repetitivos e não falavam coisa com coisa. Verificando o relógio, o mapa de quilometragem e horário da trilha, descobrimos que estávamos pouco mais de uma hora abaixo do tempo estipulado no mapa. Ou seja, podíamos até diminuir nosso ritmo, que teríamos tempo de sobra para cumprir nossa meta, que era pegar o trem na Estação Marumbi.

Resolvemos partir e alguns metros abaixo seguindo pelo trilho do trem, reencontramos o Caminho do Itupava. Esse trecho se mostrou difícil, com muita subida e alguns lamaçais que mais pareciam areia movediça. Tivemos que tomar muito cuidado para não escorregar e nem ficar atolados ao passar pelos lamaçais. Começamos a encontrar vários grupos de pessoas, que aproveitando o feriadão e o tempo bom, também se aventuravam por ali. Em alguns trechos tínhamos que diminuir o ritmo e andar atrás destas pessoas. Mas logo passávamos por elas e continuávamos em nosso ritmo. E assim seguimos por toda a manhã, subindo morro, descendo morro, cuidando pra não cair. O Hiroo caiu sentado duas vezes, eu passei ileso. Foram apenas alguns escorregões sem queda e alguns furos de espinho na mão. Teve um momento em que tive que escolher entre cair ou segurar numa árvore cheia de espinhos. Escolhi os espinhos.

Atravessamos alguns riachos e rios não muito grandes, quase sempre pulando de uma pedra a outra. Todos eram de água cristalina e serviam para matarmos nossa sede. Logo começamos a ouvir o barulho dos trens e sabíamos que nossa meta para descanso e almoço estava próxima. O pior trecho acabou sendo a descida do morro que leva até o Santuário de Nossa Senhora do Cadeado (em outro post conto sobre esse local). É uma descida muito inclinada e por sorte, na parte final foram colocados abençoados corrimões. No Santuário aproveitamos para descansar e lanchar. Parece que os demais grupos também tiveram a mesma ideia. A vista dali é muito bonita, em frente da para ver boa parte da estrada de ferro e muitos morros.

Após o “almoço” e o descanso, retornamos ao caminho, dessa vez morro abaixo. Esse trecho final é complicado, pois a descida é íngreme e as pedras escorregadias. Mas correu tudo bem e após quase uma hora de caminhada chegamos na parte plana, e atravessamos por pontes dois rios e alguns riachos por pinguelas. E finalmente chegamos ao fim do caminho. O caminho original seguia até Paranaguá, mas ele não existe mais, sobre seu trajeto original foram construídos estradas e até uma BR.

Tínhamos tempo de sobra até pegar o trem, então subimos tranquilamente morro acima em direção ao Marumbi. Paramos na Estação Engenheiro Langue, que está abandonada, mas foi reformada faz alguns anos. Ali existe um vitral muito bonito, mas que está com vários pedaços quebrados. O que dá pena mesmo são das casas abandonadas. No passado elas eram utilizadas pelo trabalhadores da Rede Ferroviária Federal. Bem que a ALL (America Latina Logística) que tem a concessão da Rede Ferroviária naquele lugar, poderia reformar estas casas e utilizá-las como pousada ou algo parecido. Após um breve descanso e algumas fotos, seguimos pela trilha de 850 metros que leva até a Estação Marumbi. Essa trilha corta caminho e passa pelo trilho do trem. O trilho faz algumas voltas até chegar a Estação. No caminho paramos para ver um trem de carga descendo a serra carregado. É algo bonito e barulhento de se ver. Mais alguns minutos de caminhada e finalmente chegamos na Estação Marumbi. Foram 07h10min de percurso, sendo 06h10min de efetiva caminhada e 01h00min de descanso. A estação estava cheia de gente e ficamos descansando até a chegada o trem, que atrasou um pouco.

Ás 16h10min, embarcamos no trem e fomos observando a maravilhosa vista da serra do mar. Alguns lugares por onde passamos são de dar medo, mas a beleza da paisagem compensa qualquer coisa. Chegamos em Curitiba no inicio da noite, cansados, doloridos, mas felizes e realizados por termos cumprido com exito o desafio proposto. Agora é descansar e planejar a próxima aventura.

Caminho do Itupava e Casa Ipiranga.
Caminho do Itupava e Casa Ipiranga.

Água cristalinas.
Águas cristalinas.

Santuário de Nossa Senhora do Cadeado.
Santuário de Nossa Senhora do Cadeado.

Trilho, tunel e trem...
Túnel,  trem e trilho…

Trechos do Caminho do Itupava.
Trechos do Caminho do Itupava.

Sobre os trilhos.
Sobre os trilhos.

Estação Engenheiro Langue.
Estação Engenheiro Langue.

Estação Engenheiro Langue e Eatação Marumbi.
Estação Engenheiro Langue e Estação Marumbi.

De trem rumo a Curitiba.
De trem rumo á Curitiba.