1ª Peregrinação da Rota Simbólica e Autônoma do Caminho de Peabiru (Parte II)

Acordamos ás 06h30min. Fazia um pouco de frio e não foi fácil sair da barraca e levantar acampamento para seguir a caminhada. Se no dia anterior tínhamos feito praticamente metade do caminho num dia, dessa vez teríamos que fazer a outra metade em apenas meio dia de caminhada. Meus pés estavam um bagaço, cheio de bolhas e fiquei com receio de não conseguir terminar a caminhada. Resolvi deixar o tênis de caminhada de lado e caminhar nesse dia com um tênis de nylon. A Andrea estava toda ardida e suas pernas muito queimadas. Mesmo assim estava animada e decidiu usar uma calça para não aumentar as queimaduras. Segundo ela, ia caminhar até onde ela ou seu tênis aguentassem. Eu, mesmo com os pés cheios de bolhas, estava decidido a ir até o fim.

Tomamos café e enquanto o pessoal fazia alongamento fiquei fazendo curativos nos meus pés. Pouco antes das 8h00min iniciamos a caminhada, sob sol mas com um vento frio que prometia ser quente conforme o dia fosse passando. Fui caminhando junto com a Andrea e logo nos alcançou o Prof. José Pochapski, atual Vereador e ex-Prefeito de Campo Mourão. Conversamos um pouco e quando contei a ele que era neto da Dona Polônia, a conversa ficou ainda mais animada. Ele e minha avó nasceram na mesma colônia de poloneses, perto da cidade de Prudentópolis – Pr. A manhã foi avançando e seguíamos nossa caminhada por uma paisagem muito bonita. Começamos a descer por uma estrada pavimentada, de asfalto ruim, mas era melhor que caminhar nas pedras soltas. A tal descida não tinha fim e isso era meio assustador, pois sempre após uma longa descida vem uma subida maior ainda. A estrada terminava numa ponte de madeira sobre o Rio da Várzea e após o rio a subida não tinha fim. O sol estava ficando cada vez mais quente e as pernas mais pesadas, mas seguimos firmes em frente, hora conversando com um caminhante, hora com outro. Os carros de apoio sempre passando por nós com água gelada e frutas. Alguns caminhantes que não aguentava mais caminhar iam pegando carona com os carros de apoio. Outros caminhantes pegavam carona nos trechos de subida e caminhavam nos trechos mais fáceis. Na metade da grande subida após o rio, o tênis da Andrea abriu o bico de vez e ela teve que desistir da caminhada e pegou carona num carro de apoio. Eu segui em frente sozinho e aumentei o ritmo. Caminhei sozinho por quase uma hora até que encontrei a Zilma e a Carmen, que tinham acabado de descer do carro de apoio e seguiam mais um trecho caminhando. Conversamos um pouco, paramos tirar fotos e logo chegamos a Comunidade Boa Esperança. Há muitos anos esse lugar se chamava Fazenda Boa Esperança e tive uma namorada no colégio que morava nesse local. Estive ali uma vez numa festa e após 23 anos estava de volta e pude constatar que quase nada mudou. A Carmen desistiu de caminhar e foi pegar carona. Eu e Zilma seguimos caminhando juntos e conversando. Ela é uma grande amiga e companheira de outras caminhadas. Meus pés doíam cada vez mais e tive que mudar a forma de pisar, evitando forçar os dedos dos pés.

A Zilma logo desistiu e pegou carona num carro de apoio. Eu segui sozinho e sentia que minha meta de terminar a peregrinação caminhando sem nunca pegar carona ou desistir, estava cada vez mais próxima. Terminar a peregrinação foi à primeira meta que coloquei ainda no inicio de abril, quando mal podia caminhar em razão da hérnia de disco. Após consulta com um especialista de coluna que não recomendou cirurgia para meu caso, fui fazer tratamento com acupuntura e eletrochoques. A médica que me atendeu disse que eu levaria uns seis meses para ficar bom. Isso se me dedicasse e seguisse a risca o tratamento. Quando ela falou seis meses, mentalmente fiz as contas e vi que faltavam seis meses para a próxima peregrinação pelo Caminho de Peabiru. Então fiz uma promessa para mim mesmo, de que ia me dedicar ao maximo ao tratamento, aguentar as dores e que em outubro ia conseguir caminhar todo o trecho do Caminho de Peabiru. Os meses seguintes a essa promessa foram muito difíceis, senti muita dor, chorei muitas vezes e em muitos momentos pensei que nunca ia ficar curado. Várias vezes pensei em desistir de tudo, mas com o apoio da família, de amigos e principalmente graças a minha fé em Deus, consegui forças para seguir em frente e sofrer todas as dores e chorar todas ás lágrimas que foram necessárias para eu me curar. Enquanto caminhava os últimos quilômetros sob um sol escaldante, fui lembrando de cada momento dos últimos seis meses e de todo o sofrimento que passei. Somente eu e Deus sabemos o que passei e o quanto foi difícil superar, mas consegui e ali estava quase terminando a meta estipulada seis meses antes. Era a primeira meta de muitas que estipulei, visando encontrar forças para não desistir e seguir a risca o tratamento. No trecho final comecei a orar agradecendo a Deus, pois mais uma vez estávamos eu e Ele sozinhos. Ele me dando forças pra não desistir e seguir em frente independente das dores terríveis que sentia nos pés por culpa das várias bolhas. Logo ás lagrimas começaram a rolar e depois de vários meses me senti curado das dores físicas e psicológicas que me atormentaram nos últimos meses. Após muitos meses, pela primeira vez eu me sentia plenamente feliz e via que a vida vale a pena, independente dos momentos ruins e complicados que muitas vezes passamos, e que desistir da vida não é solução. Percebi numa estrada empoeirada, no meio do nada, sob um sol escaldante do meio dia, que a escolha que fiz meses antes, de viver e seguir em frente, foi a escolha correta e que daqui pra frente depois de tudo que passei, sofri, chorei e principalmente aprendi, nada e ninguém vai me segurar, vai me impedir de realizar meus sonhos, por mais tolos que possam parecer para muitos. Nesses últimos meses por muitas vezes Deus se mostrou para mim e me ajudou a superar as dificuldades e seguir em frente. Posso dizer que renasci nos últimos meses, que agora sou uma pessoa melhor, mais completa, ainda cheia de defeitos, mas uma pessoas melhor. E foi entre lágrimas, orações, dores, gratidão e alegria, que após virar uma curva vi o final da caminhada. Foram quase 50 km de caminhada em um dia e meio. Para quem alguns meses antes mal conseguia caminhar três metros da cama até o banheiro, caminhar 50 km era uma das vitórias mais importantes de minha vida. É difícil descrever o que senti naquele momento. Acredito não existir palavras para expressar a alegria que invadiu meu coração naquele instante em que cheguei ao fim da caminhada e cumpri a primeira meta que tracei meses antes, em busca de minha cura física e mental. Foi traçar metas, planejar a realização de tais metas e me dedicar a ficar curado para realizar essas metas, o que me deu forças para sair do mais completo abismo de tristeza, culpa e incerteza e dar a volta por cima, me reencontrar novamente na vida e ser feliz. Essa peregrinação será inesquecível para mim, pois ela foi cheia de significados.

A caminhada terminou na Comunidade do Boi Cotó. Muita gente já estava lá esperando o almoço ou então na bela cachoeira ao lado. Encontrei a Andrea e fomos caminhar por dentro da água do rio. Eu estava arrebentado fisicamente, com os pés cheio de bolhas, com a meia tendo marcas de sangue, mas nenhuma dor poderia tirar de mim a sensação de dever cumprido e a felicidade de ter chegado ao fim. Logo foi servido o almoço, um delicioso “Porco no Tacho”, que dessa vez comi sem medo de ficar empanturrado. Depois do almoço fomos descansar debaixo de umas árvores e no meio da tarde embarcamos no ônibus que nos levaria embora. A viagem de retorno foi tranqüila e silenciosa, pois todos estavam exaustos. Pelo caminho de volta pude ver o quanto era longo e difícil o trecho que tinha caminhado naquela manhã. Paramos no Barreiro das Frutas pegar nossas mochilas e fomos para Peabiru. Descemos do ônibus bem no centro da cidade, na praça da Matriz e foi ali mesmo que aconteceram as despedidas. A Andrea gostou do programa de índio. Fez muitos amigos e além das pernas queimadas pelo sol, do tênis arrebentado, das bolhas nos pés, das picadas de butuca, ela levou para São Paulo um casal de carrapatos. Isso ela ia descobrir alguns dias depois quando os bichinhos começaram a coçar. O irônico disso é que nasci na região, sempre vivi em matos e nunca peguei carrapato algum. Ela era a primeira vez que visitava o interior do Paraná e já foi vitima de carrapatos. Talvez o sangue azul dela seja mais saboroso que meu sangue de plebeu…

PARA AMPLIAR CLIQUE NAS IMAGENS

Descida sem fim.
Estrada sem fim…
Sol escaldante.
Vander, Zilma e Carmen.
Comunidade Boa Esperança.
Siga a seta pra não se perder.
Cachoeira do Boi Cotó.
Hora do almoço.
Prof. Pochapski, Andrea e Vander.
Descanso para pés cansados.
Parte do trecho que caminhámos.

2 opiniões sobre “1ª Peregrinação da Rota Simbólica e Autônoma do Caminho de Peabiru (Parte II)

  • 22 de outubro de 2010 em 11:59
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    Vander

    Eu fui testemunha ocular do seu esforço e persistência para completar toda a caminhada, 50 km!! Parabéns, é para ficar feliz mesmo pois, como vc mesmo disse, essa caminhada teve um significado muito especial para ti, em razão do seu problema de hérnia, que até algumas meses atrás não daria para sonhar em fazer uma caminhada de 1 km.
    Estou lhe acompanhando nesses últimos meses e tenho visto a sua evolução, o meu desejo é que a sua hérnia fique curada para que vc possa fazer tantas outras, caminhadas, corridas e passeios de bike. Mas o meu principal desejo é que tudo o que lhe trouxe dor emocional também sejam sarados e curados, pois tudo tem um porque e uma necessidade em nossas vidas, e Deus sabe de todas as coisas. E se você está feliz eu também fico feliz pois quero o melhor para você!
    Essa caminha teve um gostinho especial para mim Tb, mesmo não completando o percurso, problemas técnicos com meu tênis, mas consegui andar ao menos uns 30 Km, para quem estava totalmente sedentária há uns meses atrás já é alguma coisa. E com direito a queimadura nas pernas, picadas e até carrapato!!
    Amei a experiência!
    Bjao
    Dea

    Resposta
    • 22 de outubro de 2010 em 13:32
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      Oi,

      Realmente essa caminhada foi especial em vários sentidos. Posso dizer que ela marca o antes e o depois de meus problemas de saúde. E fico feliz que tenha gostado do programa de índio (com índio incluso) e você foi bem mais longe do que eu previa. Parabéns!!!

      Beijo,

      Vander

      Resposta

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