HÁ 20 ANOS… (PARTE III)

CCS - 20º BIB - 1989.
CCS - 20º BIB - 1989.

E dando seqüência ás lembranças dos 20 anos que vim para Curitiba, hoje encerrando a série de lembranças, vou falar um pouco sobre o dia da incorporação, que foi em 13/02/1989.

Após uma noite mais ou menos dormida, eis que levanto cedo e vou para o café. O cardápio era pão com margarina e o famoso “KO”, uma mistura de leite e café em pó, de gosto não muito agradável. O nome “KO” deriva de um produto que se utiliza para dar brilho em metais e que tem a mesma cor e consistência do café com leite que era servido para nós. Usei o tal “KO” de polimento durante os dois anos em que fiquei no Exército , para dar brilho na fivela do cinto da farda de passeio, que era dourada e sempre tinha que estar brilhando.

Após o café ficamos em forma em frente ao pavilhão da CCS ouvindo algumas ladainhas e foram definidos os últimos cortes, ou seja, aqueles que por um motivo ou outro seriam dispensados. Depois todos em fila indiana ficamos esperando o momento de sair do quartel e entrar marchando num ritual de incorporação que existe há anos. Lembro que atrás de mim na fila estava o Mário, um cara de Curitiba que dias depois se tornaria meu companheiro de beliche e armário e que se transformaria num dos melhores amigos que já tive na vida, praticamente um irmão.

O 20º BIB era divido em três Cias de fuzileiros, mais Cia de apóio e CCS. Ao todo seriam uns 500 novos recrutas a serem incorporados. Ainda não éramos considerados soldados, éramos recrutas e/ou conscritos. Só viramos soldados dois meses depois, quando recebemos todo o treinamento básico e participamos da “Operação Boina Preta”, onde tivemos talvez a pior semana de nossas vidas, mas isso é outra história.

Em fila indiana e vestido com roupas civis, seguimos até a rua que fica em frente á entrada do quartel. Lembro (e as fotos desse dia ajudam a lembrar) que usava tênis, uma calça Fioruci preta, comprada no Paraguai e uma camiseta branca da Norpeças, empresa onde eu trabalhava. Com a banda tocando musicas militares entramos marchando portão adentro e depois em forma desfilamos para o Comandante e cantamos o Hino Nacional. Após esse ritual estávamos incorporados e não tinha mais volta. Seria no mínimo um ano até podermos dar baixa e sermos civis novamente. Fomos buscar nosso “enxoval”, que consistia de itens de higiene pessoal, mochila e outras coisas mais e também recebemos nossa farda verde oliva. Meu maior suplicio foi conseguir colocar o cadarço no coturno.

Nesse mesmo dia começou nosso período de quarentena, que consistia em quatro semanas de treinamento intenso e variado, dia e noite. O treinamento ia desde ordem unida, até mexer com armamento, passando por uma aula de boas maneiras. Também aprendemos sobre a hierarquia do Exército e a distinguir seus símbolos e divisas, além de dezenas de outras coisas das quais muitas nem lembro mais. Também tivemos que aprender algumas canções e hinos. O mais difícil para mim foi o hino do Batalhão, onde era necessário assoviar uma estrofe inteira. Eu não sabia (ainda hoje não sei) assoviar. Isso me custou ficar de faxina duas vezes, além de certa vez numa inspeção o comandante do Batalhão aleatoriamente me escolher para chegar perto e me ouvir assobiar. Quando ele percebeu que eu estava “dublando” o assovio, ele me perguntou se não sabia assoviar. Diante de minha resposta ele disse que era melhor eu continuar assoprando como se estivesse assoviando e virou as costas.

Histórias como essa e muitas outras, algumas engraçadas, outras tristes e até mesmo trágicas na época, mas que hoje me fazem rir ao lembrar delas, fazem parte dos dois anos que passei no Exército. Foram dois anos difíceis no inicio, mas com o tempo as coisas foram melhorando. Para contar tudo seria necessário escrever um livro. De pouco mais da metade desses dois anos possuo um diário com tudo registrado. O período que não está registrado no papel, está registrado em minha memória.

Curiosamente em minha carteira de reservista consta o período de serviço militar como “dois anos, zero mês e zero dias”, ou seja, dois anos exatos. Nesse tempo chorei, sofri, derramei suor, lagrimas, passei por momentos de desespero, solidão, medo, alegria e muitos outros sentimentos. Mas acima de tudo estes dois anos ajudaram a me moldar como ser humano e influenciaram diretamente no que sou hoje. Uma pessoa de bem, honesta, trabalhadora, disciplinada e patriota, amigo dos amigos. E nesses dois anos fiz muitos amigos, alguns que se tornaram irmãos, pois as amizades foram forjadas em momentos de dificuldade, onde muitas vezes só tínhamos um ao outro, onde na falta de uma familiar ou de uma companheira, era no ombro do amigo que chorávamos.

Éramos em 75 recrutas na CCS de 89 e logicamente não dá pra ser grande amigo de todos. E quando se vive em comunidade, pequenos atritos acontecem. No geral era amigo de quase todos e muitos lembro com saudade, principalmente quando revejo as 320 fotos que tenho daquele período. Em tempos de câmera digital onde é possível tirar 320 fotos no mesmo dia, essa quantidade de fotos pode parecer pouca, mas para aquela época onde as câmeras não eram digitais e tínhamos que comprar as fotos do Jackson, fotografo do quartel, com nosso misero salário, até que essa quantidade é razoável.

Findo aqui essa pequena série de memórias que é comemorativa aos 20 anos de minha vinda para Curitiba e incorporação ao Exército. E essa comemoração é também para homenagear aqueles 75 “moleques” que na manhã de 13/02/1989, há vinte anos, adentraram aos portões do 20º Batalhão de Infantaria Blindado. A partir daquele momento suas vidas mudaram de alguma forma e esses moleques começaram a se tornar homens e a forjar suas personalidades.

E segue uma menção especial ao Renato (Quick), que já nos deixou há muito tempo e ao Joelmir que sofreu um grave acidente fazem alguns anos. Como não tenho contato com todos daquela época, não é possível confirmar se mais alguém daquele grupo já partiu para as terras celestes do infante. Existem alguns boatos de outras mortes, como o Miato e do Claudio, mas nada confirmado.

E para os amigos vivos deixo a seguinte mensagem:

Os  heróis já tombaram das alturas,

Covardes, bravos, jazem olvidados;

Seus feitos, tudo aos livros relegados;

Nada mais resta, apenas sepulturas.

E eu, quem sou? Perguntam eu quem sou?

Pois bem, eu lhes direi: sou um soldado

Igual a qualquer outro que lutou,

Que avançou, combateu, foi derrubado.

Mas o importante é que sou (fui) da infantaria…

13 opiniões sobre “HÁ 20 ANOS… (PARTE III)

  • 4 de janeiro de 2010 em 20:29
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    cara esse pavilhao nao mudou em nada!!!

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  • 5 de março de 2010 em 22:22
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    Ola guerreiro, linda foto tbém tenho boas lembranças deste pavilhão,do 20ºBib estive ai em 1983/1984, gostaria de ter notícias dos companheiros, um abraço.

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    • 6 de março de 2010 em 13:30
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      Olá…

      Do pessoal de 83/84 não conheço ou tenho contato. Uma froma de encontrar alguém é procurar em comunidades do Orkut ou Grupos de Discussão do Yahoo.

      Grande abraço,Vander

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  • 25 de janeiro de 2011 em 11:37
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    Caro Vander, suas narrativas levaram-me ao ano de 1977 na minha própria incorporação, na mesma Cia, apenas que naquela época chamava-se apenas Companhia de Serviços. Lamento que não existia a internet para prostramos nossas experiências. Sugiro que ao colega crie um espaço para reservistas do 20º BIB de todos os tempos, será muito interessante, um grande abraço do Cabo 312 Júnior.

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    • 27 de janeiro de 2011 em 13:14
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      Oi,

      Sua sugestão sobre criar um espaço para os reservistas do 20 é bem interessante, mas no momento não posso fazê-lo, pois já me falta tempo até mesmo para manter meu blog. No Orkut você vai encontrar algumas comunidades de pessoas que servviram no 20 BIB em vários anos. E no Yahoo Groups também, inclusive tem uma Grupo lá do pessoal da CCs de 1989, que foi meu ano de incorporaçao. Esse Grupo é mantido pelo Josué, um amigo de Londrina.

      Grande abaço e obrigado pela visita ao blog.

      Vander

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    • 10 de março de 2011 em 01:00
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      Cabo Junior, servi também na Cia SV em 1977, Soldado Maciel-1319, lembro vagamente de vc. Tentei inumeras vezes “achar” alguns praças de 77 mas muitos (ou quase todos)eu não tenho o nome completo. Tenho contato com o Sd Jacir – 1327 pque moramos na mesma cidade(Campo Mourão)se tiver noticias de mais alguem, mande-me um E-mail para brizolla_elio@hotmail.com. Um grande abraço, Maciel.

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  • 22 de maio de 2011 em 13:47
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    Cara que viagem no tempo!!! Lembra de mim o soldado anderson ou 394? Infelizmente não estou na foto da cia porque fui transferido pra 1º cia de fuzileiro blinado por causa do taf. Lembra do soldado Dan? Tá no orkut. Me adiciona no orkut!
    meu email do orkut é: anderson-takeda@hotmail.com
    Ah, nes tresentas e tantas fotos que voedisse que tem, talvez eu esteja lá!!!! Minhas primas pegaram todas as minhas fotos na época. Vamos manter contato! Abração!!

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    • 25 de maio de 2011 em 22:36
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      Oi,

      Não estou lembrando de você. Sou da incorporação de 89. Será que você não é de 88 ou 90?
      De qualquer forma obrigado pela visita ao blog e pelo comentário.

      Abraço,
      Vander

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  • 29 de julho de 2011 em 13:21
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    Daí antigão!

    Lindo Post! Você não tem noção da saudade que me deu daqueles tempos.

    Obrigado reviver estas lembranças

    Grande abraço.

    Sd 448 Skora – PelCom 1990

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    • 29 de julho de 2011 em 15:06
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      Oi Skora,  

      Lembro bem de você, pois erámos do mesmo pelotão em 90. Eu soldado antigo e você recruata. Bons tempos aqueles, dá muita saudade.  

      Grande abraço,  
      Soldado 1027 – Vanderlei – PelCom/1989-1991

       

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  • 28 de julho de 2020 em 14:04
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    Grande dia esse 13/02/1989. E um ano inteiro de saudosas lembranças. Sd 1301 Ribeiro, PAP, 3º Cia Fzl Bld, Altaneira! Aço! Boina Preta! Brasil!

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