Caminho da Fé (13º dia)

“Pior que não terminar uma viagem é nunca partir.” 

(Amyr Klink) 

Acordei às 6h00mim e vi que ainda chovia e continuava frio. Sabendo que os setenta quilômetros que faltavam até Aparecida seria todo em asfalto, com muitas retas e descidas, resolvi voltar a dormir, pois não teria grande dificuldade para percorrer esse trecho final. Acordei novamente as 9h00min. Ainda chovia e o frio diminuiu um pouco. Arrumei minhas coisas, tomei um rápido café e me despedi da Bianca, agradecendo o bom atendimento. Os três peregrinos tinham saído bem cedo, seguiriam pelo caminho de terra, então não nos veríamos mais. Ao sair à rua, com chuva e frio, respirei fundo e lembrei da cama quentinha que tinha deixado há pouco. Cheguei até cogitar a possibilidade de ficar aquele dia na cidade, descansar, passear e fazer umas comprinhas. Mas logo mudei de idéia, pois até então não tinha parado nenhum dia e não queria fazer isso justamente no último dia. Sem contar que a ansiedade por chegar em Aparecida era enorme. Então melhor pegar a estrada e acabar logo.

Atravessei parte da cidade pedalando por uma ciclovia. Depois segui por uma rua até chegar ao famoso e belo portal da cidade. Após passar o portal, parei para tirar uma foto, da mesma posição de onde tirará uma foto meses antes. Alguns funcionários da Coca-Cola, que estavam do outro lado da estrada, gritaram para mim desejando boa sorte. Agradeci e segui em frente. O início da pedalada foi em subida, mas logo cheguei na parte de descida e comecei a descer a serra de Campos do Jordão. Segui pelo acostamento, pela mão correta. Eu não precisava pedalar, era só deixar a bike seguir no embalo. A estrada era bastante movimentada e perigosa. Meu maior problema era quando passava algum caminhão e jogava água em mim. Segui descendo a serra, com todo cuidado. No meio do caminho fiz uma parada num mirante ao lado da estrada. Descansei um pouco, bebi água e ia comer uma banana que tinha pegado na pousada antes de sair. Então surgiram dois cachorros, com cara de famintos. Fiquei com dó e dei minha banana a eles, que comeram e ficaram com cara de quero mais. Voltei à estrada e tive que atravessar um viaduto. Segui ao lado da mureta, que era baixa e qualquer descuido eu podia cair no precipício. Quando passava algum caminhão, dava o maior medo. Foi assustador passar por esse viaduto. Segui serra abaixo e a chuva não dava folga. Passei por um túnel e pouco depois cheguei ao final da serra. A chuva finalmente parou e o frio também.

Parei num trevo para tirar fotos e descansar um pouco. Daí voltei a pedalar e segui vários quilômetros por uma estrada reta e com curvas e descidas suaves. Após uma hora de pedal, cheguei a Pindamonhangaba e atravessei a periferia da cidade. Parei em uma padaria lanchar e voltei para a estrada. Era o trecho final, então o cansaço tinha ido embora e a ansiedade dominava. Percorri vários quilômetros por uma larga ciclovia que passa ao lado da estrada. Esse trecho é muito habitado e famoso pelos assaltos a peregrinos. Então evitei fazer paradas e não tirei fotos. Em trechos assim é melhor não mostrar objetos de valor. Segui numa velocidade constante, percorrendo grandes retas. Chegava a ser monótono passar por esse trecho. Quando a ciclovia acabou, passei a pedalar pela lateral da estrada, tomando cuidado com os carros. Pouco antes das 14h00min cheguei à Aparecida.

Em setembro do ano passado estive rapidamente na cidade de Aparecida, quando seguia viagem para o estado do Rio de Janeiro. Então algumas ruas por onde estava passando eram-me familiares. Fui seguindo as setas do Caminho da Fé e quando vi uma placa num poste informando que faltavam somente dois quilômetros para terminar o Caminho da Fé, o coração bateu mais forte. Mais alguns minutos pedalando e finalmente avistei o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. De meus lábios saíram um “Eu consegui!”. Era o último quilômetro a ser percorrido, e igual ao primeiro quilômetro que percorri, treze dias antes, lágrimas desceram pelos olhos. Não demorou muito e entrei no estacionamento do Santuário. Tinha percorrido setenta quilômetros nesse dia. Meu odômetro indicava que eu tinha percorrido 501 quilômetros pelo Caminho da Fé, um feito e tanto para mim. Parei no estacionamento, em frente ao Santuário e tirei algumas fotos. Então sentei no chão, sob uma fina garoa e ali fiquei durante muitos minutos, curtindo aquela sensação boa de dever cumprido. Fiquei curtindo o momento e lembrei-me de muita coisa que tinha acontecido nos últimos dias. Lembrei dos momentos de dificuldade, do cansaço, das pessoas que me ajudaram, dos amigos que fiz, dos cachorros que correram atrás de mim. Estava envolto por diversos sentimentos que não dá para explicar aqui, pois certas coisas a gente sente, não explica. Essa viagem foi uma grande aventura, um desafio, um exercício de fé, um feito extraordinário para mim. Algo para lembrar pelo resto da vida, e um dia na velhice contar para os netos.

Em Campos do Jordão.
Portal de Campos do Jordão.
Os cachorros famintos que encontrei na estrada.
Viaduto que foi dureza atravessar.
Trevo.
Quase lá…
Em frente ao Santuário de Aparecida.
Treze dias e 501 km percorridos.
Fim de viagem, momento de ralaxar.

8 opiniões sobre “Caminho da Fé (13º dia)

  • 30 de agosto de 2011 em 23:03
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    Muito, bom esse caminho, eu e um amigo vamos fazer o caminho do sol de santana do parnaiba eté águas de são pedro, esse que você fez sai da onde? e vai Aparecida. quantos quilometros por dia se chegou a fazer.

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    • 4 de setembro de 2011 em 12:40
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      Oi Marcos,

      O Caminho da Fé começa em Descalvado – SP e foi por essa cidade que comcei. Me parece que agora tem um novo ramal saindo de São Carlos. Ele termina em Aparecida. Ou seja, ele começa no estado de São Paulo, entra em Minas Gerais e depois volta a São Paulo. São 500 km. A quilometragem que fiz diariamente, sempre dependeu das condições climáticas e da altimetria das regiões por onde passei, que tinha muitas serras. E peguei muita chuva também. Então teve dias onde fiz 22 km e outros onde fiz 70 km. É tudo relativo…

      Boa sorte no Caminho do Sol.

      abraço,
      Vander

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  • 14 de setembro de 2011 em 15:13
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    Primeiramente, meus parabéns !!
    Pretendo ir mês que vêm pra cumprir uma promessa feita.. vi que vc foi seguindo o manual do OLINTO.. ele é essencial pra viagem ? É que vi no site dele e está esgotado..
    Deve ter sido maravilhoso essa viagem né…
    Na escala de 1 a 10.. você daria qto ?
    Se puder, mande um email pra mim… lmuieti@yahoo.com.br
    Abraço
    LEO

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      • 14 de setembro de 2011 em 20:56
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        Leonardo,

        O ultimo trecho talvez seja o mais facil, pois e descida e reta e quase tudo em asfalto. Daria um 3 em dificuldade.

        Vander

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    • 14 de setembro de 2011 em 21:01
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      Leonardo,

      Na minha opiniao o guia do Olinto e quase essencial. Ele ajuda bastante com enderecos de pousadas e outros locais e o principal e que mostra as autimetrias e distancias, facilidando a decisao de fazer determinada quilometragem a cada dia, pois voce sabe o grau de dificuldade que vai encontrar. Lhe garanto que com o guia voce tera mais seguranca e facilidade em sua empreitada.

      A viagem foi inesquecivel, mesmo eu me ferrando um pouco mais que o imaginado em razao de pegar muita chuva e barro durante a viagem. Pretendo refazer o caminho um dia

      Abraco,

      Vander

      PS: teclado utilizado configurado sem ter assentos

      Resposta
  • 19 de outubro de 2011 em 09:51
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    Vander, amei os detalhes da viagem.. Gostei muito mesmo.
    Vou fazer o caminho no fim do ano. Nunca fiz nenhuma viagem assim antes e estou com certa dificuldade em encontrar os equipamentos certos. Você levou quantas trocas de roupa? e alforges de quantos litros?
    Parabéns!
    Sara

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    • 29 de outubro de 2011 em 01:48
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      Oi Sara,

      Desculpe a demora na resposta, mas é que estou em viagem ao exterior e sobra pouco tempo para internet.

      Não sei se leu todo o relato que fiz sobre minha viagem ao Caminho da Fé. Foram treze dias de viagem e todos os treze estão com um relato próprio, onde conto muitos detalhes e dou algumas dicas.

      Sobre suas perguntas, não se dizer quantos litros tem meu alforge. Digamos que ele é do tamanho mediano. O único problema que tive com ele foi por não ser impermeável, e como peguei muitos dias com muita chuva, mesmo usando capa no alforje, sempre entrava água por algum lugar, principalmente pela parte interna, próxima a roda. E sobre mudas de roupa, não levei muita coisa. Levei duas bermudas de ciclismo, uma bermuda de nylon para andar a noite pelas cidades, cinco camisetas, três pares de meias e três cuecas. As camisetas, meias e cuecas eu ia lavando de vez em quando e deixava secando a noite. Como você fará o caminho no verão, não precisa de muita roupa e nem de blusas pesadas, o que faz peso. A única coisa que senti falta foi de ter levado mais um par de tênis, pois a noite eu tinha que sair a rua de chinelo de dedo, pois o único tênis que levei sempre estava molhada e sujo de barro.

      Caso tenha mais alguma pergunta especifica, pode escrever para vanderdissenha@yahoo.com.br que tento lhe esclarecer eventuais duvidas.

      Pretendo fazer a Estrada Real em novembro, e mais uma vez vou sozinho.

      Fazer o Caminho da Fé foi uma experiência gratificante e inesquecível e pretendo fazer outra vez um dia. Pena que peguei muita chuva, o que atrasou minha viagem. E mesmo quando fez sol foi complicado passar pelo barro, onde em alguns locais não dava para empurrar a bike, tinha que levantar e carregar. Mas cada desafio que surgia era mais uma oportunidade de me fortalecer e seguir em frente. Em nenhum momento pensei em desistir ou perguntei o que estava fazendo ali. No final, quando cheguei em Aparecida a sensação de ter chegado ao fim não é possível descrever. Só fazendo e chegando ao fim para sentir e entender.

      Boa sorte,

      Abraço

      Vander

      Resposta

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