Caminho da Fé (1º dia)

“Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir.”

(Amyr Klink) 

Fiquei dois dias em São Paulo resolvendo assuntos referentes ao visto canadense que solicitei. Passei a noite em um hotel no centro velho da cidade e ás 06h45min de uma sexta-feira nublada levantei bem disposto, arrumei minhas coisas, paguei a conta do hotel e fui pegar o Metrô na Estação República. Foi meio complicado carregar a mala bike e o alforje com minhas coisas. Tinha pesado tudo quando embarquei em um vôo da Gol em Maringá, dois dias antes e sabia que o peso total da bike e do equipamento era de 26 quilos. Ao entrar na estação do Metrô fiquei em dúvida se me deixariam embarcar com a mala bike, que é enorme e pesada. Fiz uma cara de coitadinho e segui em direção a catraca de entrada. Tinha dois seguranças e dois fiscais bem próximos da catraca. Evitei olhar para eles, imaginando que se não olhasse eles não me notariam. Inseri o tíquete de passagem, chutei o alforje por baixo da catraca e ao erguer a mala bike por cima da catraca, não agüentei o peso e bati com ela no visor de acrílico da catraca, fazendo o maior barulho e quase quebrando o mesmo. Achei que levaria uma bronca, mas ninguém falou nada, apenas me olharam com cara feia. Respirei fundo e segui em frente. Embarquei num vagão que felizmente não estava muito cheio e segui rumo á Rodoviária do Tietê.

Chegando a Rodoviária do Tietê fui até o guichê da Viação Danúbio Azul e retirei minha passagem, para a cidade de Descalvado. Depois fiquei por quase três horas esperando o horário de embarque. Optei por chegar mais cedo a rodoviária, para evitar o horário de maior movimento de pessoas no Metrô. Era final de semana de carnaval e o local estava cheio de pessoas embarcando para vários cantos do Brasil. Ás 10h00min embarquei no ônibus da Danúbio Azul. O pessoal foi bastante atencioso e não tive nenhum problema com o embarque da bike, já que a mesma estava devidamente desmontada e acondicionada numa mala apropriada. Mal saímos da rodoviária e começou a chover. Mal sabia eu que essa chuva só iria parar seis dias depois. Logo peguei no sono e fui acordar duas horas depois na rodoviária da cidade de Pirassununga, onde o ônibus fez uma rápida parada. Desci fazer um lanche e logo voltei para o ônibus. A chuva continuava e dormi mais um pouco. Acordei e fiquei pensando na vida, olhando a paisagem pela janela. O ônibus fez paradas em algumas cidades, onde desceram e subiram pessoas. Finalmente ás 14h30min chegamos a Descalvado. Desembarquei, peguei minhas coisas, me informei sobre onde encontrar uma bicicletaria e saí caminhando pela cidade, sob chuva.

Na bicicletaria desembalei minha bike e conferi para ver se estava tudo em ordem. Descobri que tinha apenas uma raio quebrado. Para chegar até ali minha bike tinha viajado cerca de mil quilômetros. Ela andou de carro, avião, taxi, metrô e ônibus. Levou muitas pancadas e chacoalhou bastante. Diante disso tudo, ter apenas um raio quebrado era lucro. Quando falei ao Mauricio, o rapaz que ia montar a bike, que eu faria o Caminho da Fé, ele e um cliente que estava na bicicletaria me deram dicas sobre o caminho. Depois da bike montada coloquei o alforje com minhas coisas, a bolsa de guidão e troquei de roupa. Dei uma olhada no guia sobre o Caminho da Fé que tinha levado e pouco depois das 15h00min subi na bicicleta e dei as primeiras pedaladas até a catedral da cidade. Ao lado da catedral entrei em um hotel e fiz minha credencial do Caminho da Fé. Pelas cidades onde passaria pelo caminho deveria colher carimbos que comprovariam que realizei o Caminho da Fé. E ao chegar a Aparecida entregaria a credencial na secretária da Basílica de Aparecida e receberia um certificado de peregrinação pelo Caminho da Fé. Chovia bastante e o bom senso mandava passar a noite em Descalvado e iniciar a viagem na manhã seguinte. Mas bom senso nunca foi uma de minhas características mais marcantes. Para mim era importante iniciar logo o Caminho da Fé. Bem sei que o mais difícil é dar o primeiro passo, no caso a primeira pedalada, então estava ansioso para iniciar logo minha viagem de bike. Esperei mais de um ano para chegar a Descalvado e iniciar o Caminho da Fé, então não queria esperar mais um dia.

Descalvado é o inicio do ramal oeste do Caminho da Fé e dali até Aparecida (que não é e nunca foi Aparecida do Norte) seriam quase 500 quilômetros. O primeiro trecho do caminho, que vai de Descalvado até a cidade de Porto Ferreira é de 20 quilômetros. Em vez de fazer esse trecho pela rota original do Caminho da Fé que é quase toda em estrada de terra, resolvi seguir o conselho do pessoal da bicicletaria e seguir pelo asfalto. Chovia muito, faltava somente duas horas para escurecer, portanto a melhor opção era ir pela estrada asfaltada. Não era a opção mais segura, mas sim a mais rápida. Informei-me sobre como sair da cidade e finalmente parti. Num trevo logo na saída da cidade vi que o hodômetro da bike marcava um quilômetro percorrido, o primeiro quilômetro da viagem. Daí comecei a chorar… de alegria. Numa viagem, mais difícil do que chegar ao final é iniciar a viagem, percorrer o primeiro quilômetro. A chuva e o vento estavam de frente, o que dificulta muito pedalar. Outra dificuldade que enfrentei foi meu óculos molhado e embaçado, que me fazia seguir quase às cegas. Em alguns momentos achei melhor seguir sem óculos. A chuva aumentou mais e logo descobri que a capa de chuva não protegia muito. O pneu da frente jogava água por baixo da capa e logo fiquei encharcado. Segui sempre pelo acostamento, na contramão. Acho mais seguro ver os carros vindo próximos a mim de frente do que pelas costas.

Felizmente as subidas da estrada não eram muito pesadas e consegui passar por todas pedalando, sem precisar descer da bike e empurrá-la. Na metade do caminho tinha um pedágio e fiquei na dúvida sobre como passar por ele. Acabei encontrando uma passagem entre alguns cones e segui em frente. Ao sair do pedágio tive o único momento de real perigo desse primeiro trecho de viagem. Um motoqueiro invadiu uma área que era proibida para ele trafegar e quase me atingiu. Ainda bem que pedalo sempre na defensiva e quando vi o motoqueiro imprudente fui rapidinho para fora do acostamento, indo parar em um gramado. Após 1h40min de pedal ininterrupto cheguei à cidade de Porto Ferreira. Pedi informação de como chegar ao centro da cidade e minutos depois estava em frente à catedral da cidade, onde tirei algumas fotos e utilizando o guia encontrei um hotel bom e barato para passar a noite.

No hotel me cederam um depósito para guardar a bike. Retirei o alforje e fui para o quarto. Ao retirar minhas coisas do alforje, descobri que mesmo com a capa para chuva o alforje molhou por dentro. A parte interna do alforje fica próxima as rodas e não é protegida e nem impermeável. Felizmente tinha acondicionado minhas coisas em sacos plásticos e nada se molhou. Tomei um delicioso banho quente e fui me deitar, pois sentia fortes dores nas pernas. Por culpa de uma inflamação no tendão do pé direito, nos últimos doze dias anteriores a viagem não pratiquei nenhuma atividade física. Logo não estava cem por cento preparado fisicamente e senti bastante os 20 quilômetros que tinha pedalado sob chuva, com os músculos gelados de frio. Descansei um pouco e saí dar uma caminhada pelo centro da cidade. Tinha levado somente um par de tênis, que ficará encharcado após pedalar na chuva. O jeito foi sair de chinelo, mesmo estando frio e chovendo. Fui até a catedral que estava aberta e orei um pouco. Em seguida parei numa lanchonete e fiz um lanche. Voltei ao hotel e cansado como estava, com o barulho da chuva e fazendo frio, logo peguei no sono. Nem dei atenção ao carnaval de rua, ao desfile que estava acontecendo próximo ao hotel. Detesto carnaval e minha preocupação era outra. Sei que dormi feliz, tinha iniciado minha tão sonhada e esperada primeira longa viagem de bike.

Em São Paulo, embarcando no ônibus da Danubio Azul.
Iniciando a viagem de bike ao lado da catedral de Descalvado – SP.
Catedral de Porto Ferreira – SP.

2 opiniões sobre “Caminho da Fé (1º dia)

  • 24 de março de 2011 em 15:51
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    “Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor.”
    Goethe

    Seu irmão tem razão quando estamos no caminho certo o universo conspira à nosso favor e as coisas acontecem!
    Desejo que você realize todos os sonhos e que se permita novos sonhos!Beijo

    Resposta
    • 29 de março de 2011 em 14:09
      Permalink

      Lilian,

      Obrigado por suas palavras.

      Beijo,

      Vander

      Resposta

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